Os trabalhos iniciaram-se com a apresentação do espumante Millésime 2009, um Brut produzido apenas em safras excepcionais (2004, 2005, 2006, 2008 e 2009, a última safra, até onde encontrei, e condiz com informação do sítio do produtor: envelhecimento de pelo menos 18 meses). Também segundo o sítio, este blend de Pinot Noir e Chardonnay, "Em boca revela delicada cremosidade, sedutora acidez e longa persistência". Gostei do "Em boca", mas definitivamente apreciei mais no nariz. Não sou conhecedor de espumantes (mais por não ter aprendido, ainda, do que por qualquer outro motivo), embora sempre tente um ou outro. O Astoria, um Prosecco importado pela Zahil, chamou-me a atenção, certa vez. O Millésime, não.
Seguiu-se o Cuvée Giuseppe Chardonnay D.O. 2011, que... vergonhosamente, não percebi que provei. Havia me esquecido dele, e fui lembrado quando liguei para o Leo, da Mercearia, para perguntar sobre as safras dos vinhos degustados. Então vou me fiar no único comentário encontrado no sítio da Miolo: "Duda (dudacgoncalvez@ymail.com) | 19/5/2011 23:28:34 |(100% : nota 5) Fantástico! Untuoso e com excelente acidez, lembrou grandes Chilenos e até alguns Californianos que tomei, Melhor branco nacional que ja provei!". Enviei uma mensagem para o valente e despojado Duda, mas infelizmente recebi como retorno um fatídico "Delivery to the following recipient failed permanently". É impressionante como as pessoas criam contas e as abandonam logo depois... deveria haver uma lei contra isso.
Entrando nos tintos, foi a vez do Cuvée Giuseppe Merlot/Cabernet D.O. Safra 2010.
Abrindo parênteses: Cuvée é um termo que volta e meia encontramos em rótulos de diversos países e, além de uma palavra bonitinha e estrangeira (ter um rótulo com palavra estrangeira estampada talvez possa fazer com que produtos custem o dobro por nada), não diz absolutamente nada quanto a qualidade. Seu uso não é regulado pela legislação de qualquer país (ou alguém avise-me, por favor), e de forma alguma assegura qualquer millésime de qualidade. Assim, fica a pergunta: no sítio consta "Um vinho de qualidade assegurada"; assegurada por quem? Fechando parênteses.
Com 13,5% de álcool, tem um conjunto interessante no nariz; fruta e uma madeira bem leve. Está na classe dos vinhos de boa apresentação (nariz) seguida de decepção (boca), o que não é um pecado mortal; antes, mostra como é difícil produzir bons vinhos (bom no sentido de completo, com integração nariz-boca). Ao contrário do sítio, não enche a boca - bem, quando você sorve da taça a boca se enche de vinho... - e o final é muito curto.
O Merlot Terroir 2009, com um ano de maturação em barricas francesas e outro ano na garrafa, é considerado pela vinícola como um ultra premium. Tem 14% de álcool, também bem integrados com o buquê, boa madeira, fruta evidente. Seu volume na boca é mais evidente do que o apresentado pelo Cuvée Giuseppe; é mais redondo, aveludado e o final é mais longo, embora ainda seja curto. A Miolo tem um vinho cujo final aproxima-se de longo (sem atingi-lo, diga-se, que é o Lote 43; contudo, este não foi provado na degustação). Apenas um comentário sobre a figura ilustrativa no sítio da Miolo: leio "básico semiluxo" pensando primeiro que "luxo" não se confunde com "básico", e em segundo pensando em uma mulher "semigrávida"...
Fonte: sítio da Miolo. |
Fora do roteiro original da degustação, apareceu o Quinta do Seival Castas Portuguesas 2008, um corte de Touriga Nacional e Tinta Roriz, que se expressam de maneira muito diferente aqui no Brasil. Concordo que isso seja uma obviedade, mas o resultado em nada lembra a Touriga - ao menos para mim, e também reconheço estar aprendendo sobre castas portuguesas praticamente agora, quando começam a chegar ao país varietais portugueses de preços acessíveis. Ainda assim, boa fruta, boa madeira e seus 14% de álcool também apresentam-se bem integrados, embora eu não possa concordar com o sítio, "vinho potente e altamente estruturado, com bom volume de boca ". Não é potente, é de corpo médio. É "estruturado", mas o "altamente" fica por conta da liberdade poética do departamento de marketing. Tenha-se que sua abertura aconteceu no final do evento, por resolução do proprietário da Mercearia, o sr. Idinir, que, percebendo algumas fisionomias desconfortadas, fez questão de brindar todos os presentes com mais alguns goles. Talvez a decisão tenha sido um pouco tardia, pois não houve a hora de descanso sugerida pelo produtor; o vinho descansou por algo como vinte minutos, meia hora.
Por conclusão
Outro bom evento promovido pela Mercearia 3M, com tratamento sempre muito bom por parte dos funcionários, srs. Leo o João, e do proprietário, sr. Idinir. A Mercearia sempre prima por boas parcerias, embora em alguns momentos pareça quixotesca a necessidade de ter de competir com o sítio do próprio produtor (e nem me parece lá tão boa parceria). O duro é que consegue competir.Uma certa má vontade deste parecerista para com os vinhos (analisados em particular e nacionais em boa parte) deve-se a vários fatores:
- A recente história da salvaguarda (e, antes dela, do selo obrigatório) mostra grupos empresariais mais interessados em lesar o consumidor do que ajudá-lo (ou, para ser mais elegante, para "fazer uma parceria com ele"). Brigassem esses grupos por menos impostos - nem que fosse apenas para os vinhos nacionais (que mal há nisso?) - em troca de uma redução nas margens, teríamos a sensação de um serviço à nação (e a nós próprios, consumidores), sem contar que os tais grupos se ajudariam a si mesmos (imagem, mais vendas, etc). Mas a opção é clara, e é contra o consumidor.
- As próprias margens, que são pornográficas além daquelas de vários importadores (descarte-se produções minúsculas, onde o trabalho francamente artesanal não consegue competir com a mecanização); o envio de Lote 43 aos Estados Unidos com preço de venda lá a R$ 52,00, conforme comentei em postagem antiga, sugere preço FOB pela metade, R$ 26,00. Por que pagamos (bem, eu não pago; nos é oferecido a) R$ 100,00 por ele? Gente, o imposto aqui é só 50%! (não sei se "sic" ou "risos"!).
- Traduzindo as margens em mais números. De tão fácil, chega a ser ridícula a tarefa de encontrar vinhos bem mais baratos e que agradem mais. Um corte geral de 50% nesses custos colocaria os vinhos nacionais na mesa dos brasileiros que conhecem um pouco sobre o tema. Como está, continua sendo necessária uma lei obrigando os comerciantes a reservarem "x" por cento do espaço aos nacionais. Ainda bem que não saiu uma lei obrigando o consumidor a comprar "x" por cento de suas garrafas em nacionais... mas é melhor não ficar dando ideias...
- A mania de promover o produto para muito além de seu patamar, e acabar caindo em armadilhas semânticas e de extremo mau gosto: "básico semiluxo"; "ícone", mas com produção de 80 mil garrafas... melhor parar.
Em tempo, justiça seja feita: enviei cinco mensagens para clientes que deram opinião sobre o Cuvée Giuseppe Merlot/Cabernet, e nenhuma mensagem voltou, pelo menos no tempo em que escrevi esta postagem. Em tempos de Black Friday, onde o Procon notificou diversas empresas, várias delas de "grosso calibre" - e que deveriam ser de maior confiança do consumidor - é dever de cada um fazer a sua parte ao desconfiar de alguma prática abusiva. Faço a minha, e apresento os resultados, ainda que contrários às minhas suspeitas.
Bons goles.