Sunday, May 5, 2024

Sobre Hobbits e Homens

Introito: reservas infinitas de estupidez

   Sim, o brasio é isso: um dos poucos países do mundo com reservas infinitas de estupidez. Sendo nossa população finita (sic), e existindo cá alguns escassos iluminados - este a escrever é muito modestamente apenas mero ponto fora da curva - dá para calcular o quanto somos um povo sem noção. Dentro da plataforma do blog, clicando desavisadamente caí numa seção raramente visitada: aquela onde - não sei como nem porquê - mantém certos comentários descartados ou não encaminhados para meu e-mail. Por esse motivo vários apontamentos ficam sem reposta, embora outros foram sim descartados ao entrarem em minha caixa postal. Hoje apaguei mais de 200, e publiquei uns poucos - principalmente do sempre participativo e generoso Don Flavitxo. Preciso pedir desculpas pelo meu tosco domínio de Blog; o silêncio não foi desleixo nem soberba. Se o leitor recebe esta introdução como uma forçação (sic) de barra, invencionice do articulista para superestimar o espaço, veja só:


   Na postagem Escolha Sua Tragédia II, ato final foram no mínimo três comentários dispensáveis. Um reclama de ter suas bobagens democraticamente censuradas. Não tem noção; o sujeito quer ser publicado de qualquer maneira. Desconhece a célebre frase de Edward Coke, jurista inglês do Renascimento, para quem A casa de um homem é seu castelo. Certo, a frase tem muito mais profundidade do que atribuída aqui, não entrarei nesse mérito. Resumindo, a lei da 'vida real' vale para a 'vida virtual', e o blog é extremamente democrático dentro das leis estabelecidas por seu proprietário - eu. Minha opinião política não está sob julgamento ou discussão. Pule-a, se não quiser saber sobre política. O segundo idiota ignora o uso da ironia! A terceira opinião, inteiramente apagada, apenas registra para o leitor o fato de tontos em geral pretenderem poluir estas excelsas páginas com o excremento em estado puro exalado de seus cérebros. Não passarão. E tem mais:


   O primeiro comentário é até razoável, mas é isso mesmo: não publico réplicas sobre política, ainda que apoiem a premissa do blog! Pouco adianta reforçar meu ponto de vista; a proposta editorial é de não abrir oportunidade a tais comentários. Ponto! 


   Esta terceira, é um primor. Reforçando: o blog é democrático. E eu leio tudo sim - o que chega ao meu e-mail, pelo menos - não por curiosidade como pobremente supõe o detrator, mas para em primeiro moderar de fato (comprova meu apego à democracia), depois (e não menos importante) para procurar algum resquício de inteligência no debate, tornando-o digno de discussão. Claro, em 99% dos casos é perda de tempo. Mas o caboclo crê-me apenas curioso. É a estória conhecida, das reservas infinitas de estupidez.

A Dayane e a Renata

Um monte de postagens atrasadas, mas hoje a Dayane e a Renata passaram para almoçar. Saíram, estava escurecendo... horas e mais horas de conversa, reflexões, risadas, causos, planos e muito mais. Pelo começo: a Dayane já pensava em lançar mão de uma Xampa Taittinger - Brut básica, reba - que compramos em 'promo' de 300tinha. Ficou em cima da hora para cozinhar algo a contento, e sugeri uma mudança de planos: meu indefectível filé ao molho gorgo com um tintinho nojento, precedido um um espumantezinho honesto e sincero (risos!). A Cava Cordon Negro já apareceu demais aqui, principalmente nos últimos tempos, e é hors concours; como tintinho cacei um Castel del Monte Il Falcone Riserva 2013, da Azienda Vinicola Rivera, localizado na Puglia. Embora alguns lojistas nacionais digam tratar-se de um corte 70% Nero di Troia e 30% Montepulciano, o sítio do produtor diz 70% Nero di Troia e 30% de outras variedades locais. Também chamada de Uva di Troia, remete à cidade de Tróia na Puglia. A lenda de sua fundação faz conexão com a Tróia antiga, da atual Turquia, conquistada por Aquiles e sua turma, conforme Homero contou em sua Ilíada. Il Falcone aerou por uma hora antes de ganhar o balde e depois pular para as taças. Na primeira cafundaga a Dayane invocou Biotônico Fontoura...(!) Acho que a Renata falou um pouco da madeira, bem presente. Resfriado um pouco mais - além de maior aeração? - seus toques de fruta apareceram, junto de couro ou chocolate, e mais notas. Taninos já macios revelam o vinho em seu apogeu, com boa acidez e final médio, tudo bem equilibrado, casando razoavelmente com o bifim, em harmonização que não brilhou mas sem decepcionar. É bom enfatizar: nada tem a ver com essas porcarias de Primitivos de Puglia infestando prateleiras e tentando competir (sic) com igualmente ruins Primitivos de Manduria, todos invariavelmente doces e desbalanceados. Dizem existir Primitivos de Manduria sem o dulçor enjoativo. Talvez, conheço pouco. Só espero não me aparecerem pela frente, antes de morrer, a Mula sem Cabeça, o Boto Cor de Rosa e o ET de Varginha, tudo juntos e misturados, antes de eu conhecer um Primitivo (qualquer um!) sem esse dulçor dos quintos dos infernos (risos!)

A conclusão deu-se com um gorgo nojentinho escoltado por três vinhos de sobremesa, também provados todos em encontro não postado. Teve um Colheita Tardia da Aurora 2021, corte de Malvasia e Moscato. Para minha completa surpresa - já acontecera antes - ele praticamente equiparou-se ao Tarapacá Late Harvest com seu corte Sauvignon Blanc, Viognier, Gewurztraminer e Chardonnay. Ambos com agradável toque cítrico - para mim sempre soa à folha de laranjeira, embora as meninas identificassem um cítrico de outra origem - mas no Tarapacá a nota de mel também estava evidente, deixando-lhe um pouco mais de sofisticação. Ou talvez este Enochato simplesmente tenha notado esse ponto favorável do Tarapacá sem ter conseguido decifrar algum detalhe mais sutil do Aurora. Ambos, claro, com baixa acidez, deixando o doce prevalecer em boca e proporcionando algum desequilíbrio. O Doisy-Védrines, já muito comentado, levou todo mundo no peito, sem o mínimo esforço. Portanto, um vinho nacional competindo de igual para igual com um vinho Chileno aparece nas páginas do blog, e é retratado como tal, sem o menor preconceito do articulista. Um pelo outro, diria uma grata surpresa! É quando o nosso vinho, minúsculo, discreto, desimportante, um Hobbit por assim dizer (rs) pareia ombro a ombro com 'vinho de homem'. Afinal, bem ou mal, o Chile é o sétimo ou oitavo mais importante produtor de vinhos do mundo. Por favor, caterva, sem ilusões de achar que podemos competir com espumantes ou tintos de Xampanhe ou Médoc, como se entre nós e 'eles' (no caso de Xampas) não existissem Cavas, Brutos (um dos tipos de espumantes portugueses), Crémants (da Borgonha, da Alsácia, do Loire, de Bordeaux, de Limux, etc.), Prossecos, Sekts e uma miríade de outros. Apenas tolos sustentam que podemos competir com tintos e espumantes. 

Parece que podemos competir, regionalmente, com vinhos de sobremesa. Um Aurora Colheita Tardia custa R$ 30,00, o que dá USD 6,00. Um Taracapá custa no Chile USD 8,00. A bem da verdade essa safra da Aurora foi produzida com trabalho escravo, mas dou-me o direito de imaginar que o valor tenha sido reajustado desde aquele escândalo e hoje o sítio do produtor mostre um montante devidamente estabilizado. Então posso dizer: tem que custar a metade, e se necessário ser vendido em caixinha longa vida - o Taracapá vem de longe e usa rolha! - e assim poderemos reduzir o custo para o consumidor. Aguardo um vinho com qualidade mínima e preço adequado para dizer aos quatro ventos que produzimos vinho razoável. Vinho a custo alto não é admissível em um país agrícola

Thursday, May 2, 2024

O níver do Paulão, 2

Introito

Esta degustação aconteceu antes do níver do Paulão, mas a festa oficial teve preferência na publicação por motivos óbvios. E vamos logo, pois já estamos atrasados... Parafraseando e contrariando o Ghidelli, pode ter sido muita festa, mas nunca que foi muito vinho!

A Paduca aquecendo os tamborins

Paulão mandou um zápi tocando o terror e anunciando um embate até a morte entre o vinho dele e o meu, ao que eu dei de ombros. Sei como tratar fanfarrões assim; meu 1/4 de sangue calabrês não nega as origens. Paulão chegou com seu justiceiro embrulhado, e encontrou o meu da mesma maneira. Experimentei o dele notando bastante fruta no nariz, mas sem arriscar um palpite de onde seria. Tentei encontrar alguma nota diferente, mas parece que meu nariz - para variar - ultimamente anda muito arredio. Acidez um pouco baixa, algo ligeiro em boca, final rápido, também. Quando revelado, descobri tratar-se de um Ramón Bilbao Reserva 2016, Riojano das Bodegas Ramón Bilbao que completam 100 anos em 2024, com 14% de álcool só um pouco detectáveis, e comprado em ótima 'promo'. Meu escolhido pareceu ter sido reconhecido pelo Duílio, mas depois ele mudou de opinião. Já comentei em todas as confrarias: não tente chutar a procedência o vinho apenas por chutar. Procure as características que você reconhece, ative sua memória olfativa e faça o seu melhor. Errar não é um problema, faz parte da diversão. Os confrades notam o quanto erro em nossos encontros, e é muito mais do que acerto. Bem, o Gattavecchi Riserva dei Padri Serviti 2013 é um Vino Nobile di Montepulciano produzido ao redor da cidade de mesmo nome, localizada no sul da Toscana. Um vinho 100%, Sangiovese, produzido pela Societá Vinicola Toppetta, não deve ser confundido com a cepa Montepulciano plantada ao redor da cidade de Abruzzo, na região central da Itália. Gattavecchi podia não ter a fruta tão abundante quanto Bilbao, mas estava bem mais complexo: além da fruta tinha terra, ou algo herbáceo; sobravam mais notas. Fumo? Chocolate? Algo assim. Talvez meu nariz não estivesse tão ruim assim... Acidez melhor, contribuindo para boca mais marcada, com final longo. Os Paduquentos ainda não estão acostumados com essas sutilezas, o que é compreensível. Há menos de um ano estávamos bebendo vinhos portugueses - ou sul-americanos - na faixa de R$ 50,00-R$ 70,00, às vezes bem comprados, às vezes não... Para eles, Bilbao Reserva esteve melhor. Para mim, não. O leitor decide (risos). Acabaram-se os vinhos, o entusiasmo não. Perguntaram-me o que eu teria se fosse abrir algo para o cachorro. Disse-lhes que abriria algo que sequer serviria para o cachorro - uma canalhice se paga com outra, certo? O Torre Oria Shiraz (😣 a safra estava no contrarrótulo) foi comprado há algum tempo, antes da pandemia, creio, e é produzido pela Bodegas Torre Oria, estabelecida em Utiel-Requena. Para quem não sabe de onde já ouviu falar desse nome, é a mesma procedência do famigerado Toro Loco. Lembram-se das reportagens de 2012 dizendo-o um dos melhores vinhos do mundo por R$ 11,50? Aqui e aqui. Claro, depois a blogosfera repetiu ad nauseam... bem, conforme este Enochato, ele era apenas um vinho honesto para o valor. Torre Oria repete a fórmula: fruta na frente, sem muito mais, baixa acidez, algo ligeiro, com com um dulçor agradável para iniciantes ou para beber apenas uma taça bem comedida. Depois disso, fica enjoativo. Boas bocas pegam esse enjoativo de saída. Os vinhos da Torre Oria chegaram a ser campões de vendas quanto o Shot mantinha a franquia com a Vinho Alguma Coisa, mas parece que em algum tempo o público simplesmente desistiu deles. Uma palavra sobre a foto: ela não tenta imitar a Crucificação. Não! O Salvador não está ladeado pelos salafrários! É o contrário!

Monday, April 29, 2024

O níver do Paulão

Introito

Remember, gentlemen,
it’s not just France we are fighting for,
it’s Champagne!
Winston Churchill

In victory, you deserve Champagne;
in defeat, you need it.
Napoleon Bonaparte

Paulão está de níver novo (rs), e para prestar seus respeitos à data encontram-se os pingaidos da Paduca, suas respectivas e um casal de amigos dele, Neto e Andreza. Por ordem, Oenochato, Paulão, Dona Claudia e Chiquinho, Duílio e Dona Eva, Dona Andreza e Neto. O Fernando saíra mais cedo, por conta das crianças: não conseguindo uma reposição para a cuidadora do turno seguinte que o deixara na mão, precisou apresentar-se às 22:00 para render a vigia em sua jornada regular e assim passou a tomar conta de seus pais octogenários. Uma pena. Artimanhosamente (sic, rs), pedi ao aniversariante para comprar nosso espumante preferido, a Cava Cordon Negro, da Freixenet. Por 80tão aqui em S. Carlos, sempre é uma boa pedida para abertura de serviços (rs) ou comemorações em geral. A bem da verdade, antes do Cordon Negro - enquanto não chegavam todos os convivas - servi um La Belle de Jour rosé, o vinho do Alceu Valença, como dizem por aí. E é isso mesmo: o proprietário da vinícola Quinta da Atela - parece ser um dos seus menores negócios - é amigo do nosso grande cantor, e quis fazer um vinho homenageando-o. Acho válido, mas minha má estima para com rosés também não foi superada com esse exemplar. Frutadinho no nariz, leve em boca, baixa acidez e uma maravilhosa cor de salmão, esse vinho é produzido com a desconhecida (para nós) Castelão. Infelizmente o rótulo não mostra a safra... Os marmanjos, pelo menos, tiveram a decência de não reclamar; o Neto experimentou uma tacinha e começou a falar de sua especialidade: cachaças. Não me agradar conta muito pouco para um rosé; as meninas adoraram. Então, para leitores que curtem, está por cerca de 60tinha no Shot Café e Vinho, ali na Quinze. A dada altura servi o Cordon Negro. É um espumante já comentado aqui diversas vezes, mas notei mais frescor nesse exemplar. Acho que a Mercearia 3M recebeu reposição de lote importado recentemente, e comprar algumas garrafas para beber nos próximos meses deixará o consumidor bastante feliz.

Na sequência servi às cegas outro espumante. Ele mostrou nariz muito mais rico e delicado, cítrico com uma mistura de frutas, pão - fermento, na verdade -, e mais notas. Boca com ótimo frescor, acidez marcante e contrabalançada por um dulçor agradável e longa permanência, daquelas que o bebedor engole, saliva e sente a continuidade do vinho na boca. O Fernando fez cara de poucos amigos e disparou: Achara ambos muito parecidos. O Neto olhou surpreso e disse que o segundo era muito superior. Paulão achou superior e o Duílio não notou tanta diferença - ou foi o contrário? Entre as garotas, o interesse pelo segundo espumante foi explícito. Elas não tinham ideia do que bebiam, mas seus sorrisos diziam tudo. O Champagne Barbier-Louvet Cuvée D'Ensemble Grande Cru surpreendeu a todos pela exclusividade - nunca haviam bebido uma Xampa Grand Cru e precisei desmembrar-me em mentiras para dar-lhes um panorama geral sobre a região, comentando rapidamente sobre terrenos Premier Cru e Grand Cru. Quanto ao Fernando, achei honesto quando externou sua impressão com sinceridade. Eu mesmo já estive em situação similar com duas taças na mão, certa vez no Consulado de Portugal, provando de um Roquette e Cazes junto de um Esporão Private Selection e não percebendo muito bem suas diferenças. Quando bebemos vinhos muitos diferentes dos que estamos acostumados, é-nos difícil entender a experiência no primeiro momento. Comigo foi assim também quando abri um Porto que deixara oxidar por mais de 20 anos. O Akira adorou, e o longo de alguns meses consumiu boa parte da garrafa em pequenas doses. Eu o acompanhava comedidamente, sem curtir muito, inicialmente. Só pelo final a ficha foi caindo, e sua degustação passou a fazer sentido. Não há demérito em desconhecer sobre vinho; desmerecimento mesmo é fechar-se e privar-se de oportunidades. 

Com o salomão (rs) preparado pela D. Cláudia chegou um Chablis Premier Cru Côte de Léchet 2016 da La Chablisienne, ótima cooperativa borgonhesa. Um dos últimos exemplares da caixa comprada em ótima 'promo' da Clarets - na época acho que ficou por volta de R$ 200,00 rasos - mostrou nariz cítrico, algo mineral - indicando que, acredito, ainda esteja no ápice - mineralidade repetida em boca na forma de um ligeiro salgadinho, ótima acidez e permanência, bom final. O problema foi o salomão (rs) com um tanto de alho, que colidiu com o vinho e não permitiu melhor harmonização. Não antecipei que D. Cláudia pudesse optar por esse preparo do peixe... mea culpa, mea maxima culpa... Finalmente, o Calcu Gran Reserva Rosé 2021, feito de Malbec, apesar de uma cor bem bonita, pouco acrescentou à minha percepção sobre rosés. A ideia do Paulão era pegar o branco, já velho conhecido nosso, mas estava em falta. Para não deixar o vácuo - o inominável vácuo - tomar conta, ele optou pelo rosé em vez de escolher outro branco. Ligeirinho que só ele (rs), não fez jus à versão Sauvignon Blanc-Semillion: 12,5% de álcool, baixa acidez, alguma graça no nariz e rápido em boca, não foi suficiente para aproximar-se do Gran Reserva branco, que recomendo. Teve sobremesa e vinho, mas já tinha alcançado meu limite...

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🐭 Rata!
Como bem observado pelo Jairo, o Shot fica na Carlos Botelho...

Sunday, April 21, 2024

Foi Massa!, 2

Introito

O sábado passado começou com dona Lu(ciana) atiçando para inaugurarmos sua adega e espaço VIP, comigo dizendo Sim, sim... enquanto torcia para melhorar de minha condição clínica tocada a alguns medicamentos ingeridos na tarde do dia anterior. Liu, Mário e Edu Viagens (rs) já haviam confirmado presença e eu na sinuca de bico. Melhorei à tarde e, mesmo sem estar 100%, resolvi descontar; algum vinhobão pegaria a conta. A Lu estava de viagem marcada na terça, e senti a ansiedade em suas palavras digitadas (sic) no uátizzapi: 19:30. Risos! Na foto, a Liu em primeiro plano, junto deste Enochato. Atrás, a partir da esquerda, o Mário de joelhos, a Lu em cima da cadeira e o Eduardo em pé 🤣. Vou então recobrar a introdução da última postagem, acerca das supostas mentiras contadas por este escriba. É clara brincadeira quando digo mentir, inventar ou aumentar os relatos aqui no blog. São todos eles absolutamente rigorosos, honestos e verdadeiros, como este, narrando a dancinha alegre de Don Flavitxo. Ou este e este, narrando degustações de vinhos antigos, oxidados. Assim, para proporcionar aos confrades uma experiência diferente e reafirmar honestidade intelectual da publicação - como se fosse preciso -, resolvi escolher um vinho que pudesse estar parcialmente oxidado.

O espaço da Luciana já era aconchegante. Ficou mais: uma mesona feita para acomodar tranquilamente 12 pessoas, cadeiras confortáveis e cozinha remodelada. Como diriam, chique no úrtimo. Nesse clima o Eduardo compareceu com vinho da Capadócia, produzido pela vinícola Kocabağ, o Misli Öküzgözü-Boğazkere 2020(?). Misli é o nome do vinho; Öküzgözü é uma cepa nativa da Turquia com características frequentemente comparadas às da Pinot Noir, e muitas vezes cortada justamente com a Boğazkere, outra capa turca, muito tânica - a tradução de seu nome significa queimador de gargantas, e por isso pode ter similaridade com a Tannat. Ao contrário desse terrorismo todo, encontramos um vinho leve, corpo médio e olha lá, com muita fruta no nariz e repetindo-se na boca; taninos discretos, já arredondados, acidez deixando um pouco a desejar, nem tão ligeiro nem tão marcado. Um vinho com certa simplicidade, mas onde narizes melhores provavelmente tirariam melhor proveito - o meu anda um tanto ruim. Seu preço segundo o Edu estaria em uns R$ 85,00. 

Depois de viajar para a Argentina, agora a Liu tenta acabar com as maldições trazidas de lá (rs). Brindou-nos com o D.V. Catena Cabernet-Malbec 2021, enquanto a Lu (também participante da viagem coordenada pelo Eduardo) ainda guarda seus medalhões para beber em melhor companhia. O corte é meio a meio, e o vinho passa por 16 meses em madeira numa combinação não linear (sic) de barricas francesas (novas ou não) e americanas. Não entendo esse tratamento para um vinho relativamente simples. Tinha fruta bem evidente e, sendo sincero, ao contrário de um Catena provado anteriormente não estava na goiaba enjoativa; não sei se é questão de safra ou se esse exemplar, mais envelhecido, arredondou com o tempo. Sim, estava melhor equilibrado, apesar da acidez baixa colaborar com a boca ligeira, mas é o que temos para nosso pobre terroir latino americano, sem dinheiro no banco, sem parentes importantes, e vindo do interior... Mas o que tem basta para alguns avaliadores concederem-lhe 93 pontos, embora este Enochato atribua-lhe 83. Convenhamos, é uma nota digna. O Misli, pelo equilíbrio e acidez ligeiramente melhor, levaria seus 85. Aportei às cegas um Amarone Classico 1998 do Allegrini. Esperava fruta mais fresca, mas não encontrei e deixei rolar para ouvir os comentários. O Mário achou estranho, mas sem agredir. Perguntei se ele notava toques de frutas secas, ele disse que sim. De repente a Liu comenta: Couro, bem evidente - um dos sinais de vinho oxidado. Imaginava - somente da minha cabeça - que um Amarone de bom produtor pudesse manter parte da fruta em 20 anos, mas se ela estava lá, não consegui pegar. Tinha uma oxidação equilibrada, sem agredir conforme o Mário repetiu em algum momento, acidez quase média, corpo médio e álcool equilibrado. A persistência não impressionou, e a massa - lasanha prepara pela Lu - não foi um par tão bom, conquanto eles não tenham ido em direções contrárias. Com seus 15% de álcool, se tivesse mantido mais fruta fresca, talvez combinasse melhor. Preciso contar com a indulgência dos confrades para encaixar essa brincadeira na linha de Vino Oxidado, e não em Amarone. E, claro, oferecer-lhes um Amarone mais novo para introduzi-los ao conceito desse vinho. Não tenho outro Allegrini; espero que se satisfaçam com um humilde Tommasi...

Como brincadeira final, balancei o último teco de bebida que restara na garrafa e virei de uma vez em minha taça. Estava lá a borra - já falei sobre ela, aqui. A Luciana providenciou um pão, e todos experimentaram. Houve quem gostou, quem não se pronunciou e quem disse não agrediu (risos!). Eu não havia avisado, e o pão disponível tinha casca macia. Penso se ficaria melhor em um pão italiano, daqueles com casca grossa. De qualquer maneira - espero terem sido todos sinceros - a experiência foi considerada interessante, e dessa maneira este Enochato saiu convencido de ter prestado mais um relevante e inestimável serviço para a humanidade, iluminando com seus magníficos conhecimentos ao menos uma parte dela. Nunca é demais repetir: a borra constitui-se em pequena parte de alguns vinhos, e desprezá-la sem dar-lhe ao menos uma chance pode ser um desperdício. Tente, se tiver oportunidade. Afinal, o bom bebedor deve estar aberto a provar não apenas os mais diferentes vinhos como também aproveitar as dicas que vão surgindo no meio de seu caminho. Com relação à ultima postagem, agradeço ao Roger a paciência em discutir uma concordância capciosa proposta pela minha genialidade sem limites, turbinada a umas boas talagadas de uísque, quase à meia-noite, minutos antes de sua publicação.

A Liu insistiu ter pago cerca de R$ 80,00 pelo D.V. Catena, na Bodega. Não duvido. Mas encontrei oferta dele mais em conta na Argentina: R$ 52,00. Pergunta: se a loja na Argentina vende a R$ 52,00, por quanto sai da Bodega? Sei que aqui ele custa... R$ 230,00. 



Tungas (pobre consumidor)

   Como o leitor deve suspeitar, assino diversos negociantes de vinhos brasio afora. Estes dias recebi uma oferta aparentemente inebriante:


   Veja o sublinhado: 30 dólas lá fora. Isso dá, nada nada, convertendo pelo oficial, sem IOF, R$ 156,00. Olhando o sítio do produtor, confirmamos o valor: 


   Mas olhando no comércio em geral (de 'lá', claro...)


Menos de 20 dólas! Novamente, a pergunta: se no varejo de 'lá' está 20tão, por quanto saiu do produtor? É sobre esse valor que nossos ousados importadores pagarão os escorchantes impostos incidentes em todas as nossas importações. E neguinho tem o atrevimento de cobrar 4x assim, sem mais? Conta de padeiro - até ligeiramente desonesta - se saiu por USD 10,00, pelo mesmo câmbio dá... R$ 52,00! A VinGarde Valise é uma loja com boas ofertas, mas isso não é o bastante. Oferecer um produto superestimando seu valor lá fora é um erro para lá de grosseiro. Fazer o dever de casa é o mínimo que se espera de um bom vendedor. Porque o risco de passar por picareta - mesmo sem merecê-lo! - é grande. E, como enfatizado aqui com frequência, caro consumidor, não confie em seu político lojista predileto! Jamais! Wine Searcher nele! O vinho está mais de 2x? Pague 3x numa cimitarra. E use-a, claro! 🤣 O fio - garantem - dá para 1.000 cortes de cabeças.

   A tragédia, por óbvio, não para por aí. O Honorável Consumidor é atraído para uma semana de ofertas dedicadas à sua nobre pessoa, com descontos de (ate!) 35%. 


Claro, é anunciado em de maneira geral como 'Descontos de 35%' ...

mas quando vamos olhar parte deles está em 20%... 

   E tudo vai ficando pior: o consumidor talvez fique inicialmente satisfeito com o descontão de 35%

   Só que a naba (sic! rs!) repete-se:

convertendo, R$ 101,00! Ou seja, de 5,75x sem desconto fica na 'promo' apenas 3,75x! Feliz cliente desavisado, comprou sem consultar o Wine Searcher? Os acionistas da importadora levantam-se em salva de palmas pelo seu desapego ao dinheiro... Até qualquer hora...

Monday, April 15, 2024

Foi massa!

Introito

Alguma parte dos leitores são amigos(as) próximos(as) de confrarias diversas e com as quais tenho a felicidade de compartilhar vinhos, alegrias e risadas. Preferem enviar mensagens diretamente, em vez de comentar no blog. Não é raro receber comentários sobre ter inventado estórias demais ou ter contado muitas mentiras em alguma postagem. É verdade, invento e minto mesmo, principalmente sobre os vinhos(!), mas não adianta reclamar; precisa estar atento e apontar o erro; senão, a mentira fica pela verdade... A respeito da postagem passada, alguém protestou pela invencionice da estória do Raul entrar no palco tropeçando e se enrolando com a bandoleira da guitarra. Bom... vejam só a coincidência: na época não conhecia a Ariane, mas parece que estávamos no mesmo lugar e se presenciamos a cena foi por ângulos diferentes. Então, aconteceu sim! Pena ter perdido o contato do Caio Braga, um dos malucos - em show do Raul? Tudo a ver! - que a certa altura começaram a invadir o palco pela borda e a dado momento lançaram-se sobre o cantor para abraçá-lo com o entusiasmo típico dos grandes fãs, decretando o final prematuro do espetáculo. Lembranças felizes são o que de mais doce uma pessoa pode guardar...

Sexta-feira

Havia marcado com a Liu, o Mário e quem mais viesse (rs) um encontro para sexta-feira. A Lu(ciana) tinha relatórios para entregar; a Débora não conseguiu desvencilhar-se de outros compromissos. Quem veio, bebeu. Mas lembrava-me mesmo de comentário da Liu sobre sua curiosidade com australianos. Vinhos, bem entendidos. Artimanhosamente (rs), saquei meu Vasse Felix Cabernet-Merlot 2011, oriundo de Margaret River e possivelmente produto de entrada do ótimo produtor. Temeroso de não estar bom - cantei a possibilidade antes - servi um tanto na taça logo ao abri-lo e... a fruta tão evidente convidou-me a servir um dedinho para cada confrade, à temperatura ambiente mesmo. O Mário falou do álcool aparente - má qué o quê, Marinho?! Abri e servi! (rs!) - e ainda assim Vasse Felix aportava fruta rica e complexa, diria vermelha e negra. Após a garra resfriar, voltei a servir. Sem o excesso de álcool inicial - 14,5% muito bem integrados quando a temperatura chegou no ponto de serviço, mostrou muita elegância. O nariz tinha mais complexidade, e a boca aportou taninos maduros, aveludados, corpo médio, acidez bem presente, e boa permanência. Estava ótimo. Recomendaria com ênfase, não estivesse nas mãos de importadora tubarona - é um vinho de menos de USD 20,00 lá fora, ao custo de R$ 350,00+ aqui (está esgotado, mas o Shiraz é da mesma categoria e custa isso). De suas viagens aos Andes, a Liu apresentou-nos o Polígonos del Vale del Uco San Pablo Malbec 2020 do também bom produtor sul-americano - para nossos padrões -, a Zuccardi. Bebi muitos exemplares dela no passado, quando aparentemente tinha uma linha mais simples; experimentei várias garrafas do 'Q' e uma do 'Z', dos quais gostei. Este Poligonos tinha menos fruta no nariz, se comparado ao Vasse Felix; por outro lado um bom nariz poderia tirar mais coisa de lá.  A Liu mencionou alguma nota, não anotei. Não identificaria muito com Malbec, mas tenho bebido poucos argentinos bons nos últimos anos, e talvez apenas me desacostumei com o estilo. Tem bom equilíbrio - seus 13,5% de álcool não aparecem - não notei madeira, acidez presente - sem fazer os olhos lacrimejarem de emoção - a fruta do nariz repete-se na boca, e não é tão ligeiro. Bem razoável pelo conjunto, mas seu preço espanta: R$ 350,00, contra cerca de R$ 115,00 'lá'. Novamente, 3x; outra tubaronice. Cadê o tal do Mercosul? A nota engraçada - veja no sítio do produtor - fica por conta de dois vinhos com nota 100 na safra 2019: os Finca Piedra Infinita Gravascal e Supercal. Encontrei o primeiro na faixa de R$ 3.060,00, e nem era da safra agraciada com a pontuação máxima. Consumidor otário, compre mesmo! Deixe para mim os Xatenefinhos lá do estrangeiro por menos de USD 100,00... quando puder ir 'para lá', compro algumas garrafas... e vai ter para mim, uma vez que os tontos comprarão Pedra Infinita com minha aprovação e bênção! E vem cá (batendo palmas): Uou, os avaliadores estão acabando (já acabaram, a bem da verdade) com o sistema de pontuação. Qualquer nojeira agora 'ganha' 100 pontos. Farei a Escala Enochática! Só preciso lembrar-me de passar a pontuar os vinhos. Pizza - massa - foi o acompanhamento principal da noite, e conversou bem com o Vasse Felix. Massa também foi o menu o sábado, mas é outra estória.

O Mário apresentou seu Primus Carménère 2014, um monovarietal cujo rótulo deve ter mudado nas safras mais recentes - ou este Enochato está prestes a cometer outro erro grosseiro em sua ridícula trajetória.  Na safra '14 há a indicação de Colchagua Valley como procedência, enquanto o rótulo de safras mais recentes indicam a procedência como Apalta. Bem, Apalta fica no Vale do Colchagua, então para mim trata-se do vinho pesquisado para comparação de preços. Seu contrarrótulo indica notas de chocolate amargo, ameixas e pimenta preta - nessa ordem! - aveludado e final longo. Por partes... para mim, a pimenta - tabasco, na verdade - veio não apenas em primeiro, mas sozinha (risos!). Aveludado? Chama o Vasse (rs) e vamos comparar... O final é longo porque a pimenta não sai da boca nem lavando-a com creolina!, e o 'macio' não sei de onde tiraram. Primus é um Carménère típico, com tabasco de entrada e saída, acidez baixa e sem muito diferencial com similares na faixa de preço. Provei algum no níver do Nagibin, talvez não tenha postado, na faixa dos 10 'Luca' (10 mil Pesos chilenos), e Primus é mais do mesmo estilo, e pronto. Seu preço lá fica em 12 mil Pesos (R$ 64,00), enquanto aqui é encontrado por R$ 184,00. Nova tubaronice. Então faça assim: volte na primeira foto e veja quanto sobrou do Primus. Tá certo, Dona Liu, toda feliz, distribuiu Vasse Felix a torto e a direito, virando a garrafa alegremente em nossas taças duas, três vezes em seguida. Era a bem-aventurança em pessoa... Ainda, a favor de Primus, posso conceder: tinha sim algo a mais no nariz, mas o tabascão vinha com muita força. Talvez narizes melhores dessem-lhe mais crédito. Desnecessário comentar, a carraspana aqui é para o vinho, e não para o Mário. Ele apresentou-me (mais) uma oportunidade para degustar um vinho que jamais compraria, e confirmar minha percepção sobre a cepa. Ainda, recordo: provei sim um bom Carménère chileno, há tempos. O preço é que não agrada.

Mais uma nota de falecimento

Novamente a indefectível senhora visita nossas paragens. Desta vez levou para um lugar melhor o querido Wamberto Paschoal Vanzo, pai da Daniele, mocinha do grupo que Akira e eu chamávamos 'as meninas' - não confundir com a confraria para a qual utilizávamos o mesmo nome. Doutor Vanzo, advogado cuja carreira estendeu-se por mais de 50 anos, deixou-nos aos 83. Fez jus ao ditado segundo o qual 'dizemos jovem ao homem que partiu e sobraram-lhe algumas garrafas na adega'. Convivi pouco com o Vanzo, principalmente nos aniversários e festas familiares para as quais a Dani chamava nossa turminha. Vanzo sempre mostrava um sorriso fácil, ótimo humor - sempre - e transbordava carisma, ao que posso dizer sem a menor dúvida: conhecê-lo foi massa!

Preços


Poligonos...


Primus...

Sunday, April 7, 2024

Mais uma 'Paduscada'

Introito

   Patuscada pode ter o sinônimo de bagunça, mas também abarca o significado de folia - como aquela festa imersa na alegria do Carnaval - e para brincar com o nome da confraria remetendo nossas reuniões a um rega-bofe banhado a bom humor e amizade é um pulo... de forma que a última Paduscada (rs) foi, como sempre, assim mesmo. A Paduca é uma confraria que tem dado muito certo: reuniões nem tão espaçadas para dar tempo de sentir saudades nem tão frequentes a ponto de comprometer o fígado - ou a dignidade - de seus membros cinquentões. Na última terça tivemos mais um encontro, e os assuntos foram os de sempre: política, futebol, vinho, samba, suor e ouriço - principalmente ouriço - e não necessariamente nessa ordem. Aos vinhos...

Às cegas

Duílio chegou com seu vinho embalado, rindo muito - como sempre - e dizendo-se pronto para tocar o terror. Este Enochato encolheu-se na camisa e o Paulão cortou a pizza em oito pedaços - mesmo estando nós em três dessa vez... Nunca sisqueço de uma apresentação do Raul aqui em S. Carlos, na década de 80: ele tão travado a ponto de entrar no palco tropeçando no ar - literalmente - e depois não conseguindo passar a cabeça pela bandoleira da guitarra foi ajudado por uma das garotas do vocal. Recomposto, virou-se para a plateia e soltou um engraçadíssimo Acontéééééci... Paulão e Raul juntos nessa. 

Duílio serviu seu vinho, muito rico em frutas - ambos os confrades deram suas opiniões, até mais de uma fruta cada e não registrei quais - mas não se foi além da fruta, e igualmente não peguei outras notas. Nada de especiaria, chocolate, café, nada, nada, nada. Não é necessariamente um ponto ruim, apenas uma característica. A mesma fruta estava na boca, com leve dulçor, taninos leves e acidez baixa. Pensei comigo o que poderia ser. Um vinho simples, sem dúvida, e como tal muito difícil de estabelecer sua identidade - parabéns para quem consegue. Um pouco na trilha do doce e pelo nariz, achei ter algo a ver com Malbec, e palpitei ser argentino. De qualquer maneira é um vinho muito fácil de beber, principalmente para bebedores de pouco conhecimento e menor sofisticação: não raspa (sic), é macio e cai bem - mas não é Dreher (risos!) - com final rápido e rasteiro. Servi o meu, e os olhares se acenderam... mais complexo, frutas com madeira, boca mais pegada, maior complexidade, taninos mais presentes e melhor acidez - não tão mais aparente mas seguramente maior, com álcool e madeira bem integrados ao conjunto da obra. Ninguém se tocou do que estava bebendo... 

O Duílio pegou muito bem com o Faustino I Gran  Reserva que comprou comigo na boa safra de 2009 e virou fã do produtor. Volta e meia brinda-nos com outra opção, como o Crianza, aqui. Seu vinho dessa vez - não quis perder a 'promo' a R$ 50,00 - foi o Faustino VII Garnacha 2021, que que já bebi na safra 2020 e não apreciei tanto. Garnacha dá bons vinhos na Espanha, e sua versão francesa, a Grenache, está presente em ótimos Xatenêfis (sic) onde ela chega a comparecer como monovarietal, ao menos em algumas safras. Mas definitivamente essa expressão não me tem como fã. É um vinho barato para o padrão europeu - entre 3,50€ e 5,50€, o que dá entre R$ 20,00 e R$ 30,00. Aqui às vezes comparece como artigo de luxo de tão caro, mas também pode ser encontrado em 'promo' atraente - o Dú encontrou aqui em S. Carlos, creio que no Jaú Serve. Varia entre R$ 50,00 e... R$ 180,00 (má na promo (sic! rs!) por R$ 150.00(!)).  Já meu Cinco Forais Reserva fez boa figura. É um vinho mais complexo, custa cerca de 10,00€ em Portugal, o que dá o dobro ou mais do Faustino, e tem mesmo um padrão melhor. A péssima notícia fica pelo seu preço atual: comprei certa vez, em 'promo' - desconto de uns 40% - a R$ 77,00 - ótima compra! Atualmente está em tubaronescos R$ 250,00, explicáveis pela política da importadora - a Chez France - em tocar o preço nas alturas e depois oferecer 'descontos' de 50%. A Chez trabalhou durante muito tempo com margens abaixo de 2x, e atualmente suas promos estão com valores na casa dos 2x, ou pouco acima, o limite da compra. Por isso já há tempos recebo ofertas deles, dou uma olhada, até tem algo a preço bom, mas pela escassez de mais ofertas acabo deixando de comprar. O marcado de vendas - não necessariamente de lojistas, ou de lojas virtuais - está em franca expansão: 'representantes' independentes nas principais redes sociais operam também por uátizáppi enviando ofertas em alguns casos diariamente (este Enochato mesmo já foi contatado certa vez; a proposta veio na forma de comentário de alguma postagem e está disponível para quem tiver paciência de procurar - não dei atenção à época, apenas respondi que não tinha interesse). O leitor mais atento viu minhas observações recentes sobre a prática aqui mesmo, mostrando eméritas tubaronas desovando ótimos produtores com margens abaixo de suas próprias queimas. Já escrevi antes, e não custa repetir:

Paciência é sentar-se na margem do rio e esperar 
o corpo de seu inimigo passar boiando!

Abaixo, o pedido do Cinco Forais, quando paguei R$ 71,00 na 'bléqui uíki' de '22. O dóla (sic) já ultrapassara o patamar de R$ 5,00 há muito tempo. Não há motivo para subir de preço se o dóla só caiu desde então.


Valor do Cinco Forais, 'cá' (tubaronesco) e mais abaixo 'lá':

Nota: O Garrafeira Nacional, loja eletrônica portuguesa, eventualmente apresenta o preço em reais. Basta alterar a moeda. Como vemos, lá custa R$ 60tinha quase 'redondos'.




Valor de Faustino VII 'cá': tubaronice pornográfica, mas também em boa compra.




Valor de Faustino VII 'lá': média de 4,50€... para uma 'promo' aqui de R$ 150,00 dá... 6x! Vai ser tubarão assim lá no meio da sua taça!



Sunday, March 31, 2024

Vaticínios de Don Flavitxo, ou O Dilema do Enochato

Introito

Melhor um ano antes
do que um dia depois.
Don Flavitxo

Com essa máxima, Don Flavitxo explica: é preferível beber o vinho um pouco mais jovem a correr o risco de perdê-lo para um maior envelhecimento na tentativa de encontrá-lo em seu pico. Não discordo totalmente, mas também não é justificativa para ele beber (bons) Barolos e Brunellos 2017, 2018 😣...  tá, ele também bebe uns 2012, 2014, às vezes 🤣😂😅... Apenas - palavras dele! - um dos melhores e mais poderosos Chiantis que já bebi foi um Felsina (produtor) Berardenga (região de Chianti Classico) 1999, oferta minha, degustado em janeiro de 2021... minha postagem está aqui, e a dele, aqui - espero que esse link funcione depois... 🙄. Claro, segurando vinhos corremos alguns riscos. De repente - não sei se estou correto - algum problema de rolha - e não do vinho em si - pode ser potencializado pela guarda. Tá, faz parte do risco... eu o corro. Até uns poucos anos atrás minha adega era muito nova: barolinhos e brunelinhos '04 a '06, xatenefinhos '09, 10, borgoinhas '05, '09, e o pior, bordozinhos '09, 10... bordozinhos são vinhos para durar 50 anos, especialmente nessas safronas... como eu iria bebê-los na mais tenra idade? Sim, o leitor atento presenciou algum xatenefinho '01, o Berardenga, um Montrose com 17 anos e uma ou outra degustação de vinhos algo melhores devidamente envelhecidos. Mas sou somente um pobretãozinho, e não pobretãozão completo, certo?!

Recentemente, Don Flavitxo me cutucou no Zapi: estou guardando meus vinhos por muito tempo. Ele mesmo relatou experiências desastrosas com vinhos mais antigos, e tem muitos envelhecendo ao mesmo tempo. De fato, é uma infelicidade aquele vinho tão carinhosamente guardado estar passado... Mas faz tempo que não me chama, o canalha!, enquanto isso os vinhos dele envelhecem! Prá reclamá (rs), ele está aí presente, né?! Lavação de roupa à parte 😆, fiquei realmente apreensivo: o vaticínio de Don Flavitxo tem base sua própria adega, muito melhor do que a minha. 😱 Deus do Céu, colocou-me em um dilema sério - seríssimo!: E se meus vinhos estiverem mesmo indo?! Com que cara vou servi-los a meus ilustres convidados, abrir alguma garrafa com toda a pompa e notar que o vinho foi embora?! Penso, penso, penso, e só encontro uma possibilidade: urge poupar meus confrades de tamanho dissabor - e a mim de enorme desgraça, tornando-me alvo de seus comentários resgatando as sábias palavras de D. Flavitxo! Começarei a tocar fogo (sic) nas garrafas, sozinho! Assim, guardarei para mim a vergonha dos que não estiverem bons! E olha, é pra já!

Bruno Clair Aloxe-Corton 2008

O Bruno Clair - dizem por aí - não está na parte de baixo da tabela (sic) dos bons produtores da Borgonha. Nem no meio. Proprietário de vários vinhedos Grand Cru, seus principais rótulos alcançam USD 500,00 em boas safras. Sobram para pobretões os exemplares mais simples e intermediários, pacote do qual este Corton é bom exemplo. Custa entre USD 60,00 e USD 80,00 e, junto de Pommard, é outra região da Borgonha onde os vinhos são os mais pegados, com taninos poderosos e ótima estrutura. Notas terrosas e compota denotaram seu envelhecimento. A cor também revelou seu estágio terciário indo para um pouco atijolado, mas a boca estava como eu gosto: tânico, pegado, ótima acidez, álcool (13%) bem integrado, toques de carne e herbáceo, com persistência longa de verdade, daquele tipo que quando mastigamos com a boca vazia, notamos quanto do vinho continua lá. Tinha pensado em beber dessa garrafa com alguém, mas não lembro-me agora quem seria... o próprio Don Flavitxo? Talvez fosse... já foi - uma pena para ele - e esteve bão, mas bão mesmo... a rolha desta vez não foi a vilã, pelo contrário: como podemos ver, cumpriu seu papel conforme o esperado.


O segundo dia

   Concluo a postagem no segundo dia, vinho aberto há praticamente 24 horas. O buquê a carne acentuou-se um pouco, e os toques terrosos também estavam lá. A acidez estava vibrante, e a persistência bem perceptível. Cortons em geral apresentam essa cara, e boa longevidade. Bebe um Grand Cru '99 do Bertrand Ambroise há alguns anos - beirava 20 anos - e, mesmo aerando por seis horas, notava-se claramente como ele estava fechado. Teria ficado ótimo com 24 horas... Não combinou com o bifim ao molho gorgo, mas foi o que eu tinha comprado para o final de semana com feriado. Sei, sei... Borgonha combina com pato. Preciso apender a cozinhar de verdade...

Resenha: O Problema dos Três Corpos (livro!)

O Problema dos Três Corpos
é o primeiro volume da trilogia de Cixin Liu, escritor chinês e primeiro autor não anglófono a ganhar o Prêmio Hugo de ficção científica na categoria Best Novel, em 2015. Saiba mais sobre o prêmio aqui. Antes de comentar sobre a obra, uma palavra acerca das resenhas, nos dias de hoje. Impressiona o quanto pseudo-resenhistas não conseguem escrever um parágrafo sem adiantar temas ou passagens importantes das obras, sejam elas cinematográficas ou literárias. Esses estragos não limitam-se a colunas, e atualmente invadem até mesmo a contracapa ou orelhas das próprias obras que deveriam ser enaltecidas, mas jamais desnudadas às vezes até a seus clímaces! A edição brasileira tem ainda alguns erros graves de tradução - mas há crédito a duas revisoras... Não bastasse, o comentário da contracapa é grosseiro: Uma novela clássica de ficção científica no melhor estilo de Arthur C. Clarke (para quem não pegou, ele foi o autor de 2001 - escrito depois da produção do filme - O Fim da Infância, A cidade e as Estrelas e Encontro com Rama, obras seminais da ficção científica escritas entre os anos 1950 e 1970). Completamente errado. É preciso ler o livro direito para resenhá-lo! Escrito com delicadeza literária raras vezes visto no gênero - sua preservação para o português é seguramente mérito da versão em inglês, utilizada na versão brasileira - a estória está muito mais para a poesia de Ray Bradbury do que para o cientificismo de Clarke - mesmo sendo O Problema dos Corpos um exemplo de Ultra-Hard Science Fiction por excelência (para saber o que é Hard-Science Fiction, aqui; entenda esse Ultra-Hard como um passo além da definição de Hard). Tá entendendo (sic) porque a obra papou o Hugo?

Durante a Revolução Cultura chinesa, a astrofísica Ye Wenjie, presencia o assassinato de seu pai, cientista da Universidade de Tsinghua. Enviada como membro de uma brigada de trabalhos na Mongólia, acaba presa sob acusação de atividades subversivas mas é resgatada para trabalhar em um laboratório secreto próximo. Acreditando tratar-se de uma arma chinesa para danificar satélites inimigos em órbita, ela passa a conhecer cada vez mais o equipamento. Ao deparar-se com informações de outras pesquisas que levam-na a acreditar poder utilizar-se do nosso Sol como amplificador de mensagens para as estrelas, ela tem a ideia de fazer um teste escondido de seus superiores. Com o relaxamento das dissenções sociais, ela volta a ser professora em Tsinghua e conhece um ambientalista ocidental vivendo como eremita na China, alguém com quem ela descobre ideais em comum e um profundo desejo de mudar a humanidade. Após partilhar com ele seu experimento inicial, eles embarcam em uma jornada cujos acontecimentos arrastarão o leitor para questões filosóficas e morais acerca de nossa espécie, e muito mais além. Com a estreia da série homônima na Netflix, o leitor talvez saiba mais do que se trata, mas assumirei que não saiba. Como o autor só revela suas intenções ao redor da página 200 - o romance tem 320 - deixo o convite para o leitor desta resenha descobrir por si o caminho seguido pelos protagonistas e suas implicações. A estória é super tecnológica - mas didática na maior parte do tempo - sem complexidade exagerada, embora profunda, e trata do futuro da humanidade com seriedade e muita imaginação, mantendo o leitor cada vez mais interessado, até a última página. Não tenho acompanhado muito da ficção científica mais recente, mas O Problema dos Três Corpos seguramente se encaixa entre os melhores romances que já li no gênero. Para quem contabiliza a leitura de uns 1.000 livros dentro dessa categoria, foi um prazer encontrar uma estória dessa qualidade. Já estou na metade do segundo volume.