É muita coincidência...
... ou o pessoal tá lendo bastante sobre vinho. Digo isso porque recebi, ontem, duas correspondências eletrônicas com o mesmo assunto, um vinho vendido na Inglaterra, por cerca de R$ 11,50, foi classificado como um dos melhores do país. E, hoje, uma terceira! Então acho que está na hora de comentar o assunto.O curioso é que das duas primeiras correspondências, uma veio de uma bebedora, e outra de um não-bebedor que pretendeu "tirar uma" e de quebra testar minha paciência. E não sem motivo: o não-bebedor é o principal supridor de bons vinhos da minha adega, o ilustre cunhado Ricardo que, a cada viagem ao exterior, me traz algumas garrafas na bagagem, a um preço médio de uns US$ 60,00. A bebedora é a não menos ilustre Raquel, satisfeita sempre que pode dividir um vinho desses comigo.
Vamos aos fatos. A reportagem começa assim:
"Um grupo de especialistas elegeu um vinho vendido em um supermercado popular por apenas 3,59 libras (cerca de R$ 11,50) como um dos melhores do mundo."
Não li a reportagem original, mas convenhamos: erros de tradução são os mais comuns, principalmente em se tratando dos tempos de internet e seus tradutores automáticos. Um dos "melhores do mundo"? Tá. Em que posição, mais ou menos (risos)? E isso nem é tão importante. Caro leitor, não bebi do vinho. Mas é muita pretensão que um vinho nesse preço seja "um dos melhores do mundo". Certo, ele pode deixar para trás muitos, mas muitos vinhos de valores dez vezes superior, não duvido nada disso. Mas eu realmente duvido que ele deixe para trás (ou mesmo empate) vinhos que custam dez vezes mais e representam uma boa relação custo/benefício em sua faixa de preço. Ademais, a qualidade do vinho está intrinsicamente ligada aos cuidados que são tomados em sua elaboração: cuidados na colheita, no manuseio, na preparação, etc.
Na mesma reportagem existe um vínculo para outra matéria, onde comenta-se o fato de que consumidores não notam a diferença entre vinhos baratos e caros. Essa é a matéria que não explica nada mesmo. Ao contrário da primeira, onde está dito que um grupo de especialistas elegeu o vinho como... muito bom (risos), a seguinte cita simplesmente "consumidores". Seguramente são consumidores que pouco ou nada conhecem de vinho. O enólogo (conhecedor do vinho), o enólatra (adorador do vinho) ou simplesmente o enochato com conhecimentos medianos, todos eles são capazes de diferenciar um vinho ao apreciá-lo. Se mais ou menos, vai depender mesmo dos conhecimentos de cada um, e, em última instância, da litragem do apreciador. Pessoas que não bebem muito ainda não apuraram suficientemente o paladar (os que já beberam muito e não percebem as diferenças estão fora do universo amostral enólogo-enólatra-enochato). Aliás, o que pelo menos uma parte do pessoa que curte vinhos faz, por "brincadeira", é comparar dois ou mais vinhos, em sequência, cada um em uma taça, e não um após o outro. Mesmo comparar um vinho após o outro a diferença já é fácil de notar; usando-se várias taças ao mesmo tempo, torna-se óbvio ululante.
Finalmente, embora não menos importante, há um detalhe em se fazer esse tipo de comparação: vinhos mais simples requerem pouco ou nenhum tempo de decantação. Vinhos mais complexos (justamente os mais caros), podem requerer. Será que a metodologia de avaliação levou isso em conta? Afinal, o que mais acontece em nossas "brincadeiras" é um vinho começar "atrás" do outro e, ao final de uma ou duas horas, terminar "na frente".
Conclusão
É sempre uma boa notícia saber que um vinho de baixo custo fez sucesso em degustação às cegas. Estimula a concorrência, traz o debate mais ao rés do chão, mostrando para o iniciante que ele não precisa gastar muito para beber bons vinhos (não lá na Europa/Estados Unidos) e desmistifica um pouco a bebida (aqui no Brasil, pelo menos), além de deixar o assunto "na mídia". Daí para aceitar o produto mencionado como "um dos melhores do mundo" é outra estória.