Friday, August 6, 2021

A pesquisa nacional e a poda de inverno nos vinhedos II

Introito

   Pensei muito sobre a continuação da postagem anterior e tentei abordar alguns assuntos resumidamente, mas não consegui uma apresentação adequada. Achei que será melhor cometê-la (sic) em três atos. Nestes comentários intermediários aproveitarei para marcar um rótulo (label) no blog para posterior referência, e pretendo situar o leitor em algumas controvérsias que desnudam picaretas e contam a estória de como andava o mercado nacional há uma década. Prepara-se para fortes emoções.

A estória das moedas

   Para começar a conversa, precisamos de uma reflexão para o que se seguirá no tocante a preços e valores. Falemos de dinheiro. Um dos parâmetros para refletirmos é o salário médio da população que consume vinho. Defendo que aqui a variação cambial não pode ser levada em conta. Um profissional recebeu seu salário de "x" unidades monetárias em seu país e precisa viver com aquele montante, pagando aluguel, alimentação, plano de celular, roupas, transporte, água, luz, plano de saúde e, se sobrar algum, comprando seu vinho. Tomando três países para efeito de comparação rápida, vejamos o salário de professores do ensino básico (ou educação infantil):

País

Salário

Estados Unidos

2.475,00

Portugal

1.518,63

Brasil

2.500,00


   Portanto, para mero efeito de comparação, podemos dizer que um professor nos EUA e no Brasil recebem 2.500 moedas, e em Portugal cerca de 1.500 moedas. Não importa se em um lugar são Dólares, em outro, Reais, e em outro ainda, Euros. Cada um tem suas moedas para gastar, e pronto. E não adianta querer dizer que no Brasil em alguns lugares os professores recebem 1500 moedas e que isso seria pouco em relação a quem ganha 2500 moedas. Primeiro: está igual a Portugal. Segundo: estamos falando na ordem de grandeza dos valores. A ordem de grandeza não se altera em uma escala de 10. Ou seja: é impossível um professor ganhar 15.000 moedas enquanto os outros ganhem apenas 1.500 moedas. Para qualquer efeito, um professor em Portugal ou EUA efetivamente não ganha 5.000 moedas, o que colocaria seu salário como o dobro de moedas do professor brasileiro. Terceiro, e não menos importante, se professores aqui ganham apenas R$ 1.500 moedas, os argumentos ficarão mais dramáticos! Abaixo, os valores pesquisados.



O mercado de vinhos, há 10 anos

It started - for me, it started - last Thursday, in response to an urgent message...
Invasores de corpos, 1956

   Toda estória que se preza tem vilões e mocinhos. Bem, algumas possuem apenas vilões... acredito que o leitor saberá que tipo de estória é essa, e quem são os vilões. 
   Creio que começou na última quarta-feira (sic! rs!) de setembro de 2009, quando a Abravin conseguiu, por meio de lobby, que o Congresso apreciasse uma lei que obrigaria as garrafas de vinho a portarem o Selo de Controle Fiscal. Sua aprovação aconteceu em 2010, e em 2011 todas as garrafas estavam obrigadas a ostentá-lo. No que isso impactava? Para o produtor nacional quase nada, uma vez que estes compraram uma máquina que 'emendava' o selo em cada garrafa após o envase. Para o importador... bem, cada caixa precisaria ser aberta e o selo aplicado. Manualmente. Felizmente essa lei foi cassada logo nos primeiros meses de 2011, mas ainda assim os importadores inicialmente viram-se obrigados a cumprir a regra. Algumas notícias no mínimo muito estranhas circularam, vejam só:

Vinícolas ajudarão Receita a checar selo fiscal em vinhos

  Não fosse suficiente o malfadado Selo, a Abravin chegou com outra logo em seguida, em 2012: pediu ao governo a adoção de  'salvaguardas' à indústria nacional de vinhos. Sugestão: aumento de alíquotas de importação para o vinho estrangeiro, dos então 27% para... 55%! Isso motivou ao pronunciamento que ficou conhecido como

Carta aberta de Ciro Lilla a seus clientes (trecho)
Proteção sem limites ao vinho nacional
Caro amigo,

O mundo do vinho no Brasil vive momentos decisivos. Agora é mais do que necessário fazer um alerta a nossos clientes sobre algumas notícias muito preocupantes para os amantes de vinho.

Por incrível que pareça, surgem outra vez notícias a respeito da pressão dos grandes produtores gaúchos sobre o governo para que haja um novo aumento de impostos sobre o vinho importado, como se a gigantesca carga tributária atual não representasse proteção suficiente para o vinho nacional. Fala-se agora em “salvaguardas”, como se a indústria nacional estivesse em perigo, em risco de falência, quando na verdade as notícias enviadas à imprensa reportam um grande crescimento de vendas. Afinal, é preciso definir qual discurso é o verdadeiro: o vinho nacional vai muito bem ou vai muito mal? Os comunicados e números oficiais dizem que vai muito bem, o que invalida o argumento a favor das “salvaguardas”. Além do que, os impostos atuais já são altíssimos, e representam o verdadeiro grande inimigo do consumo de vinhos no Brasil.

Além do aumento de impostos - pediu-se um aumento de 27% para 55% no imposto de importação, o primeiro da longa cadeia de impostos pagos pelo vinho importado - desejam também limitar a importação pelo estabelecimento de cotas para a importação de cada país. Ficariam livre das cotas apenas os vinhos argentinos e uruguaios. Incrível: cotas de importação para proteger ainda mais um setor, o de vinhos finos nacionais, que cresceu cerca de 7% em 2011 - ou seja, nada menos do que quase o triplo do crescimento do PIB brasileiro! Se forem adotadas salvaguardas para um setor que cresceu o triplo do PIB em 2011,  que medidas de proteção se poderia esperar então para o restante da economia? Repito porque parece incrível, mas é verdade: pedem salvaguardas para um setor que cresceu cerca de 7% em 2011! É preciso dizer mais alguma coisa?!
   O texto completo está aqui.

   Também na mesma época, alguns pequenos mas corajosos produtores ousavam pronunciar-se. Luiz Zanini, da vinícola Valontano, perguntava, dentre outras,
Por que o IBRAVIN não pede o SIMPLES para o pequeno produtor? Por que o IBRAVIN não pede o fim das normativas que limitam a produção artesanal? Por que o IBRAVIN não pede a dispensa do SELO FISCAL para quem produz até 50.000 litros de vinho? Por que o IBRAVIN não luta para baixar os tributos de nossos vinhos, ou cria um regime especial para os pequenos produtores? Isto seria a salvaguarda para a sobrevivência da diversidade do vinho brasileiro. Ao contrário disto, o IBRAVIN que, diga-se de passagem, não possui representantes de pequenas vinícolas, está se especializando em burocratizar o Setor.

   Então o que temos presenciado é uma sequência de movimentações no mínimo estranhas da parte dos nossos grandes produtores de vinho que, tudo indica, jamais teve como intuito proteger ou beneficiar o consumidor. Não bastasse - e agora vai para todos os produtores, e não apenas os grandes - os empresários do setor nos sobrecarregam com propaganda enganosa, marketing mentiroso e excesivamente ufanista e uma sobre-valorização de seus produtos, visando a confundir a percepção do brasileiro. Recobremos da postagem passada a posição de uma inocente compradora que parece não perceber o lodaçal em que ela própria está metida:
E vejo também que há muita resistência do consumidor para com os vinhos nacionais. Paga-se R$ 100,00 num vinho importado mas não quer pagar o mesmo preço num vinho nacional.
   Ao que o 'mediador' comenta,
Verdade. Com o dólar alto, hoje em dia o vinho nacional nessa faixa de preço provavelmente é de qualidade similar ou melhor que um importado. Temos ótimos vinhos e temos muito a expandir ainda.

   Percebe a desfaçatez? O 'mediador' não apenas continua induzindo a visão equivocada da consumidora como dá argumentos mentirosos acerca da qualidade do vinho nacional. E veja, também na postagem passada, a (suposta) mudança de posição do mediador: O empresário precisa de auxílio, sim, mas não privilégios. Ah, tá... vide as estórias acima. Cansaram de tentar impetrar tungas no brasileiro desavisado e mudaram o discurso. Como sempre digo... a informação precisa circular. Nunca pedi (rs), mas como está em moda pedir um like, peço que o inexistente leitor envie essa matéria a alguém próximo, que consuma vinho. The spice must flow...

   E ficamos assim: uma indústria que vai bem desde sempre, desde sempre conspira contra o consumidor. E agora vai a minha interpretação: as manobras não têm foco em impedir a entrada do vinho estrangeiro em nosso solo, mas forçar o preço do vinho importado para cima porque, dessa maneira, podem cobrar muito pelo seu próprio produto e então auferir lucros verdadeiramente absurdos com um produto de qualidade notadamente inferior. Olha, a indústria de tecnologia é quem provê lucratividade de 1.000% sobre o investimento, mas a riscos altíssimos. Não fosse o bastante, notemos que o restante da indústria agrícola não chega nem perto dessa lucratividade. Será que isso fecha a reflexão? O vinho no Brasil é um buraco-negro cheio de escorpiões onde poucos ousam botar a mão. Tonto que não sou, meto logo o pé... Hulk smash...

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