Wednesday, September 8, 2021

Vinho com suflê: reflexões sobre (des)harmonização

Introito

   O 7 de Setembro passou e não assombrou. Já imaginou o Dia da Independência sendo lembrado como um dia de pesadelo? Nada mais tenebroso. O que vimos foi mais do mesmo: bravatas, ameaças e transgressões sucessivas à constituição e à ordem. Como havia apostado ontem, nenhum político - a menos daqueles em cargos-chave da República ou o famoso 0,1% de oportunistas - deram as caras. Isso apenas demonstra o quão ilhado encontra-se o idiota-mor de plantão. Mais de 25 anos liderados por idiotas (quando não ladrões também)... será que já chega?

Outro encontro do Noivas de Baco

   A confraria Noivas de Baco reuniu-se outra vez, sob ameaças do Gustavo de promover uma harmonização de vinhos e suflês. Segundo ele, o primeiro com uma pegada mais marítima, o segundo para um lado mais vegetal, com certo dulçor e o terceiro para um lado mais untuoso, encorpado. E as dicas de harmonização foram: 1° suflê: pensei em harmonizar com um branco. 2° suflê: tinto com alguma coisa se dulçor (não confundir com vinho doce). 3° suflê:  um tinto mais encorpado. Pensei em levar um branco, e, para que nada faltasse, carreguei um tinto também, sem compromisso com harmonização; seria para o depois. A vestal Luciana comentou que faria o mesmo. Só aconteceu (😝) que na hora abrimos os brancos e na sequência quase todos os tintos, e a tragédia flertou com o evento...

Primeiro suflê servido, tentamos harmonizar com o Quinta da Archeiras branco 2018, que tinha alguma nota cítrica e boca equilibrada. Não casou muito bem com o suflê. A Luciana apresentou um Finca Las Hornias Verdejo, não lembro o ano, também cítrico, herbáceo e boca com especiaria, boa acidez e redondo. Um tanto melhor que o Archeiras, mas não casou novamente. No segundo suflê voltamos ao Pé Tinto, que degustávamos na entrada. A Dayane queria apresentar-nos esse vinho, considerado por ela uma boa compra (pagou menos de R$ 50,00, em 'promo'). Produzido pela Herdade do Esporão, tem as características do gosto do consumidor brasileiro: muito fresco e frutado no nariz, com fruta se repetindo na boca, taninos leves, acidez presente; simples mas que não faz feio. É sim uma boa opção para vinhos abaixo de R$ 50,00 (queria o quê nessa faixa?), e pareceu um bom coringa: pode ser degustado sem comida ou pode acompanhar uma pizza mais leve, porque não briga bem com um pepperoni, ou mesmo com calabresa. Mas também não fez par com o suflê... 

Tentamos ainda um Caves de Murça, que também não marquei o ano, do Gustavo. Novamente fruta no nariz - lembro que eram todos vinhos jovens -, faz o estilo vinho alegre, que não compromete. Segue o mesmo padrão do Pé Tinto, com bom equilíbrio, corpo médio, igualmente agradável no conjunto, mas igualmente sem grande diferencial. Note, falamos de vinhos relativamente simples, possivelmente da ordem de algumas moedas lá fora. Novamente, não casou. Não lembro se foi com o segundo ou com o terceiro suflê. Lembro-me mesmo (rs) que a essa hora (do terceiro), já estávamos tentando, sem muitas esperanças (😓) com o toscaninho que levei. Santa Cristina 2019 é um IGT corte Sangiovese, Cabernet Sauvignon, Merlot e Syrah, com um pouco de carvalho que confere-lhe bom peso. Apresentou fruta mais marcada, chocolate (café?), taninos presentes, acidez um pouco melhor, conjunto equilibrado e melhor marcado que os demais. Mas pouco adiantou... atropelou o suflê, e a harmonização também não se fez.

Um pouco no desespero, lembrei que tinha uma última garrafa na geladeira. Achei que a Luciana não daria pela falta dele (😌), e abri depois que o terceiro suflê fora servido. O Viu Manent Secreto Carmenère (também sem safra...) não negou a uva e mostrou todo seu excesso de pimenta - tabasco - no nariz. Essa pimenta sobrepõe em muito a fruta que o acompanha, não consegui suspeitar qual seria, se mais negra ou vermelha. Como a média dos chilenos, tem acidez baixa, taninos discretos e final pouco marcado. Curiosamente... foi o que se aproximou de uma harmonização com suflê... Tenho que dar o braço a torcer, foi a melhor combinação. Não significa que seja um bom vinho - principalmente depois que nos a costumamos à acidez - mas apenas harmonizou melhor. Precisamos entender que harmonização é um assunto muito complexo, além do que parece à primeira vista. Requer expertise, sensibilidade e conhecimento. O sommelier, dirá que depende mais de conhecimento do vinho. O cheff, aposto, dirá exatamente o contrário. Para manter minha fama de Enochato, vou cravar que depende de um sujeito mais inteligente do que o sommelier e muito mais esperto do que o cheff. O simplistas virão com aquela explicação bichada de que harmonização pode ser por similaridade ou contraste, papo tolo. Veja só: a luz branca é a soma de todas as cores. Veja um experimento interessante aqui, vídeo de apenas 25 segundos, onde um Disco de Newton rotacionado perde todas as cores pintadas nele e fica completamente branco. Já na indústria gráfica (digo, na impressão em papel), quando você soma todas as cores (ciano, magenta e amarelo) no papel, a cor resultando é... o preto! Dá o oposto! O que venho tentando dizer é que talvez - talvez - seja um erro grosseiro o cozinheiro ou o sommerdier tratarem a acidez do vinho da mesma maneira que tratam a acidez da comida! Eu não sei qual a Grande Verdade Final porque não entendo de comida (além de comer...), de vinho (além de beber) ou de física (nada!)... apenas avento a possibilidade do erro por parte de seus intérpretes. E só isso pode explicar combinações que não combinam (sic), e dezenas de supostas harmonizações que, no máximo, apenas não competem em direções opostas. O leitor pode fazer assim: tente uma harmonização que de fato funciona, e é a mais óbvia do mundo do vinho: um vinho de sobremesa, tipo Late Harvest (Sauternes é melhor, claro), com queijo azul (um bom Roquefort é muito melhor, claro também (sic!)). Siga o roteiro: ponha um pouco do queijo na língua e pincele (sic) o céu da boca. Depois dê um gole no vinho, e volte a pincelar o céu da boca, misturando vinho e queijo. Mova a língua em círculos, devagar. Deixe a mistura espalhar-se pela boca, em movimentos mastigatórios. Depois, compare com as porcarias de harmonizações baseadas em similaridade ou contraste e me conte! Esmiuçando só um pouco mais essa estória: a estrutura do vinho é dada por acidez, tanino, álcool e açúcar. Se podemos chamar assim, a estrutura (ou componentes) do sabor são, segundo aquele documentário da NetFlix, sal, gordura, ácido e calor. Vemos que um dos componentes, ácido/acidez aparece em ambos, mas não tenho certo de que comportem-se da mesma maneira. Como disse, é um tema delicado e do qual não entendo. Apenas tento chamar a atenção do leitor para que o buraco é mais embaixo.

Voltando aos vinhos e a uma observação que de vez em quando comento por aqui: quem sobrou, quem secou (sic). Entre os brancos, notamos que Las Hornias francamente agradou mais os bebedores. Dentre os tintos, Pe Tinto foi o vinho aberto em primeiro, e ainda assim não secou. E terminou atrás do Murça e do Santa Cristina. O Secreto foi pouco degustado, mas é preciso dizer que foi aberto bem depois do que os demais, o que justifica plenamente que tenha sobrado. O Gustavo ainda comentou que no dia seguinte o Archeiras estava muito bom. Mas era o outro dia... o que conta é quem agradou naquela hora, porque estava à prova na boca de todos. Bons brindes, boas companhias, boas comidas. A harmonização mandou seu representante, o Tim Maia... (ainda que em espírito, e aprontou das suas, não comparecendo 😂). Não foi problema; o companheirismo estava lá, e contra essa componente inexiste desarmonização..

Rata! 🐭

   A vestal Dayane manda um puxão de orelha e avisa que o vinho de entrada foi o Murça e não o Pé Tinto. O Pé Tinto foi degustado com o segundo suflê. E sugere que se um dia alguém quiser dicas de como não harmonizar suflê com vinhos, pode escrever para a confraria. Ou para o blog mesmo, eu repasso a questão. Agradeço a correção.

Post-scriptum

  O Gustavo enviou o resumo dos suflês...
   [07:00, 08/09/2021] Gustavo: Suflê 1 - queijo gouda com camarão.
   [07:00, 08/09/2021] Gustavo: suflê 2 - abóbora.
   [07:01, 08/09/2021] Gustavo: suflê 3 - mandioquinha com carne seca.
   Oenochato agradece...

No comments:

Post a Comment