Friday, September 8, 2023

Bordeaux e branquinhos nojentos I

Introito

Quando se está profundamente comprometido com uma crença,
É impossível aceitar que se enganou.
A isso chamamos dissonância cognitiva.
Veja aqui.

Tenho uma incapacidade inata de entender pessoas e a sociedade em geral. Sempre acreditei no poder transformador da educação e de seu irmão gêmeo, o senso crítico. Já aceitei a existência de discos voadores e do poder da mente - telepatia, telecinesia, etc. Mandei tais crenças para os píncaros dos infernos ao atingir a metade da adolescência... foi um pouco difícil sim - estava acometido pela tal dissonância cognitiva, mas bastou refletir um pouco mais sobre as palavras de meu pai, seus extensos estudos até o quinto ano de grupo (sic) e, principalmente, suas leituras de centenas de livros. E se eu consegui superar essa neura, ora bolas, por que pessoas com igual nível escolar e de leitura - ou melhores, em muitos casos - cairiam nessa ladainha? Quando escrevia aqui no blog sobre bolsonésios e PTlhos se parecerem - a menos a diferença de sinal - sabia haver alguma explicação para isso. Mas não sendo psicólogo, tampouco tive ímpeto de procurar mais sobre o assunto. Hoje, sem querer, assisti ao vídeo acima, cujo acompanhamento recomendo com ênfase, e por isso recomendo repetindo o endereço aqui. Foi produzido pelo Léo Lins, humorista condenado a não poder deixar seu estado natal sem ter sido julgado, perseguido por um governo e judiciário que já não nos representam há muito, a despeito da crença dos assaltados por esse mal.

Branquinhos e tintinhos algo diferentes


Saí de algum lugar bradando pela falta de vinho Bom (note o B) na corrente sanguínea, e a última ocasião nem fora há tanto tempo. Estou mal-acostumado... Como Neusa e Elvira estavam tranquilas no último domingo, marcamos uma reunião. Fui logo servindo às cegas um branquinho nojento enquanto o tinto respirava; Elvira - que é Amélia - olhou torto para um lado logo na primeira cafungada; Neusa arrumou os óculos para entender melhor... Brindamos e provamos em silêncio; a Elvira soltou um Oxidado bastante surpresa. Neusa concordou, já mostrando um sorriso de satisfação. Concha y Toro Amelia 2011 é um Chardonnay feito na D.O. (sic) Casablanca. Rindo: não lembrava-me de naquela época já rotularem os vinhos com Denominação de Origem no Chile e postulo ser necessário mais respeito acerca de classificações, mas está bem. Amelia apresentou buquê penetrante a frutas secas - amêndoas? - e alguma complexidade a mais. Boca com acidez presente, traço de madeira, combinou muito bem com amêndoas e uvas passas; corpo médio, boa permanência e final, agradou bastante. Mostrou como os bons brancos chilenos podem envelhecer sem estragar. 

O segundo branquinho caiu mais próximo da normalidade. Puligny-Montrachet Sous le Puits 2008, um Premier Cru do Louis Latour do vinhedo citado (Sous le Puits), estava envelhecido mas não oxidado. Perdeu um tanto do frescor, mas sobraram notas cítricas complexas: para mim casca de limão, alguém falou algo diferente -  maçã? Se não me engano a Elvira mencionou toques florais. Vinho mineral, boa acidez, corpo médio, não notei madeira. Combinou melhor com queijos; boca complexa, boa persistência, final médio, deveria ter bebido alguns anos antes ou ter deixado mais tempo para oxidar. As meninas gostaram bastante, e sim, estava bom - a menos de ter perdido o frescor da juventude - mas teve caráter suficiente para alegrar. Ainda, elas acharam-no um pouco plano, por não ter evoluído durante a noite, ao contrário do Amelia - que não é Elvira -, e abriu pouco sugestivo, melhorando ao longo de alguns minutos e evoluindo para notas mais firmes em mais tempo. Ao fim e ao cabo, todos felizes.

O tintinho foi um Pauillac, o Réserve de la Comtesse 2009, segundo vinho do Château Pichon de Lalande, Grand Cru Classé de Bordeaux, segundo vinhedo pela classificação de 1885. Ele foi aberto junto dos brancos, e respirou em temperatura ambiente enquanto degustávamos os dois primeiros; foi para o balde de gelo uns 15 minutos antes de ser servido. Tinha notas de frutas e mais complexidade, parecendo querer situar-se entre chocolate e fumo, mas um tanto apagado. Boca com taninos presentes, álcool sem tanta expressão, acidez média, final algo curto, tudo também dando sensação de não estar como se esperava. O Wine Searcher dá como bem longevo (2012-2030); acho que às vezes o mecanismo erra ao trazer a abertura da data de beberagem (sic! rs!) um pouco próxima, mas não assusta grandes Bordeauxs (mesmo segundos vinhos) com vida longa em boas safras. E a de 2009 foi uma safrona...  Elvira foi taxativa: não valeria R$ 600,00, valor pago em 'promo'. Dona Neusa deixou escorrer uma lágrima dos olhinhos. Dá tristeza abrir um vinho de grande expectativa e ver que ele não vingou. Valeu a intenção da semente...

   Amelia custa no Chile cerca de R$ 150,00. Por aqui varia um pouco, entre R$ 265,00 e R$ 430,00. No topo, dá praticamente 3x, um roubo. Não encontrei o Montrachet  desse vinhedo e do Latour. Lembro ter pago algo como USD 70,00, e um Puligny Premier Cru por aqui está na casa dos R$ 1.000,00. Pelos USD 70,00 lá fora, outro roubo... O Réserve não se sai melhor: Cerca de 62 Libras na Inglaterra, R$ 1.200,00 por aqui. Deus nos proteja. Dos importadores, do governo e da justiça - essa última deveria ser temida apenas pelos ladrões, nunca pelo cidadão de bem. Algo vai mal, e não apenas com as tubaronas.











4 comments:

  1. O Sr. postula que é necessário mais respeito acerca de classificações quando se refere a D.O. Casablanca, inclusive colocando um sic, logo à frente. Eu postulo que é necessário mais respeito à classificação chilena, independente se aprecias ou não seus vinhos. A classificação de D.O. Chilena é antiga e o Sr. pode ter mais informações sobre ela no decreto de 1994, que coloco a seguir:
    https://www.bcn.cl/leychile/navegar?idNorma=13601&idVersion=1995-05-26

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    1. Olá, leitor. Grato pela informação e comentários.

      Respeito - virtudes em geral, como honestidade, decência, bondade - não se postula; pratica-se. Prezo e respeito o que é feito para ser respeitado. E não é uma mera coleção de normas que dará maior respeitabilidade aos vinhos chilenos. Li rapidamente o conteúdo do link, e é como esperava: determina as regiões geográficas e certa quantidade de cepas, mas estas são comuns a todas as regiões indicadas (artigo 3). É um sistema bem aberto, não? Nada contra. Apenas talvez demasiadamente aberto para ser levado a sério.

      No artigo 8, apresentam-se menções complementares de qualidade: Gran Reserva, Gran Vino, Reserva, Reserva Especial, Reserva Privada, etc., mas... nem uma palavra sobre como alcançar essa qualidade extra. Nenhum indicativo de processo, controle de qualidade, nada, nem nesse artigo nem em qualquer lugar. Entendo que tudo isso (sistema DO, regras de vinificação, etc.) deva existir para que o Chile trilhe o caminho correto para produzir vinhos de melhor qualidade. Mas como está o Sistema DO não é para ser levado a sério. P. ex., dizer que um vinho é Reserva sugere sua passagem em madeira. Permitir-se o uso desse nome sem tal obrigatoriedade soa muito descompromissado.

      Finalmente, seu comentário en passant sobre minha apreciação do vinho chileno: está escrito no blog em várias ocasiões (é preciso ler...), onde eu critico 1. O valor do vinho chileno cobrado no Chile (principalmente), e 2. Sua relação custo/benefício quando comparado a europeus, principalmente. Ora, um Don Melchor custa USD 250,00 no free shop do Chile; estava à venda no Brasil por menos de R$ 1.000,00, onde a taxação do produto é de cerca de 60%. Pergunto (se procurar, notará que estou me repetindo): por quanto ele saiu do Chile? Essa comparação foi realizada várias vezes aqui no blog. Pode-se argumentar: os produtores chilenos estão surfando no marketing bem sucedido que promoveram. Não discordo. Mas aí não há nada sobre qualidade, certo? Como nas normas chilenas para uma DO. Por isso acho graça disso tudo.

      Obrigado pela leitura e pelas reflexões. Infelizmente para contra-argumentar precisamos de muito mais espaço do que o utilizado para um início de debate. Mas o blog está aberto para isso.

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    2. O Sr. diz que a classificação é um sistema aberto pelo fato das regiões terem castas comuns a tidas elas. Isso mostra que entende pouco do tema. Não é só isso que determina uma D.O. Se assim fosse, como ficariam as D.O. Portuguesas, francesas, espanholas etc? Rioja e Ribera del Duero deveriam ser uma única?

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    3. Não entendo de onde o leitor tirou essa afirmação que embasa o ataque gratuito. No segundo parágrafo - sobre o artigo 8 - está em negrito, nem uma palavra sobre como alcançar essa qualidade extra (depois vem mais) invoco essa necessidade do sistema precisar ser mais completo. Basta ler.

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