Introito - está aberta a temporada de caça aos otários
Não há nada de errado com aqueles que não gostam
de política; eles simplesmente serão governados
por aqueles que gostam.
Platão
O segundo dia do Mouchão
Para recuperar alguns vinhos interessantes degustados no período de falha da plataforma, a publicação desta postagem não sairá no domingo, quando degusto o final do Mouchão. O buquê abriu bem, ele realmente precisa de algumas horas de aeração em garrafa para ser degustado no mesmo dia. Pode-se fazer a aeração em garrafa abrindo-a e retirando-se uma lasquinha, 30 mL que seja, fazendo o nível da bebida baixar um pouco e aumentando sua área superficial. Vai por mim, retirar esse porquinho faz diferença, e brinda o degustador com a sensação inicial do vinho. No dia seguinte, guardado na geladeira, ele voltou à temperatura de serviço bem vivo, com nariz regado a fruta e especiaria. O herbáceo apareceu na boca, com um toque terroso também. A fruta também estava lá, com uma pontada doce. Acidez bem presente, e o tanino um tanto verde, amarrando a boca um pouco além da conta. Não há o que fazer contra taninos verdes senão deixar o tempo em garrafa atuar; só um maior tempo de envelhecimento pode suavizá-lo e integrá-lo ao conjunto da obra. Wine Searcher dá-lhe uma longevidade que estende-se a 2035(!), mas seu amadurecimento sugerido, 2018, parece-me inadequado. Ele estava um tanto verde quando o bebi com o Renê, como mencionado. Não foi ruim, mas percebia-se quão nervosão (rs) ele era. Infelizmente naquela época o blog estava um pouco em baixa, e a experiência perdeu-se. Hoje está mais claro: Mouchão bate de frente com um Noval Reserva. Quem é melhor? Ainda aposto no Noval, por meia cabeça. Mas é a impressão de um deficiente nasal cujas habilidades de atentar para sutilezas - sempre tão importantes - está aquém do desejado. Nada como uma comparação taça a taça. Será? Meus Novais são significativamente mais jovens... a menas (sic! rs!) de uma garrafa 2007 que mantenho escondida num canto perdido da adega... Sei mesmo que este segundo dia brindou-me com um vinho melhor, mais complexo e completo. Desta vez não é que teve bão, porque ainda o tenho na taça... está bom, e melhor ao som da Roberta Flack.Outra degustação
Cuidar do Lemão, meu pastorzinho operado na quarta, consumiu tempo e a postagem atrasou. Vamos a uma recente. Sem Ghidelli e Márcia, em vias de viajar, a confra #émuitovinho reuniu-se na quinta. Iniciamos os trabalhos com um Xisto Cru Branco 2017 - ótima safra, dizem... - duriense no incomum corte Códega de Larinho, Gouveio, Rabigato, Verdelho e Viosinho... entendeu? 🤣😂 D. Neusa chamou atenção para um querosene (sic) ao estilo Riesling da Alsácia. Na verdade, ligamos esse estilo mais ao Óleo Singer - não qualquer óleo, o Singer, aquele usado por nossas mães nas máquinas de costura, para quem se lembra... Depois da sugestão, notamos sua presença. Mais evidentes, o cítrico à limão (laranja?) com toque floral; boca mineral, ótima acidez suportando meros 12,5% de álcool, untuoso, bastante seco e com final longo. Comprei apenas duas garrafas numa 'promo' onde privilegiei a versão tinta, degustada ao longo dos anos, nem todas postadas. Don Flavitxo bem que avisou à época sobre sua qualidade, mas a fome pelo tinto falou mais alto. Se arrependimento matasse... 😆.
Depois teve um Crasto Superior 2020, que eu toquei o terror pra cima das confrarias (rs) e compramos muitas garrafas em 'promo' a R$ 130,00, ou algo assim. Deu até confusão, mas a galera vai me agradecer quando experimentar. Nesse preço, é ótimo! Já o degustei diversas vezes, mas logo após seu lançamento no Brasil os vinhos da Qualimpor ficaram muito caros - há uma reclamação minha perdida no blog onde comento estarem aumentando seus preços em dóla, uma interpretação não tão precisa. Estavam sim aumentando a margem, entrando na tubaronice deslavada com o alegre consentimento dos representantes locais, e acabei parando de comprar deles. São bons, mas estão caros, e preciso invocar uma das máximas d'Oenochato: posso comprar vinhos caros, mas não pago caro por vinho! E o Castrinho (sic! rs!) entrou nessa, infelizmente. Na safra 2020 é um corte Touriga Nacional, Touriga Franca, Tinta Roriz e Souzão; com quase uma hora de aeração chegou entregando um pouco de baunilha e muita fruta vermelha com madeira bem discreta. Seus 14% de álcool não aparecem, e a boca é rica em frutas, especiaria, tabaco (chocolate?), acidez indo a média, taninos já arredondados, pronto para beber. Tem bom final, e combina bem com lombo canadense e melhor com o presunto defumado tipo alemão do frigorífico Hans. Passando da segunda hora de aeração e junto do carré e outro pedação de cordeiro, o La Tourtine 2014, do Domaine Tempier, arrancou um sorriso aberto da Elvira logo de cara. É produzido em Bandol, considerada a denominação de tintos mais séria da Provença, no sudeste francês, e um corte Mourvèdre (85%) com variação de Grenache e Cinsault. Mourvèdre e Grenache são cepas quentes, produzem vinhos estruturados com ótimo corpo. Em Châteauneuf du Pape chegam a compor 100% de alguns exemplares, a despeito da denominação permitir o corte com mais de uma dezena de cepas. Exemplos 100% Grenache são o Château Rayas e o Domaine de la Janasse Cuveé Chaupin, degustado aqui, e o Clos Saint Michel (100% Mourvèdre). Voltemos ao La Tourtine... ficou na geladeira junto do Xisto, e experimento agora, sábado, suas derradeiras gotas. O nariz continua explosivo, frutas vivas em deliciosa complexidade muito além do que o nariz torto deste Enochato pode desvendar. Dessa mesma região, já provei o Château Pradeaux 2007, e La Tourtine repete um de seus principais competidores: mineral e parrudo, este com taninos ainda um pouco pegados - se arredondam em mais cinco anos, mostrando seu enorme potencial de guarda - e acidez pedindo comida: foi ótimo com o cordeiro na quinta e igualmente bom com o filé ao molho gorgo de hoje, com seus 14% de álcool integrados e madeira fechando um ótimo conjunto, harmoniosamente superlativo. Fiquei me perguntando se a quase ausência de borra apenas confirma o quão novos estão os taninos... Aposto que sim! Costumo dizer em reuniões de confraria: viajar para Bordeaux pode ser legal, mas é difícil experimentar os melhores produtores, por custosos. Na Borgonha, então, é impossível. Não entrarei na questão exclusividade desses vinhos porque tem pouco a ver: eles nos são vedados, de qualquer maneira. No Loire, no Rhône e no Languedoc/Provence pode-se beber dos melhores vinhos por até USD 100,00, e esse valor entra no bolso de boa parte dos enoturistas. Sim, dá pra beber muita coisa boa por menos, mas enfatizo: por até USD 100 bebe-se dos melhores! La Tourtine está na casa dos USD 80,00, e alegro-me por não ter representante por aqui; chega de passar raiva... (risos!). Recuperar a experiência de um Bandol foi gratificante, e recomento fortemente a quem não conhece. O único problema é comprar safras novas... nesse caso a paciência será recompensada. Caso contrário, pague um pouco a mais por safras antigas.
Por sobremesa, tivemos uma torta paulista trazida pela Celinha, neófita que tem curtido as experiências proporcionadas pela confraria. Foi degustado com um Aurora Colheita Tardia 2021 e dois Sauterninhos Doisy-Védrines 2016, um aberto há algum tempo e mantido em geladeira e um 'zero'. Ele oxidado fica bem melhor...
Preços
O Crasto Superior custa R$ 102,00 no Garrafeira Nacional, um sítio reconhecidamente caro - mas onde o comprador encontra os melhores vinhos portugueses. Seu preço aqui andava entre R$ 250,00 a R$ 260,00 (2.5x), mas com a crise pode ser encontrado por até R$ 170,00. Na faixa de R$ 130,00 estava um preção!
Xisto Cru anda esgotado na importadora, faz algum tempo. Paguei R$ 340,00 na 'promo', não lembro qual era o preço normal. É um vinho de mais de 30 Euros em Portugal - o Garrafeira mostra eu preço - esgotado - em reais: R$ 178,00. Aqui, a R$ 340,00, deu praticamente 2x, o que chamo de o limite da compra.