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Saturday, April 12, 2025

Postagem em atraso, mas deu bom...

Introito

Quando um homem mente, 
ele assassina uma parte do mundo.
Merlin, em Excalibur (1981)

Néscio: Que ou aquele que é falho de instrução, 
de conhecimento ou de inteligência; 
demente, estúpido, ignorante.
Qualquer dicionário
Neste caso, verbete do Michaelis

Sim, invoquei o significado de néscio recentemente. Estará no contexto. No mais, é bom falar besteiras de vez em quando, e já fiz o suficiente, anteriormente. Por uma vida... Às vezes chamamos a isso ironia, mas não importa tanto, pois tenho certeza: o leitor entendeu a mensagem, e o mérito a mais dele. Volto a falar de Excalibur (1981), resenhado em 2021. É um filme forte, com diálogos ricos, poderosos, aliados a uma estética visual deslumbrante - como as armaduras reluzentes em prata impressionam! Nicol Williamson literalmente rouba as cenas interpretando Merlin, e Helen Mirren no papel Morgana é a antítese perfeita da honestidade e da fidelidade representadas pelo mago, deixando o pobre Nigel Terry (Arthur) apagado em sua interpretação de um personagem às vezes beirando a inocência juvenil advinda de sua criação como filho de um nobre de menor escalão. Do muitos momentos arrepiantes, aponto três. A primeira quando Arthur, recebendo a cura ao beber do Graal, recobra a iniciativa e sai em cavalgada para combater as tropas de Mordred, ao som de O Fortuna. Acompanhamos em linda cena a própria terra recobrar-se de seus ferimentos, conforme anuncia Perceval no início, Você e a terra são um. Eis o diálogo, com um trecho que antecede a cena apontada acima:
Perceval: Você e a terra são um. Beba.
Arthur: Estou definhando. Não posso morrer. Não posso viver.
Perceval: Beba do cálice e você renascerá, e a terra com você. (Arthur bebe) 
Arthur: Perceval... Eu não sabia o quão vazia estava minha alma... até que ela foi preenchida.
Kay: Arthur...
Arthur: Prepare meus cavaleiros para a batalha. Eles cavalgarão com seu Rei mais uma vez. Deixei que outros carregassem o peso da minha vida por tempo demais. Lancelot carregou minha honra, e Guinevere, minha culpa. Mordred carregou meus pecados. Meus Cavaleiros lutaram por minhas causas. Agora, meu irmão, eu serei... Rei!
Kay: Guardas, Cavaleiros, Escudeiros! Preparem-se para a batalha!
e então a tropa sai em cavalgada.

   A segunda cena é a abertura seguida da batalha inicial, travada na calada da noite. Ela evoca um tempo de violência e brutalidade, sem ser (tão) violenta. É fácil notar que a armadura atingida pela lança está vazia, mas não faz muita diferença: a mensagem está dada. Ambas as cenas, citei naquela resenha feita quando o filme chegava ao seu quadragésimo aniversário. Acrescento a terceira: quando a corte está reunida com o Rei Arthur, e Merlin é chamado:
Arthur: Qual é a maior qualidade da cavalaria? Coragem? Compaixão? Lealdade? Humildade? O que você diz, Merlin?
Merlin: Hmm? Ah. Ah. Ah, o melhor. Uh, bem, as qualidades se misturam, como os metais que misturamos para fazer uma boa espada.
Arthur: Sem poesias. Apenas uma resposta direta. Qual é?
Merlin: Tudo bem, então. A verdade. É isso. Sim. Deve ser a verdade acima de tudo. Quando um homem mente, ele assassina uma parte do mundo. Você deveria saber disso.

   Excalibur é um filme para ser visto e revisto. Preciso revê-lo - a última vez foi em '21 - e, assim como Arthur ao beber do Graal curou suas chagas, pretendo ao assisti-lo novamente reafirmar para mim mesmo valores de honestidade, fidalguia (no sentido de nobreza dos sentimentos mais elevados), de compromisso para com a terra (minha nação). Ao contrário de Bolsonéscio, sou movido por uma integridade inegociável, por um respeito extremo ao povo cujos impostos suados com sangue - muitas vezes sem que soubessem - custearam minha educação, e para com quem estou ligado pelo mais profundo respeito e gratidão. Este é o recorte que dá suporte à reflexão de hoje. Esta imagem foi usada pelo candidato para vender-se ao eleitor:


Ele (Sérgio Moro) vai pescar (corruptos) com rede de arrastão de 500 metros...

   Esse sujeito mentiu para todos. Não foi o primeiro; NAP (Nosso Amado Presidente) também. E antes dele o idiota anterior o antecipava em iguais atos, ao deixar de lado os cinco compromisso da mão aberta para dedicar-se à própria reeleição. Todos eles receberam um e apenas um voto meu. Ninguém enganou-me pela segunda vez - se o fizesse, o idiota seria eu mesmo. Veja aí a 'comprovação' (como se necessário fosse...) de como ele tratou a corrupção.


   Dá para notar o cinismo no sorriso do sujeito? A Lava Jato começou em 2014, no governo da Dilma, e investigava fatos pretéritos! Acabar com a operação significou barrar a investigação de fatos passados que, naquele momento, até poderiam chegar ao início da própria gestão Bolsonéscia, mas davam contas de gestões anteriores. E ele acabou com tudo? Ora, a promessa foi combate à corrupção. O esperado era fazê-lo, ou morrer tentando. Ao fugir desse compromisso - dentre outros - passou a governar pelo engodo, não pela verdade - e quando um homem mente, ele assassina uma parte do mundo. Seus seguidores são inspirados pelo alarde de suas alegações, não pelo seu bom exemplo. Ele claramente servia-se do país em vez de servir ao país, e não pode haver dúvida:


   A pergunta a ser respondida é simples: quanto tempo mais bolsonéscios precisarão virar a cara para a realidade, tentando encobrir as colossais falhas de seu 'líder'? Eu sei, é difícil admitir erros. O problema é o quanto mentimos para nós próprios, para nossos vizinhos e pessoas queridas até em algum momento termos coragem de aceitar o fracasso de nossas crenças. Siga esta sugestão: quanto mais rápido, melhor...

Deu bom na Maluca

A Maluca já reuniu-se - felizmente - algumas vezes, e esta não é exatamente a última reunião... na verdade, aconteceu no dia seguinte ao encontro na Ghidelândia - faz um tempinho. Não faz mal: vale sempre a memória do encontro. Aliás, o registro é merecido, pois foi o primeiro encontro da turma em 2025, acontecido quando março já encaminhava-se para seu final. Viagens de um(a) e outro(a), compromissos, convalescência... o Universo conjuminou muitas e diversas alternativas e fusão de múltiplas realidades para manter o grupo afastado. Sim, algumas reuniões aconteceram aqui e ali com membros separados, mas a nossa primeira grande mesa de 2025 só se materializou quando as circunstâncias finalmente permitiram. E como deu bom! Rimos como se não houvesse meses de distância desde o último encontro; brindamos a Baco e a nós mesmos, e nos deixamos embalar pelos sabores acolhedores da comida e taças partilhadas. Foi mais do que um jantar: foi a celebração da amizade que resiste ao tempo e se rega, sempre, de vinhosbões (sic! rs!) e generosas doses de companheirismo. A Maluca é uma confraria que vem dando muito certo.

A Débora deve ter lido alguma postagem mais antiga do blog, tipo esta, pois chegou com um vinho embalado e uma venda para testar este Enochato. Enquanto permanecia de olhos cobertos, lembrei-me do trecho escrito em 2014 acerca da opinião de algum importador sobre degustações assim conduzidas, bem como do triunfo de Don Flavitxo ao matar, vendado e apenas no nariz, a procedência de um Borgonha branco, grande e novo. Era um Corton Charlemagne... Não tinha a menor esperança de chegar próximo, mas também não poderia ficar logo na primeira avalição, se branco ou tinto, não? Confesso: ali (imaginei todos me olhando), às cegas, de mim para mim, como me sairia? Calma, pensei comigo, enquanto evocava a famosa frase de Duna, O medo é o assassino da mente. O medo é a pequena morte que conduz à destruição total. Ah, mentira!, estava é apavorado, isso sim!  🤣 E talvez o pavor não tenha-me permitido notar o toque claramente cítrico logo na primeira cafungada. Mas na segunda ele estava lá, cristalino. Não tive dificuldade em identificá-lo como branco, mas foi o limite. E aqui vai a conclusão da brincadeira: faça isso com sua confraria, não se furte a testar-se. E faz diferença estar vendado. Chamado a opinar às cegas (mas não vendado) sobre o Le Macchiole Paleo, senti-me bastante mais à vontade para sugerir um Bordeaux fino (exatamente assim) - embora fosse italiano, é um Cabernet Franc que derrotou diversos bordaleses em degustações às cegas entre especialistas. O mundo vinho é assim: pode gerar experiências novas e diversão a cada encontro; depende do nosso desprendimento. Quanto menos o caboclo achar-se Robert Parque dos Infernos e mais espelhar-se no Goofy, mais engraçado será.

Mandolin Roussanne 2022 era o branco da conversa. Roussanne é, junto da Marsanne, uma cepa característica do Rhône presente como corte em excelentes Xatenêfis. O melhor que já bebi foi o Vinhas Velhas 2007 do Beaucastel. Nesse nível, é marcante. Mandolin, notas abaixo (claro...) era rico em frutas brancas e (não lembro de onde veio) toques de mel. Boa acidez e volume em boca, não percebi madeira - mas tem, segundo a ficha técnica do importador. Com álcool a 14% - imperceptíveis  - tem um conjunto equilibrado e agradou a todos. É produzido na AVA (Área Vitivinícola Americana) de Lodi, Vale Central. Chegam-nos poucos vinhos mais distintos dos EUA; esse é um deles. A Luciana trouxe-nos em vinho degustado em Ribeirão Preto, num evento onde a Maluca esteve presente em peso, a menos deste Enochato. Paxis 2020 mostrou-se rico em frutas no nariz, e algum melaço. Ligeiro, taninos bem leves, acidez pouco presente. Achei doce demais, e a segunda taça, bem regrada, demorou para descer. Só agora, escrevendo a postagem, noto um 'Medium Dry' no rótulo 🙄, e fico me perguntado se é um meio seco... A estrela foi mesmo o final do Il Bosco 2006 que sobrara do dia anterior e levei para casa pensando em compartilhar. Mantido simplesmente arrolhado e na geladeira, estava ótimo! Como sobreviveu bem, a despeito dos 20 anos nas costas! As Malucas curtiram... Por sobremesa, servi o Oremus e o Guiraud, mas já falei sobre eles anteriormente. 

Escolta

Depois de algum tempo tentando terminar esta postagem, e decidido a fazê-lo desta vez, descobri perdido na adega o Conde de Guião Reserva 2013, comprado há muito tempo em algum evento da Casa Deliza em parceria com a importadora Orion. Não foi servido então, mas a linha mais simples soou honesta. Este ícone estava à venda em uma caixa individual de papelão até bonita e não era muito caro; resolvi arriscar. Produto da Caves Santa Marta, uma cooperativa estabelecida no Douro com mais de 1000 associados, tem um portfólio com aguardentes, espumantes, Portos e uma gama de vinhos desde bag in box até a linha reserva onde Conde de Guião aparenta ser o mais refinado. Corte de Tinta Roriz, Touriga Nacional e Touriga Franca, toques de frutas secas e geleia indicando claramente aromas terciários. Algo herbáceo também. Corpo médio, taninos arredondados mas um tanto ralos, uma ponta de ácido - além da acidez - com um final de chocolate amargo. Um pouco de álcool sobrando (14,5%), perfez um vinho não tão equilibrado, embora não ruim. A safra 2013 não contribuiu muito, mas tenho dúvida se os problemas apontados dependem tanto da colheita ou se trata-se mais de processo. Tenho impressão de que custaria, hoje, um Noval TN ou Shiraz mal comprado (R$ 250,00), e não compete com ele. Não se pode ganhar todas... serviu para escoltar o final desta escrita, que arrastou-se por tempo demais. Tenho saudades de muitos vinhos, mas não sentirei nenhuma de Conde de Guião.