Friday, October 31, 2025

Um duelo desigual


Ao som de Vivaldi

Outra beberagem ficou por conta de um bifim preparado pelo Nagib ao som de As Quatro Estações, e com a presença do Lema. Ao lado, e para evitar confusão entre leitores acompanhados de generosas taças de vinho, explico: somente o bifim; Lema na  foto mais abaixo. Lancei mão das compras de algum tempo que repousavam na adega do anfitrião, e abri um Barbaresco do Prunotto na safra 2020, mesmo imaginando poder estar novo. Claro, tomei a providência de descorchá-lo logo de manhã, deixando-o em garrafa após retirar um dedinho. Esse selo pertence à família Antinori. De um lado, gigantesco e tradicional produtor da Toscana - embora Barbaresco fique no Piemonte. De outro, afiado no marketing e nos preços, consegue cobrar bem por seus vinhos, a nível mundial. Pode-se falar mal dele por vários motivos, menos que seus vinhos sejam ruins ou desbalanceados. E aerá-lo com antecedência mostrou-se acertado. Para opor-lhe resistência escolhi o Cabo de Hornos 2021. Foi um dos meus vinhos referidos durante minha fase chilena, junto do Don Maximinano de Errázuriz Founder's Reserve, do Undurraga Founder's Collection e o Tarapacá Millenium; infelizmente a maior parte deles ficou muito cara com o impulsionamento promovido pelo Parker ali por 2008. Cabo foi aerado por três horas em decantador e posteriormente resfriado em um balde na própria vidraria. A diferença de cor entre ele e o italiano chocou os bebedores...


   A primeira graça foi vê-los supondo o embate entre um peso-pesado e um suco de uvas diluído... então puseram-no no nariz. Não anotei essas notas exatamente; a fruta era muito presente acompanhada de madeira - afinal, é um vinho muito novo - e não notei outros toques. Acredito que possam apresentar-se mais evidentes com a idade, tendendo à aparição de algo do popular trio café-chocolate-fumo, mas estava jovem para isso. A profundidade da fruta mostrou-se marcante, e foi divertido notar Nagib e Lema olharem-se deslumbrados. Magide chegou, recebeu uma taça, cafungou e disse por enquanto, basta indo aconchegar-se em um sofá, com os olhos distantes. Parecia maravilhada, olhando para alguma obra-prima de Da Vinci ao som de Mozart. Para meu padrão - e isso é importante salientar - corpo e acidez medianos com taninos ainda novos, um tanto duros, mas não tão pegados. Com ótima permanência e final, como se espera de um bom italiano. Já Cabo de Hornos também tinha muita fruta com madeira e mais toques, estava sim mais rico em nariz e mais pronto para degustar. Seu grande problema era - adivinhe - a boca. Acidez até boa, para um chileno, mas para mim passando quase liso pelo final da boca e garganta, rápido e rasteiro. Então tivemos um contendor com bom nariz (Cabo) e outro com boa boca (Prunotto). O problema foi bebedores poucos preparados para o estilo de boca do Barbaresco - não a Magide, pareceu-me...

   Um parênteses: esses detalhes podem fazer a diferença para este Enochato de plantão, mas de forma alguma são importantes para o encontro em si. Nesses momentos valem a camaradagem autêntica, a amizade sincera, o respeito recíproco e o afeto genuíno entre pessoas cuja companhia cultivo por mais de vinte anos. A foto abaixo, se não traduz tudo isso, dá uma vaga ideia. Da esquerda, Nabigin, Lema, Magide e este Enochato.


   O mais engraçado ficou para o final - e perdi o tempo de uma picardia estupenda! Magide já se recolhera, e perguntei aos confrades sobre os vinhos. Eles baixaram os olhares, como temerosos de me ofender com suas opiniões - jamais! Disseram, Lema primeiro, que o italiano era bom, mas a preferência dele recaia para o chileno. Nagibim confirmou, cheio de caras e bocas. Apenas ri. Olhei satisfeito para o decantador onde permanecia Cabo de Hornos, e guardei meu melhor sorriso. Foi quando a oportunidade escorregou por entre meus dedos! Alguém desviou o assunto, e, prestando atenção, deixei passar. Só quando o Lema foi embora, conversando com o Nagib, lembrei-me de procurar um funil. Fiz questão de deitar mais um bocadinho de Cabo de Hornos em minha taça e aticei o Nagib a prestar atenção. Então verti o chileno cuidadosamente de volta para a garrafa e apontei a comparação entre elas. Envergonhado, Nagib fotografou.

E vou recordar: ainda retirei um teco de Cabo (à esquerda) antes de voltá-lo para sua garrafa. Leitor, veja por si! Como é, mesmo? Preciso recobrar uma máxima deste blog, já citada em diversas outras vezes e cuja versão pode variar um pouco ao ser adaptada para o contexto:

Deixadas soltas, as melhores garrafas sempre encontram as taças primeiro!

   Como é que os confrades gostaram mais de Cabo se eles secaram o Barbaresco?! Tenho certeza do seguinte: Cada um tinha duas taças. Nagib estava na churrasqueira, e inicialmente servi-lhe um tanto de cada vinho. À medida em que ele bebia de uma taça e de outra, eu apenas repunha o seu consumo, segundo seus pedidos. A garrafa do Barbaresco e de Cabo estavam ao lado do Lema, e ele servia-se de cada uma delas conforme o nível de suas taças desciam. Como diabos o Barbaresco praticamente secou enquanto Cabo ficou pela metade?! 😁 Ara, ara, senhores! Nem perceberam como o italiano os seduziu, cativou, enfeitiçou, desarmou convenceu e os envolveu! Os fatos estão aí, divirtam-se, riam, saboreiem, usufruam e se convençam de como nossos sentidos podem nos enganar às vezes, quando bocas e narizes parecem até tornar-se independentes de nossos cérebros! Não há muito mais o que dizer; os fatos falam por si!

Ainda teve (sic) uma visita ao Lema. O anfitrião concedeu-me a primazia de escolher dentre seus ótimos exemplares argentinos aquele que me agradasse. Tinha lá (sic! rs!) um novo Gran Enemigo - pedi-lhe a reserva para outra oportunidade - e optei por um produtor - Rutini - muito do meu agrado. Era um corte Cabernet-Syrah na safra 2020, pronto para ser degustado e, aberto ali, no primeiro momento, só evoluiu (bem!) na extremamente prazerosa hora seguinte desfrutada entre piadas, causos e muita prosa. Rutini é um grande produtor argentino; seus vinhos são honestos, equilibrados e vibrantes - para o padrão sul-americano. Já disse e repito: estão abaixo do nível europeu para a faixa de preço, e isso é um problema. Mas ali eu apenas provava do vinho. Não recordo das notas exatas - tomei nota e não encontrei depois! - mas tinha complexidade além da fruta, com mais notas. Pronto para beber, deixa a desejar - somente para quem sabe o que é - pela acidez. Aí o terreno afunda, e quando sabemos comparar, notamos que falta 'boca', como faltou ao Cabo e faltaria a praticamente qualquer produto similar do lado de baixo do Equador. O valor mais comum dele aqui no Brasil é R$ 220,00, enquanto custa R$ 56,00 na Argentina. Pow, dá quase 4x! Cadê os acordos do Mercosul?! Ah, claro, está nas mãos de uma conhecida importadora tubarona... Vocês não vão me cobrar a comprovação, vão?! OK, está abaixo. Chupem! E nem procurei direito! Estes registros fecham a semana mais feliz que vivi ultimamente. Não significa não ter vivido outros dias felizes na companhia de pessoas queridas, mas com tanta duração, de fato, fazia tempo. Nem é mais o ponto de falar de preços dos vinhos aqui, no Chile ou 'lá', onde quer que seja. Mesmo pagando um pouco mais caro pelo Barbaresco - o preço lá é similar ao do Brasil - valeu pela comparação, envolvendo a companhia e o momento de descontração. A mesma experiência aqui talvez não tivesse a mesma satisfação!

Tá, como se precisasse:

Rutini 'lá': 14 mil pesos, ou R$ 56,00.



Rutini 'cá'. Precisa dizer mais? OK, existem ofertas melhores, a 3x. Mas voltando sempre à questão: não é Mercosul? Na Europa esse 3x já poderia ser considerado um estelionato...


Tuesday, October 28, 2025

O caminho dos perfumes

Saudades de companhias e vinhos


Esta ainda é sobre os agradáveis momentos no Chile, quando deixei a vida me levar acompanhando os ensinamentos de Baco, celebrando a harmonia e a reciprocidade, abraçando o bem-viver em seu estado mais puro e desfrutando da hospitalidade de pessoas tão caras e cuja amizade preenche-me há décadas. Nagibin recuperava-se de tratamento, e a recomendação médica para aquela semana era resguardo. Juntos da Magide limitamo-nos a um único encontro mui petit comitezinho, e o restante do tempo dividimos entre provar alguns bons vinhos - outros nem tanto... - e conversas que deixariam o restante dos mortais caindo de sono pelas beiradas. Acompanhados de uma boa peça de Jamón Serrano, dentre diversas quitutes, escoltando garrafas de cantos significativos do Velho Mundo intercaladas por exemplares chilenos. E para quem duvida de quão efetivas foram as fruições, aí está o Nagibin, tão perdido que não sabia exatamente qual taça segurar para o brinde. Foi perdoável pelo volume degustado àquela hora...

Não recordo-me da ordem das garrafas, ou mesmo de muitas notas exatas. E importa? Sei que a dada altura minha taça recebia doses generosas de um Savigny-les-Beaune do Domaine Pierre Guillemot, provenientes do vinhedo Premier Cru "Aux Gravains", da recente safra 2020. Aerou por três horas - esse anotei - e chegou rico, vibrante, com muita fruta e mais toques - especiaria e algo do trio chocolate/café/fumo. Qual? O Mateus, filho do Nabig, foi agraciado com uma taça - não bebe, mas gostou de cafungá-la. Parece o caminho dos perfumes... estão todos aqui... disse num sorriso incontido. Se até para um noviço a impressão foi essa, imagine, leitor, para um provador mais experiente. A boca acompanhava o buquê na fruta bem aparente, um toque herbáceo e outros detalhes. Faltou um pouco de acidez, e estava reticente... precisaria de mais um tempo em garrafa para desabrochar de vez... mas vá sabendo, eu queria mesmo era provar um borgoinha com o anfitrião, e Guillemot mostrou-se à altura. Taninos ainda um pouco pegados mas mostrando convergência, álcool integrado, seria bastante bom para o preço (cerca de USD 55,00 no Chile) se aportasse a tão desejada acidez característica dessa expressão da Pinot. Para um Premier Cru o preço parece não discrepar tanto, mas o conjunto acidez e corpo médios com final algo curto para um Borgonha deixaram um pouco a desejar. Fazendo jus a ele: na falta de melhores opções, e nesse preço, beberia novamente com muita satisfação. Tanto que por R$ 350,00 trouxe mais duas na mala...

Para quem notou da foto do Nagib, ao lado dele estava um Châteauneuf du Pape Vieilles Vignes St Patrice 2016. Esse fora aberto no dia anterior, sob minha suposição de estar pronto. Nem por isso deixei de aerar várias horas em garrafa antes de servir, e a primeira degustação aconteceu naquele mesmo dia. No segundo estava tão bom quanto no primeiro, rico, condimentado, melhor acidez do que Guillemot, como taninos já arredondados, ótimos, falsamente gouleyant, porque, embora fácil de beber, mostrou bastante complexidade. O corte declarado pelo produtor diz simplesmente Grenache, Mourvèdre e Syrah, a típica composição GSM do Rhône. As duas primeiras cepas são clássicas em Xatenêfis, e em St Patrice cumprem seu papel de apresentar um vinho quente, de ótimo corpo sem deixar de perder a ternura (risos!), elegante e de boa persistência. Não anotei maiores detalhes desse, mas a riqueza em frutas e toques de madeira e outras tantas evidenciavam um belíssimo vinho. O valor no Chile é compatível com o do hemisfério Norte, 85,00 dólas. Por aqui está na casa de R$ 1.000,00. Convenhamos, até próximo ao patamar de 2x, mas é uma montanha de dinheiro. Se puder, prove. 

Mencionei alguma prova não tão boa? Ah, chegamos a uma delas. Vicus Orbis Private Cellar 2021, proveniente de Sagrada Familia, em Curicó, um corte Petit Verdot, Cabernet Franc, Syrah e Carmènere, não negou a procedência pela carga de pimenta à molho de Tabasco. Vem em garrafa avantajada para valorizar o produto, tarefa algo inglória para sua qualidade. Buquê frutado mas sem afastar a impressão de algo artificial, boca com baixa acidez, rápida, ligeira. Nagib comprou direto do produtor a 10,00 dólas - e valor de mercado é de uns 18,00, se lembro-me corretamente. Por 10,00, para citar alguns, compramos em Portugal o Quinta de Chocapalha ou o Cedro do Noval, e esse é o preço de mercado deles. Por quase 20,00, vai um Noval Shiraz ou um Meandro do Vale Meão, quando a competição fica verdadeiramente desproporcional em favor dos europeus. Mais uma vez - pela centésima (milésima - risos!) - comprovamos como os vinhos chilenos estão caros. É até curioso encontrarmos aqui, às vezes, Don Melchor por R$ 800,00, enquanto lá no Chile facilmente atinge USD 150,00. E os (pelo menos) 60% de impostos pagos aqui pelo produto importado? A quanto ele está saindo da origem para chegar aqui por esse valor? Novamente: não compro vinho chilenos, embora não me furte a bebê-los. Quando menos, para 'comprovar' como estão fora de propósito. Tem seus fãs - que ótimo: se tais bebedores olhassem para Aux Gravains ou St Patrice, este Enochato não encontraria com o que divertir-se...

   Mencionei saudades na introdução ao texto? Sim, saudades dos amigos do Chile, brasileiros e gusanos (risos!) que desta vez não pude encontrar. Haverão outras oportunidades. E já já tem mais postagem sobre minha breve estadia por lá.

Esta postagem foi tocada por um Cenerentola 2016, produzido pela Donatella Cinelli. Proveniente da DOC de Orcia, Toscana, corte Sangiovese e Foglia Tonda(!?), tem a clara expressão da cereja e café (chocolate?), com mais notas para divertir melhores narizes; madeira um ponto acima, destacada mas sem atropelar. De cor mais escura do que muito Châteauneuf, a boca surpreende pela acidez muito presente, equilibrada, recheada de frutas na frente e fundo especiado, com dulçor balanceado, longe de enjoar. Bom corpo, boa persistência, mesmo no segundo dia mantinha-se inteiro. Acompanhou bem uns bifinhos ao molho de gorgonzola. Foi comprado há bastante tempo na Enoeventos, onde está esgotado. Da mesma produtora encontra-se na importadora o Brunello di Montalcino 2019, a R$ 900,00 (preço cheio), que não é difícil de achar a USD 70,00 lá fora. Portanto está discrepando bem, como tem acontecido com a casa, infelizmente. Encontrei a nota de 2020, quando comprei a safra '15, creio, a R$ 360,00. O dóla naquela época estava a valor similar ao de hoje... bem, aparecem outras ofertas por aí, basta prestar atenção.

Sunday, October 19, 2025

Uma postagem apressada

Introito

   Uma viagem ao Chile obriga-me a mudar o assunto das postagens e até deixar de lado, momentaneamente, a abordagem das questões políticas sempre presentes no Introito. Repito: o grau de idiotia e apatia de parte da população não permite ao verdadeiro cidadão (sic), digo, aquele comprometido com um mínimo de lei e ordem, permanecer silente face aos desmandos da última meia década, para dizer o mínimo. É inacreditável como existam tantos bolsonéscios e PTlhos fazendo vista grossa para as atrocidades de seus... comandantes... Ainda não descemos à barbárie - como o Khmer Vermelho, o Boko Haram, o ISIS e grupelhos assemelhados -, mas tirando isso a minha percepção da falta de liberdade pela qual passamos supera em muito a da Espanha de Franco e a de Portugal de Salazar, quase igualando-se à do romeno Ceausescu e somente um pouco abaixo da de Maduro. Ou o leitor discorda muito da minha percepção, e então alguém está profundamente errado, ou ele não discrepa excessivamente. E, não divergindo substancialmente, torna-se claro o quanto estamos enterrados na lama. Não há contradição a serviço de outra possível interpretação; poucas vezes a realidade foi-me tão clara. Um longo e árduo caminho até '26.

Uma semaninha no Chile

Pois é, estive lá entre 25 de setembro e 3 de outubro, mais ou menos. Vítima da Covid, já não lembro-me de tantas coisas... 😣. Portando preparem-se para doses cavalares de mentiras grotescas respingadas com algumas pitadas de pura e singela verdade; o que puder, comprovo; desconfiem de todo o resto. O Nagib está bem - e fiquei feliz ao encontrá-lo saltitante e rebolando como uma vestal segurando a garrafa de Châteauneuf-du-Pape que eu havia comprado antes de viajar e requisitado a entrega na humilde choupana de sua família. Yes, agora temos vinhos europeus no Chile: a Lex Dix Vins é uma pequena mas dinâmica importadora de vinhos franceses - principalmente -, europeus de maneira geral e de outras partes do mundo também. O senhor Guillaume é o simpático proprietário, francês da gema (sic!) que por algum motivo perdeu-se nas Américas e abriu sua lojinha (rs) no centro de Santiago enquanto não acha o caminho de volta - espero que demore! Claro, o Châteauneuf não estava sozinho e diversas garrafas da seleção de Guillaume rechearam tanto meus poucos dias por lá como minha mala na volta. A ver...

Visitei a loja física da Les Dix Vins tão logo pude, à procura de algo mais emergencial e disposto a provar vinhos diferentes. Antes de viajar havia confabulado com Don Flavitxo. Ele acompanha muitas novidades que deixo passar, e segue de perto o estado da arte na produção em diversos países. Cochichou-me, quase entredentes, cuidando para não morder a língua, três candidatos a bons brancos. O Aristos Duquesa D'A é uma parceria entre o enólogo chileno François Massoc e dois produtores top da Borgonha: Louis-Michel Liger-Belair e Pascal Marchand. Até encontrei n'alguma loja a 90 dólas; resolvi não apostar. Mais modesto, e disponível na Les Dix, fiquei com o RETA Chardonnay Quebrada Seca 2022; foi o primeiro vinho degustado em terras chilenas. Meu paladar está (mal)acostumado a Chablis de alguma qualidade e outros Borgoinhas rebas de produtores top como os do Drouhin e os do Comte Lafon, para citar alguns, então não será qualquer blefe chegando e pedindo passagem que vai me impressionar, lamento. Reta (isso eu me lembro!) tinha mineralidade - baixa - e toques cítricos à limão bem presentes; em boca, uma vaga lembrança da manteiga como a de Borgonhas menos complexos como um Saint-Véran (aqui); acidez baixa, mesmo para um branco sul-americano, muito rápido na garganta, passando sem deixar marca nem lembrança... Ligeirinho poderia ser seu nome do meio, tudo isso embalado ao preço de USD 40,00. No... no se puede... (sic! rs!). Compra-se um Les Heritiers du Comte Lafon por USD 20,00 lá fora (mas encontramos a R$ 500,00 na Grã-Tubarona Mistral), e um Saint-Véran Deux Roches Tradition por menos; por ele paguei R$ 140,00, ótima compra.  Então Reta confirma, mais uma vez, com louvor e gabo distintos e salientes, como andam caros os vinhos chilenos - uma constatação já antiga deste blog. Poderia custar USD 10,00. O excesso na diferença justifica-se pela falta de comparação dos bebedores. Experiência recente mostra como estamos defasados, tanto política quanto enofilicamente (sic). Por aqui Reta custa uma mordida de Dragão de Komodo direto no fígado: entre R$ 566,00 e R$ 688,00. O mais curioso foi como Don Flavitxo falou bem dele: boa acidez e corpo, vívido. Não foi como se apresentou, nem para mim, nem para Nagib. Magide degustou um gole e pediu licença para lavar roupas, deixando a taça esquentando pelo restante da noite. Nossa garrafa estaria miada? Flavitxo tem gabarito, não daria uma rata desse tamanho. Talvez tire a teima, n'alguma outra oportunidade.

Uma experiência diferente

Na compra realizada na Les Dix, o sr. Guillaume ofereceu-me a título de desconto a escolha entre um vinho novo, não lembro-me qual, e um exemplar de lote limitado que ele conseguira: um Tarapaca Gran Reserva 1983! Comentou sobre a prova de algumas garrafas por clientes, e elas não apresentaram-se arruinadas. É claro que eu não deixaria de topar uma bola dividida dessas, ainda mais depois de uma breve olhada na cor do vinho. Já apreciei diversas garrafas de portugueses oxidados beirando os 50 anos, e um deles, com apenas 40, exibia fruta(!). Seguramente não esperaria o mesmo desempenho de um vinho chileno principalmente por questões climáticas (latitude é apenas uma delas), mas a curiosidade espetou-me o espírito como a lança de Odin: ela nunca erra seu alvo. A graduação alcoólica - apenas 12% - testemunhava de maneira inequívoca como as mudanças nos últimos 30 anos fizeram-se sentir no amadurecimento das uvas: hoje ele chega a 14%. Retirada a cápsula, mais uma surpresa: a rolha - de boa qualidade - não estava infiltrada. Pensei comigo: seria uma pena se estivesse avinagrado... merecia (sic) algo ter sobrevivido... Com um saca-rolhas de garfo, ela saiu sem esfarelar, inteira.

  

   Não vinha avinagrado. Toque herbáceo bem ralo, não consegui detectar outras notas. A boca seguiu o nariz: pouco a apresentar, e faltou-me capacidade para distinguir alguma outra característica senão aquela sensação de terra húmida; fora isso, insosso. Os detratores dirão: estava morto, apenas não sabia e não tinha caído!  A surpresa continuou no dia seguinte: mantendo a mesma percepção de insipidez, não desceu a algo intragável, como já tive oportunidade de provar em outros exemplares. Acompanhar per se a evolução de um vinho é, sempre, mais interessante do que ler qualquer narrativa. O coração do provador bate mais forte e a expectativa é sempre mais intensa. Valeu.


Como se fosse necessário...


O valor de Reta no Brasil





E no Chile... pelo câmbio atual, 34.000 Pesos valem praticamente 34 dólas.