Sunday, October 19, 2025

Uma postagem apressada

Introito

   Uma viagem ao Chile obriga-me a mudar o assunto das postagens e até deixar de lado, momentaneamente, a abordagem das questões políticas sempre presentes no Introito. Repito: o grau de idiotia e apatia de parte da população não permite ao verdadeiro cidadão (sic), digo, aquele comprometido com um mínimo de lei e ordem, permanecer silente face aos desmandos da última meia década, para dizer o mínimo. É inacreditável como existam tantos bolsonéscios e PTlhos fazendo vista grossa para as atrocidades de seus... comandantes... Ainda não descemos à barbárie - como o Khmer Vermelho, o Boko Haram, o ISIS e grupelhos assemelhados -, mas tirando isso a minha percepção da falta de liberdade pela qual passamos supera em muito a da Espanha de Franco e a de Portugal de Salazar, quase igualando-se à do romeno Ceausescu e somente um pouco abaixo da de Maduro. Ou o leitor discorda muito da minha percepção, e então alguém está profundamente errado, ou ele não discrepa excessivamente. E, não divergindo substancialmente, torna-se claro o quanto estamos enterrados na lama. Não há contradição a serviço de outra possível interpretação; poucas vezes a realidade foi-me tão clara. Um longo e árduo caminho até '26.

Uma semaninha no Chile

Pois é, estive lá entre 25 de setembro e 3 de outubro, mais ou menos. Vítima da Covid, já não lembro-me de tantas coisas... 😣. Portando preparem-se para doses cavalares de mentiras grotescas respingadas com algumas pitadas de pura e singela verdade; o que puder, comprovo; desconfiem de todo o resto. O Nagib está bem - e fiquei feliz ao encontrá-lo saltitante e rebolando como uma vestal segurando a garrafa de Châteauneuf-du-Pape que eu havia comprado antes de viajar e requisitado a entrega na humilde choupana de sua família. Yes, agora temos vinhos europeus no Chile: a Lex Dix Vins é uma pequena mas dinâmica importadora de vinhos franceses - principalmente -, europeus de maneira geral e de outras partes do mundo também. O senhor Guillaume é o simpático proprietário, francês da gema (sic!) que por algum motivo perdeu-se nas Américas e abriu sua lojinha (rs) no centro de Santiago enquanto não acha o caminho de volta - espero que demore! Claro, o Châteauneuf não estava sozinho e diversas garrafas da seleção de Guillaume rechearam tanto meus poucos dias por lá como minha mala na volta. A ver...

Visitei a loja física da Les Dix Vins tão logo pude, à procura de algo mais emergencial e disposto a provar vinhos diferentes. Antes de viajar havia confabulado com Don Flavitxo. Ele acompanha muitas novidades que deixo passar, e segue de perto o estado da arte na produção em diversos países. Cochichou-me, quase entredentes, cuidando para não morder a língua, três candidatos a bons brancos. O Aristos Duquesa D'A é uma parceria entre o enólogo chileno François Massoc e dois produtores top da Borgonha: Louis-Michel Liger-Belair e Pascal Marchand. Até encontrei n'alguma loja a 90 dólas; resolvi não apostar. Mais modesto, e disponível na Les Dix, fiquei com o RETA Chardonnay Quebrada Seca 2022; foi o primeiro vinho degustado em terras chilenas. Meu paladar está (mal)acostumado a Chablis de alguma qualidade e outros Borgoinhas rebas de produtores top como os do Drouhin e os do Comte Lafon, para citar alguns, então não será qualquer blefe chegando e pedindo passagem que vai me impressionar, lamento. Reta (isso eu me lembro!) tinha mineralidade - baixa - e toques cítricos à limão bem presentes; em boca, uma vaga lembrança da manteiga como a de Borgonhas menos complexos como um Saint-Véran (aqui); acidez baixa, mesmo para um branco sul-americano, muito rápido na garganta, passando sem deixar marca nem lembrança... Ligeirinho poderia ser seu nome do meio, tudo isso embalado ao preço de USD 40,00. No... no se puede... (sic! rs!). Compra-se um Les Heritiers du Comte Lafon por USD 20,00 lá fora (mas encontramos a R$ 500,00 na Grã-Tubarona Mistral), e um Saint-Véran Deux Roches Tradition por menos; por ele paguei R$ 140,00, ótima compra.  Então Reta confirma, mais uma vez, com louvor e gabo distintos e salientes, como andam caros os vinhos chilenos - uma constatação já antiga deste blog. Poderia custar USD 10,00. O excesso na diferença justifica-se pela falta de comparação dos bebedores. Experiência recente mostra como estamos defasados, tanto política quanto enofilicamente (sic). Por aqui Reta custa uma mordida de Dragão de Komodo direto no fígado: entre R$ 566,00 e R$ 688,00. O mais curioso foi como Don Flavitxo falou bem dele: boa acidez e corpo, vívido. Não foi como se apresentou, nem para mim, nem para Nagib. Magide degustou um gole e pediu licença para lavar roupas, deixando a taça esquentando pelo restante da noite. Nossa garrafa estaria miada? Flavitxo tem gabarito, não daria uma rata desse tamanho. Talvez tire a teima, n'alguma outra oportunidade.

Uma experiência diferente

Na compra realizada na Les Dix, o sr. Guillaume ofereceu-me a título de desconto a escolha entre um vinho novo, não lembro-me qual, e um exemplar de lote limitado que ele conseguira: um Tarapaca Gran Reserva 1983! Comentou sobre a prova de algumas garrafas por clientes, e elas não apresentaram-se arruinadas. É claro que eu não deixaria de topar uma bola dividida dessas, ainda mais depois de uma breve olhada na cor do vinho. Já apreciei diversas garrafas de portugueses oxidados beirando os 50 anos, e um deles, com apenas 40, exibia fruta(!). Seguramente não esperaria o mesmo desempenho de um vinho chileno principalmente por questões climáticas (latitude é apenas uma delas), mas a curiosidade espetou-me o espírito como a lança de Odin: ela nunca erra seu alvo. A graduação alcoólica - apenas 12% - testemunhava de maneira inequívoca como as mudanças nos últimos 30 anos fizeram-se sentir no amadurecimento das uvas: hoje ele chega a 14%. Retirada a cápsula, mais uma surpresa: a rolha - de boa qualidade - não estava infiltrada. Pensei comigo: seria uma pena se estivesse avinagrado... merecia (sic) algo ter sobrevivido... Com um saca-rolhas de garfo, ela saiu sem esfarelar, inteira.

  

   Não vinha avinagrado. Toque herbáceo bem ralo, não consegui detectar outras notas. A boca seguiu o nariz: pouco a apresentar, e faltou-me capacidade para distinguir alguma outra característica senão aquela sensação de terra húmida; fora isso, insosso. Os detratores dirão: estava morto, apenas não sabia e não tinha caído!  A surpresa continuou no dia seguinte: mantendo a mesma percepção de insipidez, não desceu a algo intragável, como já tive oportunidade de provar em outros exemplares. Acompanhar per se a evolução de um vinho é, sempre, mais interessante do que ler qualquer narrativa. O coração do provador bate mais forte e a expectativa é sempre mais intensa. Valeu.


Como se fosse necessário...


O valor de Reta no Brasil





E no Chile... pelo câmbio atual, 34.000 Pesos valem praticamente 34 dólas.



4 comments:

  1. Viaginha sempre é bom né Carlão? Vinho com mais de dez anos geralmente é difícil na LA. Um GR Tarapacá aqui está na faixa de 200. Quanto pagou esse safra de 83?

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    1. Sempre bão, sempre bão...
      Registrado o preço atual do GR Tarapacá. Acho que não fui claro no texto: o '83 me foi oferecido em vez de um desconto na compra que eu fazia naquele momento. Poderia escolher esse vinho ou um outro, lançamento recente de alguma vinícola que não registrei. Preferi a experiência diferente.
      Obrigado pela leitura e pelo comentário!

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  2. CA entre malas e vinhos, a família querida com certeza feliz com a sua presença. Quanto aos vinhos provados, imagino prazeroso! Viva amizade entre Chile e Brasil!… quanto aos vinhos da Mala, bora marcar para degustar entre amigos para um brinde à amizade da MalucaDeLiu. :)

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    1. 🙄 e o Nagib ainda reclamou do trecho saltitante e rebolando... pode? 🤣
      Ah, e tenho um branquinho nojento para apresentar para as Malucas... a confra não perde por esperar...
      Obrigado!

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