Tuesday, November 9, 2021

O núcleo duro

Introito

   Já mencionei anteriormente o núcleo duro. Atualmente está composto pelo Akira, D. Neusa, Jacimon e este que vos fala. Jacimon mudou-se, o rebento chegou, veio a pandemia. Estamos tentando voltar às confraternizações. Enquanto isso o Ghidelli corre por fora como convidado de honra especial (sic). Eis que ele foi gentilmente oferecido (sic! rs!) para cozinhar para o grupo no dia 31. Na verdade, colocou a pobre - mas competentíssima - esposa para o trabalho mais refinado e tudo certo, positivo operante. A Márcia respondeu ao chamado e nos reunimos na casa deles para um encontro a caráter. Não, bem descontraído, na verdade. A caráter estavam os vinhos...

Xampa de verdade

Havia comprado, no ano passado, duas garrafas de uma xampa de produtor bem conceituado, o Philipponnat. Seu Royale Brut Reserve é um corte de 65% Pinot Noir, 30% Chardonnay e 5% Pinot Meunier. Servi a todos, inclusive uma taça vazia em homenagem ao Jaci. Aproximei minha taça do nariz, fechei os olhos e deixei seu buquê me embriagar. Tive a impressão de ser bem melhor do que o Piper-Heidsieck, com nariz muito bem marcado a frutas cítricas, toques de fermento/miolo de pão e outras notas mais - não identifiquei. Quando abri os olhos, o conteúdo da taça do Jacimon havia desaparecido! Evaporado! Sumira! Surpreso, corri os olhos pelos confrades. Um olhava para o relógio cuco, outro para o teto e alguém mirava o infinito, como em transe. Só o Akira abafava a muito custo um sorriso maroto, mas sua taça estava na medida que eu havia servido, e nunca é demais repetir, ele não bebe. Atônito - mas claro, sem considerar a possibilidade de que o espírito do Jaci estivesse nos visitando sorrateiro -  pensei comigo que eles ainda seriam vítimas do meu prestígio quando chegasse o momento apropriado. Philipponnat foi acompanhado por camarões ao molho de mascarpone com alho poró e acabamento com casca de limão sicilaino ralado na hora. Creio ouvir o Akira comentar que lembrava um... Taittinger(?) de bom nível - O Roayle é o mais reba básico de Philipponnat. Boca com mineralidade presente, ótima acidez, fruta verde e boa permanência. Casou muito bem com o camarão. De maneira geral, esse prato casa combina com espumantes, mas não só; um exemplo está aqui. Depois disso passamos a uma degustação sem comida de três tintos. A proposta inicial era fazer um painel, situação onde os vinhos possuem algum ponto em comum, qualquer que seja. Escolhi que fosse a uva tinta vinífera mais conhecida de todas e a mais plantada no mundo.

Cabernet Sauvignon: a rainha das uvas tintas

   A Cabernet Sauvignon, tida como a Rainha das Uvas Tintas, é originária de Bordeaux. Então precisamos combinar de antemão: suas características são as dos vinhos daquela região. Se estamos acostumados com outras expressões - chilenas, principalmente, em nosso caso - devemos estar atentos que a diferença entre os vinhos mostra o quanto o chileno afasta-se ou aproxima-se do padrão. Isso posto, servi os vinhos às cegas, para alegria de uns e desespero de outros. O primeiro causou furor, e pensei comigo:
   - Putz, errei a mão... deveria tê-lo servido por último...
   O fato é que um Uôôôô reverberou pela sala; o humor, se já estava bom depois da xampa, melhorou. O segundo teve impacto neutro. Razoável: o nível estava alto e a nova prova talvez tenha deixado um pouco a desejar. No terceiro, o entusiasmo voltou, sem tanta efervescência. Em resumo, quem melhor se aproximou nas avaliações foi novamente o Akira. Seu melhor acerto foi quanto ao último; disse que poderia ser americano ou australiano. Os outros, não conseguiu desvendar. Vamos lá...

O primeiro vinho foi o Pape Clement 2008, um Grand Cru Classé de Graves. A classificação de Graves de 1959 (na verdade em 1959 aconteceu uma revisão, mas ela é conhecida por essa data) lista os melhores produtores de  Pessac-Léognan, classificando todos eles com a distinção Grand Cru Classé. É um corte  50% Cabernet Sauvignon e 45% Merlot completado com Cabernet Franc e Petit Verdot. O buquê é nervoso, tridimensional, com madeira e terroso, frutas e algo mineral, generoso, animal... pela sequência o leitor percebe que é um vinho fora da curva. É a Cabernet beirando o estado da arte. Ano passado bebi um Château Montrose (segundo vinhedo de 1855) que mostrou o lado mais delicado e sutil da CS. Pape Clement mostra-nos a face Shrek (sic) da região: forte e pegado, pero sin perder la ternura jamás (risos!). No paladar, também rico, a fruta repete-se misturada a taninos potentes e ótima acidez. Tostado, couro, especiaria. Aqui é o ponto: difícil perceber a pimenta típica de outras expressões. Está lá, mas precisa prestar muita atenção. Dá até para confundir com a pimenta da madeira. A permanência e o final são longos; depois de engolir e salivar, continuamos com ele na boca. Está bom para ser consumido, mas pode ser guardado por muito tempo - mais 20 anos, segundo especialistas. Felicidade engarrafada, mas por 100 dóla é obrigação. Não à toa causou furor quando servido. 


O segundo mostrou fruta, bom corpo mas não foi muito além. Noon Cabernet Reserve 2003, de Langhorne Creek, estava miado, para tristeza geral. Pela avaliação do Akira, foi da garrafa, não do armazenamento. Bebível, mas seu potencial parecia preso, com o freio de mão puxado. Não deslanchou, mas se estivesse sozinho com vinhos menores ainda assim teria feito bom papel. Depois veio o Etude 2005, um Napa seguramente notas abaixo de Pape Clement mas ainda assim muito bom. Rico, nariz à fruta madura, madeira, café (chocolate?), e mais; boca com bons taninos, madeira integrada, boa acidez. Se levarmos em conta que custa na ordem de um Pape Clement (USD 90,00), é bom, mas não é tão boa compra. Vinhos comprados em outros tempos, outros dóla (sic). Após a degustação inicial, repetimos todos eles acompanhados por um filé mignon selado com sal de parrilla e mel, acompanhado de champignon Paris. Ah, tinha um creminho também, mas o Ghidelli não mandou e especificação, e não sou tão bom para guardar tantos detalhes... purê alguma coisa com mandioquinha (rs), acho. Dos tintos, apenas Pape Clement é vendido aqui, a preço de até R$ 3.000,00. No... no se puede... 😔. Como disse, paguei cerca de USD 100,00, e hoje seriam R$ 600,00. Isso dá 5x. No... 😕 Consumidor, siga atento. A plataforma wine-searcher ainda é sua melhor amiga.


Não tirei foto da sobremesa (😱), mas foi uma boa torta com damasco acompanhada por um Tokaji Aszú 2003, 5 putônios, da Oremus. Esse produtor foi comprado pela Vega Sicília, gigante espanhol que produz o icônico vinho de Ribera del Duero. Bons Tokaji's, Sauternes e similares são praticamente eternos - no sentido de que duram muito mais que o feliz proprietário, mesmo oxidados - de maneira que esse 2003 estava pungente: boa estrutura, frutas secas - damasco? - e mais, mas não guardei exatamente. Doce (5 putônios...), mas equilibrado pela acidez. Boca larga, combinou muito bem com a sobremesa. Sobrou (fiz que sobrasse - rs!) para outras ocasiões, outras confrarias. Spice must flow... outras pessoas precisam ter essa oportunidade...

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