Grandes vinhos e grandes enganos
A atual fase francesa do nosso amigo Akira acabará por nos levar à bancarrota. Por enquanto, felizmente - e para êxtase dos leitores - apenas a pequenos e deliciosos enganos. Estava o Akira conversando com um lojista de onde ele tem garimpado boas oportunidades em S. Paulo. Entre uma queima e outra, apareceu o Borgonha-Valisére da postagem recente. Da vez seguinte ele estava conversando sobre vinhos de Bordeaux. O lojista disse ter a magnum de um "bastante bom" em promoção, e apontou para prateleira:
- Te faço 250... não vou trabalhar mais com a marca e estou queimando esta última garrafa.
O Akira deixou escorrer uma lágrima do olho enquanto murmurava:
- Você vai me vender um Château Latour por 250?
Grandes vinhos e grandes enganos...
O lojista aproximou-se da garrafa e virou-a, posicionando-a de frente, e antes que pudesse falar qualquer coisa o Akira enxugou a lágrima e, curto (apenas curto): - Vou levar... (terminou abaixando a cabeça, talvez para esconder a vergonha...).
Eu não deixo passar a chance de perder um bom amigo. Desfeito o engano, marcamos a degustação. A parte boa de uma magnum, dividida em quatro - outros vinhos acompanharam o momento, mas falarei apenas deste - é que podemos ir devagar, começar a degustação sem decantação prévia e deixar o tempo fazer seu trabalho enquanto a conversa flui. Demos sorte, também: a safra 2001 indicava que provavelmente estávamos em um bom momento para degustar o danado. Por outro lado a graduação alcoólica (13%) provocou-me um ligeiro calafrio. Costumo vincular longevidade diretamente (dentre outras coisas, claro) à graduação alcoólica. Como veremos, apenas mais um engano a somar-se ao folclórico evento. Com um ano em barrica e outros 11 de garrafa, este corte 60% Cabernet Sauvignon, Merlot 35% e 5% Petit Verdot pareceu não ter envelhecido. Sequer a sugestão de estar atijolado, pelo contrário. Na boca, inicialmente bem fechado, muito diferente dos chilenos e argentinos aos quais sou mais acostumado. Contudo, já de cara, uma característica chamou atenção: acidez presente. Com a devida evolução, a acidez foi integrando-se aos bons taninos e à madeira. Apareceram couro e chocolate à medida que as taças oscilaram entre vazias e cheias, além de ótima fruta. É um vinho de corpo médio, e surpreendeu pelo final entre médio e longo e retrogosto bem presente.
O que precisa ficar registrado para bebedores de sul-americanos (como eu) e ex-bebedores de sul-americanos e iniciantes em vinhos europeus (como eu), é que não trata-se se um vinho "fácil". Seu conjunto acidez-taninos-madeira tem boa pegada mas a "caída", se me entendem, é muito diferente dos vinhos deste continente. A boca menos acostumada tenderá a não apreciar devidamente esse tipo de vinho; ele pode passar por ruim. Não é. O tempo fez diferença e, embora ao final ele continuasse diferente do vinho mais fácil, sua estrutura atestou a qualidade. Este parágrafo pode ter fica um tanto confuso. Não faz mal; eu também, quando o degustei. Como último argumento, devo dizer que experimentarei outros vinhos do Médoc, com a devida atenção; não adianta abri-lo em uma festa e dar atenção a 30 colegas, largando o vinho na taça. Se servir de consolo, o Flávio Vinhobão seguramente fará uma apreciação mais precisa deste vinhos. Não é, Flávio?...
Château La Tour de By 2001, 13° de álcool, 60% Cabernet Sauvignon, Merlot 35% e 5% Petit Verdot.
Bom vinho, mas não para todas as bocas.
PS: após o comentário do Vitor, fui checar com o Akira o quanto ele havia pago na garrafona. Na verdade pagou R$ 200,00, e não R$ 250,00 como eu pensei inicialmente (blefe do amigo-bebedor, para valorizar o vinho dele? - rs!). Parece que esse assunto de vinho tem mais variáveis do que podemos sonhar conhecer algum dia.
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ReplyDeleteMais um grande post, Carlão!
ReplyDeleteLembrei de ter visto esse vinho pelo mesmo preço noutro dia. Achei: R$ 255,00 é a pedida de tabela na Decanter de Curitiba...
http://www.adegaboulevard.com.br/franca.html
Mais um ingrediente na história: o blefe do vendedor!
Abs.
Vitor, obrigado! De fato, o "blefe do vendedor" é um elemento sobre o qual eu nunca havia pensado. Mas conversei com o Akira e preciso fazer um ps à postagem, o que editarei a seguir.
Delete[]s,
Carlos
Carlão, meu amigo! Isso ai!
ReplyDeleteBordeaux e Borgonha têm tanta complexidade nas denominações quanto nos próprios vinhos. É fácil se enganar. No caso do La Tour de By, não tem mesmo nada a ver com o grande Latour de Pauillac. Ele é de uma região menos expressiva, ao norte de Medoc, chamada "Bas" (mais baixo) Medoc, onde não se tem Cru Classés. Ele é um Cru Bourgeois, mais simples. Os vinhos dessa região ficam maduros mais cedo que aqueles mais ao sul do Medoc (e da mesma categoria). Nesse caso específico, há ainda o problema da safra: 2001 foi uma safra fraca, que gerou vinhos mais leves. Eu queria experimentar o 1995 ou 2000 dele (que custam o dobro). Confesso que achei o vinho bem levinho, já no seu auge. Não acredito que ele ganhará com o tempo. O negócio do álcool e longevidade, na minha opinião, não tem muito a ver. Na verdade, 13% é o padrão dos (muito) longevos Bordeaux (e não é pouco álcool). É que estamos acostumados aos exagerados 14,5-15,5% de muitas bombas argentinas, o que é muito alto. Veja bem, tem vinho tanto de Bordeaux quanto de Borgonha com álcool abaixo de 13% e com vida longuíssima. Sem dúvida, quando vou escolher um vinho, procuro sempre aqueles com álcool mais baixo (ao contrário de muitos que buscam vinhos mais alcoólicos, pensando equivocadamente que isso significa corpo e estrutura).
Bem, isso aí meu amigo! Bordeaux na veia!
Desculpe o comentário "longevo"...rs.
Abração,
Flavio
Flávio, obrigado pelas explicações. Mas ainda existe uma ponta em aberto. Não sei explicar (com certeza) por que os sul-americanos com menos álcool duram menos. Chutaria que é a "estrutura" (ou a falta dela). Mas é chute mesmo. A certeza é que muitos (como eu até ontem) ainda apostam na graduação alcoólica como explicação da longevidade.
Delete[]s,
Carlão
Então, Carlão... Na verdade, acho que os produtores sul-americanos também ficariam muito felizes em descobrir isso...rsrs. É o pulo do gato!
DeleteÉ aquela velha frase da baronesa Philippine de Rothschild: “Produzir vinho é relativamente simples, apenas os primeiros 200 anos são difíceis”...rs.
Abraços,
Flavio
Você já citou essa (rs!). Mas acho que os produtores sul-americanos estão... deitados em berço esplêndido?
ReplyDeleteAcho que, com raras exceções, eles fazem o que o mercado pede: Vinhos potentes, com muita extração, alcoólicos e prontos para beber mais cedo. Os americanos gostam disso e são o maior mercado. No entanto, as coisas estão mudando e há uma busca geral por vinhos menos alcoólicos e com menor extração. Aí pode ser o problema, pois o pessoal lá fora faz isso há séculos, enquanto no novo mundo, poucos fazem.
Deleteabs,
Flavio
Entendi. Mas essa estória toda - menos álcool, menor extração (seja o que for - rs!) - não acaba produzindo um vinho que não está exatamente "pronto pra beber"? Porque a sensação é que o detestável público (rs) quer abrir e jogar goela baixo, sem dar tempo para o vinho amadurecer na garrafa e depois sem esperar algum tempo para o vinho respirar e evoluir após a abertura.
ReplyDeleteNão necessariamente. É um conjunto de variáveis. Veja por exemplo os Beaujolais. São vinhos com pouca extração, baixo álcool e prontíssimos para beber. A propósito, os Cru de Beaujolais são bons, hein! Nada a ver com um Beaujolais Village meia boca...rs. O negócio dos vinhos com muita extração é que tentam extrair o máximo da fruta, e ai, com o ingrediente da madeira em excesso, dá-se peso ao vinho e a turma fica feliz. O negócio de abrir para respirar, depende muito de cada vinho. Isso também é uma arte. Veja só o número diverso de decanters que a Riedel oferece. Mas tem vinho que pode ser aberto, aerado etc, e que não abre nem a pau. Ou seja, precisaria ainda de anos na garrafa para isso. Já tive uma oportunidade desagradável dessa com um Bordeaux.
ReplyDeleteAbs,
Flavio
...tive uma experiência desagradável... não uma oportunidade....rsrs.
DeleteResumo da ópera: o buraco é (sempre) mais embaixo.
ReplyDeleteEssas discussões todas seguramente ajudam os menos entendidos (como eu) e contribuem para a missão do blog, que é a de tentar ajudar aqueles que ainda estão tateando nesse universo.
Valeu, Flávio.