Sunday, August 22, 2021

O coelho do Gustavo

Introito

Onde  sobra ignorância falta medo.
O Enochato sem Galochas

O medo é, em alguma instância, nossa auto-proteção. Temos medo de chegar muito próximos á borda de um precipício. De um animal desconhecido. Até mesmo de nos acercarmos de outro ser humano em condições pouco adequadas - na saída de um restaurante ou bar à noite. Reporta-nos o jornal O Tempo sobre uma partida de futebol onde o público aglomerou-se sem qualquer preocupação ou observância das medidas sanitárias. Por que nós, animais tão medrosos por natureza - somos de longe o mais fraco de todos na natureza, comparando-nos com outros de similar tamanho e/ou massa - ignoramos os riscos de um contágio que pode ser mortífero e nos arriscamos de maneira tão gratuita? Para mim, apenas a ignorância pode subverter essa regra tão óbvia, tão instintiva. A racionalização trouxe-nos uma faca de dois gumes, onde a reflexão sem o devido conhecimento pode levar-nos ao esquecimento ou desprezo dos cuidados mais simples. Alguns fazem roleta-russa com armas automáticas...

A ignorância é um mal que precisa ser extirpado, muito mais do que o demônio - literal ou figurado. A ciência tem que deixar de ser uma vela no escuro, por mais que a perspectiva de ao menos alguma iluminação nas trevas seja reconfortante. Um 'pastor' (sic) vende, a R$ 1.000,00, certo feijão que cura a Covid, mostra-nos o portal G1. Entregamo-nos a uma falsa compaixão quando pensamos nos ignorantes que caem nessa estória. 
   
Existe vagando pelo mundo um número incomensurável de pessoas com boa formação entregues à completa falta de senso crítico. Autênticos zumbis intelectuais, caminham vacilantes para uma escuridão que se avizinha como ovelhas ao abatedouro. Vimos isso no início deste ano, em um lugar onde 65% da população tem diploma universitário. No brasio e média é de uns 23%. Boa parte destes não percebem que bolsonésio e lulalelé são as duas faces da mesma moeda; a moeda amaldiçoada que deveríamos ter atirado ao longe há muito tempo, mas que por um tipo de mágica parece ter colado em nossa mão onde continua a produzir chagas pelo mero contato. Mas o grande embuste é que ela esteja mesmo aderida a nós, quando na verdade não está! Nós é quem pensamos assim quando dizemos que entre lulalelé e bolsonésio votamos neste ou naquele. Adiantamos um segundo turno que não acontecerá, para, de maneira canhestra em nossa estupidez, irmos desde já justificando o voto em nosso político idiota de estimação. Várias pessoas que você conhece estão assim, de um lado ou de outro? Certo. O que você fará sobre isso? Deixará passar em brancas nuvens, no momento em que a pátria mais precisa de você? Lembre-se destas palavras sábias, em apenas uma lição...

   O leitor pode querer lembrar-me que este é um blog sobre vinhos. Novamente: estamos em um momento histórico e social onde deixar de discutir nossos problemas, que são imensos, será visto pela posteridade como o mais autêntico escapismo ou, pior, como absoluta irresponsabilidade de uma classe que se pretende intelectualmente de elite mas não vai além de inconsequente. Incluam-me fora dessa (sic) por favor. 

Vinho e Turismo

Com alguma abertura para encontros, o grupo Vinho e Turismo (V&T) promovido pela Vinho e Ponto e pela empresa Caminhos do Turismo voltou a reunir-se. Em número reduzido e com espaçamento entre os participantes, o encontro versou sobre vinhos do sul da França. Os vinhos provados já foram comentados e um está aqui. Depois do evento fomos Riana e eu ao Bistrô Graxaim onde o Gustavo havia preparado um fettucine com ragu de coelho. Ricardo, Noiva de Baco de primeira hora, impedido de beber, não participou do primeiro encontro mas apresentou-se lépido e faceiro para a ceia. 
A Riana levou o La Vaca Piloto Garnacha 2019, um espanhol da DOP Cariñena, localizada na região de Aragão, fronteiriça com a França. No sítio do importador (Wine), vemos que é produzido pela Cia Vitivinícola Covinca, em cujo sítio curiosamente não encontramos menção a esse vinho. Uma explicação para isso é que o importador pode ter pedido a criação de um rótulo exclusivo. Nessa hipótese, é muito trabalho para pouco vinho. Não é ruim; para um encontro descompromissado cai muito bem: tem fruta imediata - Riana e e concordamos que framboesa -, corpo médio sem madeira, acidez de baixa a média, um travinho doce não enjoativo com permanência e final algo rápidos. A acidez deu-lhe uma boa pegada com o fettuccine, e embalou a conversa entre os bebuns. Como o vinho está esgotado na importadora e não encontrei referências a ele lá fora, fica impossível falar de preço. A Wine não está entre as importadoras mais careiras, mas também não figura entre as de melhor custo-benefício. Apreciei feliz a oportunidade, mas não compraria. O inexistente leitor pode dar-se ao luxo da experiência se encontrá-lo. Experimentar é necessário, viver é que não é preciso (risos!).

Este Enochato compareceu com um vinho de importador que há muito namorava sem ter comprado algo, a Chez France. Aconteceu que recebi uma 'promo' com 50% de desconto sobre vinhos que normalmente já possuem ótima relação custo benefício, e desta vez mandei ver sem pensar ou mesmo consultar os preços lá fora. Até porque estavam numa faixa bem razoável para vinhos franceses. Villa Blanche Pinot Noir 2019, produzido pela Calmel & Joseph do Languedoc-Roussillon - justamente tema da viagem da V&T da noite! - e traz na mala a promessa de harmonizar com carnes brancas. Nariz com ótima fruta, algo terroso, mostrou boca com bom equilíbrio, acidez média, álcool contido, final e permanência um pouco ligeiros. Na 'promo' saiu por R$ 69,00, o que tornou-o imbatível na noite. Casou muito bem com o coelho que não tive trabalho em caçar no meio do fettuccine, e harmonizou também com o prato como um todo, massa e carne, misturados ao vinho na boca. Para algo descompromissado, os vinhos e a comida foram realmente uma ótima experiência.

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