Monday, December 25, 2023

Paduca com sede e um Xatenefinho de Natal

Introito


   Preciso recobrar a postagem passada, e comentar mais um pouquinho do Château Meylet 2012. Já falei sobre a borra, aqui. No segundo dia, notei como Meylet a tinha, generosa. E sem a menor dúvida, no último tantinho da garrafa balancei e girei alguma vezes, emborcando o conteúdo na taça. Após um tempo para ela concentrar-se devidamente, o resultado foi esse:

   Então fui bebendo com cuidado, para não agitar mais a taça, embora ela sempre descesse para o lado conforme a inclinasse. O resultado está nas fotos seguintes:
   

   E então, sem a menor dúvida, passei um pão no que pude. Infelizmente a taça era um pouco estreita...


...mas deu para aproveitar um bom tanto. Estava ótima, azedinha (rs!) e lembro novamente: uma pequena porcentagem dos vinhos dura o bastante para produzir a borra. Dessa pequena quantidade de bebida, a borra formada é uma minúscula porcentagem da garrafa. Não passe a vida sem experimentar pelo menos uma vez, se puder.

Paduca com sede

Na semana passada a reunião da Paduca aconteceu como de hábito. Entusiasmado com um vinho que comprara, o Duílio chegou com o final dele. Abrira um ou dois dias antes, e queria compartilhar conosco. Era um Adega Mãe, em sua versão Touriga Nacional. Safra 2021, 13% de álcool, não perdeu muito - aparentemente - depois de aberto. Não que tivesse muita coisa (risos), mas estava agradável. Já bebi do produtor, e seus vinhos podem ter uma boa relação custo benefício. Mas precisa ficar atento. Às cegas, o Duílio ainda trouxe outro, e Paulão também. O Fernando deixara o dele de algum outro encontro. O segundo vinho da direita, do Duílio, foi degustado e imaginei ser português. Necas: um Faustino Crianza 2017. É um vinho alegre, como costumava dizer o Akira: fácil de beber, com bastante fruta e um travo doce. Foi esse travo que levou-me a achar ser um português. Seu corpo médio, acidez presente - embora sem tanto destaque - e final em consonância com o conjunto da obra colocam-no claramente acima do que a Paduca vem bebendo - embora seu preço, cerca de R$ 110,00 quando bem comprado - também o coloque em uma faixa mais sofisticada para aquisições individuais. O Paulão chegou com seu Assobio 2020, corte Touriga Nacional, Tinta Roriz e Touriga Franca e produzido pela Esporão. É um vinho básico, também fácil de beber, nariz com fruta evidente (e não muito mais, para mim), fruta que se repete na boca, menor acidez, mais ligeiro, está um degrau abaixo do Faustino. Seu preço cheio por aqui anda na faixa dos R$ 90,00, tornando-o uma compra não tão boa. Segura-se por ter seus fãs e um nome estabelecido, mas o bebedor um pouco mais experiente não o compra por esse preço. Sei que o Paulão o comprou em ótima promo (R$ 40,00), e aí não há dúvida, valeu a pena. Mas é simples... O vinho do Fernando foi o Luccarelli de Puglia Rosso 2022, um meio seco corte Sangiovese, Malvasia Nera e Aglianico. Não estava tão enjoativo como costumam ser os Primitivos da região, mas sua composição de meio seco deixou sua marca adocicada. Bem novo, esbanjando fruta no nariz, travo doce na boca comprometendo tudo - para mim... - um pouco rápido e fora do que prefiro julgar. Custou uns R$ 80,00 ou R$ 90,00, e não é lá meu estilo. Apesar disso secou quase inteiramente, e nessa altura a turma olhou para mim. Lembrei das cenas daqueles filmes dos anos 60, com as crianças condenadas olhando fixamente para os adultos (risos). Há o Children of the Damned (1964) e o Village of the Damned (1960); para mim o segundo é melhor. Mas bem, lá estavam eles, e pensei comigo: algo que pudesse ser aberto e servido rapidamente, após uma rápida passagem pelo balde com algum gelo. Escolhi e servi-lhes às cegas. Marius by Michel Chapoutier 2020 causou alvoroço pelo fato de recém aberto e pouco resfriado - foi na cara de todo mundo - chegou com muita fruta vermelha, uma picada de especiaria e baunilha no nariz, fruta madura na boca, com acidez baixa a média, taninos pouco pegados mas presentes e álcool escapando um pouco na primeira rodada. Na segunda, com a temperatura mais baixa, acertou a combinação e soou ainda melhor. Não tem bom final, é um pouco ligeiro, mas o impacto inicial compensou, mesmo não estando bem resfriado. Para quem não conhece, Chapoutier é um importante produtor do Rhône, e enveredou pelo Languedoc-Roussillon onde produz este corte de Grenache e Syrah. O Duílio disse que meus vinhos sempre surpreendem, e perguntou o preço - uns R$ 75,00 em promo. Recebendo a informação, concluiu comentando a diferença entre conhecer e saber comprar no momento certo e não saber ou não conhecer. É isso: conhecer vinho - já avisava o Manoel Beato quando veio ministrar uma degustação assistida em S. Carlos no início dos anos 2000 - é estudar mapas, legislação, cepas, produtores, características das uvas em cada região... Do seu lado, o leitor precisa ir se escolando (sic) descolando (rs) e aprendendo a avaliar a compra usando o Wine Searcher, não pagando mais de 2x em qualquer vinho e aproveitando a oportunidade conforme ela apareça. 

Xatenefinho de Natal

Paulão jurou passar para um abraço, e não deixei barato: nada como testar as habilidades do discípulo. Compareceu com a sempre bela e delicada Dona Claudia (rs), amiga desde antes o casal se conhecer e entrar em bodas. Ser padrinho de casamento deles foi a celebração de uma amizade que vem se mantendo há décadas, e enche-me de orgulho e satisfação. Mas voltando, servi uma taça às cegas, e a Cláudia, sem saber, notou fruta e chocolate. Boa menina. O Paulão surpreendeu: colocou o vinho no nariz e nem precisou degustá-lo para disparar um Eu já bebi deste vinho meio desconfiado. Falou português, e acertou em cheio! O rapá tá pegando o jeito.

Cedro do Noval (2016) já foi degustado muitas vezes por aqui, em várias safras. Comprado em ótimas promos por R$ 100,00 - a importadora conseguiu desovar as safras mais antigas e ele voltou à casa dos R$ 180,00 - ainda restam-me umas poucas garrafas. O segundo vinho foi muito mais difícil do Paulão acertar, e explica-se: é aquela estória da pessoa beber algo muito acima do padrão pelas primeiras vezes. Ele jamais poderia identificar um bom Châteauneuf-du-Pape. No caso, um do Guigal, em safra 2007: devidamente envelhecido, no auge, estava em outro comprimento de onda. Mas tanto a Cláudia quanto ele notaram e divertiram-se com sua complexidade e graça: nariz com fruta madura e chocolate (Cláudia), fruta e algo terroso (Paulão), é mesmo muito rico. Boca com um doce ligeiro de chocolate ao leite marca o retrogosto, tem um toque doce muito elegante, harmonizado pela boa acidez - não é alta, mas se faz notar com muita elegância. Os taninos estão maduros, álcool integrado, madeira muito discreta, álcool a 14,5%, resultam em um vinho de ótima persistência e final... ele não sai da boca. Está em ótimo momento, não guarde mais. Engolimos, mastigamos de boca vazia e ele continua lá, marcando presença, trazendo-nos felicidade me doses homeopáticas e certeiras, e se me faria feliz sozinho, foi melhor dividindo uma taça com pessoas tão queridas, vendo o brilho nos seus olhos misturando-se à satisfação de uma descoberta diferente. Teve bão... mais uma vez, feliz Natal.

2 comments:

  1. Muito estranho este negócio de comer pão com borra de vinho. Parece horrível.
    Feliz Natal Sr. Carlos

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    Replies
    1. Olá, obrigado pela leitura.
      Bem... Savagnin também parece horrível a muitos bebedores, ao primeiro gole. Depois você ama ou odeia, para o resto da vida (risos). Eu odiei e depois passei a amar - dá até nome de filme 😜, do Kubrick.
      Se tiver oportunidade, não deixe de experimentar. No limite, dá até pra lavar abouca com creolina depois... 😂

      Que seu Natal tenha sido tão bom quanto o meu, senão melhor... e uma feliz virada de ano.

      Oeno

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