Friday, February 9, 2024

Meleca, Melequetrefe (sic), Bicho dos Infernos, Cabeçudinha

Introito

A Mel atendia por várias alcunhas. Recebi-a quando tinha dois anos; dividia espaço exíguo com um carro, em garagem cujas dimensões mal davam para o automóvel. Para uma mistura de Pitbull com Boxer, cheia de energia, devia ser uma tortura ficar alguma parte do tempo tão confinada. Lembro-me de quando ela chegou aqui: desceu para o quintal e correu tanto entre duas árvores que desenhou um oito no chão de terra vermelha. Por ter sido criada com o filho pequeno do casal, serviu-lhe de brinquedo e companhia em seus primeiros dois anos, tornando-se extremamente dócil e companheira. E assim continuou pelos dez anos seguintes, enquanto convivemos juntos, inicialmente com o Caco e depois com o Lemão. 

Com alguma caída para modelo como mostra esta foto da Sônia, mas muito melhor anfitriã, junto do Lemão sempre recebeu os convidados da casa com seu rabinho atômico abanando o ar ou o chão, quando produzia um som de varrição muito característico. Caiu por câncer em múltiplos órgãos, depois de definhar por pouco mais de uma semana. Após alguns dias com pouquíssimo apetite, na terça à noite comeu dois filés, para recusar a mesma comida no dia seguinte. Seu olhar não negava mais, estava cansada.

   Nesta quarta-feira estava abraçado a ela quando num movimento de pés encontrei o Lemão. Levantei-me devagar e consegui tirar a foto acima, flagrando a solidariedade literalmente canina do pastorzinho. A eutanásia foi tranquila, e agora ela está no céu dos cachorros, com o Caco, que seguramente já apresentou-lhe a Tequila.

Dissabores de muitas beberagens

   Segundo o Caldas Aulete, beberagem é 1. Infusão caseira de ervas medicinais. 2. Bebida de gosto desconhecido e ruim. Convenhamos, o vinho aproxima-se bem da primeira acepção... e por dissabores, a bem da verdade apenas um, registro a falta de registro (sic! rs!) de alguns encontros. Um seguramente aconteceu com a Paduca. Foi quando toquei para cima deles buldogue raivoso... não! 😨, um Andeluna Raíces Malbec 2022, comprado num lote de três garrafas e tendo saído a R$ 50,00, contra um preço normal de R$ 70,00+ a R$ 80,00+. Na onda de 'O Carlão só oferece europeus', até o Duílio, fã de Malbec, deixou passar. Sempre digo: apreciem o vinho pelo vinho, jamais por quem o serve... Na presença de um portuguezinho com dulçor além do habitual, Raíces triunfou no dia, para desapontamento dos bebedores sempre ansiosos - nunca havia notado! - em suplantarem meus representantes nas reuniões. 

Triunfo num dia, queda no outro...

Passou um tempo, e mandei uma oferta para o Paulão, 3 garrafas por R$ 100,00, e tinha um Raíces no meio. Chegou o dia quando, artimanhoso (rs), ele adiantou-me que traria o argentino para nosso encontro. Meio de sacanagem, abri um portuga de R$ 80,00 (bem comprado). Ao final, duas garrafas em três, o pobre Paulão desatou a chorar: em minhas mãos Raíces fora o melhor da noite... nas mãos dele, tomara uma surra. Deus não era justo, o Universo conjuminara todas suas forças e acasos contra ele, e seu vinho nunca ficava em primeiro... pobre Paulão... 😢 senti a mais profunda comiseração pelo infortúnio do amigo tão querido... mas guerra é guerra, certo? 😜 Produzido na região de Mendoza, é um vinho fácil de beber: alegre, frutado, quase sem acidez e um pouco de açúcar, fórmula perfeita para neófitos desatentos. Tem final curto, bem ligeiro em boca, mas... por R$ 30tão (foram 3 garrafas por R$ 100,00, lembre-se), quer mais o quê? Cinco Forais Reserva 2017 tem mais presença de fruta no nariz, que repete-se na boca; taninos mais pegados, madeira, maior acidez, melhor persistência e final... é um vinho de praticamente 10,00 €, contra um pobre sul-americano de USD 5,00 em seu país de origem. A competição foi mesmo desigual. 

Raíces na Argentina: USD 5,00/R$ 25,00.

Cinco Forais Reserva, 'lá'e cá: 9,50 € (R$ 50,73)/ R$ 250,00. Atualmente dá 4,93x!


Mas não desanime: se não é a vez de Cinco Forais estar em 'promo', seu primo, Cinco Forais Arinto está, com 50%. Se um produto de R$ 250,00, mesmo preço e mesmo produtor, entra com 50%, o outro provavelmente entrará, em algum momento. Aí dá um valor de 2.46x, já tubaronesco. Lembre-se: comprei a R$ 77,00! Infelizmente a Chez France vem abandonando cada vez mais sua posição de boa importadora, embora uma ou outra ofertas possam estar boas. Wine Searcher neles! Retroceder nunca, render-se, jamais! Dá até nome de filme reba...

Outra beberagem

Os cuidados requeridos com a Mel atrapalharam muito as postagens - não que isso tenha me preocupado, postagens são apenas postagens... Entremos em modo resumo. Noutro encontro com o Paulão, para provar um pexim cru, levei o Moço Fidalgo branco, corte alentejano de Antão Vaz, Síria e Arinto, sem barrica. Provado em evento do Shot Café, ficara curioso sobre como se comportaria com sushi (veja aqui). Sua acidez não segurou o embate com o peixe. Sem muita certeza se fará diferença, arriscarei um branco português barricado qualquer hora. O palpite é da dona Neusa. O Paulão levou um Pé Branco 2022, produzido pela Herdade do Esporão. Também sem madeira, sua acidez não segurou qualquer harmonização com sushi. O nariz estava legal, frutas brancas, cítrico, final bom para um vinho simples. Só não acredite quando dizem final longo para vinhos abaixo de R$ 100,00; isso não existe. Pé Branco deu um couro no Moço Fidalgo, mas segundo o confrade seu custo é algo superior ao do primeiro. Faz sentido. No meio da degustação o Paulão virou-se sorridente para mim, e mandou confiante: 
- Finalmente o meu vinho foi melhor que o seu. 
Nem pude discordar...

10 comments:

  1. Semana de sentimentos, aromas e companhias, tornando as disputas interessantes aos olhos leigos, mas entre branquinhos “nojentinhos” e Malbec “Arjentinhos”… venceu a solidariedade de um Alemão com a doce “Mel” que memória CA. Abs

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  2. Olá! Muito obrigado pela leitura e principalmente pela mensagem tão amável! O Lemão manda uma lambida, também... 🐶

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  3. Grande e doce MEL... Vi também seu olhar despedindo-se de seu amado tutor! E nele, ela lhe dizia: "Já estou lá... sou a mais amarela das estrelas... Onde eu moro é muito pequeno, para que eu possa te mostrar onde se encontra a minha. É melhor assim. Minha estrela será, então, qualquer uma das estrelas. Gostarás de olhar todas elas... porque numa delas estarei rindo, e então será como se todas as estrelas te sorrissem!"

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  4. Os animais são presentes que recebemos, mas não são eternos, como tudo na vida tem o seu fim, o que jamais significa esquecimento. As saudades nos traz de volta as lembranças, e para sempre, estes nossos filhos de 4 patas, tão puros e leais, os quais amamos incondicionalmente, e em reciprocidade.
    Tequila, Caco, Mel com certeza devem estar aprontando todas nos campos do "Chico" de Assis. Até a próxima, amadas "crianças de luz".

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    1. Obrigado pela mensagem, e... o que mais poderia acrescentar a uma reflexão tão reconfortante?

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    2. Reflexão reconfortante era o objetivo. Acrescento o que me ajuda quando ocorre a perda de um bichinho que amo até seus últimos momentos e além deles: ame outro, que o amará como os outros o amaram.
      Nossa solidão é dissipada pela alegria que eles vêm até nós. Amar sem cobrar nada em troca, pela pureza de coração ❤️ que eles têm. Por mais que digam que ninguém é insubstituível, eu digo o contrário: um amor não substitui o outro, porque jamais esquecemos daquele amor incondicional que recebemos, pois cada ser é único em sua essência.

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    3. Sem palavras para completar... está perfeito. Muito obrigado!

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  5. Por nada! Finalizando minha presença aqui, um pedacinho do que acredito ser a vida, em concordância com uma canção de Almir Sater:

    Todo mundo ama um dia, todo mundo chora;
    "Um dia a gente chega e no outro, vai embora;
    Cada um de nós compõe a sua própria história,
    E cada ser, em si, carrega o dom
    De ser capaz, de ser feliz".

    Felicidades, com bons vinhos!

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    1. Além de tudo, uma das minhas músicas preferidas.
      Obrigado novamente...

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