Sunday, July 27, 2025

Momentos felizes e tungas infelizes

Introito: juros mórbidos

Há algum tempo - 24 de março - veículo de comunicação não oficial anunciava, em claro tom de boa notícia, o plano do (des)governo em uma modalidade de empréstimo segurada pelo FGTS do trabalhador. O caboclo tem uma dívida com juros altos, faz o empréstimo a juros menores e a quita, trocando por outra com juros menores. Uma boa ideia? Ótima! Se os juros fossem mesmo civilizados como supõe o Andrada, aquele sujeito que colou para passar em economia, ou algo assim, e hoje é o sinistro (sic) da dita pasta de Nosso Amado Presidente (NAP). Os juros, se comparados ao padrão mundial, são absurdamente altos. Tem até dono de importadora de vinho tubarona pensando em mudar de ramo e abrir uma instituição financeira para financiar os endividados país afora.

A NAP não falta desrespeito (sic) ao cidadão. Lembram-se dele dizendo do brasileiro "não levantar o traseiro para buscar juro menor"? Tá fazendo aniversário de 20 anos! Como os próprios meios de comunicação apontaram à época, NAP poderia simplesmente ordenar aos bancos oficiais a baixa geral de juros para forçar todo o mercado a seguir a tendência. E agora, passadas duas décadas dessa triste declaração, no ano da colheita, e uma geração de brasileiros tão ignorantes quanto a anterior, o trabalhador é obrigado a sacrificar seu sagrado FGTS para amortizar dívida engendrada em um governo tão natimorto quanto o último. Sim, essa nova geração de ignorantes e idiotas é bucha de canhão para a gestão de turno, que nela se esfalfa de tanto passar o conto do vigário. Não tentem enganar-me sugerindo termos uma administração governando para o povo. Governa cada vez mais para os ricos, então urge ser expulso do posto o mais rapidamente possível, para o bem da nação - claro, os deputados discordam: deixe sangrar. Termino com a reflexão de que a ótima ideia do Andrada seria absolutamente desnecessária se o país estivesse em situação de pleno emprego, competitivo internacionalmente, atraindo investimentos e portanto com a mão de obra valorizada, e assim as pessoas não precisariam de empréstimos e, antes disso, sequer precisariam contrair as dívidas que agora tenta-se minimizar. Para quem se esqueceu, os maiores aumentos salariais foram concedidos a quem já ganha (muito) bem como os juízes, por exemplo. Turma de sorte, essa. Nas mãos de um governo verdadeiramente de esquerda estariam cada um em seu quadrado.

Diversas provas, sempre bem acompanhado

   Passou-se bom tempo desde a última postagem, e o assunto da introdução ficou velho, pois foi soterrado pelo escândalo seguinte, e este pelo próximo, e... Provo: o leitor que ainda não se deslembrou da triste piada acima saberia dizer qual seguiu-se a ele? Eu, que acompanho um pouco o assunto, estou em dúvida! Acho que foi a caterva das Forças Armadas se juntando para tentar dar um golpe de estado e imprimindo e distribuindo minutas da proposta aos quatro ventos. Mas posso estar errado, e o assunto agora e vinho. Se alguns problemas impediram-me de levantar a pena para tornar vossa vida miserável, raro seguidor deste espaço, não me faltaram degustações sempre muito bem acompanhado pelas confras, sejam a Paduca, a Maluca, a #Émuitovinho e outras reuniões. Listarei algumas garrafas compartilhadas sem a preocupação do momento ou da companhia.

Essa foi por conta do níver do Mário. Ele apareceu com o Châteauneuf-du-Pape do Domaine Juliette Avril 2016, um CdP como eu gosto (muito!): encorpado, com bons taninos e acidez. Buquê rico em frutas e mais toques - não registrei - e agradou a todos. Boa persistência e volume de boca, custa seus USD 50,00 lá fora, faixa de preço para exemplares já bem respeitáveis do Rhône. Era trazido pela Evino, mas encontra-se esgotado e não encontrei referência de preço por aqui. Embora bom para ser degustado, ainda segura a onda por mais alguns anos; se cruzar com uma garrafa perdida, vá com fé. Junto dele tivemos um Chablis Premier Cru 2017 do William Fevre. Creio ter vindo de fora, mas não era meu. Estranhei sendo um Premier Cru não trazer o nome do vinhedo. Mas tinha aquela mineralidade característica, toques cítricos e marcantes, boca com ótima acidez. Outra garrafa cuja qualidade provocou suspiros entre os bebedores, eu dentre eles. Não sei exatamente quem traz os vinhos do WF, mas se topar com eles em alguma oferta, mande ver. Este 2017 está ótimo para consumo.


Devo ter falado de um consumidor desovando sua adega. Felizmente o motivo não é de saúde! Nem necessidade financeira, mas não entremos nesses detalhes. Alguém n'As Malucas comprou um Quinta do Carmo 2011 talvez com minha indicação da safra, que é icônica, e estava com receio (risos). Bebi um Reserva 2007 (outra grande safra) em 2020, e estava inteirão; esse não tinha motivo para seguir caminho diverso... e sim, ótima fruta, mais toques, complexo, foi outro bom ator em noite de conversas animadas. Para um vinho de 18 Euros em Portugal, não está tão fora aqui se o leitor encontrar na faixa dos R$ 300,00. O problema são diversas outras ofertas muito melhores!  Procure, por exemplo, pelos Quinta do Noval... Estão até R$ 100,00 a menos e custam o mesmo lá fora, configurando melhor compra. Consultando o grupo no Whats, sou recordado (rs) que nesse evento apareceu também um Albarinho da Família Deicas, o Cru D'Exception 2022, cujo nome algo capcioso em português fez jus ao prenúncio. Certamente foi trazido pelas confrades em viagem ao vizinho Uruguai. Custa lá 80 dólas, e está lejo de fazer-lhe justiça: um Chablis de WF custa a metade (em seu país de origem, a França) e acaba com ele. Não é culpa da uva, mas de 200 anos a mais de experiência... Não gastarei tempo procurando e comprovando esses preços; o blog tem moral para tais afirmações.

Tungas

Estamos apenas começando. Nossa maior bandeira, a Malbec, ainda está em seu início. Creio que o desafio nas próximas décadas será comunicar como a Malbec se identifica com cada zona, como é o Malbec de La Consulta ou o Malbec de Agrelo... é a evolução normal de uma região vitivinícola. Como na Borgonha, todos sabem que os tintos são Pinot Noir, mas o que interessa saber é de qual comuna e produtor. Estamos falando de um trabalho de muito anos, mas que deve ser feito. E me refiro especialmente aos vinhos. Eles devem manifestar a tipicidade de diferentes regiões.
Alexandre Vigil
Entrevista à revista DiVino, Edição 18, Ano III, p. 34-40

   Não apenas políticos tungam seus eleitores; juízes também! O Parmera tem mundial? Só pode ser tunga... O Xandão - não o de Brasília, o de Ribeirão! - até levantou o dedo em prenúncio de advertência temendo-me desbocado, mas estes tempos tenho sido comedido até na bebida, o que dizer nas opiniões políticas. 

   Recebi estes dias (22 de abril) correspondência acerca do lançamento do The Birth of Cabernet 2021, obra da Catena, ao preço de R$ 1.442,13. Provavelmente os R$ 0,13 representam a margem de negociação para com o consumidor. Ligue lá, teste e diga-me se estou errado. Segundo o representante-patrono oficial no país, é feito com uvas provenientes dos vinhedos Angélica Sur e La Pirámide. Fui olhar o sítio do produtor. La Pirámide foi plantado em 1983, enquanto Angelica Sur tem como registro 2005... uma criança! É quando olho para a epígrafe da seção, leio o próprio enólogo dizendo quanto tempo demora para comunicar como a Malbec de cada zona se identifica no vinho - décadas! -, um trabalho que precisa ser feito (concordo ab-so-lu-ta-men-te!) e comparo com o marketing do importador, para quem o Birth of Cabernet já nasce como um dos melhores vinhos do país (Argentina). Isso simplesmente desdiz o mesmo enólogo em sua entrevista de 2011... esse pessoal de propaganda deveria ser enforcado sem direito de indenização à família. O problema (como sempre) é o preço. Ele custa exatos 300 cruzeiros. Dá uns 50 dólas. Compro ótimos barbarescos e Xatenêfis por esse valor! Ou seja: estamos pagando adiantado pelo trabalho que, reconhecidamente, levaria décadas para ser realizado e justificar o valor do produto!

   Birth... chega-nos, independente dos benefícios fiscais do Mercosul, a mais de 4x(!) do seu valor do outro lado da fronteira. Não bastasse o acinte, na mesma semana recebo via contato de alguma plataforma social a oferta desse exemplar por modestos R$ 440,00. É o representante do qual comprei, ano passado, por R$ '400,00-', o Tondonia Reserva 2011 (preço do site, R$ 850,00). E não se engane: o contrarrótulo vem com o logotipo do importador oficial. Assim vai o brasileiro, otário de todas as horas, de tunga em tunga e pagando o preço cheio no sítio do importador enquanto ele próprio desova alguns exemplares para consumidores mais ligados nas plataformas sociais - não sou eu, mas recebo muitas dicas de leitores atentos. Se prestar atenção, notará que diversas importadoras tubaronas estão praticando expediente similar; descontos de 50% não são incomuns. Quanto ao pobre e pretensioso Birth of Cabernet, lembrando-me da degustação com o Gran Enemigo, posso dizer: não provei, e não gostei!

Oferta da importadora: R$ 1.442,13.

O preço na Argentina: R$ 300,00.



Oferta de fornecedor baseado em Instagram que fornece contato de Whats: R$ 440,00. Inspeção de contrarrórulo em compra anterior de outro vinho comprovou que a pessoa despacha vinhos do importador de ambos os produtos que constam no sítio da última. Não pode ser coincidência... pode?



8 comments:

  1. Beleza, Big Charles!
    Este Chablis compramos da Jocy. Eu bebi o meu e estava ótimo. Realmente, é estranho não ter o vinhedo, mas vi no exterior assim também.
    Quanto ao Quinta do Carmo, a questão é a seguinte: Tente comprar um Noval do ano de 2011... Vai pagar a maior grana. Esta é a questão... A cor do danado está bonita, hein?
    Abraços,
    Flavitz

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    1. Don Flavitxo, obrigado pela leitura e pelo comentário.

      Há um ponto aqui: o Quinta do Carmo estava disponível nessa safra em uma adega particular e por aquele valor. Para quem for comprar um exemplar agora, será o que estiver nas lojas e na safra 'X' (a disponível). Da mesma maneira, o comprador encontrará o Noval na safra 'Y', mas por até R$ 200,00, enquanto o Carmo anda a R$ 300,00+. Nessa condição, eu optaria pelo Noval...
      E o Carmo estava todo ele bom, não apenas a cor... 😂

      Abraço,

      Oeno

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    2. Mas é justamente isso que eu quero dizer: Achar um Quinta do Carmo 2011, em boas condições, é difícil. E se achar, é caro. O tempo, e a safra, aumenta-lhe o preço. Provavelmente, um Noval 2011 estaria bem mais caro que o preço pago por este Quinta do Carmo 2011.
      Abraço,
      Flavitz

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    3. Entendi seu ponto. Mas o honorável consumidor, hoje, encontra um Noval 2020, por exemplo, a R$ 200,00. E um Carmo 2021 (ou 2019, ou mesmo 2020) a R$ 300,00+. Por isso nos dias de hoje, apesar de um Carmo estar a bom preço se comparado ao seu custo em Portugal, não é uma compra tão boa por aqui.

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    4. Sim, mas eu prefiro um Carmo 2011 que um Noval 2020. Esta é a questão. Ele é de melhor safra e está devidamente evoluído. Se for atual, concordo com você que o preço do Carmo está alto.

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    5. Entendi perfeitamente... só que um Carmo '11 não está facilmente disponível. O comentário foi baseado nessa premissa. Então convergimos...

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  2. Caro Sr. Carlos,
    Como vai? Faz um tempo que não comento por aqui. Espero que esteja bem. Ótima degustação o sr apresentou. Resolvi comentar porque o sr cita o lançamento do Vigil. Eu o degustei semanas atrás, na casa de um amigo que o trouxe da Argentina. E como o sr comentou, pagou um pouco mais do equivalente a 300 Reais. O vinho é muito bom, embora ainda bastante jovem. Meu amigo o decantou por 2 horas e depois disso ele ficou mais macio. É um ótimo Cabernet Sauvignon, a competir com vinhos premium chilenos. No entanto, sem aquelas características marcantes de grande parte dos Cabernet chilenos. Lembra mais bons californianos. Mas realmente, pelo preço que estão pedindo aqui, podemos encontrar bons Bordeaux, o sr não acha?
    Sds,
    Gustavo

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    1. Olá, sr. Gustavo, prazer em revê-lo por estas páginas. Obrigado por mais esta particiapação.

      Alguns podem achar polêmico: a Argentina produz melhores vinhos do que o Chile. Caros, mas ainda assim mais competitivos, e porque os chilenos são verdadeiramente dispendiosos, graças às suas campanhas de marketing. Certo, não degustei safras recentes (2010+) de ícones chilenos, e de bem poucos argentinos. Mas não se aprende a fazer vinho em 15 anos...

      Os Cabernets chilenos sempre foram mais 'pegados', principalmente no tempo do excesso de madeira. Nos ícones não se via tanta, o que talvez lhes atribuísse até mais elegância do que mereciam. Será? Californianos, conheço pouco. Sei que muitos também são chegados no carvalho (risos!), mas alguns competem muito, muito bem com franceses. P. ex., o Quilceda Creek, veja aqui: https://oenochato.blogspot.com/2020/11/revisitando-o-julgamento-de-paris.html

      E não há dúvida de que convergimos: pelo valor de muitos chilenos e argentinos encontramos franceses melhores em qualidade e mais baratos, inclusive Bordeaux e Borgonhas. O Château Meylet, p. ex., está a R$ 750,00 na De la Croix, e bateu com com folga o El Gran Enemigo, https://oenochato.blogspot.com/2023/12/nem-novo-nem-maduro-o-indigno-nao.html 

      Ainda, da mesma loja, experimentei há não muito tempo um Rhône do Domaine du Coulet. Creio que foi o Brise Cailloux (R$ 588,00), e olha... daria trabalho - mas muito trabalho - para qualquer vinho sul-americano. Acho até que passaria por cima de 95% por cento deles, e note o preço dele...

      Enfim, o assunto é vasto.
      Apareça mais vezes.
      E fique bem.
      Oenochato

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