Saturday, August 2, 2025

Don Flavitxo e as Malucas

 Introito. São Luiz do Anauá, RO. População: 7.300.

   Dizem que a imprensa é corrupta, vendida, pelega, fala mal do governo de plantão quando não recebe (generosas) verbas de propaganda, portando-se de maneira oposta caso contrário. Posso falar por mim, e apresentar a trajetória do blog: denuncio a tubaronice de importadores de vinhos há anos, mesmo sob ataque (risos!) de puxadores de samba saco cujos comentários até tempos atrás apareciam na moderação. Sempre foram combatidos com argumentos, menos quando tentaram falar de política, já que por princípio esse assunto não está em debate. Um, mais criativo, perguntou se determinado vinho 'ia bem com lula'. A resposta despertou seu senso de honestidade intelectual, e ambos rimos com a situação. Trégua passada, voltamos a nos digladiar. Recobrando a primeira frase deste parágrafo, ofereço a reflexão: já ouviu falar de São Luiz do Anauá, em Roraima? Se ouviu, então está óbvio: a imprensa está cumprindo seu papel... porque o menor município desse estado, com apenas 7.300 habitantes, recebeu, entre 2021 e 2024, a bagatela de R$ 109.000.000,00 em emendas parlamentares, tornando-se a cidade que recebeu o maior valor de verbas por habitante em todo o país. Ainda assim, e em um imbróglio mal explicado, a posição atual da cidade é falimentar, devedora de débitos acumulados em R$ 52.000.000,00. O assunto é antigo (março de 25), e a própria Assembleia Estadual abriu uma CPI para apurar o caso. O ex-prefeito e pivô da ação é do Partido Solidariedade - até ontem na base do Governo Federal -, e atualmente capitaneado pelo Paulinho da Força, impoluto cidadão de conhecida trajetória política: candidato a vice-presidente e diversas vezes candidato à Prefeitura da cidade de São Paulo, além de vitoriosas campanhas ao Legislativo Federal. Não tenho TV, mas repito: se a imprensa mostrou o Presidente do Solidariedade manifestando sua preocupação quanto aos fatos - a falência municipal é incontestável; a apuração dos culpados é outra estória - então ela novamente cumpriu seu papel. Paulinho não se pronunciando voluntariamente, a obrigação dos jornalistas seria apurar os fatos - onde está a tal imprensa investigativa? Agora... 🙄 se você não está sabendo do que falo... pelo menos recorde-se comigo: já ouvimos muito mais barulho por muito menor escândalo. E nesse caso possivelmente a imprensa não está fazendo seu trabalho. Nosso Amado Presidente (NAP), que prometeu, dentre tantas coisas, acabar com sigilos de gastos presidenciais herdadas da administração anterior não o fez. Mas foi pródigo em juntar-se a pessoas de currículo duvidoso, e os escândalos - como o dos velhinhos, para citar outro e poder usar o plural - avolumam-se. Onde está NAP agora, para bater no peito e dizer aos brados: Mea culpa, mea maxima culpa? Bem... sabemos que português não é com ele - nem com o Xandão! -, o que dizer de latim? Enquanto isso, enfraquecida em um leito hospitalar possivelmente digno de Anauá, a Pátria definha. Foi nesse projeto de país em que você, que fez o 'L', votou?

Outros vinhos

Há não muito tempo provei um Terra di Lavoro 2010, e sabia da existência de outro exemplar na safra 2009 - a estória do colecionador desfazendo-se de sua adega. Não foi difícil convencer as Malucas a entrar na brincadeira, e a aceitar Don Flavitxo como convidado especial deste Enochato: leitoras assíduas do espaço, estavam verdadeiramente curiosas para conferir a existência do mítico bebedor que volta e meia menciono como meu principal mentor nas sendas a Baco. E no dia marcado estava lá o lépido Flavitxo com seu sorriso generoso, cativando a todos com suas estórias. Para agradar a tão ilustre companhia, a Maluca ofereceu uma xampa do Philipponnat, a Royale Brut Reserve. Sempre uma ótima escolha, facilmente eclipsa os concorrentes mais simples como Veuve Clicquot, Piper-Heidsieck e  Taittinger, embora custe sim um tanto a mais. Mas em uma boa 'promo' a diferença pode cair a níveis onde vale investir pela pequena diferença, então fique atento. Philipponnat é muito elegante, combina toques bem cítricos com notas florais e fermento; tem belo equilíbrio e nesta safra 2015, com dégorgement em agosto de 2019, está ótimo e apto para ser degustado. Não conheço tanto sobre xampas, e por isso não arriscarei quanto tempo mais pode envelhecer. Mas está em ótimo momento para consumir...

Como pode ser conferido, nessa safra foi um corte Pinot Noir (65%), Chardonnay (30%) e Pinot Meunier (5%) - a composição varia de safra a safra - e por alguns momentos as Malucas refletiram se não valeria a pena Philipponnat sobre as opções mais simples, como já comentado. É isso mesmo, foram de encontro à minha reflexão de que, em 'promo', a diferença pode não ser significativa. Está este Enochato incumbido de ficar atento à próxima oportunidade. Missão que será levada a cabo com o maior denodo e respeito pelas preferências das confrades. Sem esquecer do Mário como parte das Malucas, além deste escriba, quando uso o nome genérico Malucas para o grupo...

   O Terra di Lavoro 2009 estava como 2010: explosivo, pegado, muita fruta e outras notas, encorpado e estruturado. Recupero sua prova aqui, pois os resultados são similares. Don Flavitxo nos encantou com um Viña Arana Gran Reserva 2015 da La Rioja Alta, grande produtor espanhol. Também tinha bom corpo, acidez viva mas estava visível como a pegada era mais leve e graciosa. Frutas em camadas, especiaria, aquele toque chocolate/café (qual?), madeira discreta e integrada, tudo muito elegante, com maravilhosa persistência a alegrar os bebedores, e recordei-me de como o Il Bosco do evento anterior mostrara-se um vinho superior. Sim, Arana - junto da experiência prévia - raiou como um ponto de virada em minha percepção de vinhos mais elegantes sobre aqueles potentes. E tenho mais uma abordagem a validar: já escrevi em algum momento sobre como bons vinhos defenderem-se bem quando encontram outro igualmente significativo pela frente. Repete-se o mesmo entre Arana e Lavoro: o segundo tacou sobre o primeiro toda sua esplêndida potência mas não o sobrepujou; em uma cinesia discreta Arana alojou-se em um ponto mais alto e brilhou sozinho. Vivo e aprendo. Explico melhor: conscientemente, trocarei os vinhos pegados pelos elegantes, de agora em diante. Eles podem ser bons, ter seu apego, mas quando o bebedor percebe essa sutileza como algo mais palpável, a lembrança do maior requinte de fato sempre permanecerá na lembrança. Tento explicar melhor ainda: simplesmente caiu a ficha.

   Por sobremesa levei um passito que há tempos aguardava a oportunidade de molhar gargantas dignas... e encontrou nas Malucas a hora perfeita. Scacco Matto 2007, produzido com a variedade Albana pela Fattoria Zerbina, na região de Emília-Romagna, mostrou toques cítricos, damasco e mais notas. Alguém teria dito mel? Acidez adequada contrabalançando o dulçor e boa persistência completaram bem a noite. Como disseram os confrades, teve bão. 

   Esta postagem foi tocada a um Passadouro Reserva 2016. Havia provado uma garrafa há algum tempo, e estava bem fechado. Seus exemplares mais simples, Tourigas Franca e Nacional 2018 estavam bem prontos no ano passado, mas não ele. Passadouro Reserva está chegando a seu ponto, embora tenha evolução pela frente. Aerou por mais de duas horas e agora, entrando na quinta, mostra fruta contida e especiaria, com acidez e corpo médios. Ficará um tanto para amanhã. Vejamos a conclusão.

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