Saudades de companhias e vinhos
Esta ainda é sobre os agradáveis momentos no Chile, quando deixei a vida me levar acompanhando os ensinamentos de Baco, celebrando a harmonia e a reciprocidade, abraçando o bem-viver em seu estado mais puro e desfrutando da hospitalidade de pessoas tão caras e cuja amizade preenche-me há décadas. Nagibin recuperava-se de tratamento, e a recomendação médica para aquela semana era resguardo. Juntos da Magide limitamo-nos a um único encontro mui petit comitezinho, e o restante do tempo dividimos entre provar alguns bons vinhos - outros nem tanto... - e conversas que deixariam o restante dos mortais caindo de sono pelas beiradas. Acompanhados de uma boa peça de Jamón Serrano, dentre diversas quitutes, escoltando garrafas de cantos significativos do Velho Mundo intercaladas por exemplares chilenos. E para quem duvida de quão efetivas foram as fruições, aí está o Nagibin, tão perdido que não sabia exatamente qual taça segurar para o brinde. Foi perdoável pelo volume degustado àquela hora...
Não recordo-me da ordem das garrafas, ou mesmo de muitas notas exatas. E importa? Sei que a dada altura minha taça recebia doses generosas de um Savigny-les-Beaune do Domaine Pierre Guillemot, provenientes do vinhedo Premier Cru "Aux Gravains", da recente safra 2020. Aerou por três horas - esse anotei - e chegou rico, vibrante, com muita fruta e mais toques - especiaria e algo do trio chocolate/café/fumo. Qual? O Mateus, filho do Nabig, foi agraciado com uma taça - não bebe, mas gostou de cafungá-la. Parece o caminho dos perfumes... estão todos aqui... disse num sorriso incontido. Se até para um noviço a impressão foi essa, imagine, leitor, para um provador mais experiente. A boca acompanhava o buquê na fruta bem aparente, um toque herbáceo e outros detalhes. Faltou um pouco de acidez, e estava reticente... precisaria de mais um tempo em garrafa para desabrochar de vez... mas vá sabendo, eu queria mesmo era provar um borgoinha com o anfitrião, e Guillemot mostrou-se à altura. Taninos ainda um pouco pegados mas mostrando convergência, álcool integrado, seria bastante bom para o preço (cerca de USD 55,00 no Chile) se aportasse a tão desejada acidez característica dessa expressão da Pinot. Para um Premier Cru o preço parece não discrepar tanto, mas o conjunto acidez e corpo médios com final algo curto para um Borgonha deixaram um pouco a desejar. Fazendo jus a ele: na falta de melhores opções, e nesse preço, beberia novamente com muita satisfação. Tanto que por R$ 350,00 trouxe mais duas na mala...
Para quem notou da foto do Nagib, ao lado dele estava um Châteauneuf du Pape Vieilles Vignes St Patrice 2016. Esse fora aberto no dia anterior, sob minha suposição de estar pronto. Nem por isso deixei de aerar várias horas em garrafa antes de servir, e a primeira degustação aconteceu naquele mesmo dia. No segundo estava tão bom quanto no primeiro, rico, condimentado, melhor acidez do que Guillemot, como taninos já arredondados, ótimos, falsamente gouleyant, porque, embora fácil de beber, mostrou bastante complexidade. O corte declarado pelo produtor diz simplesmente Grenache, Mourvèdre e Syrah, a típica composição GSM do Rhône. As duas primeiras cepas são clássicas em Xatenêfis, e em St Patrice cumprem seu papel de apresentar um vinho quente, de ótimo corpo sem deixar de perder a ternura (risos!), elegante e de boa persistência. Não anotei maiores detalhes desse, mas a riqueza em frutas e toques de madeira e outras tantas evidenciavam um belíssimo vinho. O valor no Chile é compatível com o do hemisfério Norte, 85,00 dólas. Por aqui está na casa de R$ 1.000,00. Convenhamos, até próximo ao patamar de 2x, mas é uma montanha de dinheiro. Se puder, prove.
Mencionei alguma prova não tão boa? Ah, chegamos a uma delas. Vicus Orbis Private Cellar 2021, proveniente de Sagrada Familia, em Curicó, um corte Petit Verdot, Cabernet Franc, Syrah e Carmènere, não negou a procedência pela carga de pimenta à molho de Tabasco. Vem em garrafa avantajada para valorizar o produto, tarefa algo inglória para sua qualidade. Buquê frutado mas sem afastar a impressão de algo artificial, boca com baixa acidez, rápida, ligeira. Nagib comprou direto do produtor a 10,00 dólas - e valor de mercado é de uns 18,00, se lembro-me corretamente. Por 10,00, para citar alguns, compramos em Portugal o Quinta de Chocapalha ou o Cedro do Noval, e esse é o preço de mercado deles. Por quase 20,00, vai um Noval Shiraz ou um Meandro do Vale Meão, quando a competição fica verdadeiramente desproporcional em favor dos europeus. Mais uma vez - pela centésima (milésima - risos!) - comprovamos como os vinhos chilenos estão caros. É até curioso encontrarmos aqui, às vezes, Don Melchor por R$ 800,00, enquanto lá no Chile facilmente atinge USD 150,00. E os (pelo menos) 60% de impostos pagos aqui pelo produto importado? A quanto ele está saindo da origem para chegar aqui por esse valor? Novamente: não compro vinho chilenos, embora não me furte a bebê-los. Quando menos, para 'comprovar' como estão fora de propósito. Tem seus fãs - que ótimo: se tais bebedores olhassem para Aux Gravains ou St Patrice, este Enochato não encontraria com o que divertir-se...
Mencionei saudades na introdução ao texto? Sim, saudades dos amigos do Chile, brasileiros e gusanos (risos!) que desta vez não pude encontrar. Haverão outras oportunidades. E já já tem mais postagem sobre minha breve estadia por lá.
Esta postagem foi tocada por um Cenerentola 2016, produzido pela Donatella Cinelli. Proveniente da DOC de Orcia, Toscana, corte Sangiovese e Foglia Tonda(!?), tem a clara expressão da cereja e café (chocolate?), com mais notas para divertir melhores narizes; madeira um ponto acima, destacada mas sem atropelar. De cor mais escura do que muito Châteauneuf, a boca surpreende pela acidez muito presente, equilibrada, recheada de frutas na frente e fundo especiado, com dulçor balanceado, longe de enjoar. Bom corpo, boa persistência, mesmo no segundo dia mantinha-se inteiro. Acompanhou bem uns bifinhos ao molho de gorgonzola. Foi comprado há bastante tempo na Enoeventos, onde está esgotado. Da mesma produtora encontra-se na importadora o Brunello di Montalcino 2019, a R$ 900,00 (preço cheio), que não é difícil de achar a USD 70,00 lá fora. Portanto está discrepando bem, como tem acontecido com a casa, infelizmente. Encontrei a nota de 2020, quando comprei a safra '15, creio, a R$ 360,00. O dóla naquela época estava a valor similar ao de hoje... bem, aparecem outras ofertas por aí, basta prestar atenção.
Aí sim! as recordações merecem registros, carinho e presença sem barreiras não existe preço que pague, ESTAR plenamente com amigos queridos e ser tratado como Rei, viagem linda CA.adirei as dicas dos vinhos!
ReplyDeleteOpa... obrigado pela leitura e pela mensagem. É isso: estar plenamente com os amigos. Em breve, mais...
DeleteComo siempre un placer recibir a Carlos y beber...perdón! Aprender. No he conocido nunca a nadie q ame y disfrute tanto beber cada gota de su copa, analizando a niveles filosofales, mientras yo me dedico a tomar lo q el me recomienda y dando opiniones tan básicas, casi ofensivas..
ReplyDeleteEl tema es q logra q me guste solo basándonos en su opinión. Sigue así Enochato!
😀 ¿Quién me lo puede impedir después de un comentario así?
DeleteGracias por leer, ¡hasta la próxima copa!