Introito
O Romeu convidou-me para uma pizza e vinho em sua casa. Cheguei ganhando atenção das meninas, duas Akitas, senhoras de certa idade, cujo único inconveniente - se o é, de fato - está em receber-me ao portão com pulos de alegria. A uns 45 kg cada uma, o único cuidado necessário é não ser literalmente atropelado por tanta demonstração de felicidade.A Sonia recebeu-me com o bom humor de sempre e contou-me da saúde da Hani (mel, em japonês) e da Panda, enquanto a adrenalina delas baixava a níveis aceitáveis. Então pudemos nos sentar. O Romeu apareceu com uma garrafa lisa - tirara o rótulo para fazer um ensaio às cegas. Abriu a garrafa, serviu um tantinho, conversamos um pouco e chegou a pizza. Fomos recebê-la ao portão e em um tantinho estávamos instalados à frente de um prato bem servido e uma taça.
A degustação
- Vamos lá, diga-me de onde é esse vinho - convidou o Romeu.Gosto dessas brincadeiras, embora saiba o quanto é difícil dar palpite na hora h. Ao nariz, buquê de fruta (vermelha ou negra, não me pergunte - rs), sem carvalho. Simpático. Pensei que poderia ser algo na linha do León de Tarapacá, que, na infância de meu aprendizado sobre vinhos, fora o meu favorito.
No primeiro gole, ainda sob efeito da percepção olfativa, o ataque mascarou as fases posteriores da avaliação. Sem saber o que esperar, fui "meio que" surpreendido pelo primeiro contato do vinho com a boca. Não tinha amargor. Olhei para a taça, uma cor "normal" para vinhos jovens.
- Quero dizer que parece um chileninho bem básico - arrisquei - mas não é isso...
Provei novamente, então prestando mais atenção no conjunto. De fato quase não tinha amargor, mas também passava praticamente sem marcar a garganta - retrogosto e persistência mínimas. Como costumo dizer, é quando a garganta vira um escorregador (rs).
- Poderia passar por um Bordeaux bem simples - atalhei. Mas também não é...
O anfitrião estava se divertindo:
- Chile... França... o que vem agora?
Experimentei mais um gole.
- É nacional, não é mesmo? - estava morta a charada.
O vinho
O senhor Paulo Rocha plantou cepas Cabernet Sauvignon e Merlot em 2009, na cidade de Lages, região serrana de Santa Catarina. O vinhedo ocupa 0,7 hectares e está a 940 metros - o que o caracteriza como vinho de altitude da serra catarinense - e, em 2014 produziu as primeiras 100 garrafas desse corte, para um primeiro teste. A meta é produzir 3000 garrafas por safra. O nome Seu Romeu vem da homenagem ao patriarca da família.A vinificação ficou a cargo do Centro de Ciências Agroveterinárias de Lages, da Universidade do Estado de Santa Catarina. O que mais chamou atenção foi o vinho não ter em destaque aquele amargor tão típico dos vinhos nacionais. Este é um amargor que, na minha opinião, desbalanceia o vinho. Não sei exatamente de onde ele vem, se do esmagamento das sementes ou do engaço não removido no processo. Mas esse amargor tão estranho e sem graça não estava presente em Seu Romeu.
O vinho não tem acidez - acho que é o que contribui para transformar a garganta num escorregador (rs). Os taninos leves também não contribuem para dar-lhe maior estrutura. É um vinho simples, mas não é um vinho ruim. O pessoal do CAV sabe o que está fazendo.
A incógnita que gostaria de registrar será a dificuldade de vencer a produção artesanal e partir para a produção industrial. Será que os mesmos cuidados serão preservados na escala? Nada como apostar em uma nova prova quando isso acontecer...
Conclusão
Quem acompanha o assunto vinho, principalmente o que acontece no Brasil, está nauseado com tanto marketing que só pretende enaltecer qualidades que nosso vinho não tem. Merlots nacionais ganhando concursos na França - para descobrirmos depois que o "concurso" foi promovido pelo importador local do produto, e destina-se a vinhos de até 5 ou 10 Euros, enquanto esses mesmos vinhos custam aqui o equivalente a 30 Euros! - dentre outros, apenas jogam um véu de má estima para com o produtor nacional. Não deixa de ser uma injustiça, uma vez que "meia dúzia" de produtores acabam concentrando "dezenas de porcento" (sic) da produção nacional e absolutamente 100% de todos os "acontecimentos estranhos" que são noticiados ou descobertos acerca do tema.O vinho nacional é estremamente caro - pelo que oferece. Poderia ser uma forma de entrada para o consumidor mais informal, que está galgando seus primeiros passos nas descobertas desse quase infinito universo do vinho. E Seu Romeu poderá ter seu espaço nesse cenário. Um ponto central, a meu ver, poderá ser o excesso ou a falta de ambição de seu proprietário. Volto ao tema quando puder experimentar outra garrafa.
Imagens do vinhedo em Lages.
A Hani (mel em japonês) e a Panda (ah! o Zé Grandão também!) aguardam ansiosamente a chegada da próxima garrafa do Seu Romeu... :))
ReplyDeleteUps! Olha a 'ignorãça' atacando! Eu achando que era uma questão de pronúncia do inglês... vou revisar o texto!
ReplyDeleteObrigado,
Carlos
Queria conhecer este vinho. Sabe onde posso encontrá-lo aqui em SC? Tem mais detalhes sobre o nome e safra?
ReplyDeleteAtt,
Gilberto Sobrinho, Floripa
Gilberto, obrigado pela sua msg. Se vc me enviar um contato, eu faço chegar ao produtor. O vinho ainda não está sendo produzido comercialmente.
ReplyDeleteMeu e-mail é dotscarlos@gmail.com
[]s,
Carlos
Muito obrigado Carlos. Um amigo conseguiu para mim. Mas já me desentusiasmou um pouco. Disse que não gostou. Vou degustar e retorno a ti o que achei dele.
DeleteAtt
Gilberto
Gilberto, obrigado pela realimentação. Acho que o principal ponto é a falta acidez ao vinho... como aliás, falta a todos os exemplares de tintos sul-americanos, não? Embora eu tenha experimentado o Merlot Terroir da Miolo há algum tempo, Seu Romeu, apesar de não passar em carvalho, não fica muito abaixo dele. De repente tal comparação possa ser uma brincadeira bem lúdica...
ReplyDelete[]s,
Carlos