Sunday, July 26, 2020

Aberta a temporada de caça aos brancos

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Introito

   Já experimentei alguns bons brancos, mas considero-me um neófito. Durante muito tempo bebi vinhos mais modestos - tintos e brancos - e achava que os tintos eram bons, mas os brancos... 'não davam'. Acabou que durante anos releguei-os ao completo esquecimento, e levou tempo para alguma iluminação atingir-me. Depois ficou mais fácil. Um belo dia Don Flavitxo presenteou a mim e ao Akira com meia garrafa de algo estranho (rs): um Condrieu. Experimentá-lo algum tempo depois foi um daqueles momentos de virada, quando percebemos sutis complexidades remetendo-nos a outro patamar de sensações. Desde então, com alguma parcimônia, venho experimentando um borgoinha daqui, um Heredia dali, e mais uma e outra degustação interessante. Chegou um dia em meio a esta pandemia de mais um pulada de cerca e, todos cansados de tintos, as meninas gostaram da ideia de preparar um franguinho à guisa de acompanhar brancos.

Brancos, brancos à mão cheia

Oh! Bendito o que semeia
Livros à mão cheia
E manda o povo pensar!
Castro Alves
 Espumas Flutuantes, 1870

Condrieu

   AOC do norte do Rhône baseada na cepa Viognier, abrange 200 hectares com uma produção de aproximadamente 30 mil caixas por safra. Com números tão baixos o Condrieu acaba sendo um vinho difícil de encontrar, e um tanto caro. Caro é relativo. Não se equipara sequer a alguns brancos de Bordaux - quanto mais aos da Borgonha - mas também não se encontra com facilidade exemplares abaixo de USD 50,00.

Saint-Véran

   Outra AOC, desta vez localizada em Mâconnais, subdistrito da Borgonha, produz brancos de Chardonnay, uva típica da região. Declarada AOC há apenas 50 anos, luta para conseguir status de Premier-Cru. Sem tanto reconhecimento, sem um grande produtor para dar-lhe peso, e com produção bem maior do que Condrieu (cerca de 700 hectares), seus vinhos até podem ser localmente subvalorizados. Mas falando em Brazio, depende muito de quem importa. Não é difícil pagar-se uma exorbitância por vinhos de mesma procedência e qualidade relativamente baixa.

D.O. Casablanca

   (rindo) Desculpe-me o leitor menos humorado, mas de uns tempos para cá o Chile vem com essa estória de D.O., Cru, Parcela, Cuartel, etc. Não surpreende: eles acham que até sabem jogar futebol... Mas atenção, atenção. O risível da estória não é um produtor (ou um país-produtor) ansiar por localizações demarcadas, melhor qualidade, equiparar-se aos melhores. Não, não, reconheçamos: isso não é risível, isso é um mérito. Ridículo, sem noção e fora da realidade é querer, somente por ter adotado tais denominações, achar-se pronto para cobrar por seu produto o mesmo preço - ou mais! - que regiões muito melhor estruturadas cobram. Bom, à medida em que tantos consumidores são estúpidos o suficiente para aceitar o acinte, os produtores não estão errados... estão? 🙄 Estão... estão sim... sabem que estão... O inferno há brotar sob seus pés, no dia do Juízo Final...

Os atores

Os detratores podem dizer que encontraram o Redentor.
Não é bem assim...
Terrunyo Sauvignon Blanc é produto da gigante chilena Concha y Toro. Pertence à linha Fine Wine, que está abaixo apenas do ícone da casa, o Don Melchor. Se tivesse experimentado um vinho como esse quando tinha preconceito por brancos - e só bebia sul americanos, com ênfase em chilenos - teria atingido a iluminação há mais tempo. Apesar de agradável, nem tudo é céu azul, porque os vinhos sul-americanos possuem um e apenas um problema: o resto da concorrência... Os Vignerons des Terres Secrètes são uma cooperativa que produz limitada gama de brancos e tintos e tem em Les Cras um de seus vinhos mais simples. Novamente, 'mais simples', é relativo. No dia e que produzirmos algo assim no Brazio, poderemos escrever "Vinho" no rótulo sem o risco de passar vergonha. Clos Boucher é produzido pela Delas Frères, uma das casas mais respeitadas do norte do Rhône. Embora produza também um Xatenêfi (sic) e outros vinhos no sul, está calcada mais nas AoC do  norte: Hermitage, Crozes-Hermitage, Cornas, Saint Joseph e Côte-Rôtie. E, claro, em Condrieu, onde produz o mais simples La Galopine e o Clos Boucher. Condrieu é um vinho feito para ser bebido jovem. Esse 2014 já estava passado da hora. Em meio à pandemia, que parece só acaba (sic) em 2023 a depender dos esforços governamentais, resolvi decretar sua hora.

   Terrunyo Sauvignon Blanc 2011, Saint Véran Terres Secretes Les Cras 2015 e Condrieu Delas Frères Clos Boucher 2014 foram servidos nessa ordem. Cepas Sauvignon Blanc, Chardonnay e Viognier, foram harmonizados com peito de peru, salsicha de vitela, queijos Gruyère e Bri e peito de frango com creme de milho, arroz e batatas souté. Verdade seja dita, harmonizações de favorecem francamente Chardonnay e Viognier... mas a primeira rodada foi sem acompanhamento...
   Terrunyo Sauvignon Blanc tem bom corpo. Melhorou depois da segunda hora. Bem cítrico, algo floral, boa acidez, persistência não tão grande. Sinal da idade? Não sei dizer... Les Cras mostrou-se mais fresco, também cítrico, mineral, acidez mais presente, conjunto da obra melhor acabado. Clos Boucher desapareceu... Mea culpa, mea maxima culpa. É assim (rs): o leitor 'pega' um pinozinho razoável da Borgonha, tipo 13% de álcool, contra uns bordozões, americanões, australianões, chilenões cheios de goiaba (rs!), e acha que o pinozinho vai desaparecer frente aos outros "ões". E dá com os burros n'agua; o borgoinha distribui chineladas até todos se cansarem de apanhar. Boa parte pela acidez característica desses vinhos. Acontece que Condrieus são vinhos de acidez mais baixa... daí que Clos Boucher foi atropelado pelos outros. As meninas riram um pouco amarelo dele... Melhorou bem mais para frente, e até surpreendeu um pouco. Mas as bocas já estavam acostumadas aos outros.

   O dia seguinte...

   Na hora do almoço desci novamente para a adega com cara de que nada tinha acontecido, levando as três garrafas para o derradeiro embate. E, claro, comecei pelo Clos Boucher. Aí sim... (rs): mel, damasco - já notara damasco na evolução de Clos Boucher na noite anterior. Ainda com o frescor de um Condrieu (apesar da idade), acidez equilibrada mas não tão marcante, alguma manteiga. Com o frango e creme de milho, ficou muito bom. Antes de terminar com Clos Boucher caí na besteira de provar Terrunyo. Acabou o Clos Boucher... Trágica lição: se tiver Condrieu na mesa, comece por ele. E acabe ele (sic) antes de começar nos demais. Passei de Terrunyo para Les Cras. Olha, Terrunyo estava bom. Les Cras é no mínimo equivalente - pesando as características diferentes de cada um. Terrunyo é uma linha Fine Wine. Les Cras é a bem dizer um genérico, vinho de entrada do produtor... Seria no mínimo equivalente? 😮sem sombra de dúvida... Com um empate técnico, nada como comparar os preços para traçarmos um diferencial...

Preços

   Terrunyo tem sido em nosso mercado - infelizmente - o exemplo acabado do blefe. É o sujeito que vai um truco-fecha com um dois quatros. Há tempos - e por muito tempo -, os tintos eram apresentados com preço a R$ 220,00-240,00 e promoção de R$ 160,00-180,00. Agora, o preço é R$ 280,00 com 'promo' a R$ 220,00-240,00. O branco é ofertado entre R$ 200,00-R$ 280,00 (melhor preço promocional e preço 'cheio'). Na noite da degustação, sem pesquisar bem, comentei que seu custo seria R$ 280,00, para completo horror das meninas. Devo reconhecer que a informação não estava completa. Mas é aquela estória: em vez de ficar forçando o preço, por que não o colocam em um patamar 'decente' e sem a 'enganação' de ficar eternamente em promoção? Acham que o público não está atento? Não, não está mesmo... 😑. Poderiam fazer (sic) um preço honesto. Aí venderia bem. R$ 90,00, de boa fé, sem marvadeza (sic), talvez até competisse bem.
   Les Cras custava R$ 130,00 e pouco na importadora Enoeventos, saindo por R$ 110,00 e pouco para membros do Enoclube. Custava, porque consta que a Salete acabou com o estoque de uma vez só. A Carol comentou que iria pedir um garrafa para ela...não sei se terá sucesso, dado o entusiasmo da primeira com Les Cras.
   Clos Boucher custa USD 90,00 lá fora. E vai achar (sic). Ponto.

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