Monday, November 29, 2021

Vinho véio

Introito

   Passei um período conturbado, afastado do cenário político que definitivamente colou em nosso dia-a-dia e do qual a nenhum cidadão de bem e informado é permitido afastar-se sob pena de ser rotulado como escapista. O escapismo foi durante muito tempo, e principalmente por pseudocríticos canarinhos, aplicado à ficção científica e fantasia. C.S. Lewis acabou com o debate antes mesmo desses energúmenos vestirem calças curtas: os únicos contrários ao escapismo deveriam ser os carcereiros, ou algo assim. De forma que agora o escapismo ganha uma verdadeira e útil motivação para voltar à tona: não podemos mais fugir ao debate e sim invocá-lo sempre. Passou a ser uma questão de cidadania. Como alusão ao cenário político destaco que a terceira via ganhou corpo - the future has taken root in the present (1:12) -; e seu grande nome (que não era o meu candidato) assumiu rapidamente o terceiro lugar no gosto do eleitorado, superando com folga o inútil coronézinho (sic) Ciro Gomes que nos desinspira há décadas. Dentre os energúmenos de plantão que dizem sobre seus Grandes Guias tolices como mito ou estadista, a Sérgio Moro cabe o singelo adjetivo de honesto. Se não era meu candidato preferido, mas passou a sê-lo até que nova alternativa viável apresente-se.

Vinho véio

O desavisado leitor não deve confundir vinho véio (sic) com outro feito a partir de Vinhas Velhas. Vinho véio é porque é véio mesmo, enquanto Vinhas Velhas indica uma garrafa procedente de vinhedos com certa idade. Pode-se abrir um vinho de um ano de idade produzido com vinhas de 50, 60, ou mais de 100 anos de idade. Dizemos que é um vinho de Vinhas Velhas, embora não necessariamente ele carregue essa informação em seu rótulo. E pode-se abrir um vinho véio de verdade, um vinho com 50, 60 anos de idade, independente da idade do vinhedo. A rolha atesta a idade avançada do produto. Para vinhos portugueses, o termo Garrafeira indica um vinho de qualidade do produtor, embora nenhuma legislação ateste sua qualidade intrínseca. Ou seja: um Garrafeira pode ser um excelente vinho, mas também pode ser um vinho medíocre. Precisa conhecer o produtor...

Caves Aliança

Caves Aliança é um produtor com alguma história em Portugal. Não é tão tradicional - nada de fantásticas narrativas dos tempos das Navegações, quando as naus portuguesas levavam Camões a outras terras. Fundada em 1927 com sede em Sangalhos, na Bairrada, aos poucos foi se expandindo para outras regiões (Alentejo, Dão, Douro) quando em 2007 a Bacalhôa tornou-se seu maior acionista. Portanto é sob o sítio deste último que o leitor encontra as informações mais confiáveis a seu respeito. O fato em destaque fica no rótulo dos vinhos mais antigos. Caves Aliança Garrafeira Particular 1966 não tem contrarrótulo, como não o tinham muitos vinhos da época. Neste caso o rótulo sequer traz a região onde foi produzido. A menção a Sangalhos pode ser tanto à sede quanto à região de produção. Mas se consideramos a lógica portuguesa, apostaria que são vinhos produzidos na Bairrada mesmo. Com a ascensão do Douro e do Alentejo, Bairrada caiu em um certo limbo, e seus vinhos atualmente estão subvalorizados. Um convite a investirmos atenção nessa procedência.


Caves Aliança Garrafeira Particular 1966

Caves Aliança Garrafeira Particular 1966 foi aberto com outros vinhos, mas resolvi fazer uma postagem destacada. Ao que tudo indica, sua cepa deve ser a Baga. Ainda manteve uma cor escura, sem atijolar tanto. No nariz os aromas terciários que eu esperava não estavam tão evidentes. Não notei aquelas frutas secas - nozes, principalmente - sempre tão presentes em outras ocasiões; denotava oxidação mas em outra matiz de aromas; estava mais para terroso. Boca ainda tânica, pegada, com persistência e final longo. Acidez mais caindo para um amargor, mas não desbalanceado; muito mais como característica. Em algum momento a boca parecia à beira de salgado mesmo! Surpreendente para um vinho com meros 12,5% de álcool. Mas lembremos que Borgonhas antigos também tinham álcool a 11,5%-12,0%, o que apenas confirma ser a acidez, acima de qualquer outro pilar, a responsável pela longevidade dos bons vinhos. Esse tipo de vinho provavelmente não agrada ao paladar dos menos iniciados, vítimas de modismos e escravos da fruta imediata. Está certo que vinhos velhos são muito raros e difíceis de encontrar, e principalmente vencer a incredulidade sobre seu estado é um passo difícil para o bebedor desatento. Mas proporcionam experiências únicas para os que se atrevem a trilhar por tais caminhos. PS: não tente reproduzir isso com vinhos sul-americanos. Você pode se envenenar!

Impressões da bléqui fraydi

Novamente fomos assolados por mais uma bléqui fraydi. Não notei outros produtos, mas os vinhos estavam assim:

  • As tubaronas de sempre fizeram ofertas que colocavam seus produtos próximos da margem das importadoras mais honestas. A pergunta que não quer se calar é a constante: por que não ofertam os vinhos com margens menores regularmente, e propiciam uma verdadeira socialização no hábito de se consumir vinhos? Fiz minha parte: ignorei-as solenemente, e fui comprar de quem me oferece boas compras o ano inteiro.
  • Várias lojas que até pegam algumas marcas das taburonas e as repassam a preços mais palatáveis ofertaram exatamente os mesmos produtos nos mesmos preços que passaram oferecendo o ano todo. O destaque negativo foi a Adega Mais, que apareceu ofertando seu Cedro do Noval '16 de meros R$ 259,90 por R$ 109,90, contra a VinhoBR que oferecia o mesmo vinho em sua safra '17 de R$ 169,90 por R$ 119,90. Estão loucos achando que o bom Cedro é um vinho de R$ 259,90? Na própria Adega Mais comprei, há um ano, os superiores Quinta do Noval Touriga Nacional e o Syrah, por cerca de R$ 180,00, exatamente o mesmo preço a que desceram agora, com descontos nitidamente superiores (49% e 62%(!)).
  • Algumas lojas não tocaram no assunto, e continuaram a oferecer seus vinhos no bom valor a que estamos acostumados.
  • Por último, mas não menos importante, as valentes Chez France e Enoeventos promoveram ofertas de verdade. Vários preços parecem ter retornado a valores próximos de quando seus produtos eram vendidos a preços pré-alta do dólar, e depois foram repostos com valores atualizados pela desvalorização de 40% da nossa moeda. Como o mar não está para peixe, limitei-me na maioria das garrafas a vinhos do dia a dia, com valores abaixo (e às vezes bem abaixo) de R$ 100,00. Ainda foi possível comprar coisas interessantes - até franceses - que facilmente competem com os sul-americanos nessa faixa. E não que outras lojas também não tenham feito boas ofertas, mas não procurei tanto.

4 comments:

  1. Olá,
    Eu gsoto muito deste vinho. Comprava sempre na casa flora. Mas agora não encontro mais.

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    1. Olá...
      🙄 ainda vendia? O Garrafeira? Há quanto tempo?

      e obrigado pela leitura!

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    2. Sim este garrafeira particular. Comprei muitas vezes e é um vinho barato. Eles tinham de várias safras bem antigas. Como eu moro perto do mercado eu ia muito lá. Mas faz tempo que não vejo.

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    3. Sei que algumas importadoras possuem safras antigas de vinhos, que nem sempre colocam no sítio de internet, e ficam disponíveis apenas na loja principal. Algumas cobram 'os tubos' por esses vinhos que, de fato, não são caros na origem - Portugal, no caso. Gostei muito do Frei João, e um Porta dos Cavaleiros 1980 aberto há não muito tempo, mas antes da pandemia, ainda exibia fruta, para a completa surpresa minha e do amigo que trouxe a garrafa.

      Obrigado!

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