Sunday, December 5, 2021

Academia Brasileira de (poucas) Letras e vinho véio não combinam

Introito

 
Postagens atrasadas por diversos motivos acabam deixando para trás fatos importantes da história recente. Com o país ladeira abaixo, repito sempre, deixar de manifestar-se sobre nossas incongruências é uma forma medíocre de escapismo indesculpável para quem usa a pena - em qualquer área. As gerações futuras nos julgarão. Recentemente uma atriz foi eleita para a... Academia Brasileira de Letras(!). Qual o nome, mesmo? Irrelevante. Atrizes são assim: várias com 50 anos de carreira começam a autoproclamar-se - cheias de confiança - como excelentes. Muito mais pelo tempo de janela, claro, porque volta e meia nenhum fato suporta essas opiniões. Isso diz tudo sobre a classe. No caso em pauta, assisti a Central do Brasil em um dia e A Vida é Bela no outro. Não lembro a ordem, mas saí da sala de exibição no segundo dia com a certeza de que não teríamos a menor chance no Oscar. Atuações que vi (poucas) absolutamente não me comoveram, mas foram suficientes para garantir-lhe uma vaga na Academia Brasileira de (poucas) Letras, onde estão ou estiveram cirurgião plástico, jornalista, escritor de quinta categoria e general do exército cuja obra mais relevante foi a assinatura do Ato Institucional Número 5 (o AI-5). Como lembra o professor Deonísio da Silva, Aurélio de Lira Tavares escrevia sob o pseudônimo de Adelita. Quem aí assistiu Beleza Americana? Eram tempos em que certos eventos no seio (sic) das forças armadas eram mais contidos. Hoje o sujeito declara até o nome do noivo, e todos ficam se perguntando: Mas quem é o Aristides? Voltando à Academia, a coisa vem mal desde a eleição de Paulo Coelho. Bem, Tavares e Pitangui vieram antes, mas eles não eram escritores de fato, no sentido de exercerem a literatura ou pelo menos terem escrito uma obra solitária mas de tal qualidade que justificasse suas presenças ali. Foram apenas uma excrescência. PC (e demais) na Academia representou um desvio de conduta já não explicável pela subserviência explícita de alguns velhinhos caquéticos a modismos, chiquismos ou maneirismos ao elegerem os últimos membros a seu grupelho. Com o advento de Coelho eu simplesmente deixei de comprar livros de imortais da época que o elegeram, ainda que diversos não tenham participado do engodo. Eles eram livres para deixar a instituição. Depois da fulana, e ainda mais com Merval Pereira - que até pode ser um bom jornalista, embora para mim isso não exista - deixei de comprar ou ler livros de qualquer membro da Academia, desde sempre. Os autores já falecidos, se insatisfeitos, que virem-se em seus túmulos e voltem para pegar nos pés dos culpados que fizeram da ABL o que os políticos ordinários fizeram da nossa nação mais ou menos nesse igual período de tempo.

Brancos

Na reunião com Dona Neusa, Elvira e Akira - Margarida não pode vir de última hora - tivemos por prato principal um pappardelle ao molho de frutos do mar acompanhado por dois brancos de mesma uva. O La Chablisienne Chablis Premier Cru Beauroy 2016 já foi degustado algumas vezes antes. É uma aposta certeira para pratos de massa e molho branco, ou frutos do mar em geral, além de casar bem com camarão à provençal e alguns queijos. Continua com ótima mineralidade, toques cítricos e florais, amanteigado, boa acidez e persistência. Seu preço cheio é algo proibitivo, mas se pegar em 'promo' pode compensar. O vínculo acima, de postagem passada, está mais completo. Das mãos de Marcolino Sebo veio o QP Chardonnay 2014, Vinho Regional Alentejano com 14% de álcool bem equilibrado. Acho que alguém mencionou nariz com baunilha, provavelmente da madeira. Tinha ainda boa fruta branca e boca com ótimo frescor; acidez pegando só um pouco, mas combinou bastante bem com o pappardelle. Havia ganho essa garrafa; pela coincidência da proximidade com a bléqui fraidi, voltei na loja - estava com 75% de desconto na segunda garrafa - e comprei duas por R$ 100,00 cada. Nesse preço, ficou ótima compra. Pena que a franquia precise dar um desconto desses - cerca de 40% na média para o vinho transformar-se em boa compra... se praticassem o preço sempre, seguramente compraria mais.

O vinho véio

O Caves Aliança Garrafeira Particular 1966 já foi comentado aqui. Ainda bem. Um assunto tão interessante e um vinho de tamanha qualidade não poderia jamais ser misturado com assuntos mundanos protagonizados por gente desprezível. Muito embora os brancos degustados e comentados aqui ainda permaneçam interessantes e de maior relevância do que a caterva mencionada na introdução. E olha que nem são lá grandes vinhos no sentido de verdadeiros grand vins... mas o seguinte...

Sobremesa

Aí sim, Baco gostou... e, claro, eu contradizendo-me quase sem querer. Tem bons assuntos nessa postagem... Um rolo de chocolate com gelato da Borelli acompanhou um Recioto Le Colombare 2015, produzido pela Pieropan. Uma nota rápida: Recioto e Passito são estilos de vinhos doces típicos do Veneto. O Passito é composto de um corte das uvas tintas típicas da região, Corvina, Rondinella e Molinara, também presentes no Amarone, enquanto no Recioto é usada a branca Garganega. Pieropan é uma vinícola clássica da região, estabelecida de 1880 e, segundo a crítica, sempre honrou a tradição. Bastante floral, com mel, e o Akira chamou atenção para uma nota que lembrava a sal. Surpreendente. Boca com dulçor equilibrado pela acidez, muito agradável; mineral, ótimo frescor com corpo médio e final longo. Um prazer comparável aos bons Sauternes, embora - deixemos bem claro! - sejam estilos diferentes. O mel pareceu repetir-se na boca; casou muitíssimo bem com o rolo e o gelato. Fechamento de postagem muito mais atraente do que a abertura, esse é um assunto - vinhos do Vêneto - sobre o qual vale a pena refletir. Embora o tema inicial jamais possa ser esquecido, sob pena de repetir-se num futuro próximo.

8 comments:

  1. Ótimas reflexões no intróito. Com tantos bons escritores o Brasil tem aqueles de uma obra só como membros da ABL. Para mim, esta academia é completamente desacreditada. Você, que é bastante culto, poderia me responder uma pergunta? Por que o Brasil não tem nenhum premio nobel?

    Att

    Gerson

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    1. Sr. Gerson, obrigado pela leitura.
      O blog trata de vinho, e não costumo comentar assuntos do introito quando não trata do assunto 'vinho' (a menos, claro, de erros e quetais). Farei uma exceção, que desta vez não estará sujeita a tréplica (no sentido de comentário com novas perguntas), embora sua avaliação final seja bem vinda. É apenas a 'política do blog' - sim, definida por mim e para minha comodidade. Afinal, blog é meu, certo? 🤣

      Inicialmente, gostaria de observar que autor de uma obra só poderia ser membro da ABL. Manuel Antônio de Almeida publicou uma obra só, Memórias de Um Sargento de Milícias, que recomendo com ênfase. O problema não é uma obra só; acho que posso deixar a continuação do comentário em branco porque é bem óbvia.

      Sobre o Nobel:
      Sou de uma época (rs) em que o Brasil possuía 800 doutores em química (anos 80). No mesmo momento, a divisão de publicações da American Chemical Society contava, em seu staff, para gerenciar suas diversas revistas e livros, algo como 1.200 doutores(!). Só para cuidar de publicações, notou? A fonte é o prof. R.C. Rocha-Filho, membro da Sociedade Brasileira de Química que à época visitou a ACS em um convênio entre as instituições.

      A falta de investimentos sempre foi uma constante na vida acadêmica brasileira. Eu mesmo, desincentivado por atrasos na bolsa numa época de inflação galopante (já anos 90), abandonei meu mestrado. Aliás, o que aconteceu com o orçamento de pesquisa neste mesmo ano? Falei (rs!) com o Marcão (Pontes) aqui no blog, basta ler...

      Então tempos dois pontos, falta de pessoal e de $incentivo$ como explicação imediata, mas não completa. O restante é muito complexo e pode ser discutido melhor ao vivo ou em videoconferência, nesse caso cada qual sua sua garrafa de vinho.

      obrigado,
      Oenochato

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    2. Perdão por tê-lo incomodado Sr. Carlos.

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    3. Desculpe, não entendi.

      Respondi à vossa consideração, correto? Ainda, ofereci-lhe a oportunidade de um fechamento da discussão, apenas antecipando que eu não pretendia esticar a conversa neste espaço. E, finalmente, fiquei aberto a debater o assunto ao vivo ou por videoconferência - à beira de uma taça, em qualquer uma das hipóteses. Se distantes, cada um com sua garrafa de vinho.

      Portanto não, não houve incômodo. E nem fugi à discussão, apenas considero que não deve ser levada a cabo neste espaço. No mais, sua réplica continua à disposição, assim como eu também. Espero apenas que não leve-me a mal, e continue aproveitando das informações do blog.

      Obrigado!

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  2. Fala Enochato,
    Gostei do seu blog. Ele lembra o estilo do Bacco & Bocca.
    Eduardo

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    1. Olá, Eduardo. Obrigado pela leitura. Quanto ao estilo... talvez nem tanto...

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    2. Eu acho parecido o estilo. O humor ácido, a revolta quanto aos preços praticados no país, a preferência pelo vinho europeu etc. Inclusive, ambos conhecem muito bem a borgonha. Mas você conhece mais bordeaux e eles mais a Itália.

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    3. Ah, quanto ao humor e alerta aos demais consumidores para não serem explorados, isso sim.

      Mas note que não conheço bem coisa alguma, afinal, como diz a linha fina do título do blog, o que cometo (rs!) são "Resmungos de um deficiente nasal que sabe pouco para iniciantes que sabem menos".

      Já experimentei alguns borgonhas e bordeaux razoáveis, mas garanto que conheço mais a teoria do que a prática (rs). E com o atual dóla (sic), será difícil comprar outras garrafas pelos próximos tempos... estou dependurado nos meus estoques reguladores, que são poucos... é a vida...

      []s

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