Friday, December 10, 2021

O níver da Vestal

Introito

   Existem várias brincadeiras que podemos fazer com vinhos. Experimentar da mesma uva, da mesma região ou país, experimentar às cegas... Existem dois conceitos bem difundidos nesse contexto de experimentação:
  • A degustação horizontal, com vinhos de uma mesma safra, e pertencentes ao mesmo produtor, ou à mesma região, ou a um varietal de diversos produtores.
  • A degustação vertical, com diferentes safras do mesmo vinho.
   É imediato que a degustação horizontal oferece um leque bem maior de opções, enquanto a vertical propicia apenas que acompanhemos um determinado vinho de acordo com sua evolução e agucemos a percepção para as sutis (às vezes nem tanto...) variações advindas das condições climáticas que mudam a cada ano. Verticais não funcionam muito bem com vinhos simples. Claro, mesmo sul-americanos de nível razoável podem ser guardados por cinco ou seis anos, sendo possível então uma vertical com digamos cinco garrafas. Fiz uma, certa vez. Quem mais acertou (três) foi meu enteado, então com 17 anos e absoluto neófito nessas lides; quem mais errou foi o mais experiente dentre os bebedores (todos!). O mais engraçado foi ver os marmanjos tentando justificar seus fracassos... 😂🤣

Níver da Vestal Luciana

  A Luciana avisou em alto e bom som que comemoraria seu nível com a confraria, e acordamos em um churrasco. O Gustavo 'Graxaim', que incorporou o nome do seu bistrô, e a vestal Dayane estariam a cargo da churrasqueira - ainda bem! 🙃meus dias de churrasqueiro vão longe, e não consta que tenham deixado saudades... - mas achei que poderia brindar a turma com uma brincadeira inspirada no conceito da degustação horizontal; embora os vinhos não fossem da mesma safra, eram do mesmo produtor e a ideia era analisar um tipo de contraste: aquele presente entre vinhos de qualidades diferentes. Quando temos um vinho mais simples - por exemplo, em se tratando de chilenos, um varietal, e outro de nível Gran Reserva, é possível perceber a maior presença de tanino, a pegada ou contraste da madeira (se ambos tiverem ou se apenas um tiver), o nível de álcool (espera-se em vinho de melhor nível uvas de melhor procedência, portanto mais alcoólico), etc. Via de regra, bebemos primeiro o mais simples, depois o mais complexo. Nota-se a evolução com certa facilidade. E se depois invertemos a ordem, fica evidente - na maioria das vezes... - que o mais complexo até atropele o menos complexo. É por isso que a regra de serviço recomenda que vinhos menos complexos sejam servidos primeiro.

A experiência não correu tão bem quanto imaginei. Talvez (sic! rs!) o erro tenha sido começarmos abrindo um Tannat, o que acabou por entortar a língua do pessoal. Na vez deles, o Casillero del Diablo 2019 e o Terrunyo 2015, ambos Cabernet Sauvignon, não foram notados como sendo tão diferentes. Estavam sim, embora admito que precisa prestar atenção. Ambos tinham a pegada picante da Cabernet. Terrunyo tinha mais corpo, enquanto Casillero era mais... mais... delicado. Terrunyo tinha fruta combinada com chocolate (café?) e madeira, Casillero tinha mais fruta vermelha, e não peguei madeira - tem. Longe do estilo amadeirado que os chilenos geralmente exibiam anteriormente à década de '10. Nesse ponto, souberam se reinventar. Ou, como prefiro, estão aprendendo (estão aprendendo...). Terrunyo tinha melhor permanência e final mais longo, enquanto Casillero apresentou-se mais ligeiro. Mas é mesmo possível que o Tannat da Garzón tenha eclipsado a experiência.

A noite foi longa e animada. Degustamos ainda o Tannat Plaza del Torres 2014, e os argentinos Luigi Bosca Cabernet Sauvignon 2019 e Punta Nevada Malbec 2019. Passou-se algum tempo desde o encontro, e não tive o cuidado de anotar as características dos demais vinhos. Não creio que tenham verdadeiramente harmonizado com o churrasco. Combinaram como o peixe combina com o anzol - sob o ponto de vista do pescador, claro - significando não haver uma harmonização verdadeira entre esses vinhos e carne assada. Motivo? A acidez estava em falta. Não adianta, depois de nos acostumarmos com ela, parece que vira uma maldição; sua falta nos incomoda sempre. Assim, teria preferido um Rioja, talvez um Rosso de Montalcino, ou mesmo um Languedoc mais pegado - nessas horas lembro-me do Chateau Camplazens Reserva, infelizmente esgotado no importador. Chegou o mais simples, ou não reserva, que talvez mereça um chance.

O melhor da festa estava reservado para seu final: Dona Luciana aprece-nos com um Jerez Viña 25, produzido com a Pedro Ximénes. Isso lá é nome de uva? É sim (rs), e faz um excelente vinho. O Jerez não tem safra. É produzido pelo sistema Solera, que talvez tenha sido inspirado no conceito medieval da panela de caçador, comum em tabernas: não se deixava o conteúdo da panela acabar; acrescentavam-se alimentos à medida em que o nível baixava. Esse tipo de mistura, de alimentos já cozidos e novos, segundo acreditavam, daria à comida um sabor diferente e para melhor. Da mesma maneira, no Solera o vinho de várias idades é armazenado em um sistema de barricas empilhadas, sendo misturado entre outras barricas mais abaixo e aos poucos o vinho vai sendo escoado pelas barricas do nível mais inferior. As barricas superiores são continuamente abastecidas, e o vinho vai sempre baixando para outras barricas até chegar na última, num ciclo de realimentação perpétuo. O Jerez normalmente tem um aroma muito marcado e quando é doce, é doce mesmo. Apresenta notas de frutas passas, notadamente figo. O doce e o figo repetem-se na boca, e sua harmonização com uma boa gama de sobremesas é fácil. Na foto, os alegres bacantes: Dayane em primeiro plano, Renata, Luciana, este Enochato, Eduardo, Tatiane e Gustavo Graxaim. Quem não pôde participar, uma pena. Teve bão...

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