Sunday, March 6, 2022

Uma piaba no Putin e mais um vinho antes do fim do mundo

Introito

   Não tenho acompanhado a guerra na Ucrânia como talvez devesse. Sei que um comboio gigantesco está parado próximo a Kiev, enfrentando graves problemas de logística. Parece que pneus foram enviados para Vladivostok (quem aí já jogou War?); uma quantidade imensa de plasma foi entregue em São Petersburgo e Novosibirsk recebeu um estoque estonteante de munições. Camarada Putin, saiba que nosso general Eduardo Pazuello, especialista em logística, passou para a reserva recentemente. E aposto que seu badalo de baixo ventre bolsonésio ficaria extremamente honrado em vê-lo assessorando a mãe-Rússia. 
   Está certo que Putin foi obrigado pela Otan a tomar as medidas que adotou. Não torço por ditadores nem apoio guerras, mas reconheço que ele não está errado, sob sua ótica defensiva. O mundo mudou com a derrocada da União Soviética. Para o Ocidente, foi mais fácil calar-se sobre a discussão da dita zona de influência definida na Segunda Guerra Mundial enquanto a URSS esfacelada tentava não cair no caos. Aguardaram que vários países da Cortina de Ferro migrassem para a Otan enquanto a Rússia carecia de poderio econômico para opor-se, e agora precisam enfrentar um Putin indo à forra. Esse contexto estava na conta; apenas talvez não acreditassem que pudesse acontecer - e foi um erro crasso. Só o Putin não precisava fazer uma campanha tão desastrada. As pessoas estão com medo de uma guerra nuclear? Já comentei os motivos pelos quais não a temo. Mas os líderes mundiais devem fazer a coisa certa: 1. Avisar o Putin bem avisado de que guerra nuclear é uma só, e 2. Ir atrás do dinheiro dos oligarcas e forçá-los a forçar (sic) Putin a uma solução menos tensa para o problema. Não adianta ficar com desculpas - um pobre infeliz d'O Antagonista relatou que os luxuosos iates (e outros ativos) dos magnatas russos estão em nomes de companhias em paraísos fiscais, que por suas vezes são controladas por testas de ferro, o que tornaria difícil suas apreensões... conversa. Em uma situação de guerra os países podem atropelar todas as regras estabelecidas, pronto-cabô (sic). E a senha está dada, pois o próprio Putin ordenou estado de alerta às forças nucleares de seu país. Se isso não é um prenúncio de guerra, do que mais precisa? Sinal de que o Ocidente vem falhando sucessivamente na análise estratégica da situação. Depois que der m... m... melindres aos quatro cantos do planeta, ficarei repetindo feito papagaio: 
   - Eu avisei, eu avisei, eu avisei...

Reunião (antes) do fim do mundo

   A senhora N. reclamou que não nos reuníamos há tempos. Verdade, este ano ainda nada. Mas teve minha Covid... Eis que na quarta passada aconteceu uma reunião na casa da Elvira. Acertado o cardápio - massa com molho vermelho, e antepastos - fui escolher alguns vinhos. Como sempre, e para diversão (garantida) da plateia, pegamos o Akira para analisar o primeiro vinho (branco). Ele cheirou e cheirou. Cheirou e cafungou. Cafungou e pensou. 
   - É europeu, mas não é francês... não é italiano... parece ser espanhol... a madeira deixa o nariz um pouco mas complexo, mas não é Viúra... não é Macabeo... parece ser Chardonnay... 
   Coloquei a mão na saia a vestir a garrafa desde seu gargalo, e soltei uma pista:
   - Você já cafungou o irmão menor dele.
   - É um Arínzano de Pago. - disse ele sem piscar, enquanto eu subia a saia da garrafa. A plateia foi ao delírio. Lembro que ele já havia nos brindado com uma matada similar a essa há não muito tempo, veja aqui.

Então o primeiro foi o Arínzano Gran Vino 2016, um Vino de Pago, indicativo de produtor pertencente à elite dos vinhateiros espanhóis. Mostrou bons aromas com toque claramente cítrico e mais, mas não consegui distinguir. Acho que alguém comentou 'damasco'; depois de apontado, ficou mais fácil perceber. A boca é igualmente boa, cítrica, mineral, com ótima acidez, o que proporciona final igualmente bom e longo, com persistência. Na sequência provamos um Patriarche Chassagne-Montrachet 2013, Borgonha bem estruturado (Chardonnay, claro), talvez um pouco oxidado, o que deixou os provadores confusos. Minha sugestão de 'amanteigado' foi bem aceita, e a estória se repete: a impressão bem dada de um acaba fazendo a cabeça dos demais. O Akira, adorador de Borgonhas, não acertou que fosse um. Mesmo assim, igualmente cítrico e mineral com boa acidez, mas não tão marcante na boca. Um degrau abaixo do Arínzano, que, convenhamos, é um ótimo vinho. Servido o Penne com um molho à base de carne (diversas), fomos para os tintos. O Poggio Le Volpi Baccarossa 2017, produzido na Lazio, é um  100% Nero Buono di Cori, cepa desconhecida para mim, que mostrou ótima fruta, chocolate ou fumo - o Ghidelli disse fumo, creio -, corpo médio para pegado, taninos muito redondos e acidez marcada, produzindo um conjunto harmônico com bom retrogosto e persistência. Achei que casou bem com o prato principal, mas não foi a melhor combinação. Tenuta di Capraia Chianti Classico Riserva 2013 apresentou nariz com ótima combinação de frutas, vermelhas mais nítidas, mas acho que negras também. A cereja clássica da Sanviogese estava lá. Especiado, chocolate/fumo, corpo médio, madeira, álcool e acidez integradas, para mim fez o melhor par com a massa. Repeti outras duas vezes sem o menor constrangimento (🙄), tanto que não sobrou espaço para a sobremesa. Seu bom final e persistência completaram para mim a melhor harmonização. Lamentei ter comprado apenas uma garrafa... O final ainda teve um Porto com torta, mas... este escriba estava devidamente adernado e não conseguiu provar...

Os felizes confrades Ghidelli (esq), Márcia, Margarida, Elvira, Oenochato, Akira e Neusa, a Sra. N.


Resenha 

Ainda hoje, em uma noite muito fria, quando vou deitar-me com minha esposa, a primeira coisa que digo comigo é que estou feliz por não estar em Bastogne.
Depoimento de um dos soldados da Easy Company, no início destes depoimentos.

Estes dias, um pouco por causa da guerra na Ucrânia, dei-me conta de que já se vão quase 21 anos da minissérie Band of Brothers, produção da BHO que estreou em setembro de 2001. Foi interessante reassistí-la novamente durante o Carnaval. Até onde lembro-me, essa série foi a primeira realizada com 'tecnologia' e 'cuidados' do cinema transplantados para a tv. O realismo das cenas de batalha são impressionantes. Choca ao vermos um soldado caminhando e no passo seguinte simplesmente cair morto enquanto um fio de sangue perde-se no ar. O enredo foi muito bem produzido e é em fechado. Depoimentos de ex-combatentes da Easy Company na abertura cada episódio trazem uma carga de confiabilidade e realismo ao que vamos assistir na sequência. Se sabemos que muitos fatos não são historicamente precisos, por outro lado não há patriotadas no meio da estória. Vemos a matança em escala industrial aplicada a uma companhia de homens e como esses fatos vão moldando cada um deles. Sabiamente, os diversos episódios vão focando um ou outro membro da companhia em vez de aterem-se a apenas um ou dois personagens principais. Assim, a exploração de diversos indivíduos distintos torna toda a trama mais coesa, crível e humana. Convido o leitor a assistir ou reassistir Band of Brothers para tomar ciência - ainda que de longe - dos horrores de uma guerra.

Rata! 🙈

   Alerta-nos o leitor Dionísio que Viura e Macabeo são a mesma uva. Eu não sabia, ou pelo menos não lembrava, o que não justifica o erro grosseiro. E, no afã de contar a estória envolvendo o Akira, posso ter trocado alguma outra cepa branca que ele tenha evocado. Desculpas ao Akira e agradecimento ao Dionísio pela observação.

10 comments:

  1. Olá Carlos,
    Eu gosto do Arinzano Gran Vino, mas não acho que justifique o preço que custa. Em tempo, Viura e Macabeo são a mesma uva.
    []s,
    Dionísio

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    1. Olá, Dionísio, obrigado pelo comentário e pela observação. Providenciando uma errata...
      O Arínzano bateu no Montrachet, mas claro, não era sequer um Premier Cru. Os vinhos subiram de preço lá fora; não sei exatamente os valores do Arínzano ou de um Montrachet melhor nos dias de hoje. Quando comprei o Arínzano, foi em 'promo' e talvez alguma subida do dólar colocou o vinho na faixa do comprável aqui dentro. Então, para experimentar um Vino de Pago, valeu a pena. Não o compraria no preço atual, mas pela época e pelo preço, valeu.
      obrigado!

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    2. O Gran Vino Arinzano custa mais de 90 dólares fora. Com este valor eu compro inúmeros borgonhas melhores. Quanto à questão de vinho de Pago, cuidado. Tem um monte na Espanha que chamam de vinho de 'Pago', mas nem é lá essas coisas. Não é este o caso, pois Arinzano é muito bom. Só não entra na minha mala, por este preço, um Chardonnay espanhol.
      []s,
      Dionísio

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    3. Sim, por USD 90 está puxado.
      Imaginava que Vinos de Pago fossem um certificado de qualidade, e que não houvesse espaço para quem não merecesse. Vivendo e aprendendo.
      Particularmente, sempre digo que se tenho uma opção de vinho que não conheço a USD 90,00, ponho mais USD 40,00 e compro um vinhão. Comprei Charlemagne do Bouchard por esse total - pode não ser um dos 10+ mas era o que tinha disponível, e não é nem um pouco ruim... Mas pelo que paguei pelo Arínzano aqui, valeu pela experiência.
      obrigado.

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    4. Olá Carlos,
      Coincidentemente, hoje mesmo li algo interessante que remete ao tema. Veja a URL a seguir

      https://baccoebocca-us.blogspot.com/2022/03/tres-grandes-chardonnay.html

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    5. Olá. Obrigado pela leitura e pela dica.
      Li a matéria, interessante, e que aborda produtores desconhecidos para mim, e que ao fim são ótimas dicas.
      Interagi com o sr. Bacco há algum tempo, até quando ele resolveu brindar-me com um chamamento de 'burro'. É completa tolice um homem desafiar o outro naquilo que lhe é mais caro. Isso explica bem, https://www.youtube.com/watch?v=5rsZfcz3h1s 😂🤣

      Foi quando resolvi dar uma de patrulheiro do blog, e senti que sim, deixei o sr. Bocca algo consternado com algumas sinucas. Ele nada argumentava... defendia-se com ataques pessoais, achando que eu fosse um pau mandado de não se quem (rs!), mas ainda assim apenas resmungava sem conseguir defender-se.

      Numa degustação de barolos, onde ele bebeu de uma garrafa que sobrara da noite anterior, creditou ser aquele vinho melhor do que o degustado no dia 'per se', e não aceitou que a aeração fizera a diferença. Ainda, achava-se possuidor de 'taças superpoderosas', que em suas palavras 'aeram o vinho em segundos'... 😂

      Depois de uma postagem dele, assumindo não ter capacidade olfativa para apreciar vinhos adequadamente, ou algo assim, envie-lhe um link que explicava o funcionamento do nariz. Daí ele cortou-me. Não voltei mais, mas foi divertido vê-lo vociferar aquelas tolices todas.

      Você parece ser o parceiro dele. Dá nada não (rs), fique à vontade. Como percebe, aqui o ambiente é baseado em argumento e contra-argumento. Havendo isso, há debate. Ele só é cancelado quando desce para tolices sem fim. Um detrator do blog experimentou do remédio. Não aparece há tempos, e não faz falta.

      Obrigado!

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    6. Será que sou o 'Dionísio' do B&B?

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  2. Carlão, boa descrição dos atores da noite. Só achei que o Baccarossa apresentou um aroma bem interessante de figos negros, isso após respirar bastante na taça. E na minha opinião harmonizou mais com os temperos da massa e carnes. Acho que devido a presença marcante dos taninos e acidez..Só uma opinião...

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    1. Luidgi, obrigado pela leitura e pelo posicionamento.
      Como escrevi, o Baccarossa mostrou-nos "corpo médio para pegado, taninos muito redondos e acidez marcada, produzindo um conjunto harmônico com bom retrogosto e persistência", o que é característica de bom vinho. Não cheguei a pegar o figo, porque, de fato, vinho algum estava durando em minha taça.

      Quanto às opiniões, sugiro uma rápida olhada em outra postagem, "O meu vinho foi o melhor!" 🤣
      https://oenochato.blogspot.com/2020/12/o-meu-vinho-foi-melhor.html

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