Introito
O isentão (sic) (é quem) foge da discussão.
Renan Santos,
aqui, minuto 48,
em comentários que começam no minuto 37
Casa-Grande & Senzala (1933), de Gilberto Freire, e Raízes do Brazil (1936), de Sérgio Buarque de Holanda, são tidas como obras fundamentais para explicar a formação e desenvolvimento do país. Não as li, mas sei do básico: a primeira explora o Brasil colonial, analisando a organização do estado patriarcal e a miscigenação do nosso povo. Já perguntei aqui por qual motivo essa mistura dá bons resultados em cães, por exemplo, mas para nós fez surgir apenas uma sociedade cujo QI médio é 87. Parece ser pior ainda: 90% da população teria essa média. Sobra muito pouco espaço para gente mais inteligente à direita dessa nova gaussiana - e imagine-se a situação de quem está à esquerda... Voltando: a segunda obra tenta explicar a falência da nação (já naquela época...) pela figura do homem cordial, onde regras sociais prevalecem no trato da coisa pública, sobrepujando o conceito de impessoalidade, normativo em democracias mais robustas. O problema é que, parece-me, os autores falham miseravelmente ao propor qualquer solução prática para nossas mazelas. Então - como adoramos fazer - as querelas dão-se sempre sobre quirelas...
Já comentei: idiotas de plantão apontam Andrada, talvez o ministro mais longevo de nossa história, e seguramente o de maior permanência contínua na pasta da Educação como
competente. Sua gestão foi marcada pelo fato da verba do ministério ter sido quadruplicada, enquanto o brasio despencava nos testes do Pisa (comentado
aqui,
aqui e
aqui, pelo menos). Em 2022 saiu outro resultado. Adivinhe... Então gostaria muitíssimo de chamar a atenção para
esta transmissão do sr. Renan Santos, líder do MBL. A razão para que eu, declaradamente de esquerda, peça a atenção das pessoas para tais reflexões, dá-se principalmente pela constatação de que a
ideologia acabou-se em janeiro de 2004 (quem aí lembra-se do Waldomiro Diniz?). Troquei-a por qualquer projeto de país. Votei até em bolsonésio, no segundo turno, contra uma turma já conhecida nas lides de gambiarra e da falcatrua. Fácil constatar: como um governo para o Povo encerra um ciclo de 14 anos no poder sem conseguir produzir uma mísera reforma agrária, presente em seu discurso de fundação? A falta de
todo o resto (economia pujante, instituições sólidas, boa qualidade de ensino e sistema de saúde só um pouco acima do precário) apenas confirma a premissa.
Voltando novamente... quer entender um pouco do brasio atual? Recomendo enfaticamente a transmissão. Toda ela, que é longa (2 horas), mas pelo menos o trecho do minuto 20:40 até o minuto 28:00, onde é feita uma discussão dos resultados do Pisa 2022. Uma das constatações da análise gráfica dos resultados é (mais) estarrecedora:
A nota em matemática dos mais ricos do Brasil foi igual à da classe média da OCDE... e dos pobres do Vietnã!
Está lá, basta acompanhar o raciocínio. Se recomendo a transmissão toda, é pelo encadeamento de ideias e suas conclusões. Os dados apresentados dão-nos a real noção do nosso país de hoje, algo seguramente não imaginado pelos primeiros grandes estudiosos citados no início do texto. Veja (1h6min40s): As apostas online, cuja expressão máxima parece ser um certo Jogo do Tigrinho, consomem anualmente a bagatela de R$ 24 bilhões, ou 0.22% do PIB. Duvida?
E de qual camada da população o crítico leitor acredita ter vindo a maior parte das apostas? Acertou! De quem recebe o Bolsa Família! Ou seja: o sujeito ganha um dinheiro que já não é muito (R$ 682,00) - mas advindo dos nossos impostos! - para fugir da pobreza extrema, e gasta quase 15% desse valor jogando contra um algoritmo preparado para depená-lo, sem desconfiar disso.
Deixarei outras reflexões importantes da transmissão para quem for curioso descobrir, e abordarei outro ponto: nesse contexto,
quão importante é uma educação financeira básica para essas famílias? Alguém falou em educação financeira?
Reproduzo o texto:
Ridículo. Não há outra definição a um projeto que determina a obrigatoriedade de educação financeira nas escolas públicas. O problema das famílias gaúchas de baixa renda é de falta de dinheiro, não de administração financeira. Dei meu voto contra essa proposta constrangedora.
Como
já escrevi, em S. Paulo e deputado estadual Guto Zacarias briga pela introdução do tema na grade curricular básica desde antes de sua eleição, quando os dados descritos acima não estavam disponíveis! Mas ele já tinha a percepção dessa agora obviedade. A isso, chamo
projeto de país. É muito diferente de quando esquerdopatas e direitóides discutem (no sentido de defender) pessoas; poucos defendem ideias de fato. Por isso aliás a ideologia acabou-se, e sobrou o culto às personalidades, sinal evidente de ainda estarmos na fase da mais autêntica República Bananeira. E não chegamos no pior. Sabe com qual velocidade o Brasil integrou-se ao circuito mundial de apostas? Demoramos um pouco para entrar nesse triste caminho, mas a ascensão foi avassaladora, inversamente proporcional ao nosso desempenho no Pisa. O vídeo abaixo traz uma animação do quanto as nações gastaram em apostas ano a ano. O brasio não fazia parte dos principais atores, mas a um dado momento (segundo 32) aparece na parte de baixo da tabela e em segundos assume o topo. É preciso prestar muita atenção (há uma seta vermelha mostrando, e ainda assim é difícil acompanhar).
E você achou que isso era o pior? Não, ainda não estamos lá! Observe: o estado de elevação supremo é dado pelo Sétimo Céu, mas para o pior não há limites, como dizia meu amigo Tatuí. E acrescento: não mesmo, à medida em que sempre podemos jogar mais um quilo de m... me... meleca(!) à situação já suficientemente ruim. Ecco!:
Sim: em vez de preocupar-se dos mais pobres, ensinando-lhes como proteger seu (nosso!) pobre e suado dinheiro, o (des)governo prefere tentar captar para si o dinheiro destinado à jogatina! Alguém consegue achar essa abordagem do problema
saudável? Repito, sou de esquerda. Mas se tiver oportunidade de opinar, não continuarei a sustentar perdulários (pela ignorância, é verdade) cuja atividade é divertir-se em jogos de apostas em vez de qualificar-se como um cidadão produtivo. Nem a apoiar (deixei de fazê-lo há muito) uma caterva que não prima pela formação de sua gente. Sei que o texto ficou longo, lamento. Mas diga-me não ser digno da sua reflexão. O tema não está aberto à discussão. A pauta principal do blog é vinho.
A Paduca, outras turmas e outras oportunidades
O número de bebedores de vinho em S. Carlos vem aumentando. E percepção é direta: relembro certos círculos que deixei de frequentar - continuam ativos - e com qual facilidade apareceram outros, com absolutos neófitos no assunto. Alguns onde minha frequência nem anda constante renovaram-se completamente, como por geração espontânea (sic), e gente oriunda deles quiçá encontrou novas oportunidades algures. Apenas não estou seguro desse desenvolvimento acompanhar a prosperidade dos lojistas. Lembro-me de Don Flavitxo, quando ele morava em um condomínio mais central. Relatou-me sobre o começo da década de '10: chegando na portaria, recebia sua caixa de vinho comprada pela internet, e só havia a dele. Passados cinco ou seis anos, o número de caixas empilhadas era visível para quem aproximava-se motorizado, e não raro o porteiro entregava o pacote errado, tamanha a profusão de embrulhos. Para mim, isso diz muito: o lojista se esforça para formar o bebedor, mas logo perde-o. As pessoas encontram informação ao acaso, principalmente nas mídias sociais - invariavelmente começa com curiosidades ou coisinhas engraçadas - mas também no boca a boca. Some-se a isso um Enochato tóxico alardeando precauções como o Wine Searcher e uma parcela de culpa dos próprios empresários do setor, como repetição de estilos, mesma abordagem comercial, degustações muitas vezes fracas e está feito o convite para o degustador aventurar-se em outras plagas. Leitor distante: por coincidência os vícios descritos aqui repetem-se em sua cidade? Suas casas especializadas ainda tentam competir com a internet ou com os supermercados? Tindi...
A confraria Malucadeliu (foto ao lado: MÁrio, LUciana, CArlos, Débora e LIu) não substituiu Nix e as Moiras; esta existe mas a Dayane e a Renata estão em Araraquara. Pelo menos Débora e Liu bebiam descompromissadamente; atualmente são frequentadoras de excursões junto da Luciana e do Mário. Compram algo na cidade, mas não perdem uma boa oportunidade fora. A Paduca (Paulo, Duílio e Carlos, agora com o d'Artagnan Fernando por quarto membro) começou - e continua, eventualmente - degustando vinhos comuns de supermercado, mas aceitaram rapidamente a toxicidade radioativa deste Enochato, e hoje não hesitam em comprar pela internet, seja em grupo ou em aventuras solo. Estão aprendendo a usar o Wine Searcher, pesquisam e tentam, à socapa, trazer às cegas vinhos para superar aqueles humildemente ofertados por este confrade. Fato engraçado: mencionei
aqui quando um argentino, o Raíces Malbec, foi o melhor vinho em uma degustação - quando ofertado por mim - e o pior em outra, trazido pelo Paulão, para seu completo desespero e tristeza. Ele não se tocara, entre um evento e outro, o quanto a percepção do grupo - e o padrão dos vinhos também - aumentara. Isso aconteceu muito rapidamente, quando saímos de um certo marasmo inicial que durou seis meses para uma disparada no semestre seguinte. O próprio Duílio comentou como ele sente a falta de atrativos em vinhos simples apreciados por ele há não muito tempo. Tem dificuldade em repetir produtos que para sua esposa ainda estão em um patamar muito atraente. O mesmo ocorre com Dona Cláudia e Paulão. A evolução deles ficará mais clara agora, e por isso apresentei a introdução deste parágrafo.
Várias às cegas
Esta primeira foi bem interessante, e encontrará reflexo abaixo. O Duílio trouxe um Casilllero del Diablo Malbec 2019 embrulhado no papel alumínio, à temperatura ambiente. Resfriou um pouco e foi servido, com buquê frutadinho, agradável. Acidez baixa, mas dando ar da presença. Não pesquei que fosse um sul-americano, embora não dita sugerido Velho Mundo. Se não consigo identificar o vinho, não chuto. O Paulão, com seu Pata Negra Tempranillo 2021 mostrou uma de suas incursões solo à procura de diversidade. Outro vinho com fruta direta, alguma acidez, fácil de beber. Para quem não conhece e está começando, boa opção; seu preço anda bem razoável. Toquei pra cima deles um Cave des Hautes-Côtes Morey-Saint-Denis 2015, borgoinha comprado a bom preço anos atrás, e que talvez estivesse no bico do corvo. Só talvez; não estava. Boa fruta, se não em engano Paulão falou algo à vegetal antes de disparar - tentando rebaixar meu concorrente - que lembrava os vinhos usados por sua avó para fazer sagu, enquanto tentava segurar a risada. Tinha acidez diferenciada, proporcionando melhor presença em boca. A surpresa ficou por conta do Casillero, quando resfriou mais: fedeu a pimentão! Reflito o quanto os vinhos chilenos podem estar reféns da temperatura: baixou um pouco a mais, vem a pirazina infestando tudo. Confesso nunca ter reparado nisso! Nas degustações por aí os lojistas também não fazem distinção, vai tudo para o gelo até o termômetro quase congelar-se ele próprio. Preciso prestar atenção como é a volta, da temperatura mais baixa para o ponto onde a pirazina eventualmente desapareça.
Em outra degustação às cegas, tivemos o Pata Negra Reserva 2018, que o Paulão inadvertidamente acabou entregando. Discutíamos a procedência: português estava descartada, mas a acidez apontava como velho mundista. Ele deixou escapar um 'reserva'... mais corpo se comparado ao irmão menor da degustação anterior, cuja apreciação tinha agradado mais, por estar redondo na taça. Às vezes vinho é momento... A surpresa aconteceu com o Quinta de Chocapalha 2017, já degustado aqui diversas vezes. Paulão e Duílio experimentaram e se olharam.
Já bebi disso, disse o primeiro, e teve a completa concordância do segundo. Paulão disse português, acho. E aqui o ponto: Chocapalha é um vinho que mostrei recorrentemente às confrarias, dado o ótimo preço (USD 10,00 lá, encontra-se até por R$ 100,00 aqui; está R$ 96,00 na Casa da Bebida (loja online). Então um ponto digno de nota: bebedores neófitos como eles já estão se emendando e percebendo quando bebem do mesmo vinho. Claro, quando ele tem uma qualidade mínima para ser reconhecido. Não bastasse, em outro encontro coloquei um Aldeia de Irmãos Reserva 2019 - não tirei foto desse momento - e os mesmos bebedores invocaram a impressão de já tê-lo bebido. É um vinho de corpo médio, boa fruta, fácil de beber e reconhecível pelo dulçor mais ou menos típico dos portugueses. Infelizmente o Fenando quase não participou dos encontros recentes pela sobrecarga de trabalho, e não tivemos a opinião dele. Mas fica claro como os Paduquentos estão evoluindo e reconhecendo cada vez melhor o que lhes cai na taça. O nível não está muito alto, embora às vezes tenhamos bebido algo superior aqui e ali. O conhecimento vem sendo adquirido em espiral, e eles vão se convencendo pouco a pouco como vale a pena investir alguns reais a mais em produtos de melhor qualidade. O problema é que mesmo esses bebedores novos já estão de olho em ofertas da internet, reservando cada vez menos reais para os lojistas locais.
Finalmente, na última semana, e também às cegas, o Duílio chega com um Luccarelli Primitivo de Manduria - a safra ficou no contrarrótulo. Igualmente envolto em papel alumínio, os poucos minutos na água gelada retardaram seu resfriamento. Servido dessa maneira, exalou açúcar no nariz e na boca. Enjoativo ao se aproximar na nariz, pensei num daqueles portugueses desacertados de três Euros vendidos aqui a R$ 40,00. Passei para meu resfriado em geladeira (rs) Petit Vega 2021, um Ribera del Duero melhor balanceado, com nariz bem mais completo se comparado aos demais exemplares citados nesta postagem - a menos do Borgonha. O preço do Petit Vega tem indo e vindo em diversas promoções, e é necessário ficar atento. Não bastasse, precisa reparar no envelhecimento: tem versões de 8, 18 e 28 meses, se ainda não existirem outras intermediárias. Cuidado! Mas chamo atenção ao fato complementar ao do Casillero: deixado esquecido na água gelada, Luccarelli resfriou bem. O nariz arredondou e o paladar encontrou o buquê: equilibrou mais, embora com o dulçor presente. Mas ficou bastante palatável e com complexidade além de 3 Euros (risos!). Pelo ligeiro equilíbrio face a outros meio secos degustados recentemente, o Duílio safou-se do título de Príncipe dos Meio Secos. Mas foi por pouco... Por conclusão, a questão da temperatura no serviço. Às vezes acabamos errando bastante, e não percebemos. E onde a temperatura baixa é adequada para alguns vinhos, não o é para outros. Beber das fontes antes de beber dos vinhos faz toda a diferença. Saúde!