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Sunday, March 16, 2025

Um final de semana magnífico

Introito

Quantas vezes olharemos o céu
Antes de saber enxergar?
Quantos ouvidos terá o poder
Para ouvir o povo chorar?
Quantas mais mortes o crime fará
Antes de se satisfazer?...
...
Quantas cabeças viraram assim
Fingindo não poderem ver?
O Vento Vai Responder
Versão de Zé Ramalho para 
Blowin' In The Wind, de Bob Dylan




   A resiliência humana é admirável, tanto quanto sua insensatez. Quando o caboclo se agarra a uma crença - sejam bruxas, fantasmas, Saci-Pererê, Mula Sem Cabeça, um projeto redentor vindo da esquerda ou um planejamento infalível vindo da direita -, destaca-se sua aptidão para virar o rosto à realidade, abraçar as trevas e embalar-se no obscurantismo. Prefere descartar verdades evidentes a render-se aos fatos. A farsa atingiu tal ponto que seus protagonistas já nem se preocupam em respeitar a (pouca) inteligência da população: perdem-se em discursos autoindulgentes e esquecem-se de que cometeram os mesmos pecados que atribuem (somente) aos adversários. O vídeo acima apenas recupera um desses momentos: Flávio Bolsonéscio, ao tentar rebaixar Nosso Amado Presidente (NAP), acaba sujando-se na mesma lama da qual o acusa. Corria o nem tão distante novembro de '21, a famíglia filiava-se ao partido do Mensaleiro condenado Costa Neto, e o filhote do Capiroto, ao acusar NAP de ter roubado o povo brasileiro, convenientemente ignorava que o anfitrião da cerimônia já fora desabonado pela Justiça por exatamente o mesmo motivo. Desde antes, a sina de Bolsonéscios tem sido a mesma: não sabem como esconder as incongruências dos discursos de seu líder, mas de maneira estúpida continuam a defender o indefensável. O outro lado não sai-se melhor: precisa acreditar que a presidAnta foi deposta por meio de golpe, que NAP foi condenado injustamente, e que seu julgamento foi político. Bem, nisso preciso concordar, foi político sim. Como é possível o maior dignatário de um país, pego com a boca na botija, ser condenado a pena outra senão a máxima por um delito vergonhoso? Se ele não o for, quem o seria, então? Em outro país, um país ideal, todos os juízes envolvidos seriam chicoteados. E não até ficarem machucados... Em tempo: o vídeo acima é propriedade do canal de Youtube TV Afiada, e está aqui. Ela é detentora do direito autoral do vídeo reproduzido aqui para manter o sentido do texto caso o original se perca. Ainda, o original está aberto na plataforma, como todos os vídeos eventualmente veiculados neste espaço.

Regra do Enochato: nunca misture eventos

Este Enochato tem uma máxima: nunca misturar eventos. A pobrezinha da Débora passara por duas semanas de retiro médico-espiritual (sic! rs!) e ansiava por uma oportunidade para quebrar o jejum realizando uma cerimônia pagã devotada a Baco. Como o leitor pode suspeitar, este Enochato rapidamente disponibilizou-se para conduzir um culto consonante aos mais rigorosos preceitos do hedonismo civilizado e na presença de testemunhas fidedignas, garantindo que cada taça fosse vertida sob os auspícios da nossa deidade predileta e com a devida reverência ao terroir. Assim, este bem-aventurado guiou a Débora e demais confrades por uma jornada sensorial que começou com um brinde tímido e terminou com todas as convivas tecendo vivas e loas a cada nova taça degustada. Mas vamos com calma...

Comprei, há um mês, uma caixa (6) dividida em três brancos e três tintos do Château de Melin 2023, um Chardonnay classificado como Hautes Côtes de Beaune. Essa denominação de origem designa vinhos produzidos nas colinas mais altas a oeste da prestigiada Côte de Beaune, mais frescos e rústicos do que os da Côte de Beaune propriamente dita, devido à altitude e ao clima mais fresco. Embora menos prestigiados, os vinhos rotulados como "Hautes" podem oferecer ótima relação qualidade-preço, e como o mar não está para peixe, numa oferta abaixo de R$ 200,00 por garrafa, mandei ver. Tinha um nariz com toques cítricos e de fruta branca. Sugeri alguma que não lembro(!), mas as confrades acompanharam e disseram outras. A memória vem pregando peças... foi antes de ontem! São sugestões discretas, nada a ponto de abalar a estrutura do cérebro (rs) e tornar a apreciação inesquecível... mas é bem decente para um Borgonha nesse valor, principalmente em boca: aporta boa acidez, tem um conjunto alegre, fácil de beber, com permanência não tão longa nem retrogosto marcado, mas razoáveis a ponto de agradar por exatos R$ 169,00. Comprei do tinto também - mesma safra - mas estes esperarei um pouco mais. Para espantar a uruca (risos!) e fazer valer a noite, saquei da Prateleira Celestial um Beaune Les Cras Vieilles Vignes do Château de Chorey 2009. Há tempos bebi um exemplar de 2005 desse mesmo vinho, e estava ótimo. Este não fugiu à regra: parece aquele Borgonha despretensioso pela cor um pouco clara, pálida até, adiantando taninos mais delicados, discretos. A surpresa vem pela acidez vibrante, ótima, e causou um estranhamento na Débora e na Liu. Notei como não estavam entendendo bem o vinho... nariz com frutas, boca com sugestão herbácea, mineral... boa estrutura, sutil, realmente gracioso. Em contraposição existem Borgonhas bem tânicos, e para quem tem pouca experiência na prática (rs) essa versão mais leve surpreende. Mas as bebedoras perceberam o que tinham em taça. D. Neusa, mais acostumada, apenas curtiu (risos!), mas não deixou de aclamar Les Cras a cada nova taça. Ele não tem representante no país, então podemos livrar nossas gloriosas importadoras do vexame de comprar preços. Por sobremesa, tivemos um Tiramisu regado a um Château Guiraud 2005, mas ele acabou não saindo na foto... 

D. Neusa terá compromissos outros na sequência, e achamos por bem programar uma despedida para o dia seguinte. Afinal, diz a máxima, nunca misture eventos. A Liu não poderia participar, e as demais ficaram felizes com a ideia de outro encontro, deixando este Enochato à vontade para escolher os vinhos e sugerindo que eu não poderia fazer algo melhor, dada a felicidade alcançada com a degustação do Les Cras. Tolinhas... apenas sugeri um bifão verdadeiramente vexaminoso (sic! rs!) para acompanhar um tinto mais pegado, e fiquei na minha.

Às 9:00 da manhã seguinte desci para a adega e abri um Barolo Sori Ginestra 2004 do Conterno Fantino. Tirei uma lasquinha e deixei-o aerando em garrafa. Quando elas chegaram, às 21:00, foram recebidas com alguns embutidos para acompanhar o Quinta do Crasto Reserva Vinhas Velhas 2015, ótimo Douro do qual não bebia há muitos anos. Há uma razão: o produtor - que é também o importador aqui no Brasil - começou a subir sua margem nos idos de 2011, algo assim. Em algum momento achei não mais ser compensador, e deixei de lado. Recentemente, um particular começou a vender sua adega - promessa, e não por problemas de saúde, felizmente! - e sua lista caiu em minhas mãos. Conexões no mundo do vinho... Voltando: é um bom vinho, mas anda contrariando outra máxima, a de não pagar caro por vinhos. Ele já andou batendo os ridículos R$ 600,00+ por aqui, enquanto pode ser encontrado a USD 36,00 em Portugal. Esse exemplar da boa safra de 2015 está pronto para ser degustado, com muita fruta - uma mistura rica em tons negros e vermelhos e madeira bem presente. Os taninos são pegados, uma característica bem marcante desse vinho, bom nível de álcool e acidez, e em seus 9 anos encontra-se algo jovial. Com mais idade, os taninos vão amadurecer e ele melhorará. Tem persistência, enche a boca e combinou com o presunto tipo alemão, sem no entanto prover uma harmonização grandiosa. Depois de preparar um tornedor de filé mignon com bacon, fomos para o Barolo. É outro comprimento de onda - no nariz, na boca e no bolso. Mesmo aos 20 anos mantém cor escura a lembrar alguns Syrah de Hermitage, o nariz cheio de frutas, chocolate e mais notas que perduraram até o dia de hoje, quando bebi da última taça. D. Neusa mencionou mentol também... Boca com taninos já macios mas com ótimo corpo, bela acidez, um conjunto grandioso com ótima persistência. O melhor vinho deste excelente final de semana, em minha opinião. Embora goste muito de Borgonhas, este Barolo esteve realmente completo e complexo, quase ao nível do Gran Bussia do Aldo Conterno degustado há alguns meses. Bons Barolos precisam ser guardados com paciência, e esta espera compensou o esforço. Se puder beber mais três ou quatro garrafas com essa qualidade durante o ano, seguramente manterei ótimas recordações deste 2025 que ainda vai pelo começo. Por sobremesa, a Débora trouxe um doce à base de chocolate. Não sabia quão doce era, e por acaso fui feliz na escolha do Moscatel de Setubal 2011 da Bacalhôa, aberto desde outubro do ano passado e mantido em geladeira. Impressionante: fresco,  ótima acidez, um pequeno gole bastava para amansar (rs) o doce muito pronunciado da sobremesa. Sem querer, deu certo...

Como se precisasse...

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