File failed to load: https://cdnjs.cloudflare.com/ajax/libs/mathjax/2.7.2/extensions/MathZoom.js
Introito
Há muito tempo, numa conversa com o Flávio Vinhobão, ele fez um comentário que, tempos depois eu conseguiria verbalizar como uma máxima: toda uva vira vinho. Quero dizer o seguinte:
- O descarte de uvas muitas vezes é parte do processo. Descarta-se para aumentar a qualidade daquela produção já minúscula. Vinhos de alta qualidade passam por esse processo constantemente.
- Às vezes o vinhedo pertence ao patriarca. Os filhos, estudados em outras áreas, não tiveram interesse em tocá-lo. O patriarca falece, a viúva não conseguirá tocar a produção sozinha, o vinhedo fica literalmente parado um tempo: padece pela falta de poda; quando alguém se toca a época da colheita está até passando... as tragédias que podem acontecer são muitas...
- O vinhedo é ruim mesmo: está na posição errada, porque foi plantado por alguma teimosia, ou porque se chove um pouco mais ele fica inundado, ou... o leitor percebeu.
Toda essa uva vai virar vinho... Mas o contexto da conversa era assim: encontrara um Brunello com apenas seu nome e uma sigla a identificar o produtor. Sem maiores informações, Don Flavitxo faz a seguinte consideração: talvez alguém tivesse as uvas (da região de Montalcino) e após a vinificação faltou coragem de colocar o nome no vinho produzido. Não deixa de ter sentido. Por outro lado, às vezes lendo sobre produtores, vinhedos, safras, ficamos 'acostumados' àqueles de maior nome, fama ou importância. Mas como em quase tudo - nas artes, nos esportes e, por que não, na produção de vinho? - precisamos ter aquele grosso que faz o básico - a mediocridade - para que desse caldo surjam os expoentes. É só uma reflexão, mas tem algo a ver com o vinho desta feita.
Barolo Langates 2010
Barolo Langates 2010 apareceu em S. Carlos por uma pequena adega. Seu proprietário, um italiano recém-chegado ao Brasil, tinha por ideal vender produtos de sua saudosa pátria. Encontrei Lagates lá, com a seguinte informação no contra-rótulo:
Produzido e engarrafado por CN/5190 em nome de Nova Terra SRL, seguido por dados do importador e distribuidor. Depois de comprar alguns produtos simples, como o simpático 'La Fata Galanti' e alguns exemplares do Terre dei Savoia, achei que valeria a pena arriscar um pouco mais. Todos esses vinhos são representados pela
Italyswine, um projeto italiano destinado a alavancar o vinho de pequenos produtores (ou nem tanto) no mercado mundial, com ênfase nos EUA e no Brasil. Bem, voltando: havia encontrado na internet apenas uma 'entrada' para o Barolo Langates, e seu preço apontava para a faixa de 40 dólares, ou euros. A loja acabou entrando em colapso, e pelo preço ofertado pelas garrafas acabei ficando com duas. O Jaci ficou com uma também, que bebemos há cerca de três anos. Estava muito bom, boa fruta, bem equilibrado, pronto para beber. Eis que passado algum tempo, resolvi visitá-lo. Sempre tive comigo - muito mais da literatura do que da experiência - que Barolos precisam de uma década para amadurecer. Langates 2010 alcançou a maturidade. Acho até que não será longa. Mas quem sou eu... Tem presença de fruta, mas não tão marcada. Poderíamos dizê-lo 'austero'? Mostrou-se, com 10 anos, um vinho um pouco diferente daquele tipo de vinho com o qual estou mais acostumado. Menos nariz, mais boca. No segundo dia (quando escrevo), continuava de igual proporção, boca melhor. Mas apareceu algum chocolate, também presente na boca. Ainda mostrou evolução. Acidez e persistência boas, álcool aparece discretamente. Tem suas arestas. Fiquei pensando como ele se encaixaria no contexto da introdução. Um vinhedo de segunda? Terceira? Que tipo de vinho é esse? Um grande vinho? Jamais. Um bom vinho? Em qual contexto estamos falando? Somente europeus? Sendo assim, tenho muitas compras melhores (de vinho europeu, não necessariamente de Barolos). Um vinho de terroir? Não conheço tanto Barolos, mas de uma coisa eu sei: tem boa acidez, característica para mim muito cara. Sua persistência é
agradável. Não é tão grande, mas é fácil de notar como tem boa presença. E isso faz toda a diferença... para o bem ou para o mal.
Gosto de tentar contextualizar o vinho que provo com o que está no mercado. Talvez em outros lugares isso não faça sentido. Aqui fez, e todo ele: o mercado está desregulado, o consumidor é um otário... (lamento dizê-lo). Vou compará-lo, qualidade e preço, com um vinho do qual já bebi várias garrafas, e venho bebendo de duas safras ao longo do tempo, em suas cepas Syrah e Cabernet. O Terrunyo, da Concha y Toro. Seu preço subiu no Chile, desde que trouxe uma mala dele. Foi minha última compra mais pesada de chilenos, logo depois dos tempos da Grande Alta de Preços, que aconteceu ali por 2009. Essa remessa veio provavelmente em 2011, 2012. Paguei então 16 ou 17 'Luca' (mil pesos). Atualmente, 26. OK, teve inflação por lá. Aqui, há um tempo estava por até R$ 160 na 'promo', R$ 230 fora dela. Atualmente (pasme!) R$ 378 no sítio do importador https://www.terrunyo.com.br/. Mas também R$ 350 na Wine e... R$ 240 na www.vinomundi.com.br. Não vou entrar no mérito da safra ou da uva. É um vinho 'De Prodecência' como disse algum tolo certa vez, então vamos assumir que seu custo não deveria variar muito de safra ou de uva. Mas como vimos, varia. O preço, quero dizer. 😕 A qualidade é sempre a mesma...
Bem, comparado a Terrunyo (CS/Syrah), safras '08/'09, Langates é francamente superior. É como aquelas velhas estórias: categoria, honestidade, caráter... têm-se ou não se tem. Quem tem, não menciona. Quem não tem, invoca. Estou falando da acidez. Terrunyo fatalmente tem melhor nariz, mas comprando ambos, boca a boca, a acidez faz toda a diferença quando a harmonização proposta é um bifão de angus com um acompanhamento básico. Encontrei safra mais recente de Langates em uma loja de internet com a qual estou enfrentando problemas na compra de outro produto. Ainda não darei seu nome, mas volto ao assunto se o desfecho não for satisfatório para o consumidor. Bem, nessa loja o preço de Langates é... R$ 250,00. Esse preço iguala o
patamar inferior de Terrunyo. Lembremos que Terrunyo situa-se no
patamar superior de seu produtor, ficando abaixo somente do Don Melchor. Langates é um produto até quase sem produtor. Qem o fez, sequer arriscou a colocar o nome no rótulo; preferiu identificar-se um obscuro nome "CN/5190"...
Então, a pergunta que não quer calar: o que estamos bebendo, em termos de vinhos sul-americano? Quanto estamos pagando por isso? Estamos presenciando o crème de la crème sul-americano fazendo força para encarar um concorrente que tem vergonha de estampar o próprio nome no rótulo? É isso? Paro para pensar, levo as mãos à cabeça e penso comigo: - Tô tão errado? Então onde foi que errei, nessa análise?