Introito
Costumamos dizer por aí, à boca miúda, que enochatos são mascarados, políticos são desonestos, importadores são energúmenos e jornalistas, pelegos. Uma vez a Federação Paulista de Futebol fez assim: sorteava dentre os torcedores que compareciam ao estádio meia dúzia de gaiatos. No intervalo eles entravam em campo, uma bola era posta no círculo central e a missão de acertar o gol com um chute. Tinha um prêmio, talvez em dinheiro, não lembro, para quem o fizesse. Raras bolas atravessavam a linha de fundo dentro das linhas que delimitavam a pequena área. Algumas saiam pela lateral. Com sua costumeira verve, o Silvio Luiz comentou: "Esse é o sujeito que, na arquibancada, vaia o jogador quando ele erra em passe de 40 metros". O brasileiro é assim... acredita-se o senhor dasMais um 'Teste Folha'. Teste quem?
Certa vez a 'Folha de São Paulo' fez um levantamento dos professores-pesquisadores improdutivos na USP. Avisou em próprio diário que o faria. Sim, isso mesmo: considerou-se importante a ponto de acreditar que seu próprio 'aviso' deixaria a comunidade acadêmica ciente. Um professor no departamento onde eu estudava entrou na lista: nada publicara nos dois anos anteriores. Seu apelido - era 'moleque', apenas uns anos mais velho que nós, de maneira que tínhamos alguma liberdade com ele - virou Improdutivo. Detalhe: ele passara os dois anos anteriores trabalhando em seu doutorado na Universidade Manchester, então apenas e simplesmente uma das mais conceituadas do mundo na área de computação... Durante o começo dos anos 2000, a 'Folha' promovia, em seu caderno de informática, o "Teste USP". EraHélio quem?
A dificuldade, no caso da enologia, é que o paladar e o olfato humanos não são bons o bastante para julgar vinhos, pelo menos não no nível que os 'sommeliers', com seu vocabulário rebuscado e esnobe, fazem crer que é possível. Aí o cérebro, para não ficar mal, apela para rótulos, preços, críticas, etc.
Mas voltando: é preciso deixar bem claro esse ponto: o sujeito pega o grupo dos ricaços e usa-o, transplanta-o, para outro grupo, que é o dos sommeliers! E quer ser levado a sério?! O pobre articulista continua:
Estudos de psicologia do gosto, iniciados nos anos 60 por Rose Marie Pangborn, só não acabaram de vez com a reputação da indústria enológica porque não são muito divulgados. Pangborn mostrou que bastava adicionar um pouco de corante a vinhos brancos para deixar os especialistas completamente perdidos.Na sequência, outros trabalhos revelaram que, em copos escuros, estudantes de enologia não conseguem mais distinguir vinhos brancos de tintos e que basta trocar os rótulos das garrafas para que especialistas rasguem elogios a vinhos "objetivamente" medíocres.
Digno de nota, a certa altura puxei o Flávio de lado e perguntei o que ele achava dos vinhos. Dos dois primeiros (Xisto Ilimitado e Quinta do Crasto Reserva Vinhas Velhas), comentou que o primeiro parecia-se muito com o... Xisto Ilimitado(!), que ele experimentara há alguns meses e achara muito 'justo'. O segundo, identificou como duriense (!), e disse que estava muito bom. Melhor do que o primeiro. O terceiro, achou que poderia ser espanhol (errou). O quarto (Roquette e Cazes), cravou duriense também(!). O quinto era o vinho dele. (grifo meu)...Outro fato digno de nota: logo que abri (para os bebedores) o primeiro vinho, o Flávio, com um sorriso maroto - ele chutara para o grupo que aquele poderia ser um Xisto Ilimitado - levanta o dedo e avisa:- Então vou reformar minha opinião que dei ao Carlão em reservado. O terceiro é o Xisto Cru.E era mesmo...
- Trouxe esta venda, para que você não possa saber qual a idade do vinho - anunciou Carlitos.- Não por isso. É para já! - Flavitxo sentou em uma cadeira e deixou-se vendar. Carlitos tirou a rolha, colocou dois dedos na taça e serviu-a, colocando a base da taça nas mãos de Flavitxo, que levou-a ao nariz e arrepiou-se nos cabelos. Cheirou. Cheirou novamente e proclamou: - Borgonha branco. - daí cafungou, mesmo, e mandou: - Borgonha branco de alto quilate."Canalha" - pensou Carlitos. Malditos importadores dos infernos. Sempre dizem que, em uma degustação às cegas, mesmo especialistas não conseguem diferenciar um branco de um tinto. A única esperança de Carlitos era não entrar no campo de guerra para batalhar no terreno do general adversário. E para evitar o lodaçal, escolhera justamente um branco, o que tornaria a comparação com um tinto mais difícil. Mas o começo não tinha sido exatamente bom...- RG da garrafa! - pediu Carlitos, antes que alguém pudesse desabonar sua escolha. Todos riram, Flavitxo retirou a venda e deu uma bebericada:- Muito jovem. Estaria bom dentro de mais uns 4 ou 5 anos. Mas está bastante bom dentro da minha taça, também. Parabéns, meu jovem.Don Akira serviu sua peça.- Fechado, bastante fechado. Terroso - disse Carlitos. Flavitxo concordou, destacando ainda o álcool aparente. E disparou:- Italiano. - (era um Biondi Santi!)
As reações worldwide
Tratar de conhecimento e cultura de povos usando como base um fato curioso de engano de serviço do vinho e reunindo poucas pessoas como justificativa para desprestigiar uma ciência é inacreditável em uma publicação com o porte da Folha de São Paulo e sua história de construção social brasileira. Esta simplificação da realidade tão pouco condiz com as mínimas práticas jornalísticas desenvolvidas ao longo dos anos e defendidas, mesmo pela Folha, em seus muitos Manuais de Redação, que serviram de referência para o jornalismo brasileiro. A coluna também trata com o mais alto desdém, por consequência, as milhares de famílias e profissionais que diariamente atuam com afinco e amor em todo o setor vitivinícola do Brasil e do Mundo. Assim, a coluna ainda causa enorme desserviço às comunidades que da cultura do vinho e da sua ciência sobrevivem. (grifo meu)