Wednesday, March 28, 2012

A bola fora de (alguns) vinicultores brasileiros

   Deu no jornal de hoje - e se deu no jornal já é assunto velho: "grandes produtores gaúchos pedem a criação de salvaguardas para o vinho brasileiro". Como não acompanho muito o que acontece por aí, fui checar no Enoeventos  e encontrei as facções armadas e em pé de guerra. O leitor que estiver mais perdido do que eu pode passar por lá e acompanhar os diversos vínculos nas matérias. O próprio senhor Oscar, que toca o sítio, postou matéria bastante apropriada, Em defesa do vinho brasileiro, onde procura avaliar os fatos recentes. Também deixei lá meu comentário, que retomarei aqui, mas vamos por partes.

   A contenda acontece porque alguns consideram uma verdadeira trapaça o anseio de vários produtores nacionais de vinho procurarem de alguma forma desestimular ou limitar a importação do similar estrangeiro. Passado recente aponta para a medida do fatídico selo em garrafas de bebidas alcoólicas, patrocinada por alguma associação, congregação, grupo... bando... bem, que não me lembro exatamente quem foi. O importante é notar que a estória não vem de hoje, e o resultado líquido é a criação de uma má estima para com aqueles que de alguma forma estão contribuindo para o aumento de custo de um produto que não pode faltar em nossas mesas.

   Antes de tudo - ou antes de nada! - como bom enólatra (adorador do vinho), pouco me importa de onde venha o produto. Pode até ser nacional. Ou, apenas de outra forma, pode até ser estrangeiro. Importa que ele seja bom na famosa "relação custo benefício" e que caiba no meu bolso. Nesse contexto, nada contra o (bom) vinho brasileiro, nem contra o (bom) vinho israelense (tem vinho bom lá, se você não sabe), ou mesmo nada contra o (bom) vinho da Bessarábia - se fazem vinho por lá.

   Isso posto, procurei um olhar diferente a respeito do banzé. Não é de hoje que eu critico o lucro pornográfico que, na média, os importadores embutem no custo final de seus produtos (ver o comentário do dia 10/8/09, não o de 20/7/09). Quem viaja para o Chile encontra um Tarapacá Etiqueta Negra em qualquer supermercado por algo como R$ 35,00. Aqui, custa uns R$ 95,00. Encontrar por R$ 105,00, exatamente o triplo, não é difícil. As explicações são as mais diversas: impostos, custo brasil, transporte, já até ouvi esta de um importador: "o dono (da vinícula) vende o vinho mais caro para o mercado externo". Assim, somos convencidos pelos importadores de que eles são as pessoas com o maior desinteresse financeiro que caminham pelo mundo, desde a criação das religiões, há uns sete mil anos. Mas estou divagando, voltemos ao ponto. Bem, o que foi que eu fiz? Fui olhar quanto custa o vinho brasileiro lá fora...

   Metodologia empregada: nenhuma. Cuidado na análise dos dados: muito pouco, além da constatação do custo do produto. Resultado da "pesquisa": surpreendente. Para levar o empreendimento, escolhi um vinho brasileiro de custo similar ao Tarapacá Etiqueta Negra. Escolhi por acaso o Miolo Lote 43 e usei a ferramenta Wine-searcher para procurar esse vinho em outros países. Vejamos o resultado:

Miolo Lote 43 no Brasil: R$ 96,00, fonte aqui.
Miolo Lote 43 nos EUA: US$ 28.69 x 1,8 = R$ 51,64, fonte aqui.
Miolo Lote 43 na Alemanha: 24.50 euros x R$ 2,42 = R$ 59,29,  fonte aqui. E, para poder dizer que na Alemanha o custo desse vinho ainda é a metade do que você pagaria por aqui, compre seu Miolo Lote 43 por exatos R$ 123,00, aqui.

   O que mais estarrece não é o vinho custar praticamente a metade do que aqui. Ora, o vinho foi do produtor ao porto brasileiro (frete), viajou para algum lugar (frete), foi desembarcado e enviado para outro lugar (frete), teve o lucro do trader, o lucro do distribuidor e o lucro do vendedor. E depois disso tudo ainda chegou custando a metade do que custa aqui! A pergunta que fica é: por quanto esse vinho saiu do Brasil?! Qual é a explicação para o vinho, a um custo "x" ("x" obviamente é muito menor do que R$ 52,00, colocado no porto brasileiro) ser vendido ao nosso consumidor final a praticamente R$ 100,00? Observe que ao preço muito menor do que R$ 52,00, o produtor já esta tendo lucro - a menor que, como os importadores, os produtores sejam outra raça (sic) com absolutamente nenhum interesse financeiro. Mas então como alguém me explica o pedido de salvaguarda que está rolando? Ainda dirão por aí que o produtor brasileiro faz por merecer a má estima que está alcançando. Como é que eu vou discordar? E depois querem dizer que eu sou chato!