Sunday, January 31, 2021

Comentário sobre um comentário

Introito

O blog tem leitores que não se manifestam nos comentários da plataforma, mas comunicam-se diretamente comigo. Recebi a ponderação abaixo do Jairo Cantarelli, proprietário da Vinho e Ponto de S. Carlos via uatizápi no grupo Vinho e Viagens, que é coordenado pelo Eduardo da empresa Caminhos do Turismo. Diz respeito à Postagem dois em um, cometida (sic) há poucos dias.

O comentário

   Lidos rapidamente, logo pela manhã !!!
   Sempre faço uma comparação entre a nossa capacidade de avaliação gustativa e a precisão dimensional que algumas profissões usam ou alcançam. Quando conversamos com um carpinteiro, a conversa gira em torno do cm (centímetro) e ele ainda usa aquela régua de medição amarela de cerca de 1 m e que dobrada nas articulações, fica em uns 20 cm de comprimento. Nem precisa dizer que a escala desse instrumento de medição é bastante imprecisa. 
   Quando conversamos com um marceneiro, a conversa já evolui para o mm (milímetro) e o instrumento usado para medir já é uma trena com maior precisão ou até app de celular.
   Se vamos falar com um mecânico sobre uma determinada peça, muito provavelmente, a conversa vai girar em torno do décimo de milímetro e se vamos a um mecânico de precisão, então a conversa passa para o centésimo de milímetro.
   Nada impede que um carpinteiro fale em mm. Mas nunca confiem em um mecânico que estiver com a régua amarela do carpinteiro na mão 😳
   Creio que o nosso paladar se comporta mais ou menos assim. Se somos iniciantes na apreciação, estamos mais para carpinteiros e não enxergamos detalhes de décimos de milímetros. Mas podemos fazer um trabalho de carpinteiro muito bem feito.
   Nossa, isso está muito comprido 😬
   Conforme vamos evoluindo no conhecimento e na degustação, vamos trocando o nosso instrumento de precisão e assim por diante, para encurtar um pouco a conversa.
   Isso não quer dizer que quem tem o melhor instrumento de medição, seja melhor profissional. Já cruzamos com mecânicos muito ruins e carpinteiros excelentes em nossas vidas, certo ?
   Por que me veio tudo isso ? Pela votação no Cabra Cega. 
   Isso reflete um pouco o nível em que estamos em termos de capacidade de medição.
   Muito provavelmente, eu teria votado nele também.
   Vou ficar por aqui !
   Deu pra entender o ponto ?
   Se o nosso paladar é Cabra Cega, vamos ficar extremamente felizes bebendo um, mas talvez não fiquemos tão felizes bebendo algo mais sofisticado.
   Ah, e tem pessoas que, por questões genéticas talvez, nunca passam do cm para o mm e assim por diante.
😬😬😬🍷🍷🍷

Comentário sobre o comentário

   Particularmente, acho que nada mais correto; concordo 100% com a reflexão. 
   É muito difícil formar grupos heterogêneos em qualquer atividade humana. 
   Sentava-me para beber com Akira e Flávio (Akira não bebe mais, apenas isso mudou; ele continua 'cafungando'). Os dois conhecem muito mais do que eu, porque trabalham profissionalmente com fermentação. Enquanto estou tentando identificar se a fruta é vermelha ou negra (quando não está evidente), eles já estão na lichia, blue x black berry (sic) e passos mais adiantados. 
   Os confrades d' As Noivas de Baco estão, assim como a trindade (sic) Akira-Flávio-Carlos em níveis diferentes de conhecimento. O Akira reconhece que eu tenho conhecimento teórico muito maior do que o dele, pelo simples fato de que eu leio alguma coisa, e ele lê praticamente 'zero'. Ler sobre vinho não é do interesse dele. Beber, era. 
   Da mesma maneira, os confrades d' As Noivas de Baco possuem conhecimentos diferentes e até mesmo interesses em diversos níveis quando o assunto é vinho. Ninguém pode impor que outras pessoas conheçam ou dediquem-se a um assunto que lhe é particularmente interessante. É um comentário óbvio mas que precisamos tomar por 'régua' na hora de medir não apenas o conhecimento mas também o interesse de cada um sobre o tema. Meu interesse por vinho vem de uns 20 anos. Nada mais normal que sejam um pouco maiores do que das pessoas que, como eu, não são profissionais, mas tenham interesse similar há, por exemplo, apenas 10 anos. Para um 'interesse igual', se pudéssemos metrificar isso, aquele que estuda o tema, qualquer tema, há 20 anos, deve conhecer mais do que aquele que o estuda pela metade do tempo. Ou o primeiro é um paspalho...😂. Assim, entre 'interessados' por vinho, se tenho 20 anos de estrada, é praticamente um 'obrigação' que eu conheça um pouco mais. Observadas todas as aspas deixadas pelo caminho!
   Por isso sei que sim, em alguns pontos conheço um pouco mais de vinho do que vários dos nossos confrades. O conhecimento sobre vinho não resume-se apenas a experimentar e identificar notas e características, ponto no qual sou bastante fraco. Estende-se também a conhecer processo, regiões, mapas, rótulos, estória, evolução, produtores, o próprio 'mercado'... Aliás, qual o sub-título desto blog, mesmo?  Resmungos de um deficiente nasal que sabe pouco para iniciantes que sabem menos...
Junto d' As Noivas de Baco, sei que estou lá para ensinar muita gente. Mas tenho a completa certeza de que há muito a aprender com essas mesmas pessoas, também.

Espantando a monotonia

Introito

   Ele voltou. O isolamento, digo. Trouxe consigo o fechamento de lojas, pessoas mais ressabiadas e, principalmente, monotonia. Aguardo minha vacina. Claro, estou sentado. Enquanto isso o 'pulha', como vem sendo chamado nosso presidente, vai 'receitando' o tal do tratamento precoce. A Ciência, não. Entre a Ciência e um 'pulha', com quem você fica? Aliás... nunca vi um presidente ser nomeado de tantas maneiras pejorativas quanto este. Você já? De quantas maneiras pejorativas você chamou seu presidente 'favorito', até antes deste? E hoje, de quantas maneira maneiras chama este? Pois é...

Cellier des Princes

   Já comentei de Cellier des Princes quanto bebi um Vacqueyras desse produtor. Agora, ataquei de Xatenêfi. O Châteauneuf-du-Pape, ou CdP como aprendi com Don Flavitxo, é um vinho produzido no sul do Rhône. Está comentado rapidamente no vínculo acima. Este Cellier des Princes Châteauneuf-du-Pape 2017 é um corte da famosa combinação GSM, contendo 90% Grenache, 5% Syrah e 5% Mourvèdre. Está algo novo - o envelhecimento 'recomendado' para um CdP é de uns 7 anos. Vai ter neguim (sic) falando que já bebeu com três (qualquer CdP) e estava 'muito bom'. Bocas tortas...
Escrevo adentrando a segunda hora do vinho aberto e mantido em garrafa. Prestando atenção, tem (mesmo) um fundo de melaço no nariz - mais ou menos uma 'assinatura' de Rhônes baseados nesse corte, segundo o Akira. Tem ainda fruta vermelha bem presente e algo na direção de chocolate. Os taninos são discretos, a acidez não marca tanto. O final é um pouco curto. Já bebi Xatenêfis piores - em degustações - e como Xatenêfi não encanta tanto. Achei inferior ao Ferraton, uma vez importado pela mesma Enoeventos (infelizmente foi perdido para um tubarão do mercado). É ruim?  Não, em absoluto. Mas está algumas notas abaixo dos Xatenêfis aos quais estou mais acostumado 😞. Explica-se: estou 'acostumado' a uns poucos que trouxe de fora nos anos de Real forte, vinhos de USD 75,00 para cima. Cellier des Princes custa módicos USD 25,00 lá fora. É claro que fica notas abaixo de seus irmãos que custam a partir de o triplo do preço. Aqui, está à venda por também módicos R$ 280,00 (R$ 237,00 na 'promo' para o Clube do Vinho da Enoeventos). Não é felicidade engarrafada. Mas bate em tudo quanto é sul americano na mesma faixa de preço, sem dó nem piedade e muito menos esforço. Se você gosta de Rhônes, e não faz questão de um Beaucastel (custa entre R$ 1.600,00 e R$ 1.800,00 por aqui; está nas mãos dos tubarões), este Xatênefinho vai fazer sua felicidade e espantar a monotonia a qualquer hora que você precise. Duvida? Abra um sul americano do lado...

Saturday, January 30, 2021

Um borgoinha AoC a bom preço

Bourgogne Chardonnay AoC Jacques Charlet 2012

Enquanto escrevia a postagem passada, aproveitava da garrafa de um Bourgogne Chardonnay AoC Jacques Charlet 2012. Um borgoinha básico - AoC - vendido pela Vinho e Ponto que entrou em 'promo' neste janeiro: de R$ 229,00 por R$ 137,00. Borgonha, ainda que AoC, por esse preço... dá para arriscar. Nariz bem cítrico, na boca apresentou boa mineralidade, frescor e equilíbrio. Tem acidez e persistência médias, e são mais marcadas se servido resfriado apenas - não muito gelado, como costumam fazer com brancos em geral. Está adequado para R$ 137,00. Se tivesse pago o preço cheio, estaria um tanto triste. Jacques Clarlet é um négociant que produz vinhos por boa parte da Borgonha. Parece não ter vinhedos Premier ou Grand Cru, o que não é um pecado - é apenas uma constatação. Duas postagens num dia... esta ficou mais curta mesmo... vencido pelo cansaço.

Postagem dois em um

Introito

   Postagens se acumulando... desde outubro, na verdade 😲... e este travesti de blogueiro fazendo corpo mole... Algumas provas ficaram até sem foto... vai no fio do bigode. Além, claro, do testemunho de quem participou.

As noivas de Baco

   Quem se lembra da postagem As Noivas de Baco? Imaginei - coberto de razão - que as quatro garrafas de tintos e duas de espumantes não seriam suficientes para o... culto. Daí que preparei uma surpresa, degustada às cegas pelos demais bacantes. Estavam lá um Cabra Cega 2017 e um Lavradores da Reitoria Reserva 2015. Já havia degustado ambos com o Jairo da Vinho e Ponto, que representa o Cabra Cega, e as conclusões estão aqui. Para este momento, segui a recomendação do vendedor e aerei Cabra Cega, que foi aberto cerca de uma hora e meia antes da degustação principal. Lavradores da Feitoria é representado pela Enoeventos, e foi aberto somente uns 15 minutos antes de ser servido. Cabra Cega levava então umas três horas de aeração em garrafa. O grupo ficou um pouco dividido: quatro gostaram mais de Cabra Cega, dois gostaram mais de Lavradores. É necessário dizer que este que escreve - como da primeira vez - apreciou mais Lavradores, o que coloca o placar em 4 Cabras contra 3 Lavradores (sic). Preço por preço, Cabra = R$ 84,00, Lavradores = R$ 115,00, foi uma boa disputa. As Noivas (e vestais) saíram satisfeitas. Particularmente, achava que Lavradores fosse levar. Não foi o que se verificou. Viva a diversidade.

Experiências do Gustavo no Bistrô Graxaim

Gustavo, proprietário do Bistrô Graxaim, liga-me perguntando-me se toparia ser cobaia de um experimento culinário. Ô... 😃. Com luz ou sem... e olha que faltou uma hora antes... mas quando cheguei, tinha voltado. A proposta era experimentar um Steak Tartar à Brasileira, com castanhas torradas e condimentos típicos. Defendi-me com um Chateau Teyssier Grand Cru Saint Emilion 2011. O par fez uma boa harmonização, o Gustavo precisou se abaixar e roer um pouco do pé da mesa de madeira de raiva. Não conseguia acreditar como a harmonização dera tão certo. Insatisfeito, ainda comentou que não acreditava o pessoal ter gostado mais Cabra Cega. Ri-me...
   A safra 2011 não é uma grande safra de Bordeaux, mas também não é uma tragédia como aquelas de 2006, 2007 e 2008, que importadores energúmenos andaram socando no consumidor brasileiro até há algum tempo. Comprei uma em 'promo' a R$ 210,00, gostei e na promo seguinte comprei mais quatro. Aqui um comentário: a classificação de Saint-Émilion de 1955 é diferente daquela de 1855 do Médoc, de onde saíram os grandes Bordeaux franceses. Contudo, enquanto aquela é uma classificação estática, a de Saint-Émilion é atualizada a cada dez anos, mais ou menos. A classificação de 2006, copiando a dos Cru Bourgeois de 1932, também terminou em pancadaria, deixando as viradas de mesa dos nossos campeonatos de futebol parecendo missas de Páscoa. De qualquer maneira, ela apresentou os Premier Grand Cru Classé A e B, os Grand Cru Classé, os Former Cru Classé e finalmente os Grand Cru. Quer dizer, tem muita gente na frente de Chateau Teyssier Grand Cru, mas ele não deixa de ser um vinho honesto. Já havia experimentado dele aqui, e ainda com outra garrafa fiz um 'doelo' ('do', de dois) com o chileno Montes Alpha. Contudo aquela garrafa 'miou'. Acho que foi aberta logo que chegou do vendedor, balançada, agitada, esquentada e maltratada (sic), precisando de um descanso. Não sei se tem a ver. Como normalmente costumo guardar o vinho por algum tempo após sua chegada (seis meses, no mínimo), talvez aquela brincadeira tenha sido precipitada. Desta vez, ele se mostrou em toda sua gloria (sic! rs!). Estava bastante bom, similar à da outra postagem. Tem sido vendido por aí, na safra 2015, a R$ 400,00. Um nojo... 

Saturday, January 23, 2021

A mula sem cabeça, a cabeça do bacalhau e outras estórias

Introito

   Todos já ouvimos falar das Grandes Verdades que norteiam a existência e experiência humanas: o big bang, Deus, o fim do mundo, a infalibilidade do Papa, e a principal e mais importante delas, a verdade de que importadores são energúmenos. Também já ouvimos falar dos mitos: o mito da Caverna, do Dilúvio, os mitos cosmogônicos, Tor, Jesus, Buda, Batman, etc. E, finalmente, já ouvimos as estórias infantis de criaturas ou objetos comprovadamente inexistentes: o Boi Tatá, a Mula sem Cabeça, o Saci Pererê, o Boto Cor de Rosa e, por último mas não menos importante, o Crème brûlée do Flavitz. Encontrei-me com um deles na semana passada... surpreendam-se com a leitura... e já adianto que não foi um encontro bom o Boi Tatá...

Um evento despretensioso

   O Ghidelli tinha avisado: a filha voltaria de Portugal, e tinha um espaçinho na mala. Foi o suficiente para tentarmos - com sucesso! - acomodar 6 garrafas no exíguo espaço que gentilmente nos foi oferecido pela mocinha. A seleção ficou a cargo do Don Flavitxo, que se esmerou na tarefa (entenda-se: escolheu umas tralhas das quais nunca tinha ouvido falar...). Passado mais de um mês, tempo mínimo para o vinho descansar da viagem, fizemos a primeira reunião. O anúncio foi de cordeiro. Imaginei que Chianti fosse uma boa pedida. Conferi no Wine-Searcher e constatei que sim... e tinha o danadinho na alça de mira fazia algum tempo... Comunicado, o Ghidelli achou que já tínhamos 'muito vinho'. Foi a deixa para Don Flavitxo comparecer com mais um de seus branquinhos nojentos a título de entrada. O Ghidelli ainda aprende...

Primeiro ato: entrada

 
Não foi apenas Don Flavtxo quem se esmerou. A Márcia também, principalmente nas entradas. Pena que serviu-nos, experimentou um pouco de vinho e recolheu-se, deixando-nos abandonados e sozinhos com um uma maravilhosa entrada de queijo Brie com mel e lascas de amêndoas. Ao forno, acompanhado com extremo cuidado, estava no ponto quando foi servido: o queijo no limite de bem amolecido, o mel apenas um pouco quente e o acompanhamento de pão artesanal. Tivemos ainda um inesquecível figo com presunto parma, que só deixou uma dúvida: ainda não sei dizer quem estava melhor... Don Flavitxo não perdeu o tempo e já apresentou seu branquinho nojento: Um Vouvray produzido com a uva carro-chefe da região, a Chenin Blanc. Seu produtor é o Domaine Guy Saget.
Domaine Guy Saget Vouvray 2015 é um vinho que - dizem - carrega toda a tipicidade do Loire. É doce. Não o doce de sobremesa a que estamos acostumados (exclusivamente de sobremesa, embora também possa ser empregado como tal), mas o doce que acompanha muito bem uma variedade de pratos, desde a entrada até a própria sobremesa. Pois é... essa é a característica dos vinhos do Loire que a maioria dos bebedores - eu também... - não presta a devida atenção. Genericamente os Vouvray são coringas.... servem para tudo. Enquanto eu proclamava aos quatro ventos que era um branquinho nojento, Flavitxo defendia-se dizendo tratar-se de um bom produtor do Loire. Não duvido: o vinho de fato é delicioso: pareceu ter mel, frutas e um toque cítrico. Excelente acidez, toque mineral, tudo muito equilibrado, e casou muito bem com a entrada. Pena que lá fora seja um produto de aproximadamente 12 'dóla' (menos de R$ 70,00?), enquanto aqui chegue a R$ 230,00. Apesar da lamúria, esse foi só o começo...
Para acompanhar a entrada, outro coringa: O Buçaco Rosado 2018. Um Rosé (óbvio...) da Bairrada, produzido com a principal uva da região, a Baga. É vinificado pela Niepoort, um grande produtor de Portos que possui também diversos projetos em distintas regiões portuguesas. O Akira cafungou, cafungou e canfungou, terminando por apontar notas de... morango(!) e tinha mesmo... Bom frescor, boa acidez, também foi ótimo par com as entradas. Registre-se a pouca afinidade deste travesti de blogueiro com rosés. Continuo não gostando, mas é impossível não registrar que seja um ótimo vinho. Tem elegância, é equilibrado, combinou bem com todos os pratos. Apenas não me seduziu. Dentre minhas boca-tortices (sic), a de continuar à procura de um rosé que possa ser um ponto de virada ainda está por acontecer. É um vinho dos seus 35,00 Euros. Seu preço por aqui beira os R$ 900,00, o que justificou bastante sua inclusão na lista. O importador pode enfiar as garrafas que trouxe no meio da sua ideia do que seja 'mercado' de vinhos e que continue a vendê-las para os trouxas de plantão.

Prato principal

Vacilei na foto! 😟, daí que teremos de ficar somente com os vinhos. O escalado pelo Ghidelli foi o Quinta do Mouro 2013. Um vinho de Estremoz, cidade na região do Alentejo, corte algo inusitado de 55% Alicante Bouschet, 25% Aragonez, 10% Touriga Nacional e... 10% Cabernet Sauvignon(!). Nariz com fruta vermelha e mais notas que escaparam ao nariz deste Enochato mas foram bem destacadas pelo grupo. Algo na direção de café ou couro, para mim. Boca muito agradável, apesar de taninos ainda um tanto verdes - precisa de mais tempo em garrafa. Boa acidez, madeira e álcool bem integrados fazem um conjunto muito agradável, mas a impressão de que erramos um pouco a mão no momentum ficou no ar. É um vinho onde nota-se facilmente a potência - união de 14% de álcool com boa acidez mais taninos - e a elegância de mãos dadas. Acho quem mais cinco anos estará pronto. Antes, tem um nome: infanticídio... Na safra 2013 custa 'lá' 60,00 dóla. Aqui, nas safras 2015 e 2017, custa R$ 720,00 para o tar (sic) do 'confrade', e R$ 850,00 para o 'não-confrade. Você provavelmente seja 'não-confrade', assim como eu... também pudera, nesses preços não quero ser confrade de coisa alguma... Aquisição bem justificada, também. Da minha parte, tendei defender-me com um um chiantezinho, o Chianti Classico Fattoria di Felsina "Berardenga" 1999. Seu preço aqui é R$ 870,00 (safra 2012, que 'lá' custa cerca de USD 40,0...). Se a 2012 aqui já 'é' (sic) R$ 870,00, acho que a 1999 poderia ser dita... priceless (chique, heim?). Lembro sim que paguei por aí, uns US$ 45,00, há 10 anos... daria algo como R$ 100,00 a dóla da época... Hoje essa safra custa USD 100,00 lá fora. Conta de padeiro, seu preço aqui seria, na proporção, por volta de R$ 1.600,00. Um nojo... Ou, como diria, priceless... Bem, Fattoria di Felsina é considerado um baita produtor, e seu Berardenga é um 'vinhão'. O que mais dizer desse exemplar com 21 anos? Pronto pra beber, com jeitão de poder ser guardado por mais tempo. Não tenho tanta experiência, mas lembrou-me um Brunelão. Note: não um 'Brunelo', um 'Brunelão'! Don Flavitxo comentou - claro, com toda razão - que a uva é a mesma. A vinificação não. Mas olha, lembrou 'Brunelão'. Fruta negra, especiaria, um defumado de fundo, mas tudo bem presente e marcado. Corpo médio, mas muito vivo, uma 'potência elegante' dada pela ótima acidez e taninos muito bem definidos. Álcool (13,5%) imperceptível, traço de madeira, no sentido de otimamente integrada. Um vinho FVE, felicidade Verdadeiramente engarrafada. Mesmo pelos 100 dóla de hoje, vale cada centavo, entrega felicidade a cada cafungada, a cada gole.  Os dois vinhos combinaram à perfeição com o cordeiro... acho que nunca participei de uma harmonização tão bem preparada. Prova de que estava tudo perfeito foi o fato de que esses dias tive (mais) um perrengue com Don Flavitxo via uatizápi. Ele saiu-se com essa: - Só não brigo com você porque aquele Chianti estava duc@r@l...

A aparição da Mula sem Cabeça

Indo para o final, eis que surge a Mula sem Cabeça, digo, o Crème brûlée de Don Flavitxo. Conhecido e respeitado desde os melhores bistrôs de Paris até Aldebarã, há eons venho ouvindo promessas de que ele seria servido... e nunca... Mas chegou o dia.

Maçaricão na mão, paciência infinita, lá foi Don Flavitz 'temperar' sua iguaria, um total de 6 belíssimos exemplares. O anfitrião não deixou barato, e compareceu ainda com um Vidal Icenie 2014, da Lakeview Cellars. Produzido na região do Niágara, custa 'lá' seus 25 dóla e não tem representante no Brasil. Ainda bem, não passamos raiva... a raiva fica guardada para 'depois'; por enquanto estamos no terreno da felicidade. E "felicidade", mais uma vez, foram o prometido e o entregue. Notas de mel e cítricas muito bem definidas e acidez integrada, casaram à perfeição com o Crème brûlée de Don Flavitxo. Acho que tirando Berardenga, não foram os melhores vinhos que já bebi na vida, mas seguramente foi a melhor harmonização da qual jamais participei... preciso tentar outras dessa... Fini.






























Post scriptum

  Don Flavitxo vem se convertendo em um detrator do blog. É divertido, gosto de argumentar. E olha que já faz algum tempo. Ele vem lendo o blog linha a linha (duas vezes 😂), procurando pelo menor erro. Acho muito saudável, inclusive fico feliz em contar com uma 'revisão' de tamanha qualidade: Don Flavitxo conhece sobre vinhos há 30 anos, época em que este travesti de blogueiro bebia Ypióca e dizia que uma 'boa' (sic) cachaça era comparável a um uísque escocês 😳. Vemos que este articulista não renega seu passado, sua ignorância nem seus erros. E a isso chamamos honestidade intelectual. É para poucos, e, acrescento, infelizmente.
   Recentemente, Don Flavitxo apontou o segundo erro verdadeiramenta grotesco de minha parte, e provocou, perguntando se eu teria coragem de escrever uma errata. Vide, https://oenochato.blogspot.com/2020/12/o-meu-vinho-foi-melhor.html. Ah, e o meu vinho foi melhor mesmo. Costumo consultar a literatura, por não conseguir guardar tudo - grave pecado... 😝 -, mas a um dado momento confiei demais na memória. Paguei por isso.

Desta vez, Don Flavitxo indignou-se porque chamei o Quinta de Mouro de Quinta do Mouro (sic! risos!). Vamos lá, com calma. O Quinta do Mouro que bebemos é o Quinta do Mouro Rótulo Dourado. Foi assim mesmo que encontrei no Wine-Searcher (https://www.wine-searcher.com/find/quinta+mouro+rotulo+dourado+regional+alentejano+alentejo+portugal), porque tenho o cuidado de sempre conferir o rótulo do vinho e seu preço, para não cometer erro na avaliação o produto. Inicialmente achei estranho que o próprio Wine-Searcher apresentasse o rótulo dessa maneira, Rótulo Dourado'. Não bastasse isso, o próprio sítio do produtor apresenta o vinho dessa maneira, Golden Label. Mas... no rótulo do produto - vide postagem principal - isso não é destacado(!)😵. Então, vamos lá: o produtor não enfatiza seu principal vinho com a atenção que ele merece, além de um discreto 'Dourado' no contra-rótulo... e vou eu ficar 'babando ovo' para isso? Destaquei eu preço, 60 Euros, o que dá a dimensão de sua importância para quem percebe tais sutilezas. Então, deixemos claro que sim, notei o vinho que tinha em mãos (e boca). Apenas não aceito que tenha sido um erro em sua apresentação, porque simplesmente não foi. Aliás, Don Flavitxo voltou a atacar, desta vez escrevendo em italiano no comentário, como se falasse em nome do produtor. Foi realmente engraçado. Está aqui, https://oenochato.blogspot.com/2021/02/um-brunellinho-honesto.html.

Sunday, January 17, 2021

As Noivas de Baco

Introito

   Formou-se uma confraria em S. Carlos, auto-denominada Noivas de Baco. Este Enochato, conhecido e reconhecido pelas suas conexões diretas com a entidade divina, foi convocado para assumir o posto de Prelato da irmandade - o que muito nos envaidece. As Noivas de Baco (😂) são Eduardo, Evaldo, Gustavo e Ricardo, e o templo tem por vestais Dayane, Isa, Renata e Riana. Outros adoradores parecem estar professando seus votos justamente enquanto escrevo. A conferir...

Mentiras, blefes, falácias

Este Enochato é volta e meia acusado de mentir em suas postagens. Isso é obviamente a tentativa vil dos detratores deste espaço em desacreditar o articulista. Vamos lá: em praticamente todas as postagens onde denuncio o preço abusivo cobrado por algumas importadoras ou comento o bom preço ofertado por outras, as telas do sítio do vendedor nacional são apresentadas, bem como a comparação com ofertas do produto fora do país, notadamente nos EUA. A honestidade intelectual do blog não pode ser contestada. Os detratores podem gralhar, mas - já notaram? - nunca apresentam um único argumento para desqualificar os meus. Para confirmar que a confraria existe e este que vos escreve narra nada além da mais pura verdade, sendo efetivamente o fiel representante dos confrades junto à Entidade, segue a foto do primeiro culto onde todos erguem suas taças à representação de Baco imortalizado por Caravaggio. Calem-se os infiéis e os detratores que dizem-me mentiroso. Tudo o que se fala aqui é verdade, a mais pura verdade, com seu devido suporte.

Os trabalhos

Seguindo minhas recomendações enquanto ainda mundano - antes da Anunciação da posição deste que escreve como Prelato da Confraria - de promover uma iluminadora comparação de estilos, compramos, já na bléqui fraidi do ano passado, 4 garrafas. Muita covid rolou, contratempos, desencontros, e a degustação ficou para 2021. Como sinal de boas vindas, servi o já comentado Bacio della Luna Spumante Blanc de Blancs. O Ricardo apareceu com o Prosecco Valdorella, espumante com aroma de abacaxi, boa acidez, bom frescor e que, junto de Bacio, foi apreciado por todos. Walew, Ricaaaardo... prova de que a confraria vem se fortalecendo e os bacantes não vacilam em ofertar aos irmãos e irmãs provas de entrega e compartilhamento daquilo que vão amelhando em suas andanças por outras plagas.


Os astros principais do encontro foram dois tintos, comprados à guiza de comparação entre o estilo sul-americano e europeu. Caliterra Tributo Cabernet Sauvignon Single Vineyard 2016 é um produto da chinela Caliterra. Mostrou fruta (pareceu goiaba) e uma pimentinha sem-vergonha que a ficha técnica tentava dizer não advir da Carmenère. Sem sucesso; é aquela pimenta que lembra tabasco e denuncia essa malfadada uva em qualquer proporção acima de 0,2% (risos). Não, nem tanto. Até uns 2% seria suportável. Tem mais. Pode escrever (rs). Corpo médio, a falta de acidez deixa a boca ligeira. Não é ruim. Apenas não é bom... Pelo preço (qual seria?) é só mais um exemplo (o n-ésimo aqui comentado...) de que os vinhos chilenos estão demasiadamente caros, e continuar a consumi-los é perpetuar um erro que só a falta de informação - ou o obscurantismo absoluto - explicam. O segundo rótulo foi o Château Peyrabon 2015, bordôzinho (sic) do Huat-Médoc composto por 60% Cabernet Sauvignon, 30% Merlot, 6,5% Cabernet Franc, 3,5% Petit Verdot. Peyrabon é um Cru Bourgeois Supérieur. Nariz com boa fruta, algo como chocolate (café?) ou couro, taninos presentes e álcool aparecendo um pouco. Corpo médio, acidez presente, final não muito longo mas muito melhor do que Tributo, foi melhor na opinião unânime dos presentes. Pensei que teria de explicar um pouco o que seria a acidez e levar o grupo a refletir sobre ela, comparando ambos os vinhos, mas qual! Estão maduros o suficiente para, nesse nível de comparação, conseguir perceber com clareza a diferença qualitativa entre um vinho e outro. Baco gostou... 😊
 

Cru Bourgeois

   Nem cheguei a comentar com os discípulos o fato de Peyrabon ser um Cru Bourgeois. Essa classificação foi criada em 1932. Alguma brasilidade infestou os primeiros passos da iniciativa. O que deveria ser um júri independente que ordenaria os Châteaux que não foram incluídos na famosa classificação de 1855 logo estava contaminada por filhos, pais ou irmãos de produtores, quando não outras pessoas com interesses diretos neste ou naquele produtor. Assim, a tentativa de classificar cerca de 440 produtores foi por água abaixo, em meio a processos judiciais e outras brigas. Nova tentativa foi feita em 2003, listando 247 châteaux, e também acabou em pancadaria (risos), sendo anulada em 2007. Ela dividiu as propriedades em Crus Bourgeois Exceptionnels, Crus Bourgeois Supérieur e Crus Bourgeois. Em 2020, em ritmo de agora vai (rs), nova lista foi lançada. Peyrabon continua lá como Cru Bourgeois Supérieur. Sim, continua lá porque, ao contrário da classifiação de 1855, que é praticamente estática, a classificação dos Cru Bourgeois é dinâmica: sendo reavaliada periodicamente, os produtores não podem deixar o caximbo cair, sob pena de perderem importância ou mesmo deixarem a lista. Talvez haja momento que os Cru Bourgeois possam ameaçar a posição de alguns produtores da classificação de 1855. Se sim ou não pode motivar discussões apaixonadas, mas quem ganhará será o consumidor.

Saturday, January 9, 2021

Cedro do Noval 2010

Introito

   Pois é, postagens de acumulando, vamos tentando desovar... duas de uma vez. Enquanto terminava a anterior, bicava um pouco deste enquanto ele evoluía, e agora tem duas horas que foi aberto.

Cedro do Noval 2010

Cedro do Noval é produzido pela Quinta do Noval. Como boa parte dos produtores do Douro, essa quinta é conhecida e respeitava mundo afora pelos seus Portos. Cedro é uma linha mais básica. Acima, estão os Quinta do Noval Touriga Nacional e Petit Verdot. Depois, o Quinta do Noval Reserva. É um vinho dos seus 20 dóla. Poderia ser mais barato - é o pão-durismo falando - mas é honesto na faixa de preço. Briga bem com concorrentes internacionais, mas é isso: briga bem. Não come pela borda, nesse preço. Seu preço aqui varia bem, entre R$ 110,00-R$ 160,00, mas comprei safras recentes em uma 'promo' da hora, algo como R$ 95,00. Mesmo a R$ 120,00, é um vinho imbatível em nosso mercado. Solte o troglodita que você pensar em cima do Novalzinho (rs), e verá uma autêntica repetição de Davi contra Golias. Tá vendo, a estória do ser uma pouco mais barato? Se estivesse uns R$ 80,00, comprava (sic) uma caixa, 😂, sem pensar. Em sua safra 2010 - não lembro quanto paguei - tem boa fruta (vermelha e negra) algum mentol, algo na direção de café ou baunilha... na boca, tem o doce típico dos portugueses. O tanino amaciou, a acidez é média, tem boa permanência e o final está um pouco curto, mas é compensado pelo bom conjunto. Em ponto de ser consumido, não guarde mais, nesta safra. Não encontrei a composição - o sítio do produtor é um tanto pobre nesse sentido - mas declara a safra 2017 como um corte 55 % Touriga Nacional, 25 % Syrah, 15 % Touriga Franca, 5 % Tinto Cão. Se encontrar por aí por cento e pouco, experimente: é felicidade engarrafada.

Torre Oria Gran Reserva 2011

Introito

Beócios existem aos montes. Não tínhamos a noção de sua quantidade e da rasa profundidade de suas ideias porque antes eles ficavam circunscritos a seus círculos de mediocridade. O preço dos computadores, e depois dos celulares, caiu. A velocidade da internet aumentou, e as plataformas de comunicação apareceram. Foi quando os analfabetos deixaram suas tocas em hordas e começaram a exprimir suas opiniões abalizadas - abalizadíssimas! - sobre tudo e todos. Uma coisa são a democracia e a liberdade de expressão. Bem outra, são as confusões que chegam na esteira: direitos sem deveres, falta de ética, covardes em geral escondidos no anonimato mas querendo palpitar, e, o que é pior, a disposição em fazê-lo a qualquer custo, ainda que sem cuidado ao ler e nenhuma responsabilidade ao escrever. Não há problema. Scientia vinces.

Torre Oria Gran Reserva 2011

Com o medo de quem vê postagens se acumulando, vamos em ritmo de Brasil grande. Valência D.O.P. (Denominação de Origem Protegida) fica voltada para o Mediterrâneo, e um grande número de cepas são permitidas na produção de seus vinhos. Dentre os produtores, Torre Oria foi fundada em 1897. Produz uma gama de varietais, cava, crianza, gran reserva - não vi o reserva, deve deve existir... - Abri um Gran Reserva com o Akira no último final de semana. Enquanto corria a conversa, deu para notar, de cara, fruta vermelha viva e madeira sobrando um pouco. Algo que lembrava-me de ser marcado nos chilenos de antigamente. Não que em Torre Oria esteja em excesso... mas está evidente. Fazia tempo que não notava madeira tão pronunciada, ainda mais em europeus... e não que eles não tenham... é que costuma estar bem integrada; nota-se mas não aparece. Não penso que seja um defeito, é uma característica. Que não me agrada mais como no passado. Afinal... o leitor lembra-se de eu ter apontado essa característica recentemente? Pois é... aqui a madeira fica competindo um pouco com os taninos, e quebra a harmonia do conjunto.
   - Tem um toque herbáceo interessante - comentou o Akira. Cafungou mais um pouco  e continuou - Pimenta... - cafungou mais, ajeitou-se na cadeira: - Mas não é um Espanhol? Parece que tem Cabernet...
   Bem... Torre Oria Gran Reserva 2011 é um corte Tempranillo-Cabernet Sauvignon... Sua boca guarda um ligeiro adocicado, a madeira competindo com o tanino, como comentado. Paguei cerca de R$ 80,00, em 'promo', o que revela-se ótima compra para a faixa de preço. Lá fora custa algo como USD 10,00, o que denota bom preço por aqui. Mesmo a cerca de R$ 100,00, seu preço normal, seria uma boa opção para os sul-americanos.

Monday, January 4, 2021

O inferno é seu destino

Introito

   O título dessa postagem diz respeito às agruras que vivemos em 2020, e sugere o destino para este ano, um período ruim para todos. Se muito tem a ver com a covid, muito também tem a ver com seus efeitos colaterais: empresas quebrando, desemprego, falta de perspectiva... pitonisas prevendo o apocalipse... que o futuro não nos seja tão negro. Ainda que tenhamos de rezar...
   Não menos importante, o assunto de sempre - vinho - requer que alguns repousem no inferno. Tô nem aí (para a blasfêmia, claro), em bordão de alguém que a história já posicionou em seu devido lugar. Maravilhoso desinfetante, essa tal de história.
   Rodam pela internet opiniões abalizadas (muito poucas), mentiras (as que você lê aqui, por exemplo - risos!) - e uma miríade de babaquices. Uma que estava me incomodando teve Don Flavitz como vetor. Leu algures - e endossava - que o Tarapacá branco (Chardonnay), em sua versão mais simples, o Cosecha, seria um bom vinho, até comparável a Borgonhas. Vejamos... mesmo os chilenos (sic) já aprenderam sobre seleção dos vinhedos: os mais novos ou mais ruins fornecendo uvas para os vinhos mais simples; aqueles um pouco melhores provendo matéria prima de melhor qualidade para vinhos superiores, e as parcelas realmente boas sendo usadas para produzir vinhos icônicos. Tarapacá Cosecha é a linha 'chão de fábrica' dessa vinícola que já foi minha preferida. Durante os anos que a idolatrava, bebi todos seus vinhos, de Cosecha aos 'tops'. Felizmente, Cosecha apenas uma vez. Não era vinho, embora 'vinho' viesse escrito no rótulo...
   Não achando crível, mas de espírito aberto, paguei pra ver. Passei na Deliza, peguei um Tarapacá Chardonnay Reserva (nota: acima de Cosecha e abaixo do Reserva inda encontramos o León de Tarapaca e o Gran Tarapaca. Possuem varietais tintos e brancos), escondi sob embalagens de pão, presunto, queijo, salsichas e segui para o caixa discretamente. Tão logo a garrafa foi 'passada' pela caixa, já a embrulhei e dirigi-me à saída. Alí, um pé encostado numa coluna, o Will não deixou barato, comentando:
   - Eu sei o que você fez... - tenho dito por aí que 'nunca mais' compraria um chileno na vida. 
   - Já leu O Analista de Bagé, né? - cruzei a mão livre em frente à barriga, como se procurasse um 3oitão no bolso da calça. O Will riu e fez um gesto como dizendo 'Deixa prá lá'. Melhor mesmo... não coloco minha reputação em risco a troco de nada. Não? 😑

O evento

No dia 30, antecipando o final de ano, cometemos um ligeiro desatino. Nos reunimos a turma, os cinco. Cada um tem tomado os cuidados com isolamento, etc., etc., etc., e, sem sintomas, corremos o risco. As meninas, Carol, Rê e Dani, gostam de vinho, mas não se ligam muito no assunto. São bebedoras típicas: descompromissadas, sem preconceitos, bebem o que for servido de boa fé. Gostam ou não gostam, sob uma ótica absolutamente amadora. Não investem em vinho porque suas fontes de escravidão - para onde quer que apontem - apontam para outros lugares. Roupas? Perfumes? Viagens? Carro? Uma combinção não linear disso tudo? Só não é para vinho...
   Servi às cegas, primeiro o Tarapaca. Foi quase unânime: gostaram do primeiro. Acho que a Rê gostou mais do segundo na boca, somente. Posso estar errado. Ou mentindo... Recorri ao Akira. Ele não bebe, apenas 'cafunga'. Olhou-me por cima dos óculos - aquele espacinho entre a armação e a sobrancelha - e disparou: - O segundo é bem melhor... Perguntei se o segundo valeria o dobro. - No nariz? Sem dú-vi-da! - sim, ele separou as sílabas. As meninas se recolheram. Não, não se fecharam em copas. Apenas queriam saber melhor o que acontecia.
   Tarapacá Reserva 2019 tem um bom 'ataque'. Não que esse bom signifique 'bom'. Não! É muito, muito marcado, presente. Tipo... aquela cena de desenho, quando o personagem entreabre a porta devagar e é atropelado por uma locomotiva. Vinho não é isso. Acidez deixando a desejar - até para um branco -, boca simples, permanência muito rasteira. Vinho de uns R$ 75,00 contos (oscila entre R$ 80,00 a R$ 100,00; paguei 'barato'). O segundo, Terres Secrètes Pouilly-Fuissé 2016 já comentei. Daí ficou difícil para o concorrente. Muito mais equilíbrio, melhor permanência, combinou bem com os queijos, mostrando as sutilezas típicas de um bom Borgoinha básico. Paguei um pouco menos de R$ 150,0. É muito mais vinho, no nariz e na boca. Assim é como estamos: vinhos fracos passando por bons, perante alguma ingenuidade dos provadores. Ingenuidade não é crime nem pecado. É onde, no caso do vinho, produtores se aproveitam para cobrar os tubos por seus produtos. Certo, quem não atenta muito vai preferir pagar R$ 80,00 a R$ 100,00, ainda mais quando a segunda opção requer mais atenção e treino de paladar, 'especialidades' onde muitos não estão dispostos a investir

A segunda parte foi melhor - não que o borgoinha não tenha salvado a pátria (rs). Mas a Carol e a Rê se esmeraram na produção de um salmão com risoto... que acompanhados por um Zind-Humbrecht Riesling Turckheim 2018 e um espumante Kompassus Rosé 2011 foram suficientes para a paz voltar aos corações e mentes de todos. Zind-Humbrecht chega a ser considerado o melhor produtor da Alsácia. Seu detratores (rs) dizem que o melhor é o Maison Trimbach. Para este travesti de blogueiro, será que faz diferença provar do melhor ou do segundo melhor Riesling da região mais icônica que cultiva essa cepa? Veio com um frescor muito vivo, notas cítricas no nariz repetindo-se na boca, acidez bem presente, boa persistência. Novo, mas bem 'bebível'. Deve melhorar com mais alguns anos. Fez ótimo par com o salmão. Kompassus Rosé não ficou atrás: corte de Baga, Touriga Nacional, Pinot Noir e produzido pelo método tradicional, não mostrou a idade. Bom frescor, nariz com abacaxi(?), boca equilibrada, boa acidez, também combinou com o salmão. Kompassus está 'acabado', pronto para consumir. Indicativo de que não precisa (talvez não deva...) ser guardado por mais tempo. O fechamento foi a sobremesa feita pela Dani, bombom de morango na travessa, acompanhado por um Sauternes. Pela extensão da postagem, outra hora falo dele. Mas combinou muito bem... 😋

Friday, January 1, 2021

A última postagem do ano, mas faltaram algumas...

Introito

Por compromissos profissionais, a falta de tempo impediu algumas postagens recentes. Inclusive a degustação de antes de ontem, que pela combinação de branco + tinto foi a melhor do ano. Mas tive outras grandes oportunidades em 2020. Deixaram saudades o  Gourt de Mautens, o Chablis Côte de Léchet 2016, o Clos Mogador, o Château Montrose e seu belo rival, o Quilceda Creek, o Aubert, o Xatenêfi (sic) du Papai (rs) La Janasse e outros que cometerei o desatino de não mencionar. Depois de mais de uma década aguardando com paciência, minha adega chegou (no ponto). Espero poder desfrutar dela nos anos vindouros, com ou sem covid e com alguns confrades à mesa. A todos os inesperados leitores fica, desde já, os votos em um bom 2021, melhor que 2020... e pior que 2022... 

O Vale de Barossa

  Conhecido como Barossa Valley, é a mais famosa região vitivinícola da Austrália. Outras regiões igual importância são Margaret River e o McLaren Vale (sim, aqui é Vale, enquanto Barossa é Valley...). Barossa abriga vinícolas como Penfolds, Peter Lehmann, Greenock Creek, Torbreck, Two Hands, John Duval, Yalumba, Jacob's Creek, Henschke e muitas dezenas mais. A Shiraz é o carro-chefe, na forma varietal ou em corte de Grenache e Mourvedre - o famoso GSM tão característico do sul do Rhône. Naquelas quebradas, a Mourvedre é conhecida por Mataro. A  Cabernet Sauvignon também está lá, e parece que produz vinhos bem potentes.

Greenock Creek e Alices Shiraz 2004

Greenock Creek produz vários varietais, de Mourvedre, de Cabernet Sauvignon e de Shiraz. Dentre eles, Alices Shiraz é um vinho intermediário. Abre (30 minutos sem decantador) com nariz muito marcado, frutas negras e vermelhas, madeira presente mas sem sobrepujar a fruta - aliás, é contida. Nada daquilo que os chilenos foram um dia, para quem lembra-se de exemplares como Marquês de Casa Concha e Notas de Guarda, dentre muitos outros, da primeira década do século. O álcool escapou discretamente. Mas com 15%... e olha que ainda sobrava açúcar... O Akira chegou depois da segunda hora, notou ainda - com razão, estava evidente - mentol e, em suas palavras, 'aquilo que você chama de café'. Um tanto doce, também, que ele 'garantiu' (sic): sumiria. O nariz é realmente complexo, multicamadas. Mais ou menos o que dizemos por aí quando nos referimos a 'vinhões'. A Wine Advocate concedeu-lhe 98 pontos. Bate com o que já ouvi algum produtor bordalês falar sobre ele: - Parker gosta de mulheres de seios fartos e lábios carnudos. A Wine-Enthusiast outorgou-lhe 95, enquanto CellarTracker decretou 90. CellarTracker tem bons comentários, mas às vezes parece o Vivino... É assunto para outro momento. Na boca, acidez equilibrada, taninos bem presentes e marcados, sem excessos. Imagino que com 10 anos ainda deveria ser uma paulada. É um representante do estilo australiano em bom momento. No dia seguinte - quando escrevo - parte do dulçor havia baixado bem. Akira 'garantira' que sumiria... No 😔. Mas realmente baixou bem... O chocolate (café?) subiu. A persistência continuou a mesma: longa, marcante. Entre as notas, acho que um 95 é não apenas merecido, mas meritório. Note que não apenas 'sobreviveu' ao dia seguinte, como 'evoluiu'. É para poucos. Por USD 80,00, tem obrigação e cumpre o esperado: é felicidade engarrafada.

Não satisfeito - e oras, ainda queria um bom tanto de Alice sobrando para o dia seguinte e desejava também continuar a beber com o Akira - puxei um Portinho. Prime's Tawny é um Porto sem vintage declarada. A falta da safra não é irregular nem indicativo de baixa qualidade em Portos. Pelo contrário: a declaração da safra é que torna-se indicativo de algo mais especial. Porto merece uma postagem melhor, qualquer hora. Está aberto desde o Natal, tem boa fruta equilibrada com os 19,5% de álcool - característico do estilo. Na bléqui-fraid da Vinho e Ponto saiu por uns R$ 65,00 ou algo assim. Para qualquer vinho do Porto, um preção. Quem comprar agora, vai adquirir um bom produto na média de preço do mercado - o que, para um bom exemplar, ainda é atraente. Portos similares estão custando, em supermercados, R$ 120,00-R$ 130,00. Seu produtor é a Sociedade Agrícola e Comercial dos Vinhos Messias, ou simplesmente Messias, de muita fama aqui no Brasil. Produz vinhos em várias regiões demarcadas: Douro, Bairrada, Dão, Vinho Verde, espumantes, Portos colheita, vintage e não-vintage em brancos, tintos e rosés, e é um produtor de boa aceitação. Se você é um fresco (rs) que só bebe Taylor's, Churchill e Fladgate, não venha dizer que Messias é inferior; esses é que estão na linha de ponta na produção de Portos. Feliz 2021...