Wednesday, April 29, 2020

12 Volts 2013, Irurtia Varietales 2015, La Vicalanda Reserva 2009, Millstream 2016

Introito

   Conheci o Jairo há algum tempo, quando bateu um interesse momentâneo sobre café. Alguém me falou de um lugar onde se preparava a bebida de diversas maneiras. Curioso, lá fui eu saber um pouco mais... e para minha sorte chego ao Shot Café em um dos turnos do Jairo. Com o entusiasmo de quem está fazendo pela primeira vez, ele apresentou-me as diversas formas de preparo, cada uma enfatizando mais determinada característica do grão. Trabalhando sempre com a marca Fazenda Pessegueiro, ele fez questão de explicar o motivo da sólida parceria. Quem desejar saber, que dê uma passada por lá. Ele não se cansa de falar sobre café. Mais ou menos como eu, quando o assunto é vinho...
   Eis que naquele mesmo dia estabelecemos outra conexão: a admiração do Jairo pelo vinho. Ao longo de algum tempo ficamos conhecendo um pouco mais sobre a paixão de um e outro - além do gosto esporádico pelo seu complementar, o vinho para um e o café para outro. No início de 2020 nos encontramos depois de algum tempo sem contato, e então recebo a boa nova:
   - Carlos, agora estou também no ramo de vinho...
   - Castigo ou maldição? - disparei de primeira.
   - Ainda não sei - respondeu ele parando para pensar um instante (risos!) - foi na esteira de uma loja de café...
   O Jairo adquirira uma loja que trabalhava com vinho, chocolate e café. A escolha fora decidida mais pelo ponto e em função de sua expertise; a missão, agora, seria colocar tudo para funcionar como ele planejara. Bem-vindo mais um player a esse mercado tão difícil... Claro, quando ele falou onde era, percebi no ato: no Vinho e Ponto, famosa franquia de vinhos.
   - Eu sei que como loja de vinho, tem a fama de ser careira - comentou ele de saída. - Preciso ver com calma o que farei a respeito.
   Depois chegou o Corona vírus e estragou tudo. Até este último final de semana, quando me toca o fone:
   - Carlos, é o Jairo. Há quanto tempo você não sai de casa?
   - O suficiente - respondi, lacônico.
   - Pronto para um pecado?
   - Ô!
   - Um asado, hoje à noite.
   - Asado assado?
   - Sim senhor. Oito horas.
   Foi justamente no dia seguinte ao que eu abrira o La Vicalanda Reserva... e comentara que ele ficaria bom com um bifão... Nada é por acaso, e depois de um bom tempo saindo de casa apenas para o supermercado, achei que poderia provocar o palhaço de fraque do Palácio dos Bandeirantes.

Vinhos leves e outros nem tanto...

   Cheguei à residência do Jairo às 20:00, e ele já estava com seu vinho aberto. A encantadora Stela também participou da degustação, e me fez algumas perguntas interessantes Por exemplo, como eu escolhia um vinho para beber num dado dia... Nunca tinha pensado muito nisso, foi quase sempre à base do 'é tu', e pronto... O que será que norteia isso em mim? Perguntou seu eu tinha algum vinho que é (era) meu 'xodó'. Tinha e tenho. Mas... não faço a menor cerimônia para rifá-lo! E, rifado, algum outro da minha adega será meu novo xodó. E assim caminha a insanidade...
   O vinho do Jairo era um uruguaio: Irurtia Varietales 2015, produzido pela Família Irurtia. Originária do País Basco, está em sua quarta geração à frente da bodega. Localizada em Carmelo, produz uma gama de sete linhas, cada qual com suas cepas. A garrafa em questão é uma mescla Syrah-Tannat, com 12,5% de álcool. Como Syrah vem primeiro, deve estar em maior proporção. O sítio do produtor é bem organizado, mas não traz a informação. Mas a Tannat está por cima da Syrah. Não é um defeito, é uma constatação. Defeito mesmo (risos), é insistirmos (nós, sul-americanos) em produzir varietais (Tannat, Carménère, Petit Verdot) de uvas que, na origem, são partes minoritárias dos cortes. Em Varietales, a Tannat está lá, bem presente. Poderia ter menos, só que é uma questão de gosto. Baixa acidez - como quase todos os sul-americanos -, mas bom corpo pelos taninos bem presentes. É uma boa opção para um churrasco descontraído, então o Jairo acertou em cheio.
   O problema foi que levei o La Vicalanda Reserva 2009. Tinha aberto e bebido metade no dia anterior. Bem, aí falamos de um Rioja de alguma estirpe (rs), já respirado, e casou muito, mas muito bem com o asado. No dia seguinte depois de aberto estava completamente, perfeitamente, docemente aprazível. Dizem que o vinho, no dia seguinte, estará estragado. Grande verdade. Para uns 90% dos vinhos que tem por aí. Tem vinho ruim mundo afora, heim? Tem. La Vicalanda não é um deles... nem usei bomba de vácuo, ficou arrolhado na porta geladeira mesmo, e sobreviveu muito bem. Já era esperado...
   Como levara um vinho aberto, claro, também seria cortês levar um fechado... Quer dizer, aberto também, porque botei pra respirar. Melhor seria dizer 'cheio até a boca' - rs! E não poderia levar algo inferior, né? Escolhi uma garrafa que deixou todos literalmente chocados (sic): o 12 Volts 2013. Produzido pela vinícola 4kilos (assim mesmo), localizada nas Baleares, mais precisamente em Mallorca. Composição 90% Callet, 10% Manto Negro (alguém conhece?), é esquisito. No sentido de requintado, note o espanhol sendo citado desde asado... não tem como: subindo a acidez, a característica do vinho muda. Boa fruta, madeira bem afinada, está pronto para beber. Pode guardar um pouco mais, mas não arriscaria mais cinco anos. Você tem? Beba. Como diz o Flavio Vinhobão, melhor um ano antes do que um dia depois...
  Todos felizes, conversando animados, o Jairo aparece com a quarta garrafa e serve sem mostrar. Coloquei na boca depois de uma cuidadosa cafungada e disparei:
   - Cabernet...
   - Né não...- ouvi.
   - Tô surpreso... pica igual... não é meu melhor chute... é meu único!
   O Jairo mostrou a garrafa e li que era sul-africano: Millstream 2016. Pinotage. Nada a ver com os outros (poucos) Pinotage que experimentei até hoje. Pelo menos tentando puxar pela memória, que anda mais para vaga lembrança... Acidez também um pouco baixa, mas menos doce e com bom corpo, frutas bem evidentes, bem equilibrado. Boca melhor que muitos sul-americanos: a persistência é um pouco melhor. Não encontrei o sítio do produtor, infelizmente. Ambos os vinhos servidos pelo Jairo são importados pela Vinho e Ponto. O sítio deles está em manutenção, não pude conferir os preços. Mas o próprio Jairo tem consciência de que os produtos estão um tanto acima da média, em termos de markup. Aguardemos que limonada ele poderá fazer desse limão. Vinho por vinho, e guardando as proporções - se vou abrir uma garrafa, via de regra é europeu - Millstream e Irurtia Varietales são propostas interessantes. Disse que o sítio está em manutenção? Nada como confirmar para o leitor. Não foi falta de coragem em avaliar os vinhos até a última gota (sic).
Sítio da Vinho e Ponto, anunciando novo site e sem possibilidade de busca de preços.




Tuesday, April 28, 2020

Um "pega pá capá" à portuguesa

Introito

   Gosto de vinhos portugueses. Sempre gostei, aliás. Nos anos 80, já eram comuns em supermercados de rede os exemplares da Bairrada. Não deviam ser grande coisa, mas este experimentador também não o era. Não naquela época. E não que o seja hoje, mas pelo menos atualmente ele tem alguma noção da própria ignorância e um pouco de senso crítico, o que, convenhamos, é um avanço e tanto. Havia também o Casal Garcia e o Calamares, que faziam muito sucesso entre o público, e o Lancers, menos famoso, tinha seu séquito apoiado no 'charme' da apresentação em garrafa que imitava terracota. Quem procurava tintos, encostava-se naqueles exemplares de Bairrada e Dão, estes representados pelo Catedral e Grão Vasco. Tinha, ainda, o indefectível Periquita - quem não conheceu, naquela época? Ainda vejo por aí, só me pergunto se tem a mesma aceitação no mercado atual. A quantidade de opções cresceu bastante...
   Sim, as opções apareceram. Seu crescimento foi desordenado, infelizmente. Esse "desordenado, infelizmente" vem do fato que as opções cresceram, mas o consumidor não foi tão beneficiado assim. Importadoras com margens pornográficas estabeleceram-na mais ou menos naquele momento, e o consumidor não tinha noção do quanto precisaria estar atento. Descobrir marcas de menor markup, ou de um markup minimamente 'honesto' deve ser exercício diário do bom consumidor neste país, mas isso só ficou mais claro com o advento da internet, quando pudemos começar a notar o preço dos produtos lá fora. As coisas aqui (no Brasil) são muito distorcidas. De longe, as mais (distorcidas), dentre os países que poderíamos chamar de 'potências'. Infelizmente. Aliás, pelos acontecimentos recentes - recentíssimos - estamos nos afastando cada vez mais do patamar que nos permitiria aspirar a tal designação.
   Um detalhe chato é que em S. Carlos - e região - os rótulos quase não mudam. Às vezes aparecem algumas novidades, em alguma degustação. E então essas 'novidades' acabam por tornar-se as novas 'carnes de vaca'. Ou seja: a disponibilidade de rótulos parece seguir-se a um certo crescimento do número de consumidores, mas também parece ficar limitada a eles! O resultado essa inércia dos lojistas, a médio/longo prazo (digo, desde 2010 para cá, mais ou menos), acabou sendo devastador para os próprios lojistas: muitos consumidores começaram a enveredar-se pela internet, foram apreciando outras opções - boas compras ou não - e percebendo que, em essência, dependiam muito pouco - ou nada - dos lojistas daqui.
   Desde sempre sou a favor do lojista. É ele quem promove - quando as promove - degustações para estarmos em contato com produtos e produtores. Não há melhor experiência do que vivenciar in loco um momento onde podemos 'emergir' em nossa bebida preferida, trocar ideias com 'amigos-bebedores' e conhecer outros. Mas o lojista também precisa perceber que ele é quem está ao nosso serviço, e não nós ao dele. A inversão dessa regra extremamente simples permitiu que o gado escapasse para o campo. E, rebelde, parece prometer cada vez mais que não voltará...
   Também é preciso comentar que o preço da 'imersão' proporcionado por uma degustação não pode ser a eterna submissão aos mesmos produtores, trocando-se apenas a safra. Já há muito tempo não quero mais a safra nova do velho vinho. Quero a safra velha do vinho novo. Para quem faz sentido, ótimo; não estou a fim de desenhar hoje.
   Como argumentos derradeiros, dois depoimentos:
   O do Flávio 'Vinhobão' (o Don Flavitxo de tantas postagens): um dos primeiros compradores do sítio da Wine tão logo ela apareceu no mercado, Flávio, que mora em condomínio, passou pelas fases de ser parado na portaria para receber sua caixa de vinhos, e notar que lá só estava a dele, para uma situação, já de anos atrás (quando ele contou-me a história), onde chegava a receber por engano a caixa de outro, dadas tantas outras que aguardavam seu feliz proprietário na 'casinha' do porteiro. E, pela conversa dele com os porteiros, 'é todo dia assim'!
   O meu próprio depoimento: comecei a 'acessar' chilenos um pouco melhores lá por 2004, quando passei a visitar o país regularmente por conta de velhas amizades enfim recobradas. Trazia, por USD 20,00 (ou menos), naquela época menos de R$ 40,00, vinhos que aqui custavam R$ 100,00-R$ 130,00. Eram vinhos que eu chamava várias pessoas a degustar e dividia com elas pelo custo 'de lá'. Aliado a isso, comecei a ler sobre vinhos e produtores, o que ninguém fazia. Citando de cabeça algumas regiões e uvas dentro delas, os confrades começaram a acreditar (risos!) que eu sabia mesmo sobre vinho. Sem maldade. O foco deles apenas era diferente: gostavam de vinho, mas não liam sobre. Mais do que justo, não queriam ser especialistas. Mas chamou-me a atenção quando muitas dessas pessoas, ao começarem a se 'desgarrar' do mercado local, vinham partilhar comigo - no encontro casual em algum restaurante, ou até nas próprias degustações locais(!) - a boa nova de terem encontrado um lugar 'assim e assado' em S. Paulo, na maior parte das vezes, com vinhos diferentes e preços melhores... sacou?

Embate de 'gigantes'

   Essa degustação aconteceu há algum tempo. Não avisei ao Flavitxo que levasse um portuga; disse apenas que levasse algo 'bom'. Flavitxo, como de hábito a tais chamados, não se fez de rogado: compareceu em alto estilo e fomos todos beneficiados pelo acaso. Mas voltemos ao começo.
  Um belo dia acordei com a pá virada (rs!) e resolvi que alguém pagaria o pato. Andava de marcação com 'ele', de modo que nem posso negar ter sido um 'caso pensado'. Combinei com a turma uma degustação às cegas; todos toparam. O convite ao Flávio veio depois. Estava era com desejo de experimentar mais um Xisto Roquette... e assim que preparei a 'brincadeira':
   Claro, levei todas as garrafas devidamente embaladas em papel alumínio. Don Flavitxo faria o mesmo. Vamos lá:
   Xisto Ilimitado (2016) e Xisto Cru (2014): lavras durienses de Luis Seabra, que deixou seu posto na respeitabilíssima Niepoort para tornar-se dono da sua própria marca, emprega principalmente - mas não apenas - as consagradas Touriga Franca e Alicante Bouchet. Preços na importadora: R$ 165,00 e R$ 383,00, respectivamente. A confirmação, como de hábito:

   Quinta do Crasto Reserva Vinhas Velhas (2008) e Xisto Roquette e Cazes (2005): mais durienses, desta vez produzidos pela famosa Quinta do Crasto. É um grande produtor da região, mas nem por isso seus vinhos deixam de ser bem acabados. Vinhas Velhas tem uma produção realmente grande, 80.000-90.000 garrafas. Já Xisto Roquette e Cazes é produzido apenas em safras específicas - foram apenas oito desde 2003, sendo 2015 a última safra disponível. O sítio da Qualimpor - importadora dos proprietários da própria Quinta do Crasto, que são os mesmos da Herdade do Esporão, também por ela representados - não traz mais os preços dos vinhos. Assim, precisamos apelar para o wine-searcher. Vinhas Velhas: entre R$ 332,00 e R$ 583,00. Xisto Roquette e Cases: entre R$ 779,90 e R$ 1.398,90. Pow, chega a quase 100% de variação. Para efeito de idoneidade e registro,


   O Xisto Roquette e o Vinhas Velhas passaram por aerador. Ambos do Luis Seabra respiraram em garrafa. Duas horas e pouco para todos. Em seis pessoas, as cinco garrafas serviram a todos e sobrou um pouco de cada. O Flávio comparecera com um Quinta do Noval, vinho de excelente produtor.

   Digno de nota, a certa altura puxei o Flávio de lado e perguntei o que ele achava dos vinhos. Dos dois primeiros (Xisto Ilimitado e Quinta do Crasto Reserva Vinhas Velhas), comentou que o primeiro parecia-se muito com o... Xisto Ilimitado(!), que ele experimentara há alguns meses e achara muito 'justo'. O segundo, identificou como duriense (!), e disse que estava muito bom. Melhor do que o primeiro. O terceiro, achou que poderia ser espanhol. O quarto (Roquette e Cazes), cravou duriense também(!). O quinto era o vinho dele.
   Na opinião dos bebedores - e isso foi quase unânime - o primeiro vinho ficou abaixo do segundo. Havia clara superioridade, mas era de 'um degrau'. Já o terceiro (Xisto Cru), foi considerado bem superior ao segundo, e próximo do quarto (Roquette e Cazes). O quinto foi considerado por todos o melhor, sem margem para discussão. O quinto era, portanto, o Quinta do Noval.
   Isso não se reflete nos preços dos vinhos, nem 'cá' e nem 'lá':
   Quinta do Crasto Reserva Vinhas Velhas, 25,00 €/R$ 332,00 e R$ 583,00
   Xisto Roquette e Cazes, 71,00 /R$ 779,90 e R$ 1.398,90
   Xisto Ilimitado, 12,50 €/R$ 165,00
   Xisto Cru, 33,00 /R$ 383,00
   Quinta do Noval, 54,00  / não encontrei estimativa para essa versão do Noval; recentemente aportou por aqui um Quinta do Noval Reserva, mas não tenho certeza de ser o mesmo.

   Outro fato digno de nota: logo que abri o primeiro vinho, o Flávio, com um sorriso maroto - ele chutara para o grupo que aquele poderia ser um Xisto Ilimitado - levanta o dedo e avisa:
   - Então vou reformar minha opinião que dei ao Carlão em reservado. O terceiro é o Xisto Cru.
   E era mesmo...
   Preciso falar de qualidade dos vinhos, de terroir? O Flavio cravou a origem todos... São vinhos de bom equilíbrio, boa boca, bom nariz, prontos para beber (também... um Roquette 2005...).

Conclusão

  Este 'mega embate' (risos!) comprova, mais uma vez e para náusea dos seguidores, aquilo que venho 'batendo' desde... sempre?: belos vinhos, em regime de péssimas compras, não proporcionam um prazer proporcional ao preço. O problema é que isso só fica mais evidente quando se faz uma comparação de 'alto nível', quer dizer, quando se tem a oportunidade de apreciar vinhos de padrão semelhante - neste caso, Xisto Cru, Roquette e Cazes e Quinta do Noval. Percebemos que, 'preço lá', a diferença entre  Xisto Cru e Quinta do Noval simplesmente... 'faz sentido': Noval é superior, portanto 'vale' mais.  E o preço de Xisto Roquette e Cazes parece mais uma piada - infelizmente. E olha, estou dizendo 'lá'! Ainda 'preço lá', Xisto Ilimitado é uma ótima compra, já que custa a metade (aqui também!), por apenas 'um degrau' abaixo, quando comparado com Quinta do Crasto Reserva Vinhas Velhas. Onde se tem uma concorrência 'porta a porta' - você sai da porta de um produtor e entra na porta de outro -, os preços tendem a ser mais equilibrados.
   Desnecessário declarar, mas vamos lá: nada tenho de pessoal contra ou a favor de qualquer um dos produtores. Aliás, conheço pessoalmente o pessoal do Crasto/Esporão, e desconheço completamente o senhor Luis Seabra. Aqui está expressa apenas a opinião. E não somente a minha! Depois, paguei por todas as garrafas (não sei o Flávio - risos). E não é porque paguei mais por um vinho que mostrou-se inferior que vou falar mal dele. Reafirmando, a percepção dos vinhos foi praticamente unânime. Por conclusão, os vinhos do Crasto são bons, mas a esse preço são péssimas compras. Diminua-se o preço a ponto de torná-los competitivos, e reformo minha opinião no dia seguinte. Não, não. No mesmo dia.
   Não tenho nada contra o produtor querer valorar seu produto. Afinal, se ele tem belos olhos, o produto dele deve valer mais, não é mesmo? Se a última declaração está certa ou errada (risos), é apenas plenamente discutível (gargalhadas!). Mas nada como uma avaliação corajosa e independente para posicionar as coisas nos devidos lugares. É mais ou menos como o caso do Sassicaia: é bom? É. Vale USD 215,00? Never... mas tem quem pague. A isso, chamamos 'mercado'.

Saturday, April 25, 2020

A verdade sobre uma degustação que foi 'forte': Barolo Rocche dei Manzoni Big 'd Big 2001, La Rioja Alta 904 2009, Cain Five 1998 e El Vinculo Paraje La Golosa 2003

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Introito

  Há muito, muito tempo, em uma galáxia distante... Não! Isso é outro assunto... também faz tempo que aconteceu, mas nem tanto... e está documentado pelo Don Flavitxo Gambero aqui. Foi quando o João Paulo chamou seleta comitiva - não tão seleta assim, já que eu estava lá, como neófito - para apreciar um Barolo Paolo Scavino Carobric 1997. Havia experimentado poucos Barolos até então - e mesmo depois (risos!). Coincidentemente, conhecera o Big'd Big no Wine Tour da Interfood poucos meses antes! Voltando... o João chamou para o Paulo Scavino, fato que mais tarde rendeu-lhe o apelido João Paulo Scavino e até gerou uma comparação engraçada... não! Voltando de vez, agora! Com poucos vinhos prontos para beber, levei um modesto ViBO'07. O encontro foi memorável, e, senso de gratidão, ao sair senti que ficara em débito com o João. Demoraria para retribuir, mas o mundo dá suas voltas, os vinhos envelhecem, e em uma galáxia distante... Chega! Diabos (sic), preciso exorcizar algum demônio!
   Está bom, eis que, em algum momento de 2018, dou de cara bom um Big'd Big 2001. Lembrei da experiência que tivera na Interfood e pensei que seria uma ótima retribuição para o outro evento de tantos anos. Como chamaria o Akira, decidi que levaria a segunda garrafa pela cota dele: maquinara uma comparação que, acreditava, seria interessante. Conversei com Don Flavitxo Gambero sem adiantar quais seriam os vinhos. Ele ouviu a proposta com toda a ponta e circunstância para emendar no final:
   - Mas claro, meu jovem. Façamos sua vontade... Se você tem como diz, há, há, dois bons vinhos para molhar nossas gargantas, vamos nos reunir.
   - Sim, Don Flavitxo, sim, então no restaurante para um bifão. Espero surpreendê-los positivamente...
   - Vamos tentar, meu caro, vamos tentar... Até lá, então...

A motivação da brincadeira

   Desde há muito, muito tempo, em uma galáxia distante... não! Não é isso! De volta! Desde há muito tempo ouvimos dizer que o Velho Mundo é a "casa" do vinho. Os melhores vinhos do mundo seriam, na ordem, os produzidos na França, Itália, Espanha e Portugal; depois, o 'resto' que se degladiasse pelo quinto lugar. A despeito, claro, do incômodo resultado do tal Julgamento de Paris, quando dois americanos (tinto e branco) venceram vinhos franceses em degustação às cegas e com a maior parte dos jurados - quase todos, parece - francófonos. A discussão na época foi que os vinhos eram novos, e os franceses precisam de mais tempo para desabrochar. Reza uma lenda sobre nova prova uns dez anos depois, com outra vitória americana. Estariam no júri o Saci e a Mula Sem Cabeça (como ela provou?!), parece. Tendo a não acreditar.
   Bem, na mesma compra do Barolo eu havia pedido para a Alexandra Harner, da Benchmark Wine, a sugestão de alguma gema norte-americana. Ela sugeriu o Cain Five 1998, um vinho de USD 99,00, ao qual o Parker dera parcos 91 pontos.  Lembrei de um Châteauneuf-du-Pape de 98 pontos que eu comprara anos antes, pelos iguais USD 99,00. Franzi a testa por apenas um segundo, poque acima disso lembrei-me de outra dica muitos anos antes, em NY, quando o sommelier de uma lojinha da 98 com a Segunda me sugerira assim:
   - Se o senhor quer  gastar USD 30,00 em um vinho, então gaste USD 36,00 e leve este Slow Lane Cab.
    E foi uma experiência maravilhosa, até porque eu levara também o vinho de USD 30,00, e, apesar de bom, estava degraus baixo. De maneira que não tive um pingo de dúvida:
   - Alexandra, coloque o Cain Five na minha caixa, por favor... - e paguei para ver...

O encontro

   Finalmente estávamos os quatro à beira de uma mesa, dois vinhos devidamente embalados, cada um com duas taças servidas. O Barolo, havia aerado umas 4 ou 5 horas. Tive medo de aerar o Cain Five mais de duas horas. O João pegou a taça que ele não sabia ser de Barolo. Fez uma careta de satisfação:
   - Bom vinho... olha só - olhando direto para mim - que bom...
   - Barolo - ditou Don Flavitxo  assim sem mais, de primeira, logo após levá-lo ao nariz.
   - Na hipótese de ser, é Barolinho, Barolo ou Barolão? - provoquei.
   - Oohh... Barolão... belíssimo Barolo. Acertou meu gosto em cheio, jovem...
  Cada um provou um pouco, comentamos sobre as características, e voltei a provocar:
   - Agora vamos ao segundo.
   Don Flavitxo cafungou. Cafungou novamente, e abriu um sorriso largo. Disse que aquele garrafa também estava espetacular. E, para surpresa geral, começou a dançar em passinhos na volta da mesa, quase cantando uma melodia:
   - Carlão trouxe um Barolo e um Bruné-lô... Carlão trouxe um Barolo e um Bruné-lô... - e enquanto caminhava em pulinhos de dança batia palmas e jogava o rosto de um lado para o outro de tanta felicidade. - Carlão trouxe um Barolo e um Bruné-lô... Carlão trouxe um Barolo e um Bruné-lô...
   Descrente, Akira pega a garrafa do que seria do Brunello e a tira do embrulho. Justo quando Flavitxo estava cantando às nossas costas, ele mostra a garrafa para o João, que lê, olhando para o feliz dançarino:
   - Cain Five, Napa Valley...
   Akira e eu olhamos para trás rindo e emudecemos. Flavitxo havia sumido! Como um fantasma. Nem um traço! Encaramos um ao outro surpresos, depois olhamos para o João. Fazendo uma cara de reprovação ele levantou a toalha e olhou para baixo da mesa:
   - Flavitxo, saia daí... - depois, voltando-se para nós e ainda balançando a cabeça como numa negativa - Ele sempre faz isso quando dá essas bolas foras...
   Akira e eu nos olhamos novamente, espantados, por um breve momento. E ao nos voltarmos para o João lá estava Flavitxo, ao lado dele, já com uma taça nas mãos:
   - Bons vinhos, meus jovens...
Os felizes confrades: à esquerda Don Flavitxo, depois
Akira, este Enochato e o João Paulo 'Scavino'
   O evento aconteceu há um bom tempo. Não fixei nas paredes da memória os detalhes dos vinhos tão bem quanto gostaria para falar mais profundamente sobre eles. Mas se preciso recordar de sensações mesclando equilíbrio, elegância, boca muito boa com persistência e final longo, então é desses exemplares que me lembro. E o Parker, com seus 91 pontos... o que aconteceu, não recebeu?
   Depois vieram o La Rioja Alta 904 2009 e o El Vinculo Paraje La Golosa 2003. Ambos também muito bons. O La Rioja surpreendeu pelo fato de abrir muito bem. Logo depois de desarrolhado, foi para a taça e não fez feio. O El Vinculo apresentou melhor evolução durante a brincadeira - não lembro se Don Flavitxo já havia aerado do danado. O La Rioja, menos. Por isso gostei mais do El Vinculo. E, para surpresa, ao longo do encontro o Cain Five evoluiu bem, como foi apontado pelo Akira. Mas olha lá (rs)! Naquele momento o Cain Five estava no final. Se eu concedesse-lhe a mesma oportunidade do Barolo, teríamos ao final um duelo talvez mais igualitário. Como já mencionado, Don Flavitxo fez um depoimento bem interessante e muito mais completo sobre os vinhos em si.
   O João perguntou "de onde eu tinha tirado" aquele vinho, e contei-lhe a história.
   - Que coragem, apostar assim em uma indicação.
   O que comentei depois encontrou ressonância nos conhecimentos dos confrades: vá ao Chile, e peça sugestões em alguma renomada loja. Ouvirá: "Este é o melhor Carmenère do Chile". Ou "Este é o melhor Merlot do Chile". Vinhos na faixa de USD 20,00-25,00 até USD 30,00-35,00. E, para piorar, todo ano muda. Será que um produtor não consegue manter-me hegemônico por dois míseros anos seguidos? Ou seria esse o "mistério da desova de vinhos que estão nas prateleiras"? Oh, dúvida... Leitor, eu ia ao Chile quase todo ano, há algum tempo. Sei do que estou falando. Quanto aos Chardonnays, então, todo ano tem "aquele novo", para chamar a atenção. Quem teve a coragem - ou a insensatez - de entrar em algum deles, e pensa em prová-lo qualquer hora, faça uma comparação simples. Procure um Borgoinha - nem precisa ser Premier Cru - bem comprado em alguma loja legal, e faça um duelo. Constate a diferença de qualidade entre um mero AOC e um "top" chileno. Está bem, para alguns não torcerem o nariz, concederei que o top chileno seja "levemente" melhor. O único problema é que ele custará no Chile o dobro do vinho AoC na França. Faça a comparação via wine-searcher. No Brasil é pior. No Brasil o (pseudo) vendedor sai-se com algumas como "Esse vinho sai bastante"... Moral da estória (ou, de outra maneira, Complexo de Vira-lata): Dá pra acreditar nas sugestões dos gringos. Nos sul-americanos, não. Claro que existem desonestos lá, assim como existem os bons aqui. Na razão inversamente proporcional, é claro.
  Ao final, Don Flavitxo saiu comentando:
   - Bom, esse americaninho. Por um instante até achei que poderia ser um Brunello...
   Quase encerro esse depoimento, que é verdadeiro e extremamente rigoroso em seus mínimos detalhes. Preciso, agora sim, exorcizar um demônio.

Resenha de filme

Star Wars: A Ascensão Skywalker
Fui procurar o nome certinho do filme, para não fazer feio. Porque costumo referir-me a ele como A M... Voadora. Bem, a primeira "notícia" que chega no Google é que o filme teve o menor lucro da última trilogia. Pois é...
Bem, A Ascensão Skywalker é um dos filmes de ficção científica mais anti-científicos que vi nos últimos tempos. Está bem, perde longe para o novo Perdidos no Espaço, outra decepção que poderia ter sido esquecida tão logo a proposta foi apresentada ao estúdio. Mas este é uma seriezinha para tevê, enquanto aquele seria o fechamento com chave de ouro de uma saga iniciada há quarenta anos! Ara, merecia um pouco de respeito por parte dos dinheiristas sem vergonha que estão na produção há... está bem, meros 36 anos... Fiquei pensando que tipo de vinho seria A Ascensão Skywalker. Argentino? Chileno? Não! Brasileiro, mesmo! Quem quiser, que compre. Ainda bem que não paguei o ingresso.

Sunday, April 19, 2020

La Vicalanda Reserva 2009

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Introito

   Bom, faltava um espanhol nas últimas degustações-solo, não é mesmo? Chegamos a um. Essa estória de isolamento por um lado estimula a volta à escrita. Por outro, é chato😞. Acho que comentei, é mais fácil postar um único vinho, ainda mais quando bebemos sozinhos. Escrever ao mesmo tempo em que apreciamos o dito é algo convidativo; narramos "on the fly", e não buscando a memória em outro momento. E em confraria seria mesmo pouco estimulante. Particularmente acho que veremos mais epidemias como essa nos próximos anos, de maneira me muitos blogs agora abandonados podem ressuscitar. Se este que estava quase finado conseguiu, o que dizer dos outros, muito melhores...

Rioja

   A vinificação em Rioja remonta ao tempo dos fenícios, que propagaram a prática da viticultura para o Mediterrâneo (Grécia, sul da Itália e Península Ibérica). Sua civilização floresceu em 1.500 a.C. e prosperou até que a última das Guerras Púnicas pôs fim à sua supremacia marítima, em 146 a.C. A Pax Romana foi 'suavemente' implementada seguindo o hábito estabelecido: os cidadãos de Cartago que não morreram terminaram escravizados e a capital foi coberta de sal, para mais nada nascesse naquele solo.
   As primeiras evidências escritas da viticultura em Rioja datam de 873, sob os cuidados adivinhe de quem? Sim, claro, dos monges. Como em várias outras partes Europa, os monges foram responsáveis pelo impulso inicial. Eles não vendiam a produção; consumiam-na... espertinhos...
  Só pelos anos 1200 a prática tornou-se comercial, e Rioja começou a exportar parte de seu vinho. O advento da Phylloxera  fez que a produção francesa caísse de 84,5 milhões de hectolitros em 1875 para 23,4 milhões de hectolitros em 1889. Antes dela chegar à Espanha, as exportações de Rioja dispararam. Isso contribuiu para o vinho espanhol, até os dias de hoje, goze de sólida reputação e boa aceitação na terra de Napoleão. Uma boa fonte de leitura sobre Rioja está aqui.
   A região produz um corte clássico baseado em Tempranillo, Graciano e Mazuela, embora também seja facilmente encontrado na forma da varietal Tempranillo. Outros cortes com Garnacha e Maturana Tinta também aparecem aqui e ali.
   Ao contrário de Portugal, cuja classificação de vinhos foi extensamente discutida anteriormente, em Rioja há uma classificação mais clara. Para os tintos, ela é assim:

  • Crianza: período de envelhecimento em barricas de carvalho e garrafas de pelo menos dois anos, com o mínimo de um ano em barril.
  • Reserva: período de envelhecimento em barricas de carvalho e garrafas de pelo menos trinta e seis meses, com o mínimo de um ano em barril.
  • Gran Reserva: período de envelhecimento em barricas de pelo menos vinte e quatro meses, seguido de envelhecimento em garrafa de pelo menos trinta e seis meses.

  Não encontrei regulamentação falando sobre descarte de uvas, ou teor alcoólico mínimo.

O grupo Codorníu

   Fundado em 1551, Cordorníu não é apenas um dos mais antigos produtores de vinho da Espanha... é uma das mais antigas empresas do país! Possui um sítio bem organizado, e comprou as  Bodegas Bilbaínas em 1997.

Bodegas Bilbaínas

   Pequena parte do grupo, as Bodegas Bilbaínas produzem La Vicalanda em suas linha Reserva e Gran Reserva. O preço da safra 2009 na Espanha é de € 24,00, e na Argentina € 36,00. Paguei € 50,00 no nosso free shop. Tá pensando o quê? É somente livre de imposto, mas não de lucro-Brasil. A safra 2009 é considerada pelo Conselho Regulador de Rioja como 'muito boa'. O problema é que todas as safras, desde 1926, são consideradas como "mediana" (8), "normal" (18), "buena" (54), "muy buena" (26) e "excelente" (14). Quer dizer, afirmam que não tem vinho ruim por lá. Tá.

La Vicalanda Reserva 2009

Como muitos vinhos espanhóis, La Vicalanda é um vinho mais "direto". Ao contrário dos italianos, conforme comentado, que às vezes precisam de aeração mesmo em exemplares simples, muitos espanhóis conseguem estar prontos para consumir tão logo estejam abertos. Claro, 15 minutos para o álcool inicial sair e vinho chegar em melhor equilíbrio é fundamental para qualquer garrafa. Não pode haver dúvida de que a aeração faz bem, mas em La Vicalanda a fruta está lá, bem presente, desde a abertura.
É 100% Tempranillo, com 14% de álcool. O leitor mais experiente nota que sempre aponto "boa fruta", saindo um pouco pela tangente quanto à cor. Mas La Vicalanda é bem explícito na fruta vermelha. O tabaco (ou chocolate) está presente. A madeira é um pouco saliente, mas não compromete. Os taninos pegam um pouco. Acidez boa e corpo médio completam o perfil quase bem equilibrado. Boa permanência, final agradável. Sim, é um vinho com arestas, mas elas estão "em bom nível", porque seus pilares, sua estrutura, são bem pronunciados. Assim: se aparadas, o vinho valeria o dobro... tá, o mesmo que podemos ver no La Vicalanda Gran Reserva ou então em um La Rioja Alta Gran Reserva 904, por exemplo... Isso faz de La Vicalanda um vinho deve ser apreciado. Tem preço mais do que justo para a faixa de preço. O La Vicalanda Gran Reserva, em sua safra 2001, bebi com o Flávio em 2012. A postagem dele está aqui. Se o internauta tiver a oportunidade de experimentar qualquer um deles, seguramente não ficará arrependido. Mas precisa de um bifão para acompanhar. Como vai sobrar um pouco para amanhã... já sei... 😈

Thursday, April 16, 2020

Chianti Classico Riserva Malaspina 2013

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Introito

   Quem acompanha o blog - ninguém, portanto - pode perceber uma mudança de foco ao longo dos anos. Nada mais natural: mudou o interesse por certos tipos de vinho, mudou um tanto a abordagem, mudou a percepção do que é importante - ou deixa de ser - ao se falar do vinho. Não é para menos: o 'colunista' também mudou durante esse tempo... Só não mudou o compromisso de falar o que pensa, com a mais absoluta honestidade intelectual. Sem meias palavras, sem receio dos detratores, e respeitando-se sempre a opinião alheia - sem esquecer, claro, do direito à réplica. Ultimamente não tenho comentado muito sobre quem importa o vinho, coisa que considerava "a mó dica" nos primeiros tempos. Existem pontos que gosto de 'pesquisar' e trazer a fonte para o internauta mais interessado. É essa a ideia da rede desde seu início: desfrutar é gostoso, mas precisamos ter consciência de que também é necessário plantar. Assim, sem se preocupar com novas plataformas ou modismos, esse Enochato vai tocando suas opiniões via blogspot mesmo - sem menosprezar as outras opções! É um pouco assim: postar dá trabalho. O leitor interessado também precisa dar-se ao trabalho de procurar acerca de sua paixão - o vinho - e quem o comercializa. Sem jamais se esquecer do wine-searcher, porque um vinho que hoje é vendido por determinada importadora amanhã pode mudar de "casa".

Chianti Classico

   Chianti Classico é a porção mais antiga da Toscana a produzir esse vinho. Sempre baseada na Sangiovese, sua composição foi mudando ao longo de último... milênio(!). Mudou tanto que, na última revisão, nos anos 1990, acho, permitiu-se que às tradicionais Canaiolo and Colorino, conforme definidas pelo Barão Bettino Ricasoli em 1872, fossem adicionadas as internacionais Cabernet Sauvignon and Merlot. Essa última revisão permitiu, inclusive, a produção de Chianti 100% Sangiovese, algo até então não aceito pelas regras da DOC.
   Há uma engraça estória - já comentada - acerca do Galo Nero. Ela conta como um galo velho e mal alimentado trouxe para Florença a primazia do nome e do direito de exploração das terras originais - justamente a zone hoje chamada Classico. A estória está aqui.
   Justamente pelo fato de estar espalhada em várias vilas, a área de Chianti Classico apresenta variados estilos, começando com vinhos de corpo médio até alguns de encher a boca.

Fattoria Castello di Starda

   Curiosamente o sítio do produtor não apresenta os vinhos. Preocupa-se mais em mostrar a bela vila que pode hospedar viajantes, e datada do ano 1100. Menciona a produção do vinho, de um azeite de oliva, do vin santo e de grappa. Não faz muito sentido dizer que, pelas fotos do sítio, é um lugar lindo. Você já viu uma foto da Toscana que não fosse inspiradora?

Chianti Classico Riserva Malaspina 2013


Note o Galo Nero no 'pescoço'
da garrafa, indicando a região
Classico.
   Deixei aerando por uns 30 minutos. Costumo dizer que só vinho reba (rs) fica bom com 30 min de aeração, e normalmente deixaria umas 3 horas, mas havia resolvido beber algo com o relógio já adiantado. Ninguém é perfeito... O primeiro dedal na taça denunciou a bebida fora de temperatura. Isso é um pecado em geral, e principalmente para certos vinhos. Italianos são vinhos difíceis. Às vezes, mesmo um vinho mais simples 'merece' algumas horas de aeração antes de ser servido. Quanto à temperatura, nem se fale.. Tudo errado, mas pelo menos tinha um companheiro para começar a ler sobre o produtor antes de escrever. Ainda bem que servi só um dedal; o vinho estava fechado mesmo...
   Com mais algum tempo - mais de meia hora -, começou a exibir muita fruta e chocolate (café? - rs). Boca com acidez média, madeira discreta, não muito persistente mas agradável, principalmente para sua faixa de preço (cerca de R$ 80,00). Volta e meia bebo um sul americano aqui e ali. A sensação do líquido escorrendo pela garganta sem deixar lembrança ou saudades (rs) é o mais comum. Malaspina, não. Para bebedores de sul americanos - acostumados à baixa acidez - a persistência pode parecer longa. Já para quem se acostumou aos europeus, não é tão longa. Para uma quinta-feira descompromissada, aí sim é bastante bom. Acompanhou bem uma pizza de pepperoni; sem harmonizar mas sem comprometer. Se tiver oportunidade, experimente. Triste você não ficará.

Monday, April 13, 2020

Dois portugas: CARM Grande Reserva 2008 e Quinta do Carmo Reserva 2007

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Introito

- E aí?
- Tô aaaaarmaaaaado. - lembrei do Renê, enquanto respondia à provocação de Don Flavitxo.
- Quão armado?
- Um Reservão...
- Safra?
- Dois mil e sete.
- @#&@%! Caramba... 2007...
- Larga de reclamar. Encara ou passa. - revidei, com ares de superioridade.
- Encaro! E levarei um Grande Reservão para atropelar com aro de magnésio seu mero Reservão!
- Oito horas. - desliguei, olhei para a câmera e soltei aquela risada à la Vincent Price, enquanto a imagem desaparece em um fade in. Explico: nestes tempos de quarentena, algum psicodrama é necessário para mantermos a sanidade...

A classificação dos vinhos portugueses

   Pois é, o inexistente leitor por acaso já ouviu falar sobre as regras que permitem a um produtor português rotular seu vinho como Reserva, Grande Reserva, Grande Escolha, Selecção do Enólogo, Garrafeira, e outras mais? Não? Está como eu. Mas se sim, conte-me, por favor! Neste final de semana dei uma olhada geral, e o resultado foi desanimador.
   Espera-se que tais menções não sejam atribuídas a esmo, e que sua presença em um rótulo de fato confira ao produto maior importância e qualidade, até justificando um preço eventualmente maior.
   Uma fonte para checar as designações de origem dos vinhos portugueses está aqui. É uma página comercial que apenas explica as denominações, DO, DOP, DOC, IG, IGP, Vinho Regional e simplesmente 'Vinho'. E essa não é uma escala hierárquica. Além, claro, de nada fala sobre a classificação em si! 😞

   O simpático sítio Wines of Portugal traz um dicionário, onde podemos encontramos algumas definições, que reproduzo do original:

  • Reserva – Uma designação de qualidade superior para os vinhos DOP, e que tem de ser certificada pela entidade certificadora (CVR ou IVDP).
  • Grande Reserva – Designação oficial para vinho DOC / DOP e vinho IGP com características organolépticas destacadas e um título alcoométrico igual ou superior a (em 1% por volume) o limiar mínimo estabelecido como avaliado pelo painel da Comissão Vitivinícola Regional. O uso desta designação requer a indicação do ano da safra.
  • Garrafeira –  Denominação oficial para vinho DOC / DOP e vinho IGP com ano de colheita e envelhecimento mínimo: para vinho tinto e envelhecimento de pelo menos 30 meses, dos quais pelo menos 12 meses em garrafa de vidro; Para vinhos brancos e rosas, envelhecimento de pelo menos 12 meses, dos quais pelo menos 6 meses em garrafa de vidro. Também significa loja de vinho ou adega em português.
  • Selecção do Enólogo – Designação não oficial para um vinho recomendado pelo enólogo.

   No caso do Grande Reserva, notamos a tentativa de estabelecer um nível de álcool acima do limiar estalecido por uma comissão. Esse limiar, claro, depende da safra. Mas no caso do Garrafeira cita-se apenas o prazo de envelhecimento, sem qualquer outra necessidade. E, pior, nenhum dos casos dita que o envelhecimento deva acontecer em barrica! Falar em descarte de uvas, então, menos ainda...

Aos órgãos reguladores, então...

   O IVDP, Vinhos do Douro e do Porto, tem por missão ...promover o controlo da qualidade e quantidade dos vinhos do Porto, regulamentando o processo produtivo, bem como a protecção e defesa das denominações de origem Douro e Porto e indicação geográfica Duriense.
   Encontrei apenas uma menção mais direta a vinhos Reserva: Tintos de guarda: Têm boa profundidade de cor e aromas complexos e intensos. Quando novos, é comum surgirem notas de frutos pretos, chocolate, balsâmicas, violeta e madeira, sendo vinhos de grande estrutura e com taninos persistentes. No seu apogeu, que pode levar quase uma década a atingir, apresentam aromas delicados e subtis mas de grande complexidade. Na boca o vinho amacia mas mantém-se equilibrado. Uma parte significativa dos vinhos de guarda produzidos no Douro apresenta no rótulo a designação Reserva ou Grande Reserva.

   A CVRA, Comissão Vitivinícola Regional Alentejana, traz as designações mencionadas, mas é tudo vago. Fala em estágio, como mencionado no Wines of Portugal, mas também não especifica se em madeira. Seria uma obviedade? Não parece, porque sabemos que antigamente os vinhos podiam ser envelhidos em recipientes cerâmicos. Aliás o Gravner faz isso até hoje...

   No IVV, Instituto da Vinha e do Vinho, também não encontrei maiores informações.

   A CVR, Comissão Vitivinícola Regional do Dão tem por missão ...garantir a sua genuinidade e qualidade, pelo que os submete a uma rigorosa coordenação e controlo. Estas actividades abarcam todo o circuito de produção e comercialização dos vinhos, com presença exclusiva dos Agentes de Verificação Técnica do Organismo em todas as operações.
  Encontrei um excerto do Diário de República - acho que o equivalente do nosso Diário Oficial - que, em seu artigo 9°, página 4287, trata de menções tradicionais... e lista as definições de Reserva, Grande Reserva, Garrafeira, etc., mais ou menos como na Wines of Portugal... Que impressão de estar andando em círculos!

   Apesar dessa aparente falta de classificação melhor definida, o leitor não deve debruçar-se na mesa e chorar... como vimos, cada região (e aqui listo só algumas) tem seu órgão regulador, e a qualidade do vinho português é muito bem assegurada por eles. Afinal, vejamos:
   * O leitor já bebeu algum vinho português e disse - Pow, isso é ruim! Difícil, heim?
   * Por coincidência, experimentei e postei há pouco um bom alentejano, o Pêra Grave. Confira lá.
   * Finalmente, a questão das nomenclaturas Reserva, Grande Reserva e outros foi questionada em função dos vinhos descritos nesta postagem. Foram consumidos antes da epidemia, de forma não estou quebrando o isolamento assim tão à larga. Vejamos como foi.

Uma batalha Douro vs. Alentejo

   Como dito, há poucas postagens (sic), comentei um pouco sobre o Alentejo. Falemos então do Douro... Produzindo vinhos há uns meros 2.000 anos, dá para desconfiar que o pessoal deva ter aprendido da arte. O vinho que leva o nome da região foi primeiramente referenciado em 1678; até 1715 sua produção havia passado de 800 pipas para 8.000 pipas (pipas são barricas de 650 litros). E em 1750 atingiu 19.000 pipas. Com a produção na crista da onda, começaram a aparecer produtos de qualidade adulterada. Como sempre, o pessoal sério chiou, e chamou-se ninguém menos que o Marquês de Pombal para resolver a situação. O cara resolvia mesmo: em 1756 foi criada a Companhia Geral da Agricultura das Vinhas do Alto Douro, e o Douro passou então a ser a primeira região demarcada a produzir vinhos com qualidade certificada. Detalhes dessa estória estão aqui e nos vínculos da mesma página.
   A região é banhada pelo rio Douro, que vem da Espanha com o nome de... Duero! Sim, a famosa região espanhola de Ribera del Duero também está na rota desse rio em sua jornada para o Atlântico.

  As cepas tintas características do Douro são a Touriga Nacional, a Tinta Roriz (na Espanha, Tempranillo), a Touriga Franca, a Tinta Amarela, a Tinta Barroca, a Tinta Cão, a Bastardo e a Mourisco. Com o passar das gerações, o registro, muitas vezes confidenciado de pai para filho, sobre a composição dos vinhedos, acabou por perder-se. Daí nasceu o conceito de Field Blend, que é um vinhedo onde as uvas crescem misturadas.

Os atores

Os atores do encontro foram este que vos escreve e posa para a foto, o CARM Grande Reserva 2008, o Quinta do Carmo Reserva 2007 e, claro, Don Flavitxo na fotografia.
O CARM Grande Reserva pertence a um ramos da produção da Casa Agricola Roboredo Madeira SA, e é um grande vinho. Tem fruta, tem chocolate (café? - risos!), tem taninos que a essa hora (12 anos) estão plenamente integrados à madeira e ao álcool, com uma acidez muito presente e igualmente harmônica. Mais um exemplo de felicidade engarrafada. Não anotei a graduação alcoólica, mas na ficha técnica da safra de 2015 - a única disponível no sítio do produtor, indica 14,1%. Com 12 meses em barricas novas, de lambugem.
Já o Quinta do Carmo Reserva 2007 tem a seu favor o fato de pertencer a uma grande safra. A Quinta foi adquirida pela Bacalhôa, cujo sítio é chato de entrar. Comprei há muito tempo, no Free Shop, quando os preços lá ainda eram razoáveis. Paguei algo como USD 50,00. É um corte composto por Aragonês, Cabernet Sauvignon, Syrah e Trincadeira. Falar de Quinta do Carmo é repetir os elogios feitos ao CARM: boa fruta, boa acidez, bons taninos, com final excelente. Fica na boca depois de ter engolido tudo e ainda está lá enquanto a contemplação vai longe... como o CARM.

   O resultado foi um empate cheio de felicidade para todos os lados, mostrando que, nesse caso, o Grande Reserva não "atropelou" o Reserva. Fica então a observação: embora tenha sim importância, termos como Reserva, Grande Reserva, etc., por si só não garantem um salto qualitativo muito grande nos vinhos portugueses. Nas mãos de bons produtores - como acompanhamos ao longo da postagem, eles já existiam em 1750! - faz sim toda a diferença. Como saber quais são os bons produtores? Pois é, tem que suar a camisa! Ler os blogs em você confia - sem dispensar o espírito crítico -, ouvir o sommelier da adega em que você compra - isso dá assunto para comentários ácidos... qualquer hora! - experimentar em degustações e anotar na sua carteirinha... tudo é válido. Só não se esqueça de comparar preços no wine-searcher: alguns importadores chegam a pedir 4x por alguns exemplares. E nesse caso e céu não é o limite, infelizmente.

Sunday, April 12, 2020

Jonata, o vírus e A Igreja do Diabo

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Introito

- Carlão, tudo bem?
- Romeu, há quanto tempo... se resguardando do Corolla vírus, né?
- Exatamente... e aproveitei um tempo livre pra olhar seu blog. Você só está bebendo vinho ruim, heim? - bati com a mão de leve na testa, como se levando a sério a ironia.
- Pois é... quer saber, vou dar um jeito nisso...
- Ah, é?! O que vem por aí, então?
- Ainda não sei... mas vou pensar...
- E eu recluso aqui em casa...
- Depois tiramos a forra...
Conversamos mais um pouco e desliguei. Fiquei pensando por uns momentos. A amiga Carol resolvera passar para uma pizza, depois de semanas enfurnada em sua casa, fazendo consultas online. Também enfurnado na minha, achei que era mesmo um bom momento para uma trégua na solidão. Só não pude deixar de lado a conexão com A Igreja do Diabo, engraçadíssimo conto de Machado de Assis onde o Diabo resolve fundar uma religião. Depois de arrebatar milhões de seguidores, provocar a iniquidade por todos os lugares, o Diabo nota, em completo desespero, seus adeptos incorrendo em pequenas manifestações de práticas benevolentes aqui e ali. Ao final, após ouvir pacientemente as reclamações do Diabo, o Senhor apenas comenta:
    - Que queres tu, meu pobre Diabo? As capas de algodão têm agora franjas de seda, como as de veludo tiveram franjas de algodão. Que queres tu? É a eterna contradição humana.

  Enquanto isso um prefeito que abandonou o cargo em meio de mandato, traindo a confiança de seus eleitores, apresenta sinais evidentes da Síndrome do Grande Irmão. Combina com operadoras de telefonia que vai rastrear os usuários por causa disso ou daquilo, por alguma razão obscena; simplesmente não há motivo, por mais justificado, para patrulhar o que o cidadão faz ou deixa de fazer. Com ele, eu (não) me encontrarei nas urnas; igual a vinho caro, que fique com os tolos que o compram. Com os demais... seria muita malvadeza cancelar meu plano de celular? La part du colibri... que também é nome de vinho.

O Vale de Santa Ynez

   O Vale de Santa Ynez situa-se no condado de Santa Bárbara, na Califórnia. Fica a uns 500 km ao sul do famoso Vale do Napa, mas a apenas 200 km de Los Angeles.
   Constitui-se em uma AVA (American Viticultural Area), o equivalente ianque da AOC francesa ou da DOC italiana. E, ao melhor estilo americano, tem um site pronto para apresentar ao eventual visitante seus atrativos. Incluindo, claro, dezenas de vinícolas, muitas das quais classificadas como boutiques.

Jonata

   Jonata é uma dessas vinícolas-boutique. Em uma propriedade de quase 600 acres, "apenas" 84 são ocupados pelas parreiras, onde são plantadas Syrah, Cabernet Sauvignon, Petite Sirah, Petit Verdot, Sangiovese, Merlot, Cabernet Franc,  Viognier, Sauvignon Blanc e Sémillon. Produz nove vinhos, entre brancos e tintos. O estilo vai da combinação clássica de Bordeaux (ênfase em determinada "grande" uva, Cabernet Sauvignon, Cabernet Franc ou Merlot), passando pelo Rhône (Syrah) e enveredando para cortes absolutamente "não lineares", como é o caso de Todos.
   Sua primeira colheita aconteceu em 2004. Apesar de estilo direto - bebi um há alguns anos; era relativamente jovem, portanto, mas já muito agradável - parecem envelhecer muito bem: com uma década, seus exemplares podem ser considerados prontos, mas com potencial de guarda.

Jonata Todos 2010

   Todos foi lançado inicialmente com outro nome: El Corazón de Jonata. É calcado na Syrah, e sua combinação muda conforme a safra. Às vezes muda bem. Simplesmente usa todas as variedades cultivadas na propriedade, e na safra de 2010 o corte foi 78% Syrah, 8% Sangiovese, 5% Merlot, 3% Cabernet Sauvignon, 1% Viognier, 1% Grenache, 1% Cabernet Franc, 1% Petit Verdot, 1% Sauvignon Blanc, 1% Semillon... "50% em carvalho francês novo e 50% carvalho francês neutro". Imagino que carvalho "neutro" refira-se a barricas sem tostagem. Só não sei o que significa 50% de carvalho novo para essa combinação tão esdrúxula... o vinho é 'um desfile' de cepas, incluindo brancas(!), e ainda assim mantém um equilíbrio impressionante. A Carol gostou e notou um certo defumadinho. Tinha mesmo... segundo o enólogo, "Knockout nose with charcoal, black plum, graphite and black olive".
   Boa fruta desde a abertura, ficou aerando por mais de uma hora antes de chegar à taça. Buquê elegante, muito boa fruta, um tostado com especiaria. Na boca, boa acidez, bons taninos, seus 14.9% de álcool não aparecem. Ainda, um carvalho muito bem integrado ao conjunto da obra. Bastante bom para sua faixa de preço, em torno de USD 50.00.  Nesse valor, e com disponibilidade praticamente apenas nos EUA, os Jonata são vinhos para poucos, à medida em que é preciso 'ir lá' para adquirir uma garrafa. Mas se o inexistente leitor tiver a oportunidade, pode comprar sem medo: não tem aquela baunilha tão característica dos americanos. Não é enjoativo, pelo contrário: um gole chama o próximo. É "apenas" mais um exemplo de felicidade engarrafada. Com a companhia da Carol, então, foi além de maravilhoso.

Saturday, April 11, 2020

Villa Poggio Salvi Rosso di Montalcino 2011

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Introito

   Mais uma daquelas garrafas compradas à boa oportunidade de quem fica alerta e não banca o consumista tonto. Repetindo sempre, comparar o preço aqui com o lá de fora via wine-searcher e deixar na prateleira se a diferença foi muito alta é questão de cidadania. Precisamos fazer a nossa parte. Ainda não foi, mas virá o tempo em que os preços muito altos - advindos unicamente de margens excessivamente gordas - não terão mais espaço no bolso do consumidor. Temos a "arma", o wine-searcher. Investir dois minutos antes de fazer sua compra pode levá-lo a economizar a metade ou mais do seu dinheiro descartando um produto a preço aviltante.

Montalcino

  Montalcino produz vinhos à base de Sangiovese desde o século XIV. Foi na década de 1870 que Ferruccio Biondi-Santi desenvolveu a Sangiovese Grosso clocando a Sangiovese, e começou a produzir o que ficaria conhecido como o Brunello di Montalcino. Nos anos 1960 estabeleceu-se a DOC Brunello di Montalcino, que "evoluiu" para DOCG em 1980. Com vinificação um pouco diferente da do Brunello, o Rosso di Montalcino costuma ser considerado "irmão menor" do Brunello. Produtores sérios, em uma safa não tão boa, abrem mão de lançar o Brunello e lançam o Rosso. Produtores não menos sérios podem ter vinhedos diferentes, de onde vêm o Brunello e o Roso. O leitor mais esperto já percebeu que outras combinações são possíveis: produtores igualmente sérios podem simplesmente não lançar o Brunello e apresentar apenas o Rosso se a safra não é boa e seus vinhedos ainda assim são bem específicos. Já os produtores não tão consistentes enfrentam a vergonha de apresentar Brunellos inferiores a muitos Rossos. Há espaço para todos: muitas vezes o preço dita a qualidade do vinho. Não no Brasil, claro... se a importadora Z tem margem média de 4x, seu Brunellão Riserva vai perder de muito Rosso importado pelo pessoal mais... "sério".

Villa Poggio Salvi

 Villa Poggio Salvi é uma propriedade encrustada na DOC de Montalcino, onde a Sangiovese Grosso é hoje unipresente. Produz o Rosso, um Brunello e um Brunello Riserva. O vínculo que leva à página da Wine-Searcher acerca do produtor apresenta dados resumidos sobre ele. Só não tem vínculo para sua página original, que está aqui. A introdução é bonita, mostrando a sede e parte dos vinhedos; recomendo uma olhada.

Villa Poggio Salvi Rosso di Montalcino 2011

  Os Rosso são envelhecidos em carvalho esloveno por um tempo que varia de acordo com a safra. Este 2011 passou 12 meses em tonéis de 10.000 litros e descansou dois meses depois de engarrafado. Sua produção é de 22.000 garrafas.
  Aerado por cerca de uma hora e meia, surpreendeu pela boa acidez e pelos taninos. Está em bom momento para ser consumido. Boa fruta, persistente, combinou muito bem com um bifão de ancho. À medida em que experimentava, fui me apercebendo e surpreendendo-me com sua consistência e qualidade. Por não consumir italianos com a frequência que gostaria, e por ser muito grande a gama de estilos do país, é-me difícil reconhecer um Rosso, ou mesmo um Brunello, às cegas. Mas um ponto é inescapável: esse Rosso agradou, e bastante. Comprarei novamente, se deparar-me com uma boa oferta. Caso contrário... neeeeeeeext!

Sunday, April 5, 2020

Château Potensac 2011

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Introito

   Esta postagem mostra - para meu auto-engano (risos!) - quanto a persistência e atenção compensam. Há muito tempo, encontrei no Savegnago de São Carlos um enxurrada de vinhos franceses. Olhei no rótulo traseiro procurando pelo importador. Acho que já disse: desde algum tempo, compro mais pelo importador do que pelo produtor. Irmãos Mufatto. Uma rede de supermercados sediada em Cascavel.
  Um parênteses: os supermercados de maior porte estão acordando para esse mercado de vinhos. Muffato e Beal no Paraná, Verdemar em Minas (alguém conhece mais algum?)... aqui e ali esses grupos estão trazendo seus próprios vinhos e ofertando-os com margens típicas de supermercados, algo em torno de 30%. Talvez a margem seja um pouco maior para os vinhos, mas ainda assim é muito inferior àquela praticada pela banda podre das importadoras mais especializadas. Para o supermercado, é uma ótima tática: oferece um produto bom a preço convidativo, e com isso tem um diferencial para atrair a clientela. Nosso mercado está começando a mudar... Espero estar vivo para ver essa banda podre fechar. Ou mudar, o que seria sem dúvida muito mais salutar e bem-vindo. Na falta da mudança...
   Bem, voltando: essa aquisição foi um tanto engraçada. Demorei para ir conhecer o supermercado, após sua inauguração. Não é que para minha surpresa a parte de vinhos estava recheada de produtos franceses?! Inicialmente achei a importação dos Irmãos Muffato um bom sinal. Mas como sou consumidor, e não consumista, a prudência falou mais alto: fotografei os vinhos e fui para casa verificar tudo no wine-searcher. Foi uma decepção. Os preços estavam a 3x ou mesmo 4x com relação ao valor lá fora.
   Voltei ao supermercado um bom tempo depois. Mais de ano. acho. Os vinhos estavam no mesmo lugar. Só os preços é que mudaram de patamar. Tudo pra baixo! Cerca da metade.. aí sim, gostei! 😋
   Confesso que fiquei em dúvida. O que teria acontecido para os vinhos chegarem a custo inicial tão alto?
   * A importadora não era mais a mesma? Digo, havia abandonado sua política de bons preços?
   * A importadora havia aplicado um golpinho no Savegnago , realizando uma venda com boa margem?
   * O Savegnago havia feito uma boa compra, mas se acharam espertos e colocaram os produtos com margem de importadoras 'regulares'?
   * O responsável pelas compras do Savegnago fez um bem-bolado com o responsável de vendas do Muffato, e ambos embolsaram a diferença? (não estou questionando a idoneidade das partes, mas antes apresentando todas as possibilidades que poderiam deslocar o preço dos produtos em relação às minhas expectativas).
   O fato é que os preços altos haviam se transformado em bons preços. A política do "deixe para os tolos" funcionara - e parece que o número de tolos tem diminuído sensivelmente... Só lamentei que alguém menos tolo aparentemente levara as garrafas do Château Cantemerle, o único Grand Cru Classé dentre o lote então disponível. De qualquer maneira, lá foi este Enochato todo faceiro cuidar de suprir sua adega com mais algumas garrafas. Anos depois, é uma delas que resolvo experimentar, sozinho e brejeiro, em meio à quarentena do Corolla vírus. E cuidado, estão dizendo que ele é especialmente agressivo com proprietários de Sentra...

Domaine Delon

   A família Delon, proprietária do Domaine de mesmo nome, controla os produtores Léoville Las Cases, Clos du Marquis, Potensac e Nénin, espalhados pela Bordeaux. O sítio é bem organizado, com belos filmes da região e recomendo uma visita. Por ter-me demorado na introdução, deixarei outras informações sobre o Domaine para o internauta mais curioso.

Château Potensac

   O Château Potensac está localizado no Médoc, região das uvas mais típicas de Bordeaux. Produz dois vinhos, o Chapelle de Potensac é seu vinho de entrada e o Château Potensac é o principal. Na safra 2011, sua composição foi Merlot (52%), Cabernet Sauvignon (34%) e Cabernet Franc (14%), com 13,5% de álcool. Aerei por cerca de uma hora antes de começar a consumir.
   Tecnicamente, é um Cru Bourgeois Exceptionnel. Os Cru Bourgeois representam uma tentativa de classificação de produtores que ficaram de fora da famosa classificação de 1855, mas não funcionou. Sua evolução teve lances típicos de Brasil: a dado momento a comissão de classificação estava algo infestada pelos próprios produtores interessados em manter-se com esse status. Houve períodos em que a denominação foi invalidade judicialmente, depois voltou-se a tentar nova reorganização, seguida por outras querelas judiciais... enfim, uma bagunça que perdura até os dias de hoje, ou quase. O interessante é que, em hipótese, os produtores são avaliados periodicamente, e sua continuidade no sistema não é assegurada pelo seu belo berço.
   Este Château Potensac está maduro. Pode ser guardado mais um pouco, mas seu consumo agora vale a pena. Tem bom corpo, enche a boca, tem fruta bem presente, bons taninos e média acidez, tudo muito bem integrado. A Merlot mascara a Cabernet Sauvignon; não senti tanto sua picância, embora ela estivesse lá - precisa prestar atenção. Curiosamente a Cabernet Franc estava mais aparente: parece que a CF pica mais no meio da língua, enquanto a CS pica na entrada dela.
   É um daqueles vinhos que podemos classificar como 'felicidade engarrafada'. Se o eventual leitor tiver a oportunidade... recomendo.

Post scriptum

   Sabia que tinha os dados comentados no início da postagem. Apenas não lembrava em que pasta estavam... e como eram antigos! Na verdade, constatei a oferta inicial do Savegnago em 2016! O preço era praticamente R$ 300,00, e o 'dóla' naquele mês estava RS 3,53. Naquela época o vinho lá fora custava entre R$ 70,00-R$ 90,00. Mais de 3x, sendo bonzinho. Era uma péssima compra. Lá por 2018, acabei comprando por menos de R$ 150,00. Aí sim...
   O mais engraçado é que, na mesma época (2016), também via Irmãos Mufatto, o português Brutalis, em sua safra 2011, era ofertado a cerca de R$ 120,00, enquanto custava em Portugal uns R$ 90,00 - aí sim, um bom preço. Tanto que levei uma garrafa em 2016. Mas que não dá para entender, não dá...






 

Thursday, April 2, 2020

Comprovado: a promoção da metade do dobro

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Introito

   A falsa promoção de preços da metade do dobro começou com as Black Friday's, cujo apelido rapidamente degringolou para Black Frald, Bréqui Fraid e outras transliterações menos oportunas. No mercado do vinho - seguramente o mais 'pornograficalizado' (sic) do país, não foi diferente. O efeito geral resultou em vários dos jogadores mais sérios abandonando o evento de uma vez por todas e para nunca mais voltar, deixando uns poucos agentes honestos brigando com os tubarões de sempre. O problema é que os tubarões detêm boa parte os rótulos disponíveis (em número absoluto) e, devido a seu marketing, detêm uma proporção muito maior de rótulos conhecidos.
   Explicando melhor: muitas importadoras pequenas, com portfólios modestos mas nem por isso inferiores, são desconhecidas do consumidor médio. E o fato de seus produtos serem desconhecidos, pouco comentados, desestimula nosso consumidor a tentar. Outro dia mesmo bateu à porta deste blog um leitor de S. Paulo que desconhecia a de la Croix e a Cellar. Segundo ele, tornou-se freguês de ambas, o que muito empertigou este colunista: saber que as pessoas estão refletindo sobre minhas ideias, e aparentemente concordando com elas, dá-me a sensação de estar na direção certa e travando o bom combate. Por mais que meus detratores achem que o meu Sassicaia, que ele não experimentou, estava estragado. Isso é deliciosamente medíocre...

O fato

   Comentei em postagem recente que, puxando de memória, sabia ter comprado, em queima do ano passado, um vinho por R$ 49,00. Neste ano, estava R$ 75,00. A postagem está aqui, e apenas não tive paciência de ir procurar mais dados e confirmar o que se passava. Mas após uma sequência ad nauseam de "promoções", acabei reparando em uma dada mensagem e resolvi cavocar mais fundo, recobrando o passado e checando a promo em si.
   O Prélat de Pape Clément 2007 foi ofertado a singelos R$ 628,29. Seu preço típico na Europa é 50,00 Euros (pesquisa básica de wine-searcher feita em abril de 2020). Na cotação de hoje,  1  = R$ 5,70. Bom, só um idiota - ou alguém que precise muito - faz uma despesa em moeda estrangeira na nossa atual situação econômica. O consumidor - o cidadão que consome(!), não o consumista! - faz uma conta de euro a R$ 4,50, e nota que o valor do vinho lá fora, se ele tiver paciência de aguardar um pouco para viajar, é R$ 225,00. E nota que na "oferta" o preço é 2.8 vezes o preço de lá fora.
   Vejamos a "comprovação" da oferta - como se fosse necessário... afinal, assume-se a boa fé de todos como ponto de partida. Mas vamos lá:

   Bem... comprei esse vinho em 2018, em condições muito melhores: R$ 360,93. O preço de hoje está 70% maior!

   Existem várias possibilidades de explicar essa diferença. Uma delas, é a de que o importador "jogou o preço lá embaixo" em 2018 para "introduzir" o vinho, e agora tenta igualmente introduzir algo (o vinho com preço maior?) no consumidor. Em mim, não, Juvenal 😂.

   O que acontece é assim: o sujeito participa uma confraria. Todos combinam de levar um vinho de valor "X". Por mais que o pobre participante tente "caprichar", os vinhos dele são sempre os que menos agradam. Também pudera: ele compra de importadoras que possuem margens muito grandes no preço final do produto. Então ele está comprando, pela mesma quantidade de Reais, um vinho que lá fora custa "Y",  enquanto seus confrades compram vinhos que, também lá fora, custam "2Y". Às cegas, se preço tem conexão direta com a qualidade, qual vinho o leitor espera que seja melhor: o que tem um certo preço, ou aquele que vale o dobro?
   O leitor sinta-se convidado a suar um pouco mais a camisa pelo vinho que compra (ama?). Tente não repetir vinho. Consequência direta: experimentando mais, você poderá comprar coisas ruins ou boas, e isso vai depender unicamente de alguma pesquisa. Consulte blogs. Veja quem é o blogueiro, qual é a vibe do colunista, se inspira confiança ou se é um mero propagandista disfarçado. Parece que o exercício de um certo posicionamento crítico está em voga nesses dias de clima político tão distendido em que vivemos... e faz-se muito mais necessário no que deveria ser apenas um gesto corriqueiro de comprar uma garrafa de vinho. Teje (sic) alerta! Teje (sic) avisado!