Sunday, July 29, 2012

O Xabec 2008 no contexto dos espanhóis (baratos) da GrandCru

Os espanhóis (baratos) na GrandCru

   Há algum tempo (desde o ano passado) tenho notado a presença de espanhóis bem pontuados (pelo preço) no catálogo da GranCru. O amigo Renê trouxe alguns exemplares de Campinas, onde os encontrou ao vivo e a cores no representante daquela cidade, e, após procurar outras variedades por aqui, sem sucesso, e depois de sugerir a alguns representantes locais que trouxessem algo, também sem sucesso, arrisquei uma compra por internet no final do ano passado. Um dos vinhos eu já comentei, o Panarroz. Vamos a um rápido juízo acerca de alguns outros da leva inicial, sem atenção aos detalhes.
   Na maioria Tempranillos (indico quando não), e na faixa de até R$ 60,00, os vinhos que degustei ao longo do tempo são:


  • Embocadero 2009 e Casajus Splendore 2007: o primeiro agraciado com 92 RP e o segundo com 91 RP. Preço igual, R$ 49,00. Como eu disse, agraciados com boas pontuações. Porque se precisassem lutar por elas, não teriam forças para escalar o pico além dos 90. Ambos com muita baunilha, acabam por esconder completamente o terroir e tornam os vinhos algo como "apátridas". Não deixam de ser bons produtos na faixa de preço se o comprador se esquece (ou não sabe) de valorizar esse detalhe, mas para mim faz diferença. Posso comprar deles em eventual falta de opção, mas, havendo, repetiria outros vinhos e não escolheria estes.
  • Milcampos Viñas Viejas 2009, agraciado com 92 RP, não agradou muito pela expectativa da nota. Foi analisado pelo Flavitxo no Vinhobão aqui, e eu concordo plenamente com a avaliação.
  • Gotín del Risc, da desconhecida (para mim) variedade Mencia, recebeu 91 RP, R$ 55,00. A merecer os 91 pontos, os vinhos acima deveriam ser rebaixados. Tem menos baunilha - e portanto mais tipicidade - do que os demais, e agradou-me mais por causa disso. Recomendo este a todos os citados acima.
  • Sabor Real Joven 2008, 90 RP, R$ 46,00 e Sabor Real Viñas Centenárias 2007, 91 RP, R$ 58,00: cada um custava uns R$ 10,00 a menos quando comprei. Subiram os preços somente destes, e "a troco de nada". Dez reais nos R$ 48,00 que custava o Viñas Centenárias é uma majoração de aproximadamente 20%! E depois querem crucificar as coitadas das companhias de cartão de crédito pelos juros extorsivos! Pelos preços iniciais, poderíamos classificar como vinhões. O Joven perdeu competitividade aos R$ 46,00; o  Viñas Centenárias continua uma boa compra mesmo pelos R$ 58,00. Fica muito melhor depois de uns 40 minutos de aberto, e se os vinhos acima receberam até 92, este deveria estar acima; 91 não lhe faz juz.  Em tempo: Joven é com "n" mesmo.
  • Señorío del Tallar 2009, 90-93 RP, R$ 55,00: nunca entendi essa estória de 90-93 (ou 97+) RP. Hoje é 90, amanhã, 91, depois de amanhã, 92? Quer dizer, pode melhorar a nota com o tempo, ou algo assim? Credo (rs). Esse sistema de avaliação precisa passar por uma revisão. É um vinho 90 pontos, ou seja: bom. Pelo preço, merece passear por nossas taças e descer por nossas goelas.

O Xabec em particular

   Nesse contexto, e depois de algum tempo dos lançamentos descritos acima, apareceu o vinho que dá título a esta postagem, o Xabec 2008. Produzido em Montsant, cidade da comarca de Priorat, na província de Tarragona, na Comunidade Autônoma da Cataluña - mais ou menos ao sul da Espanha, portanto (rs) - Xabec é um corte meio a meio de Garnatxa e Samsó, segundo o rótulo, ou meio a meio de Garnacha e Carineña, segundo o sítio da GrandCru. A confusão se dissipa quando constatamos que a Carineña - segundo alguns uma das uvas mais cultivadas do mundo -  é conhecida na Cataluña como Samsó.
   Xabec (R$ 53,00) é completamente integrado: boca, paladar, álcool (14%), tudo se ajusta muito bem. Tem estrutura, evidenciando especiarias e fruta vermelha. Se o seu lema é "melhor 10 anos a mil do que mil anos a 10", saiba que Xabec é uma Ferrari e coloca quase todos os descritos na primeira parte desta postagem na charrete que anda a 10. O único que pode tentar uma perseguição com ele é o Sabor Real Viñas Centenárias, com um diferencial: enquanto Sabor Real realmente precisa de um tempo descansando na garrafa após a abertura, Xabec já está pronto para degustar tão logo a garrafa é aberta. E evolui bastante depois. Portanto, está clara a diferença entre os demais vinhos comentados e Xabec. Se você só compra vinho pela famosa relação custo x benefício, este é o seu vinho.


À guisa de fechamento

   Nem só de GrandCru vivem os apreciadores de vinho. É verdade, sobre todos os mundanos vinhos da primeira parte, paira o Xabec, Mas invocando novamente a relação custo benefício, outro vinho espanhol tem chamado a atenção deste escriba, e não é da GrandCru: o Clos de Torribas. Tenho encontrado em vários supermercados - isso eventualmente tira o produto das prateleiras das lojas especializadas (o que está correto, até) - mas pela minha "memória enólica", pela metade do preço dos demais (entre R$ 22,00, se você encontrar na promoção, e R$ 28,00), é um concorrente sério aos Embocaderos, Milcampos e outros. Acho que tentarei uma comparação em breve.


Monday, July 23, 2012

É o terroir, estúpido

   Muitos podem lembrar-se daquela frase mas desconhecem seu autor. É a economia, estúpido, bradava James Carville na campanha de Bill Clinton em 1992. A mensagem apontava que o importante para os eleitores é a economia. Se o eleitor tem emprego, a eleição está garantida. Esse brado foi repetido à exaustão e não faltaram seguidores a criar variações que levaram seu conteúdo a declinar para o deslavado clichê. Então, vamos produzir mais um...

Dois vinhos iguais, de planetas diferentes

   Há algum tempo, vinha querendo realizar esta experiência: degustação às cegas de dois vinhos do mesmo produtor que diferissem apenas na safra... mas com uma patente mudança em sua produção. Até sabia claramente qual seria o vinho, mas antes deixe-me o leitor recuperar um comentário genérico que tenho feito aqui no blog. Já mencionei o caso da baunilha, que tem entrado na produção de vinhos de vários países, e para mim tem como único efeito descaracterizar o produto. A baunilha - para mim - tende a esconder as características do vinho, a ponto de mascarar-lhe a procedência. Assim, um dos meus queixumes tem sido contra vinhos que chamo de "apátridas", porque não consigo ter a menor noção de onde ele pode ser. Esse fato nada mais é do que uma descaracterização do tão falado e (às vezes) pouco compreendido terroir.

   Com quatro provadores para o evento, além de duas convidadas, apresentei dois decantadores com safras diferentes do mesmo vinho. Para os mais experientes, a cor evidenciou de imediato a diferença de idade entre ambos. Ponto para os provadores. 
   Na boca, o Flávio do Vinhobão - blog que nesta semana completa dois anos de existência - chutou mais ou menos na hora: 
   - O número 2 tem baunilha... e a uva parece ser Touriga... - no que eu cobrei de imediato: 
   - Nacional ou Franca?
   - Nacional. - respondeu ele, sem vacilar.
   Hum... não é que o safado tinha acertado? Ok, em frente. O Akira-narizinho-de-ouro (rs) opinou que o  vinho número 1 poderia ser chileno. O Akira tem um ótimo nariz, e eu sabia o que estava por vir (e aconteceu mesmo, exatamente assim): com algum tempo a mais de decantação - 15 min antes dos convidados chegarem e mais 5 min após a chegada - o Akira corrigiu:
   - Não é chileno.
   O Romeu limitou-se a dizer que o vinho número 1 tinha mais madeira, o que conferia melhor caráter; o vinho número 2 ele classificou como mais fraco.
   O tempo passou, a ascensão do vinho número 1 tornou-se cada vez mais evidente e ele ficou, na opinião de todos, melhor do que o número 2. Mas o Flávio não identificou a Touriga no vinho número 1, nem o Akira identificou essse vinho, apenas disse que era europeu, sem saber dizer o país. Pela uva, o vinho número 2 estava devidamente enquadrado. Ninguém notou nada em comum entre os dois decantadores, e a avaliação terminou por aí. Finalmente, deixei cair a cortina.
Vinho número 1 (esq.): Flor de Crasto 2006 (12,5% de álcool).
Vinho número 2 (dir.): Flor de Crasto 2009 (14,0% de álcool).
Ambos contendo Tinta Roriz, Touriga Franca e Touriga Nacional, com fermentação em cubas de inox.

   A evolução do Flor de Crasto 2006 foi bem comentada - essa é uma das qualidades que eu mais gostava nesse vinho que é considerado simples por muitos, mas que eu sempre gostei justamente pela evolução. A baunilha evidente no Flor de Crasto 2009 deixou-nos mais intrigados. Ora, a baunilha vem da tostagem das barricas de carvalho americano, mas... os iniciados sabem - e já mencionei na própria descrição dos vinhos - que o Flor de Crasto (e o próprio Crasto Douro, na verdade) não estagiam em barrica... o que nos leva à conclusão de que essa baunilha foi "colocada à mão" no processo.

   Ficou evidente que um vinho não tinha nada a ver com o outro. E agora farei jus ao nome do blog e começar com as chatices. Ficou também evidente que vários produtores estão se ajustando a uma forma padronizada de produzir vinho. Quem sabe, para o consumidor médio, "tanto faz, desde que produzam um bom vinho". Tudo contra! Por que é vamos nos render a "tendências" (os americanos apreciam vinhos com baunilha, e tais vinhos normalmente são melhores pontuados pelos avaliadores) e sacrificar o que o vinho tem de mais interessante, que é seu terroir, sua tipicidade?


"Um mago devia saber que isso não se faz!"
Essa frase é de Barbárvore, personagem do livro O Senhor dos Anéis
e aplica-se direitinho aos  nossos digníssimos enólogos. Ei, acordem...

   Diversos vinhos espanhóis (a maioria dos vinhos de baixo custo da GrandCru) e vários argentinos (o Alma Negra é só um exemplo) também estão entrando nessa dança de vampiros - e não é "para o bem ou para o mal"... é para o mal! - onde a turma quer chupar uma receita milagrosa que fará seu vinho melhor ser aceito no mercado (americano). Para ser franco, não detectei essa tendência nos chilenos, mas meus estoques reguladores ainda me garantem alguns meses de chilenos safras 2006-2008. Se alguém notou a presença de baunilha de maneira mais marcante nos vinhos chilenos, eu gostaria de saber.

   Melhor para por aqui... as citações de bons autores é sempre bem-vinda. Se eu fosse começar a me citar para qualificar algumas "tendências de mercado" a imagem do blog estaria comprometida (rs!).

Monday, July 2, 2012

Degustação da Zahil pela Mercearia 3M - Parte II

   Continuando a falar da degustação da Zahil, quando comentei dos argentinos esqueci de mencionar a linha Finca El Portillo, da Salentein. Com diversas cepas (Malbec, Merlot e Cabernet Sauvignon), é um vinho para o dia-a-dia muito "acertado", redondo, e que não decepciona quem está acostumado com um Tarapacá, apenas para ficar nesta comparação. O custo normal de R$ 33,00 já está bom comparado a outros na faixa de preço, mas um pouco caro em geral. Está difícil encontrar um vinhozinho legal a preço razoável neste país... Agora, com a promoção em voga, leve três e pague dois, o preço cai a R$ 22,00 e ele transforma-se em uma excelente opção.
   Havia comentado na postagem anterior quem pagaria um centavo por um vinho libanês sem conhecê-lo. E quem teve oportunidade de participar do evento encontrou dois, o Coteaux de Botrys Cuvée L'Ange, corte GSM (Grenache, Syrah e Mourvédre), a exemplo de alguns australianos, e o Château Kefraya (Cabernet Sauvignon, Mourvèdre, Carignan e Grenache). Os produtores libaneses seguem a escola francesa (sem dúvida herdada da época em que a França tinha forte ascendência sobre a região, no começo do século XX), produzindo vinhos de corpo médio a encorpado, mas sem chegar à potência dos sul americanos. São produtos bem mais caros, com preço um pouco superior a R$ 100,00, e na minha opinião deveriam receber mais atenção. O Coteaux de Botrys abriu bem logo de início, e melhorou depois, o que infelizmente não aconteceu com o Kefraya, que é um bom vinho mas precisa de uma hora de decantação para mostrar suas qualidades. Como foi apresentado, da garrafa direto para as taças, sem a devida decantação, pode ter afugentado quem não conhece.
   A Austrália foi representada pela vinícola d'Arenberg, com dois títulos: The Stump Jump, corte GSM, e The Footbolt, 100% Syrah. Ambos prontos para beber, leves, agradáveis e com bom retrogosto. Pela faixa de preço (R$ 70,00 a R$ 90,00) não são para qualquer bolso, mas em se tratando de australianos dificilmente existem opções melhores. Mas se o desejo do momento é um vinho Syrah, uma boa opção é o Aquitânia Syrah Reserva, bom no nariz - mais pegado, ao estilo do Chile - bons taninos e bom preço (na faixa de R$ 50,00).
The Footbolt 2008, 100% Syrah, 14,5% de álcool, bastante redondo.


   O evento contou também com uma degustação fechada, paga à parte, com quatro vinhos de melhor qualidade e maior preço. A lamentar que aqui não foi apresentado nenhum branco, e não por falta de opção. Claro que eram todos "vinhões", mas analisar com minúcias depois de beber durante todo o evento é uma tarefa para poucos. Pela força, o Apartado 2006 (Cabernet Sauvignon, Malbec e Syrah), da Rutini, lembrou-me o Primus Malbec, da Salentein, ambos do catálogo da Zahil, ambos disponíveis na Mercearia 3M e ambos na faixa de R$ 200,00. A lembrança foi puxada pela potência do Apartado, a despeito da maciez elegante de ambos. São vinhos frutados, taninos "pegados", ao estilo sul americano, o um duelo entre ambos seria memorável.
Apartado 2006, 50% Cabernet Sauvignon, 30% Malbec, 20% Syrah, 13% de álcool.


   O Amat, feito de Tannat pela Bodegas Carrau, eu já havia experimentado duas vezes. Frutado, muito diferente (muito mais elegante) do que a maioria dos Tannats que encontramos por aí, vale o preço na faixa de R$ 130,00. Bom nariz, muito frutado. Não evolui muito com o tempo, o que surpreende; em compensação, abre pronto para ser degustado. Não sei qual é o mistério, tanto por abrir bem como por não evoluir muito depois de aberto. Alguns (eu inclusive) acham que vinho deve evoluir... no meu caso, pelo simples motivo que é o esperado para um vinho... vale experimentar.
Amat 2005, 100% Tannat.


   O Domus Aurea 2007 é um ícone chileno. Potente, enche o nariz e a boca e deslumbra. Já havia experimentado o 1999 e o 2006, e este também não decepcionou. É muito elegante, frutado, proporciona uma experiência exuberante mesmo depois de todo o vinho consumido durante o evento. Pelo preço, R$ 230,00, é simplesmente a melhor compra de vinho chileno icônico que se pode fazer no Brasil: enquanto o Domus está na mesma faixa de preço do Don Melchor e do Don Maximiano no Chile, aqui no Brasil está à venda pela metade do preço desses vinhos! (veja aqui).
Domus Aurea 2007, 86% Cabernet Sauvignon, 7% Merlot, 7% Cabernet Franc, 14,5% de álcool.


   E finalmente, para alegria do Flávio Vinhobão Henrique Silva, veio o Brunello de Montalcino Altesino 2006. O Flávio é especialista em Brunellos, e destrinchou o vinho aqui. Principalmente depois de tudo que bebemos, da "primeira fase" aos ícones acima, receber uma taça desse Brunello e ainda notar que estávamos bebendo um vinho delicioso só faz destacar a qualidade do menino. Claro, 100% Sangiovese, com 14% de álcool adequadamente intregados, surpreendeu por estar tão bom ainda novo - sempre ouvi falar que Barolos e Brunellos devem ser bebidos com 10 anos de garrafa. Imagino que poderá evoluir ainda mais. O único senão são os R$ 280,00 necessários para levá-lo para casa e aguardar sua maturação. Talvez alguém se disponha a dar-me um de presente. Eu aceitarei (rs).


   Findas as impressões do evento, resta o último registro: os parabéns à Mercearia 3M e à Zahil pelo ótimo e acolhedor evento, e pela paciência com nossas perguntas durante a palestra dos ícones.

Sunday, July 1, 2012

Degustação da Zahil pela Mercearia 3M - Parte I

Noite de fortes emoções em 30 de junho

   Neste sábado aconteceu a degustação de vinhos da importadora  Zahil realizada pela Mercearia 3M, comandada pelo sempre atencioso Idinir Janduzzo e assistido pelos eficientes Leonardo "Leo" 3M e 'João Português'. A Zahil esteve representada pela sempre simpática e atenciosa Simone Puglieri, capitaneando staff igualmente atencioso.
   A Zahil importa aproximadamente 300 rótulos de 11 países e tem por consultor o sr. Jorge Lucki, engenheiro Politécnico (sic) que virou um dos maiores especialistas em vinho do Brasil, com coluna fixa no Valor Econômico e autor de A Experiência do Gosto.
   Degustações da proporção dessa - mais de 50 rótulos - não se prestam à pretensão de conhecer todos os produtos mostrados; antes, serve para apresentar produtos e quebrar resistências (quem aí apostaria, às cegas, um centavo em um vinho libanês?). Assim, experimentei alguns que, apesar de simples, ainda não tivera a oportunidade, e outros, às vezes até mais $complexos$, pelo simples prazer de matar a saudades. Como tais eventos são produzidos por seres humanos e frequentados também por seres humanos, erros são comuns, e as críticas, inescapáveis. Particularmente acho que a Zahil perdeu a oportunidade de apresentar alguns vinhos diferentes e muito bons que tem em seu catálogo. Por exemplo, enquanto o muito bom mas sobejamente conhecido Vinha Grande era servido, faltou o Quinta dos Carvalhais Colheita, que experimentei na Expovinis. Não dá para dizer que a diferença de preço possa ter influído na escolha, porque ela é pequena. Enquanto o Summit defendia com bravura e quase sozinho a honra das castas brancas, o extenso catálogo da Zahil poderia fazê-lo acompanhar-se por outras opções para preencher espaço em seus flancos. Também faltou um pouco de atenção ao serviço: enquanto muitos vinhos - por mais simples - estejam prontos para beber logo ao sacar da rolha, alguns precisariam de pelo menos meia hora de decantação para mostrar a que vieram. Foi justamente o caso de um libanês - e quem voltaria para comprar um vinho libanês de cem reais se a primeira experiência não foi das melhores? Essa sutil complexidade define muitas vezes se o vinho vai vender ou se vai sobrar na prateleira, o que é prejuízo para a marca e, principalmente, para o bolso do comerciante. Como o leitor já deve estar pensando "Mas viemos para beber ou para conversar?", vamos a elas (às botellas).
   Começando pelos brancos, o Summit 2900 Reserva Sauvignon Blanc (Chile). Um belo vinho, equilibrado, saboroso, mineral, com notas de pêra (para gáudio dos conhecedores). Se você não entendeu, veja meu comentário sobre o Planeta Alastro. (uma lágrima escorrendo de leve): só consigo enxergar 'pêra' na maioria dos brancos; provavelmente seja outra coisa neste Summit, mas pode ir com fé; este branco tem ótimo buquê e boca à altura. Pelo preço (inferior a R$ 50,00), uma boa compra.
   Dentre os espanhóis, o Rioja Finca San Martin Crianza (2008) é um Tempranillo com 18 meses de carvalho e proporcionou uma experiência tão inesperada quanto intensa, porque dei a dúbia sorte de pegar a garrafa ainda cheia. 
Finca San Martin Crianza 2008, Rioja, 100% Tempranillo, 13,5% de álcool.


   Levei ao nariz e bateu a brett (sic) com uma força que nunca tinha visto - oh, como se a conhecesse tão bem... Para quem nunca ouviu falar, brett (somente para os íntimos) é o nome do fungo Brettanomyces. É comumente confundido com um defeito da rolha, o que não é verdade. Para alguns enólogos, sua presença em baixa quantidade aporta caráter ao vinho, pois contribui para sua complexidade. Para outros é, irremediavelmente, um defeito. Se você é daqueles que ainda acha conversa mole para boi dormir quando enófilos experientes descrevem um vinho, como "fumo", "café", "folhas de outono", "ameixa marciana", "estrebaria", etc., fique sabendo que, na maioria dos casos, as observações são pertinentes! E, se você acha "estrabaria" um tanto inusitado, não se esqueça que algumas pessoas são elegantes e encontram formas delicadas de escrever... merda! Sim, merda. Porque é essa e primeira impressão que um vinho com bastante brett apresenta. E creia, leitor, bateu forte este Finca San Martin, a ponto de provocar uma primeira quase-repulsa seguida imediatamente pela inesperada sensação de "uia, que diferente" - lembra que escrevi a dúbia sorte? Pois é. Para alguns, dúbia mesmo. Para mim, a sorte grande, pelo diferente. Fiquei alguns minutos balançando a taça e experimentando do buquê, acompanhando declínio da brett e a ascensão de frutas vermelhas, bebericando devagar e apreciando a transformação quase milagrosa da boca emparelhando com o nariz. Depois da brett, potência, elegância e alegria. Por R$ 77,00 é um pouco caro, mas a experiência que proporciona, essa sim faz a diferença. E atente-se para a taça em que for beber este vinho; bem uma de boa qualidade, a experiência como narrei pode ficar comprometida (ou não), e a brett pode não aparecer tanto.


   O Salentein Numina foi uma surpresa para lá de agradável. Já conhecia bem a linha reserva, uma boa compra a preço normal e excelente quando em promoção, e o portentoso Primus Malbec, definição de elegância em sua faixa de preço. Este corte pouco usual de Malbec e Merlot (66%-34%) surpreende pela força e estrutura. Final longo e prazeroso, é um excelente vinho, e parece-me que vale a diferença (a preços normais) de uns R$ 25,0 a mais do que outro participante da degustação, o Rutini Cabernet, que, por já conhecer, não experimentei nesse evento.
   Representando a França, a dupla Les Hauts de Janeil Syrah/Grenache (2010) e o Les Granges des Domaines Rothschild Haut Médoc (2009) fizeram um papel honesto. O primeiro, inclusive, surpreendeu. No nariz, a Grenache dá a primeira impressão de um vinho espanhol, com frutas negras e um pouco de baunilha - a mesma que, na maioria dos casos onde tem aparecido, dá um "quê" de "já te ví em algum lugar". Neste caso, só contribui com elegância. Pelo preço (inferior a R$ 50,00), é uma ótima compra. O segundo, Cabernet Sauvignon, Merlot, Cabernet Franc, corte tipicamente francês, é dito como um vinho cuja potência responde à dos sul americanos, o que não encontra ressonância neste cronista. É um bom vinho, frutado, final não muito longo mas elegante. Não bate o Numina, por exemplo, e apenas para ficarmos com exemplos do próprio evento. Considero um pouco caro em seu preço normal, ficando mais atraente na atual promoção (uma garrafa = R$ 98,00, leve três pelo preço de duas), quando pode ser uma boa compra justamente para quem não aprecia tanto os taninos mais firmes dos chilenos e argentinos. À guisa de conclusão, o primeiro eu gostei e é bom; o segundo eu não gostei... mas é bom também, e encontrará sua clientela. Até tenho guardada uma garrafa de 2005 do Les Granges, e seria uma boa comparação abri-la com esta safra mais nova.
   Para não deixar esta postagem muito comprida - e não afastar o raro leitor - encerro por aqui esta primeira parte dos comentários sobre a degustação.