Thursday, November 29, 2012

Noite de nacionais na Mercearia 3M

Na última segunda-feira a Mercearia 3M promoveu degustação de vinhos e massas, os primeiros representados pela vinícola nacional Miolo, enquanto as segundas vindas diretamente do Consulado das Massas. As massas são de ótima qualidade; saborosas, muito bem feitas e, com bons vinhos, um convite à completa perdição. Vou segurar o dedo no teclado (rs). A Miolo, cuja produção dá-se principalmente no Vale dos Vinhedos, é aquela empresa que encabeçou a malfadada empreitada da salvaguarda nacional contra os maléficos vinhos estrangeiros, cujo poder de arruinar nossa economia (nossa?) cresce a cada dia, sem que ninguém faça algo contra isso. Deixemos essas coisas tenebrosas de lado, vamos ao que mais interessa.

Os trabalhos iniciaram-se com a apresentação do espumante Millésime 2009, um Brut produzido apenas em safras excepcionais (2004, 2005, 2006, 2008 e 2009, a última safra, até onde encontrei, e condiz com informação do sítio do produtor: envelhecimento de pelo menos 18 meses). Também segundo o sítio, este blend de Pinot Noir e Chardonnay, "Em boca revela delicada cremosidade, sedutora acidez e longa persistência". Gostei do "Em boca", mas definitivamente apreciei mais no nariz. Não sou conhecedor de espumantes (mais por não ter aprendido, ainda, do que por qualquer outro motivo), embora sempre tente um ou outro. O Astoria, um Prosecco importado pela Zahil, chamou-me a atenção, certa vez. O Millésime, não.

Seguiu-se o Cuvée Giuseppe Chardonnay D.O. 2011, que... vergonhosamente, não percebi que provei. Havia me esquecido dele, e fui lembrado quando liguei para o Leo, da Mercearia, para perguntar sobre as safras dos vinhos degustados. Então vou me fiar no único comentário encontrado no sítio da Miolo: "Duda (dudacgoncalvez@ymail.com) | 19/5/2011 23:28:34 |(100% : nota 5) Fantástico! Untuoso e com excelente acidez, lembrou grandes Chilenos e até alguns Californianos que tomei, Melhor branco nacional que ja provei!". Enviei uma mensagem para o valente e despojado Duda, mas infelizmente recebi como retorno um fatídico "Delivery to the following recipient failed permanently". É impressionante como as pessoas criam contas e as abandonam logo depois... deveria haver uma lei contra isso.

Entrando nos tintos, foi a vez do Cuvée Giuseppe Merlot/Cabernet D.O. Safra 2010.
Abrindo parênteses: Cuvée é um termo que volta e meia encontramos em rótulos de diversos países e, além de uma palavra bonitinha e estrangeira (ter um rótulo com palavra estrangeira estampada talvez possa fazer com que produtos custem o dobro por nada), não diz absolutamente nada quanto a qualidade. Seu uso não é regulado pela legislação de qualquer país (ou alguém avise-me, por favor), e de forma alguma assegura qualquer millésime de qualidade. Assim, fica a pergunta: no sítio consta "Um vinho de qualidade assegurada"; assegurada por quem? Fechando parênteses.
Com 13,5% de álcool, tem um conjunto interessante no nariz; fruta e uma madeira bem leve. Está na classe dos vinhos de boa apresentação (nariz) seguida de decepção (boca), o que não é um pecado mortal; antes, mostra como é difícil produzir bons vinhos (bom no sentido de completo, com integração nariz-boca). Ao contrário do sítio, não enche a boca - bem, quando você sorve da taça a boca se enche de vinho... - e o final é muito curto.

O Merlot Terroir 2009, com um ano de maturação em barricas francesas e outro ano na garrafa, é considerado pela vinícola como um ultra premium. Tem 14% de álcool, também bem integrados com o buquê, boa madeira, fruta evidente. Seu volume na boca é mais evidente do que o apresentado pelo Cuvée Giuseppe; é mais redondo, aveludado e o final é mais longo, embora ainda seja curto. A Miolo tem um vinho cujo final aproxima-se de longo (sem atingi-lo, diga-se, que é o Lote 43; contudo, este não foi provado na degustação). Apenas um comentário sobre a figura ilustrativa no sítio da Miolo: leio "básico semiluxo" pensando primeiro que "luxo" não se confunde com "básico", e em segundo pensando em uma mulher "semigrávida"...
Fonte: sítio da Miolo
Fonte: sítio da Miolo.

Fora do roteiro original da degustação, apareceu o Quinta do Seival Castas Portuguesas 2008, um corte de Touriga Nacional e Tinta Roriz, que se expressam de maneira muito diferente aqui no Brasil. Concordo que isso seja uma obviedade, mas o resultado em nada lembra a Touriga - ao menos para mim, e também reconheço estar aprendendo sobre castas portuguesas praticamente agora, quando começam a chegar ao país varietais portugueses de preços acessíveis. Ainda assim, boa fruta, boa madeira e seus 14% de álcool também apresentam-se bem integrados, embora eu não possa concordar com o sítio, "vinho potente e altamente estruturado, com bom volume de boca ". Não é potente, é de corpo médio. É "estruturado", mas o "altamente" fica por conta da liberdade poética do departamento de marketing. Tenha-se que sua abertura aconteceu no final do evento, por resolução do proprietário da Mercearia, o sr. Idinir, que, percebendo algumas fisionomias desconfortadas, fez questão de brindar todos os presentes com mais alguns goles. Talvez a decisão tenha sido um pouco tardia, pois não houve a hora de descanso sugerida pelo produtor; o vinho descansou por algo como vinte minutos, meia hora.

Por conclusão

   Outro bom evento promovido pela Mercearia 3M, com tratamento sempre muito bom por parte dos funcionários, srs. Leo o João, e do proprietário, sr. Idinir. A Mercearia sempre prima por boas parcerias, embora em alguns momentos pareça quixotesca a necessidade de ter de competir com o sítio do próprio produtor (e nem me parece lá tão boa parceria). O duro é que consegue competir.
   Uma certa má vontade deste parecerista para com os vinhos (analisados em particular e nacionais em boa parte) deve-se a vários fatores:

  • A recente história da salvaguarda (e, antes dela, do selo obrigatório) mostra grupos empresariais mais interessados em lesar o consumidor do que ajudá-lo (ou, para ser mais elegante, para "fazer uma parceria com ele"). Brigassem esses grupos por menos impostos - nem que fosse apenas para os vinhos nacionais (que mal há nisso?) - em troca de uma redução nas margens, teríamos a sensação de um serviço à nação (e a nós próprios, consumidores), sem contar que os tais grupos se ajudariam a si mesmos (imagem, mais vendas, etc). Mas a opção é clara, e é contra o consumidor.
  • As próprias margens, que são pornográficas além daquelas de vários importadores (descarte-se produções minúsculas, onde o trabalho francamente artesanal não consegue competir com a mecanização); o envio de Lote 43 aos Estados Unidos com preço de venda lá a R$ 52,00, conforme comentei em postagem antiga, sugere preço FOB pela metade, R$ 26,00. Por que pagamos (bem, eu não pago; nos é oferecido a) R$ 100,00 por ele? Gente, o imposto aqui é só 50%! (não sei se "sic" ou "risos"!).
  • Traduzindo as margens em mais números. De tão fácil, chega a ser ridícula a tarefa de encontrar vinhos bem mais baratos e que agradem mais. Um corte geral de 50% nesses custos colocaria os vinhos nacionais na mesa dos brasileiros que conhecem um pouco sobre o tema. Como está, continua sendo necessária uma lei obrigando os comerciantes a reservarem "x" por cento do espaço aos nacionais. Ainda bem que não saiu uma lei obrigando o consumidor a comprar "x" por cento de suas garrafas em nacionais... mas é melhor não ficar dando ideias...
  • A mania de promover o produto para muito além de seu patamar, e acabar caindo em armadilhas semânticas e de extremo mau gosto: "básico semiluxo"; "ícone", mas com produção de 80 mil garrafas... melhor parar.

   Em tempo, justiça seja feita: enviei cinco mensagens para clientes que deram opinião sobre o Cuvée Giuseppe Merlot/Cabernet, e nenhuma mensagem voltou, pelo menos no tempo em que escrevi esta postagem. Em tempos de Black Friday, onde o Procon notificou diversas empresas, várias delas de "grosso calibre" - e que deveriam ser de maior confiança do consumidor - é dever de cada um fazer a sua parte ao desconfiar de alguma prática abusiva. Faço a minha, e apresento os resultados, ainda que contrários às minhas suspeitas.
   Bons goles.

Monday, November 26, 2012

Uma noite italiana, com certeza

Primeiro Ato: O Motivo e as Fontes

   Por ocasião de uma das despedidas de Raquel, que está de malas prontas para uma temporada nos EUA (vai ter que trazer vinho! - rs!), fizemos uma reunião temática, e chamamos a italianada. Compareceram o casal-20 Endrigo e Vânia, a Raquel e o escriba. Lá pelo final, chegou o Akira. E quem faltou terá de se contentar em ler a postagem...
   A Raquel passou em casa um dia antes e deixou um Brunello de Montalcino Val Di Suga 2005, da vinícola Tenimenti Angelini. Aqui começa a confusão. O rótulo é diferente do encontrado no sítio do produtor... que, por sua vez, também é diferente do rótulo encontrado na Wine-Searcher! Bom, muito cuidadosa, ela estava receosa com o serviço do menino, e pediu-me para cuidar dele. Sem muito mistério, abri a garrafa no dia seguinte, às 11:30. Peguei um dedo para provar: cheirando a água de rio e nenhum paladar, confirmava minha (pouca) experiência prévia com Brunellos; o vinho não era vinho. Deixei no decantador, guardei a taça na geladeira, devidamente tampada, e lá pelas 16:00 fui abrir um Barbaresco Castello di Neive 2006, da Santo Stefano. Sobre Barbarescos, e para quem se lembra da postagem, após supostamente passar por tolinho, também estava descolado; julguei que umas quatro horas no decantador estariam de bom tamanho. Na taça, o Brunello dava mostras da transformação. Às 20:00, voltei cada vinho para sua garrafa, não sem antes provar mais um dedal (rs) do Brunello, curioso. O milagre estava operado, e o vinho era vinho. Refrigeração em ambos, para saída às 20:30. Portanto, a primeira conclusão: não pense, leitor, que estará bebendo um Brunello se ele tiver sido aberto há menos de sete, oito horas. Estará bebendo alguma outra coisa, mas não um Brunello. E desconfie de degustações onde esse vinho respira (quando respira...) por duas horas. Se ele estiver bom, imagine como ficaria com mais tempo...
   Cheguei ao restaurante Gula e Cia 5 minutos antes dos demais - tempo para pedir e receber gelo e  sentar-me na direção do ar-condicionado. O casal-20 apresentou-se com seu Barolo La Marchesina 2006, da Vinícola Costanza. Indócil, a Raquel ainda apareceu com um Amarone Costasera 2007, da Masi Agricola. Estava armado o palco para uma catástrofe digna de se desenvolver ao som de Rigoletto, na voz  de nenhum outro que não o próprio Pavarotti.
Endrigo (esq.); acima, Raquel e Vânia; à direita, o escriba.

Segundo Ato: Os Vinhos

   O Brunello Val Di Suga, após 8 horas de decantação, apresentou-se bem: fruta evidente e sutis complexidades que escaparam a este deficiente nasal foram apontados pelos companheiros. Em nada o conteúdo anterior, antes do mistério da transmutação de água-de-rio para vinho se operar. Seus 14,5% de álcool, em harmonia com os taninos e boa acidez, evidenciaram um vinho estruturado. Final bom, mas não muito largo. O início fechado lembrou-me outro Brunello que pude apreciar desde a abertura; preciso ficar atento aos próximos para confirmar o padrão. Após seu desenvolvimento, um bom vinho, mas sem marcar. Se chamarem-me para outro, claro que vou. Mas arriscaria outro produtor, se tivesse de comprar um Brunello.
   O Barbaresco Castello di Neive 2006 mostrou-se pronto para degustar com suas quatro horas de decantação. Também 14,5% de álcool, também bem equilibrado, agradou mais que o Brunello e menos que outro Barbaresco que provei em agosto e mencionei no vínculo do Primeiro Ato. Fruta vermelha e alguma complexidade tornam o vinho fácil de beber, leve, ligeiro e sem grandes lembranças.
   O Barolo La Marchesina 2006, 13,5% de álcool, do qual eu já havia experimentado um exemplar nada menos do que detestável, apresentou-se mais adequado desta vez. Provavelmente fruto de decantação um pouco mais prolongada promovida pelo Endrigo, desta vez apenas não comprometeu. Apesar de comprado a R$ 70,00 (setenta reais!), o que é muito pouco para um Barolo (na média de nossos preços, bem entendido), está notas abaixo de outros vinhos que podemos comprar pelo mesmo preço em nosso mercado, sejam eles chilenos, argentinos ou mesmo italianos. Presentes alguma fruta e final curto, traço típico de vinho mais ou menos simples. Se pensam em abrir outro, "incluam-me fora desta" (rs).
   O Amarone Costasera 2007, 15% de álcool, bateu com outros Amarones que já experimentei, e para mim foi o melhor vinho do encontro. Fruta vermelha, chocolate (ou café? - rs), equilibrado, complexo, ótimo final. Vinho bom é assim, não tem tanto o que falar, é beber e se deleitar.

Terceiro Ato: Gran Finale

A comida forrava nossas barrigas, os nível das garrafas quase não descia, olhares desesperados cruzavam-se no ar em busca de mais... "inspiração", quando por volta das 23:00 chegou o Akira para ajudar-nos no abate. Confirmou algumas opiniões, deu outras e, exceto ele, todos os demais saíram dizendo ter apreciado bastante tantos Barbarollos, Barbarones, Brunellescos (sic!), mostrando a catástrofe do evento. Como diria o colega que não pôde comparecer, "É muito vinho!".

Tuesday, November 20, 2012

Noite espanhola e um amarelo...

   Quem lembra de uma postagem anterior, aquela do Xabec? Ninguém, aposto. Bem, eu havia comentado sobre uma provocação envolvendo espanhóis a título de comparar a tão falada relação custo x benefício. Por voltas que o mundo dá - e canalhas que não comparecem quando chamados à obrigação, dentre outras coisas - acabou acontecendo apenas agora. A ideia original era "O Clos de Torribas no contexto dos espanhóis da Grand Cru". Acabou não sendo exatamente assim; foi melhor:

O contexto dos espanhóis de baixo custo

   Surpreendentemente, alguns espanhóis estão chegando ao país a preços razoáveis, se comparados com o respectivo custo no país de origem ou nos EUA. O primeiro a chamar-me a atenção foi o amigo Renê, frequentador assíduo da Grand Cru de Campinas. Eu não sabia disso, e ele só contou-me após o terceiro vinho dele deixar o meu chileninho básico/argentininho básico - na mesma faixa de preço, claro - servindo-se da poeira dos Embocaderos, Casajus e outros da mesma leva - apesar de um pouco descaracterizados (na minha opinião), ainda são melhores que os similares sul americanos aos quais eu estava acostumado.
   Então, após experimentar os primeiros espanhóis, comecei a prestar mais atenção nos vinhos da península. Sim, já estava algo íntimo de alguns portugueses, mas apenas apenas de uns poucos. E, no final de 2011, fiz uma compra bem sortida de diversos vinhos da Grad Cru, evitando os já conhecidos. O comentário geral sobre os primeiros que provei, como mencionado no início do texto, está aqui. A um dado momento, chegou a oportunidade de experimentar espanhóis entre si, para um tira-teima. Vejamos o time:

Clos de Torribas 2007, Penedés, Milcampos 2009, Ribera del Duero, Don Román 2008, Rioja, Artero 2008, La Mancha. Portanto, uma boa mistura de regiões, embora a cepa predominante fosse a Tempranillo. Ao fundo, o amigo Akira.

   É bom frisar que a degustação foi realizada às cegas, cada vinho em um decantador. Tirando este que vos escreve, e sabia quem era quem - sabia até confundir tudo, evidentemente - os demais participantes foram o Akira, o FHV (não confundir com FHC; este é o Flávio Henrique Vinhobão) e o casal Endrigo e Vânia. Aliás, o Endrigo foi o responsável por elaborar um escore final compilando as notas de cada participante.
   O melhor vinho do encontro acabou sendo o Clos de Torribas, pelo qual paguei R$ 19,90 em uma promoção. Seu preço normal está na casa dos R$ 36,00, onde parece-me já um pouco caro. O segundo vinho foi o Don Román, com preço em R$ 38,00. Na minha opinião, o melhor; isso faz acender a luz amarela para o Torribas no quesito custo. Em terceiro, tecnicamente empatado com o D. Román, veio o Artero. Pelo custo, R$ 56,00, fica mais do que justificada sua terceira posição. A baixa acabou sendo o Milcampos, que amarelou, literalmente. Estava passado - mais na boca do que no nariz, e acabou desclassificado. R$ 49,00 jogados no lixo. Quem conhece - eu, dentre eles - puxou a "memória enofílica" (sic) e comentou que não teria potência para encarar os presentes. Pelo preço, então... No mais, quem participou pôde experimentar um festival de ótima qualidade pelo preço nominal. Difícil encontrar similares para bater os dois primeiros, embora o português Cicônia pudesse fazer boa presença. Mas a noite era espanhola.

Conclusão

   A ideia inicial era comparar vinhos em uma faixa mais estreita de preços, considerando-se os valores normais dos produtos. Contudo, os aumentos da Grand Cru, elevando o Sabor Real Joven (assim mesmo, com "n") de R$ 38,00 para R$ 46,00, e o Sabor Real Vinhas Centenárias de R$ 48,00 para R$ 58,00, acabou estragando um pouco a proposta original. Estes dois entrariam bem em uma composição de valores de R$ 35,00 a R$ 50,00, mais ou menos, e justificariam mais a proposta de analisar o Clos de Torribas no contexto dos espanhóis da Grand Cru, já que entrariam, assim, três vinhos dessa importadora. Daí que entra um, sai outro, ficou como ficou (sic); bom da mesma maneira e todos prontos para a próxima.

PS: levei um "carco" da turma por não interpretar direito o escore do Endrigo. O primeiro vinho, na opinião geral, foi o... Don Román! Depois, empatados, o Clos de Torribas e o Artero. Bem, viva! O meu preferido realmente ganhou...

Sunday, November 11, 2012

Se Baco não ajuda, o acaso não falha

Para quem leu a última postagem, saiba desde já que Baco não me iluminou. Mas o acaso ajudou um pouco, e no final o resultado foi (quase) o mesmo. Do começo...

Numanthia, o vinho

   O Flávio já falara muito sobre esse vinho antes de eu experimentá-lo pela primeira vez. Aconteceu no começo deste ano: cheguei na casa dele e lá estava o danado, safra 2000, aberto havia quatro ou cinco horas. Junto do Akira, bebemos um tanto para chegar à conclusão de que o vinho estava fechado, ainda. Resolvemos deixar o vinho aberto mais um dia - a meia garrafa ficou fora da geladeira, para permitir que o vinho continuasse a evoluir (a temperatura menor retardaria o processo). No dia seguinte, às 20:00, estava uma maravilha. No nariz, era algo de indescritível, pois o preenchimento era tridimensional (rs). Não consigo explicar melhor; nunca um buquê me vez sentir volume, se o leitor compreende. Na boca... bem... seco, muito seco, e ao mesmo tempo o veludo em pessoa. Pode dar-se ao luxo de não acreditar, caro leitor, que eu sequer o culpo. Mas saiba que o mundo existem dois tipos de pessoas, aquelas que não acreditam e não acreditarão jamais, e aquelas que um dia experimentarão um Numanthia (rs); todos os outros já sabem do que eu falo.
   Foi mais ou menos assim, (bem) pouco escolado, que abri uma garrafa no Numanthia 2007: abertura da garrafa na quarta-feira, às 16:00, com uma pequena peneira em cima (para evitar a entrada de minúsculos intrusos alados que certamente seriam chamados pelo buquê). Lá pelas 20:30, retirei um pouco. Isso abriu a área de troca, e assim o vinho ficou até o dia seguinte quando, às 16:00, ele foi para o decantador. Às 19:00 o decantador foi para a geladeira, e às 20:00 eu estava chegando na casa do Dr. Marcão (rs), onde o vinho continuou na geladeira até às 21:00, quando foi levado à mesa. Começamos a degustá-lo por volta das 22:00. Mas antes disso, teve mais...
   O Marcão queria começar com algo mais leve, e encontramos na adega dele um Dancing Bull Zinfandel 2010. No contra-rótulo, a informação de ser produzido em Modesto (Califórnia), região desconhecida para mim, pela vinícola de E&J Gallo. Acontece que os produtores são bastante conhecidos - e respeitados - por quem já leu algo sobre a história dos vinhos nos EUA, onde os irmãos Ernest e Julio Gallo começaram suas plantações há 75 anos. Com vinícolas ou parcerias nos principais países produtores de vinho do mundo - da Argentina, chega o mais ou menos famoso Alamos, produzido com o grupo Catena - vão deixando sua marca por onde passam. O Dancing Bull é de fato bastante leve, deliciosamente frutado e bem redondo. O preço, beira ao pornográfico, é claro: custa R$ 80,00 aqui, sendo "lá" vendido abaixo de US$ 10,00. Não queiram me convencer que compensa ser sócio deste ou daquele grupo para comprar por R$ 64,00; eu não me filio a nenhum clube que me aceite como sócio.
   E não é que o canalha do Endrigo tentou fazer concorrência com o Numanthia? E quase conseguiu! Apareceu lá com um Finca Resalso 2009, com cara de quem não sabe nada, como que chegando naquele momento, observando a paisagem... eu não conhecia, mas bati o olho no rótulo e, acima de Resalso, em letras miúdas e em tipo que imitava a escrita cursiva, um discreto Emílio Moro. Bem, a Bodega Emilio Moro está entre as mais conceituadas da Espanha, e seus ícones alcançam preços elevados mesmo no mercado americano, com pontuações tão elevadas quanto os preços. Pelo preço que ele disse ter pago (uns R$ 50,00), tomei como um possível vinho de entrada do produtor - descobri que é mesmo o produto mais simples da casa. Produzido na região de Ribera del Duero, é um varietal 100% Tinto Fino, uva também conhecida como Cencibel e ainda Tinta del País. Em Portugal é denominada Tinta Roriz e aqui no Brasil é melhor conhecida um nome bastante estranho: Tempranillo. O selinho de 89 pontos da Wine Spectator atiçou ainda mais a curiosidade. É claro que o mercado foi inundado por espanhóis 90-93+ RP a preços similares; é claro que uma degustação criteriosa colocaria algumas pontuações sub judice, como apontou o Vinhobão, mas para mim o nome falou mais alto (embora nome nem sempre garanta qualidade, eu sei). Mas o desavergonhado mostrou-se muito bom... madeira discreta e fruta muito evidente, paladar agradabilíssimo. Muito estruturado, evidenciado pela boa integração dos seus 14% de álcool ao conjunto e pelo balanço entre os taninos (quase nada adstringente) e a madeira. O final é longo, e o depois, na forma de retrogosto, é verdadeiramente prazeroso. Tem aquela conversa de um avaliador do grupo do Robert Parker ter levado alguma propina para melhor avaliar vinhos espanhóis e argentinos. A propina foi para o bolso dele, e não do grupo do Parker, diga-se. Certamente Emilio Moro não pagou; a pontuação relativamente baixa pela sua qualidade frente a outros muito melhor avaliados deixa isso bem evidente. Curiosamente, seu importador não é conhecido por margens... digamos... dignas... devem ter errado no preço. Esqueça os outros espanhóis 90+ por R$ 50,00; compre este belo 89 pontos e seja feliz.

E agora... de volta ao tão falado Numanthia 2007. É produzido em Toro, região próxima ao noroeste de Portugal, cuja história vinífera remonta os tempos do império romano. Os parreirais possuem entre 50 e 120 anos, e a uva usada é a Tinta de Toro. É claro, também atende por outros nomes: Tinta Madrid, Tinta Monteira, Tinta do Inacio, Tinta do Pais, Tinta Fina... e... sim, Tempranillo. Então, 28 ou 29 horas após a abertura da garrafa, passando as últimas quatro ou cinco horas em decantador (o acréscimo da quinta hora é o tempo de retirada da geladeira até o início dos trabalhos degustativos - sic), encontramos um vinho com bastante fruta, madeira bem presente e taninos concentrados. Curiosamente - acredite se quiser - aveludado, apesar de bastante seco. Para quem conhece pouco de vinho - como eu - é uma experiência única. Nada pode ser comparado a um Numanthia (exceto, talvez, um Termanthia - risos!). E quando eu digo que Baco não ajudou, é porque, sensação geral, o vinho não estava assim tão pronto! Algo de meio fechadão ainda pairava no ar. De qualquer maneira, servido com uma picanha deliciosamente preparada, compôs um conjunto divino. Para uma quinta-feira, próximo da meia-noite, o grupo resolveu encerrar atividades, embora sobrassem uns dois dedos no fundo do decantador. Resultado: decantador de volta para a geladeira, e, às 19:00 do dia seguinte, o decantador estava presente em nossa happy-hour na Mercearia 3M. Por lá, Don Flávio Vinhobão Silva, Don João Paulo Scavino (risos! O JP havia me convidado para um Barolo Paulo Scavino, descrito aqui, e agora ficou JP Scavino), o Caio e o Tião, que batalharam entre si por alguns microdedos (rs) de vinho. E como estava redondo... o comentário do Marcão resumiu tudo: - Agora sim está muito bom, bem melhor do que ontem! Portanto, se Baco não me iluminou, pelo menos o acaso fez com que sobrasse um tanto de vinho que pôde ser devidamente apreciado um dia depois. Não decaiu em nada, antes, tornou-se mais agradável, mais redondo. Outras 24 horas de decantação fizeram-lhe bem.

Conclusão

Numanthia de safras recentes (talvez 2003 para cá): decante por 36-48 horas, sem medo nem dó. Abra e coloque no decantador mesmo! Sem geladeira, que a temperatura baixa retardará a evolução do vinho. Não esqueça de uma peneirinha na boca da garrafa, para evitar insetos lá dentro. Safras mais antigas, como a 2000 que o Flávio nos brindou, possivelmente 24 de decantador produzirão bons resultados - mas eu acho que o bom mesmo seriam 36 horas. Dito isso, ajuste bem a abertura da garrafa com a hora da degustação. Se tiver oportunidade, experimente um microdedo logo na abertura, outro com 12 horas e ainda outro com 24 horas. Será uma experiência arrebatadora.

Thursday, November 8, 2012

Quando os vinhos não são vinhos

   O título desta postagem tem um duplo sentido: o primeiro, e mais óbvio, é quando os vinhos não são vinhos, são vinhões; vinhobão, como diria o Flávio, ou vinhosbãos, como emendaria o Akira. O segundo sentido é quando vinhos cujas cepas o provador conhece não se comportam como o esperado para aquelas mesmas uvas. E foi um pouco o caso, desta vez. Vejamos o conjunto degustado:

   O rega-bofe aconteceu por causa da efeméride do dia último dia 31 - outros eventos precederam este, o que garantiu-me farto material para escrever; só falta desembuchar... O evento descrito abaixo deu-se no dia 3, sábado.

Um início modesto...

   Recebi a galera com o Cabernet Sauvignon Medalla Real 2007, um Gran Reserva da ótima Santa Rita. Um Cabernet chileno típico: potente (as "leves notas de madeira" do contra-rótulo são pura mentira - rs! - a madeirona está lá, não passa despercebida sequer pelos não iniciados), frutos negros evidentes, taninos bem presentes e - agora sim concordo com as informações da garrafa - final persistente. E sim, largo: depois de passar pela garganta, o vinho continua lá, na salivação. Só que essa característica persistiu nos demais vinhos da noite, o que então deixarei de citar nos próximos comentários. Seus 14% de álcool  quase não aparecem. Quase. Considerando os 12 a 14 meses que o vinho passa em madeira, podemos dizer que seu potencial de guarda deve estender-se por bons anos, ainda. Deixaria mais uns três, e os taninos deverão estar mais amaciados.

Graves ofensas

   Como o Akira ameaçara um ataque com graves ofensas, digo, grande poder ofensivo, e o Flávio avisou que não deixaria por meno, resolvi-me por uma atuação na defensiva. Abri, com cerca de 4 horas de antecedência, um Torre Muga 2005 e um Xisto Roquette e Cazes 2005. O Dom Maximiano de Errazuriz  Founder's Reserve 2005 ficou como tropa reserva, sendo aberto a uma hora do início das hostilidades. Talvez o erro tenha sido abrir os dois primeiros e não retirar um pouco de vinho de cada garrafa para aumentar a área de respiro do vinho na própria garrafa. Segundo meus detratores, o erro foi mesmo não passar o vinhos para o decantador, imediatamente. Respondo-lhes que tenho mais uma garrafa de cada, para novas tentativas (e erros - gargalhadas!). Como cada um apresentou suas tropas devidamente envoltas em papel laminado, a briga de foices no escuro estava bem estabelecida. E neste ponto gostaria de esclarecer o título da postagem: a maior parte dos vinhos, apesar de feitos com cepas bem características (ou quase), não foram reconhecidos pelos valentes combatentes que cruzaram suas taças por sobre o campo de batalha, digo, por sobre a mesa que nos amparou. Comentemos.
   Torre Muga 2005: diferente do que eu acreditava, não é 100% Tempranillo, mas um corte de Tempranillo 75%, Mazuelo 15%, Graciano 10%, 14% de álcool. Ninguém reconheceu a cepa principal, embora o Flávio e o Akira identificassem como ibérico. Muito macio - no sentido de aveludado - resultado de 24 meses em barrica, tem a potência dos chilenos casada com a graça e leveza (por contraditório que pareça) que se espera de um Rioja.
   Xisto Roquette e Cazes 2005: corte de 60% Touriga Nacional, 25% Tinta Roriz e 15% Touriga Franca (14% de álcool), também foi classificado como "ibérico" sem que a Touriga, Nacional principalmente, fosse reconhecida. Melhorou muito lá para o final; ficou muito elegante, mostrando frutas vermelhas e, pareceu-me, um pouco de chocolate. Envelhece 18 meses em barrica, e a impressão foi que ainda dura mais um bom tempo.
   Dom Maximiano de Errazuriz Founder's Reserve 2005: outro vinho a envelhecer 18 meses em barrica, esta combinação de 85% Cabernet Sauvignon, 7% Cabernet Franc, 5% Petit Verdot e 3% Shiraz (14,5% de álcool) é um clássico. Foi o único reconhecido pelos bebedores, e classificado como "um chileno, sem dúvida". Mais para o meio do encontro e o Akira acertou quem era, para gáudio de uns e desespero de outros. Redondo e macio como sempre, frutos vermelhos evidentes no nariz e especiarias na boca, agradou principalmente as madames presentes.
   Colomé 180 Años 2010: desenvolvido para comemorar em 2011 o centésimo octogésimo aniversário da tradicional vinícola argentina que possui os vinhedos de maior altitude da América do Sul, chegando a 3.111 metros. A bodega fica na região de Salta, bem ao norte do país, e muito distante de Mendoza. O 180 Años é um 100% Malbec (14,5% de álcool) que também não pareceu um Malbec. Eu chutei que fosse um vinho francês - nunca a cor de um vinho despertou-me tanta atenção - e o paladar estava muito leve. Muito redondo, frutado, especiarias evidentes, mas não aquela picada da Malbec, tão característica. Segundo o próprio Flávio, que o levou, um infanticídio. Os infanticidas agradeceram...
   Da terra dos marsupiais, chegou (via NY), o Covenant Shiraz 2004, da Kilikanoon, vinícola estabelecida em Clare Valley. Este vinho de entrada (o mais simples) da Kilikanoon obteve nada menos que 94 pontos RP, e custa (nos EUA), a bagatela de US 35,00, com impostos. Estagiou 22 meses em madeira e após decantação mostrou o porquê na nota: seus 15% de álcool não dão mostra da presença, integrados à fruta vermelha e com notável persistência na boca. Mas não, não pareceu em nada um Shiraz, e ninguém acertou que fosse australiano. A menos do Akira, é claro, mas ele era o dono da criança...

Conclusão: o "duelo escondido"

   Entre minhas escolhas, uma motivação (claro, preciso manter a posição de chato): um pequeno duelo entre o Dom Maximiano e o Torre Muga. Justificativa: minha antiga reclamação do aumento exorbitante nos preços dos vinhos chilenos. Eu pagava entre 50 e 60 dólares por um Dom Maximiano, e de repente eles saltaram para 130 dólares (no Chile), 80 ou 90 dólares nos EUA e 103 dólares no nosso free shop. Eu esperava um roundhouse kick do Muga sobre o Maximiano, o que, sejamos sinceros, não aconteceu. Foi mais um "empate técnico", já que as mulheres apreciaram o segundo, e os cavalheiros, o primeiro, embora com pouca vantagem para o Muga. Contudo, o Muga custa lá fora 70 dólares... Eu já repensei sobre minhas futuras compras de vinhos de melhor qualidade. Apesar da pouca vantagem do Muga, a diferença de preço em favor deste recomenda sua compra sem qualquer vacilo. No Brasil, o preço de ambos é similar (e pornográfico). Preço por preço...

A seguir...

   Quer um vinho para expulsar de vez a sogra da sua vida? Quer um vinho para você levar no encontro da confraria, todo mundo falar mal e o vinho sobrar, para depois você bebê-lo sozinho, em pleno deleite? Abra e sirva este:

É uma agressão aos sentidos. Irrita o nariz. Não tem gosto de vinho. Sequer de água de rio. Abri ontem às 16:00 sem tirar nada da garrafa e, às 20:30, retirei um dedinho. Na safra 2007, é o pesadelo dos vinhos. Completamente fechado; daria para trocar por um Toro Loco. Tanto que, do primeiro dedinho, restou um fundinho de taça. Levantei-me às 5:00 do dia seguinte, peguei o fundinho de taça e... apesar de ficar aberto todo esse tempo, mudou sem estragar. Às 6:00 coloquei mais um dedinho na taça, a taça na geladeira, tampada com um desses plásticos de guardar comida, para que o vinho não pegasse outros odores. Hum... começando a transformar-se em vinho. Apenas senti o buquê. Termino esta postagem às 9:26 (fiz pausas enquanto escrevia), e a taça entrou e saiu da geladeira duas vezes, para recobrar a temperatura perdida. No nariz, está se transformando em vinho. Na boca (experimentei somente agora), ainda amarra demais - ok, o Numanthia é naturalmente muito seco, mas agora ainda causa estranheza. O abate será hoje à noite. Preciso decidir se ele entra no decantador a partir das 16:00... que Baco de ilumine...