Wednesday, March 29, 2023

A estória do valor do vinho III

Introito

   Aquela senhora delicada no trato, até simpática embora muito indesejada, fez outra de suas visitas há uma quinzena. Carregou consigo seu Luiz Manechini, pai da Carol, homem de sorriso fácil com quem tive pouca oportunidade de conviver. Operava com gosto e maestria a churrasqueira, contudo foi pego no contrapé por um câncer algo invasivo contra o qual lutou bravamente durante um ano e tanto. Mais uma batalha vencida pela morte com efeito profundo em nossos corações, e cujo efeito secundário é levar consigo parte de meu ímpeto em escrever. A certo momento colocamos a mão na cabeça e refletimos acerca a necessidade de continuar vivendo.

   Comentamos anteriormente sobre o poder de compra do Real - em outras palavras, do quão pobres somos/ficamos -, sobre o aumento no preço dos vinhos sul-americanos e o preço do vinho importado aqui no Brasil, observando como vinhos de qualidades bem diferentes podem chegar ao mercado com preços similares, tornando a escolha de bons vinhos um exercício de paciência e comparação. Finalmente, abordamos o preço e o valor do vinho nacional e sua paridade teórica (sic) com o importado, apontando ser o mais honesto comparar taça a taça uns e outros. O ponto é: como já mencionado, nos últimos anos e mesmo pré-pandemia, participava de degustações aqui em S. Carlos e caia direto nos nacionais e sul-americanos. Não os compro, mas, como sempre digo, não me recuso a bebê-los. Quando tiverem uma relação preço-qualidade adequada, talvez compre, mas não ao preço e qualidade encontrados nos eventos. Olhando para 350 garrafas atrás de mim, 90% de europeus, alguns norte-americanos e australianos: não os compraria em absoluto, na verdade...

As mentiras que contam

   O mercado está cheio de mentiras. No interno, querem fazê-lo acreditar na estória de termos clima adequado para produzir vinhos: terroir californiano já temos; a Borgonha que se cuide... Antes referiam-se apenas aos espumantes nacionais como produtos de alta qualidade, mas perderam completamente os escrúpulos e agora até os tintos brasileiros são premiados, celebrados e disputados lá fora. Em breve, os brancos também, escreva e guarde. Comprovei (está aqui!): enquanto nossas premiações em dado concurso chegam historicamente a 322 medalhas, menções ou diplomas por bom comportamento (risos!), o Chile, país cujo vinho é fraco, vivo dizendo, acumula 6.733 comendas! Leitor, um número 23.7 vezes superior não pode ser encarado como um engano, erro ou má fé do articulista. 23.7 vezes a mais é uma lavada! Sisqueceram do 7 a 1? Se pensam naquilo como uma lavada, caiam na real: foram apenas 7! Imaginem a Pátria em fúria se tivéssemos levado de 23! E de quem? Daquele que reputo ser o mais desimportante dentre os produtores importantes de vinho do mundo.
   Salete, cadê seu vinho nacional comprado na visita àquela vinícola da região? Estou louco para botar três garrafinhas na frente dele! Ponho três, mas não compro o vinho nacional. Reputo: saberei reconhecer qualquer resultado, mas precisaremos ter uma ou duas pessoas presentes na brincadeira que conheçam de fato sobre vinho. Dizer eu gostei é pessoal e nada tem a ver com os aspectos técnicos da avaliação de vinhos!
   Não acusarei os enólogos brasileiros; não os conheço. Apenas não me façam crer no impossível; eles são apenas enólogos. Não estudaram Milagres I (nem II, nem III) no Vaticano. Estudei Cálculo (I, II, III), depois Física Matemática (I, II) e na sequência Física Estatística (I, II), e sei um pouco como se faz contas. Então não, nossos enólogos não fazem milagres ante as limitações geográficas - e em última análise climáticas - da América do Sul. E da minha parte arrogo-me na aceitação de saber fazer um pouco de contas... mesmo sendo apenas multiplicação, adição e seus contrários...

  Os importadores estão cheios de conversas mentirosas. Loucos para trazer os melhores vinhos para você, aquela estória toda de andar à caça das grandes oportunidades (para eles) trazendo-nos safras apenas medíocres das mais famosas regiões do planeta. Claro, existem muitos pontos fora curva, mas quem olhar a curva em si notará que é de dar medo o quanto os pontos dispersam-se pouco em torno da mediana. E para que? Para pagar USD 10,00 a menos em uma garrafa de USD 100,00, e aumentar mais um tantinho seu ganho? Vagabundos. Nos enganam com mentiras na cara dura, sem o menor constrangimento. Já ouvi várias, quando conhecia menos, e elas pareciam fazer sentido. Queria ver um filho de demônio desses chegar na minha frente nos dias de hoje, com conversinha mole. Peguei um outro dia (importador e produtor nacional), numa degustação online. Chapas brancas saíram da sala rapidinho; o franqueado riu para disfarçar a vergonha; a enóloga da casa não teve coragem de defender a falta de acidez do produto - aliás, abalizou a opinião deste Enochato. Minha avó, se presente, não hesitaria em soltar um Ferro na boneca! com sua voz zombeteira. Cochichou-me, lá do Céu.

   O marketing bombardeia o consumidor com expressivo mau gosto. E não é de hoje! Em 2015 este escriba registrava excessos da concorrência empobrecendo a discussão, com a chamada (adaptada para os dias de hoje) Poderia custar até 30% a mais se fosse importado por outra empresa - está aqui! Aí este dublê de blogueiro faz as contas e conclui ser possível comprar por menos da metade do valor ofertado, caso a importação fosse realizada por importadoras mais honestas. Depois eu é quem sou um Enochato!

   O desejo do consumidor em ser feito de otário também não pode deixar de ser comentado. O importante para esse idiota de plantão é o tamanho do desconto. Sem perceber que o céu não é o limite, sisquece do quanto uma margem pode ser aumentada para então ofertar-se um desconto. Calcule uma margem de 6x, e ofereça 50% de desconto. Pronto, é o suficiente para colocar no bolso o triplo do valor do produto no mundo civilizado. Prefiro 10% de desconto em um importador honesto; invariavelmente compro mais vinho pelo mesmo dinheiro. Adquiro meus vinhos pelo importador, não pela qualidade do produtor. Se necessário, trago o vinho 'famoso' de fora, pois vale a pena. Postagens passadas já atestaram isso. Veja uma aqui!

A subversão das vinícolas boutique (ou de garagem)

   O termo remonta a 1991, quando o J.L. Thunevin, do Château de Valandraud produziu sua primeira safra literalmente na garagem de casa. O movimento levado a cabo por diversos produtores de ponta de Bordeaux foi um resposta ao engessamento hierárquico da classificação de 1855. Muitos produtores que abraçaram o movimento hoje vendem seus vinhos a preço similar ao dos bons Terceiros Vinhedos. Por aqui as vinícolas boutique viraram moda e pouco importa se os vinhedos têm três ou quatro anos de idade, muito novos para oferecer vinhos de qualidade ainda se estivessem em um terroir perfeito. Os carcarás sequer encaram o trabalho duro, pretendem produzir meia dúzia de garrafas e vendê-las a preços exorbitantes simplesmente por seguirem uma moda distorcida por eles próprios em favor de projetos turísticos com nenhum apelo à qualidade.
   Nada contra o turismo vitivinícola. O problema é o uso descarado da máxima explorar o turista, não o turismo, situação onde o produtor inclui seu vinho a preços absurdos no custo de refeição oferecida nos Châteux (rs) país afora aos consumidores de boa fé - mas completamente desinformados. Esses consumidores, sem a menor noção de custo e valor, portam-se como autênticos perdulários acreditando estar consumindo algo similar ao ofertado em outros mercados.

Conclusão

   Maior senso crítico por parte da população - na hora de comprar qualquer idem de consumo, na hora de votar, na hora de ser cidadão - é um imperativo para fazermos deste pasto chamado brasio um lugar digno de se viver. PTlhos e PSDBelhos tiveram tempo suficiente para colocar o país em rota de crescimento sustentável. Nenhum deles o fez. Como toda revolução, a nossa - quando vier - deverá começar por baixo e subir. A conseguirmos mostrar aos maus importadores - de roupas, tênis, vinhos - o devido lugar de seus produtos - no meio de suas ideias do que seja plano de negócios - estaremos melhorando enquanto país. Ela terá de ser uma revolução de costumes: precisamos nos desacostumar (sic! rs!) de ser idiotas e nos portar como cidadãos. Se preferirmos passar por chiques bebendo Catenas e Casilleros como se fossem o fino do fino, e valorizarmos vinhos tranqueiras ao nível de bebidas verdadeiramente distintas, teremos de enfrentar a maldição da ignorância até a próxima gestão do Senhor. Aviso: ela vai demorar para chegar...

Saturday, March 11, 2023

Uma homenagem ao Akira: conclusão

Introito


Para ser franco, havia conversado bastante com Don Flavitxo para fechar o encontro. Todo mundo conhece bem o gosto do Akira por borgonhas; ele apresentara-me o primeiro vinho digno da denominação há 10 anos, descrito na postagem Meu Primeiro Valisére, e cuja menção até hoje provoca risadas quando comento o título. Assim, disse ao Flávio que abriria um, e ele ficou de pensar em sua escolha. No momento de experimentar sua prenda, cafunguei devagar como fazem gatos e cachorros diante da comida desconhecida: uma, duas três fungadinhas curtas e rápidas. Antes de prosseguir, devo comentar a sempre presente canalhice nata de Don Flavitxo; suas maiores artes consistem em trazer vinhos de uma região que lembram outras - particularmente que remetem à borgonha... e tem espanhóis, gregos e italianos com essa característica. Então, cafunguei e cafunguei. É borgonhesco - comentei - mas não sei de onde veio. Jean Chauvenet Nuits Saint Georges Premier Cru 2009 é um borgonhão encorpado e escuro, bem diferente dos borgonhas facilmente reconhecíveis e com os quais tive contato. O Pommard tem mais tanicidade, o Corton tem mais corpo, e outros podem ter maior acidez, enquanto esse Nuits mantém um conjunto de chamar a atenção. Nariz com muita fruta e mais toques (não guardei), bons taninos e acidez esperada para um borgonha, boa permanência... Depois da confirmação de ser mesmo um borgonha, fiquei maravilhado pelo contato com mais essa face que não conhecia da região. Para quem não sabe, em Nuits St. Georges não existem Grand Crus. Aparentemente, quando os vinhedos estavam sendo designados, ali pelos anos 30, os produtores da região optaram por não inscrever-se nessa categoria para evitar pagar os impostos mais altos da denominação Grand Cru. Por isso, não estranhe se encontrar os preços de certos Premier Crus de Nuits St. Georges compatíveis com os de muitos Grand Crus de outras comunas. Meu vinho foi o Corton Clos du Roy Grand Cru 2005, do Antonin Guyon. Tive a grata oportunidade de experimentar outros dois Cortons Gran Cru antes desse. É outro estilo, outra 'catxiguria'... mais complexos, mais tânicos, ótimas acidez, permanência e final... Requerem aeração - abri esse por volta do meio dia, e foi o último vinho provado; foram umas boas 10 horas aberto. Nariz com fruta abundante, café, mais notas que não peguei, creio que mentol também. Tenho feito, recentemente, uma ligação do mentol com a tridimensionalidade às vezes citadas em certos vinhos que provei a longo da vida. Não sei se vem daí, mas essa característica 'me pega', e esse Corton tem... Borgonhas desse tipo ficam na boca depois de degustados; a permanência é longa de fato - e não 3 milissegundos de sul-americanos que os sommerdiers de plantão atribuem aos vinhos daqui como 'permanência longa'. É outro comprimento de onda, e fechou bem a reunião. 

Friday, March 10, 2023

Uma homenagem ao Akira

Introito

Demônios diferentes nos assolam em momentos distintos.
Dito D'Oenochato

   Acho que é isso, conforme 'explica' a epígrafe: algum demônio impediu-me de escrever com a alegria habitual um pouco mais sobre vinhos, nestas últimas semanas. Os vinhos de sangue, suplementarmente, aqueceram-me as veias à ebulição. As reflexões sobre valor do vinho - ainda não terminaram, para desesperança de muitos e alegria de uns poucos masoquistas - continuarão em breve, mas será bom resgatar encontros que aqueceram meu coração. A sra. Neusa (mãe do Akira, não confundir com a Neusa nossa confrade) deixou-me com algumas garrafas mais simples ainda restantes na adega dele, para que nos reuníssemos, em nossas diversas confrarias, e brindássemos à sua memória. Não vou chamar o assunto à baila com pompa e circunstância quando isso acontecer; não é o caso. Aqui vai um encontro sem eles.

Encontro da confraria mais antiga turbinada

   - Nosso primeiro encontro tem que ser com vinhões!
   Assim don Flavitxo de posicionou tão logo comentei com ele sobre a ideia. Mentalmente, guardei os vinhos recebidos da sra. Neusa. Flavitxo fizera parte da trinca já citada, uma de minhas primeiras confrarias. Outro grupo foi aquele formado com Senhora N e completado pelas amigas Margarida e Elvira, posteriormente preenchido pelo Ghidelli e Márcia. Temos os 'satélites', Romeu, Jacimon e recentes misturas com as Moiras e as Meninas. Resolvi reunir pelo menos um representante de cada grupo, e compareceram D. Neusa, Luciana, Ghidelli, Márcia, Flávio e este escriba. 

O espumante é uma bebida de celebração em especial; nada como começar assim o encontro. Recebi os convidados com um Philippe Foreau Domaine du Clos Naudin Vouvray Reserve Brut 2007, garrafa safrada desse consagrado produtor do Loire. Don Flavitxo aterrorizou a todos sacando a rolha com a técnica ninja zero noise e dizendo que estava sem gás... mas as borbulhas estavam todas lá. Sei que champagnes mais antigas descem para notas bem cítricas de abacaxi - ou próximo a isso - e preparei-me. Qual nada! O Naudin estava ótimo! É feito de Chenin Blanc e mostra como meros espumantes (sic) bem feitos podem competir seriamente com xampas. Rindo: não, não é o caso do que cometemos aqui, vendidos em garrafas de bebidas com borbulhas... experimentei aquele negócio eleito como quinto melhor espumante do mundo em degustação em S. Carlos, na época do burburinho. Perguntei ao alegre ajudante que passava com uma garrafa quanto tempo poderia guardá-la. Sem saber, e solícito, foi perguntar; voltou cheio de orgulho e disparou: - Doutor, dá para guardar por seis meses, ainda! Bem, Naudin é espumante de boa acidez, elegante, gostoso... não costumo usar essa palavra, mas foi a sensação. Alguma permanência, bom final, infelizmente não anotei melhor as características. Ainda tinha algo de pão, fermento, característico de espumantes. O pessoal gostou... O Condrieu Les Chaillets 2018, do Cuilleron, grande produtor do Rhone, chegou com notas discretas no nariz e acidez um pouco baixa... não sei como consegue fazer tão bonito na boca. Têm uma concentração diferente, para a qual falta bebedor com melhores talentos. Condrieus são feitos a partir da Viognier, e devem ser bebidos novos (até uns 4 ou 5 anos, os melhores), embora possam envelhecer outros 5 e adquirem outras notas. O sugerido, parece, é bebê-los novos. Provei poucos na vida, e nenhum me decepcionou...

Chegou a vez dos tintinhos. O Trimarchisa 2016, da Tornatore, produzido na DOC do Etna, é um corte Nerello Mascalese (95%) e Nerello Cappuccio feito na Sicília, e aberto como 3 horas antes do início do encontro. É um vinho médio - corpo, acidez, tanino - onde os médios somam-se de maneira impressionante para compor um belo exemplar da Itália. Já fez tempo desde prova, não guardei as notas; é rico, elegante e muito macio, mesmo com taninos bem presentes. Tem bom equilíbrio, e agradou a todos. A 'prova' é que a garrafa secou mesmo! Os outros vinhos, embora melhores, por chegarem depois, sobraram um pouco... O Château Langoa-Barton 2010 é um Grand Cru Classé pela classificação de 1855 produzido em Saint Julien e categorizado como terceiro vinhedo. Ele é irmão (sic) do também célebre Léoville Barton, segundo vinhedo pela mesma classificação. Na grande safra de 2010 é um corte de 73% Cabernet Sauvignon, 17% Merlot e 10% Cabernet Franc, foi aberto algumas horas antes do encontro. Novamente não recordo-me bem das notas, mas a fruta era bem evidente, aquela estória café/chocolate/fumo, com muito mais. Sua complexidade é grande, acidez e taninos presentes - acidez não impressiona - mas um conjunto excepcional. Aqui uma palavra sobre os Grand Cru Classés de 1855: sempre leio que os châteaus foram classificados de acordo com seu valor - e não pela qualidade. Talvez não houvesse uma forma melhor de avaliar a qualidade naquela época (o sistema de avaliação até onde sei foi criado pelo Robert Parker nos anos '70), então tomou-se essa baliza quem sabe sob a premissa de que vinhos mais valorizados fossem melhores. O leitor de boa memória conhece esta minha máxima: deixados às cegas, os melhores vinhos sempre encontram as taças primeiro...

   O sistema está petrificado: ninguém entra ou sai, ninguém é deslocado para cima ou para baixo (há uma exceção). Com o tempo, a qualidade de alguns châteaus foi se alterando. Claro: filoxera, duas guerras com a consequente falta de investimentos... atualmente podemos encontrar um quinto vinhedo vendido a preço de segundo. Os primeiros vinhedos e a maior parte dos segundos encontram-se (nas últimas décadas pelo menos) em ótima forma. Por isso concentrei-me em rememorar algo do Château Montrose 2003 que provei em um aniversário pouco tempo atrás e comparar com Langoa-Barton. Junto do Quilceda Creek 2004 (Columbia Valley), mostraram uma sutileza de fruta a ponto de enganar os dois melhores cafungadores (rs) que já conheci, o Akira e o Flávio. Nenhum deles identificou a tal da Rainha das Uvas, a Cabernet Sauvignon. Em Langoa Barton ela é perfeitamente identificável - e creio mesmo que mais de uma pessoa identificou sem muita dificuldade. Talvez o próprio Sassicaia tenha essa característica e minha má estima para com ele possa ser um tanto injustificada. Só que... sou da escola onde bons vinhos (de mesmo nível) defendem-se em uma avalição às cegas. Não importa se de regiões ou cepas diferentes, vinhobão é vinhobão em cima da mesa e embaixo d'água. Minha impressão é que um Remirez de Ganuza Gran Reserva defende-se bem em qualquer mesa, e ponto. Um Malleolus de Sanchomartin também; e não à toa don Flavitxo precisou de apenas uma palavra para defini-lo. Voltemos das digressões. Sendo Langoa-Barton um bom representante dos terceiros vinhedos (Montrose o é dos segundos!), em análise rasa está bem explícita a diferença entre eles, com clara superioridade para o último. Então para mim a degustação teve um duplo sabor, adicionando à prova de um terceiro vinhedo esta comparação capenga que compartilho com os leitores. Ou seja: ainda nessa faixa de preços - Montrose custa mais ou menos o dobro, USD 250,00 - há sim diferença na qualidade dos vinhos. A postagem alongou-se. Depois comento dos outros dois.

Wednesday, March 8, 2023

A estória do valor do vinho II

Introito

The best business in the world is a well run oil company. 
The second best business in the world is a badly run oil company.
John D. Rockefeller


   Venho atualizando algumas etiquetas de marcação das matérias para que o leitor possa encontrá-las mais facilmente. No computador, elas aparecem na lateral direita, mas podem não aparecer na leitura via celular. Nos aparelhos móveis é necessário procurar, no final da postagem, logo acima de minha mini-biografia, a opção "Ver versão de Internet". O botão para voltar à apresentação regular também está no final da página (mais longa) na versão de internet, "Ver versão móvel". Esta série de postagens deve ser lida da mais antiga para a mais nova, para que faça sentido. O mesmo aplica-se às postagens "A estória do vinho Brasileiro" e enfatizo não tratar-se da história do setor, e sim das estórias - contos da carochinha - perpetradas sem o menor pudor por safados de muito pouco escrúpulo. Cada coisa a seu tempo.

Reflexão 1: O poder de compra do nosso dinheiro

   Como vimos na postagem anterior, as importadoras tubaronas especializaram-se em esfolar seus clientes cobrando entre 3 ou 4 vezes o valor do vinho disponível ao consumidor 'lá fora', e ofertando 'promos' que trazem o vinho ao dobro do preço também lá fora. Como a diferença de impostos está em 50 pontos percentuais, faz algum sentido que o preço 'cá' guarde essa proporção com o preço 'lá'. Mas eu quero sugerir que o vinho aqui custe cerca de 50% a mais, e apenas isso. Alguns fatores - custo Brasil - claramente inflam o valor final. Assim trabalhamos com um vinho aqui bem pago custando o dobro do valor do produto disponível ao bebedor dos outros países. É imediata a conclusão que as 'promos' apenas trazem os vinhos a seus valores mais ou menos honestos.
   O saudoso compadre Wilson, graduado em Administração de Empresas pela USP, doutor em Ciências e ex-docente do Departamento de Produção também da USP - portanto alguém com gabarito para falar -, expandiu essa visão: para ele, o cidadão sai às compras (no Brasil) e gasta muito mas volta para casa quase de mãos vazias. Em suas palavras, ele sentia que nosso dinheiro não tem poder de compra em nosso comércio. Neste ponto, o leitor deve ler "A estória das moedas" para entender melhor o próximo ponto. Uma camiseta Tommy Hilfiger custa na loja oficial R$ 350,00, ou 350 moedas para nos. Um tênis Nike Air Max, 500 moedas. Um perfume Fahrenheit (50 mL) sai por 500 moedas, também na loja oficial da marca. Então o cidadão vai para o comércio, compra um par de tênis, uma camiseta e um perfume, desembolsando facilmente R$ 1300,00, ou 1300 moedas. Em 2008 fui 'para lá' com o amigo Duílio, e em Noviorke frequentamos (coisa suspeita) um dos Woodbury Outlets. Passamos o dia fazendo compras. Os perfumes eram de 100 mL, e não de 50 mL. Junto de tênis e óculos, tudo custava 50 moedas. Camisetas, 15 a 20 moedas. No final do dia estávamos no metrô voltando para o hotel. Um parava na catraca e o outro seguia; o que ficara passava as 4 sacolas de uns 300 litros para o outro lado de lá e íamos em frente. No hotel, fiz as contas da bagunça: cerca de 1200 moedas. Não por 3 itens, mas por duas sacolas de 300 litros de camisetas, camisas, calças, shorts, perfumes, óculos, tênis, meias, cuecas, etc. Importante dizer que fomos para lá 'pelados', e toda a compra transformou-se em objetos uso pessoal, sem obrigação de declaração na volta.

   A pergunta então é: por qual motivo você acha que no vinho seria diferente? 🙄 A detratoria - sempre rápida a juntar-se aos bandidos - dirá que 'outros tempos, outros dóla'. Voltei lá em '16 (ou '17), quando o dóla bateu R$ 4,00 pela primeira vez. Nos outlets de Orlando uma camiseta da Tommy custava 20 moedas; comprei jeans da Levi's por até 16 moedas, e uma camisa do Michael Kors por 25 moedas. Os Nike, continuavam 50tinha. Os vinhos, lá? A mesma festa...

  
  


Reflexão 2: A elevação de preço dos vinhos chilenos e argentinos

Chile e Argentina são nossos maiores fornecedores em volume - estamos falando de vinho seco, branco ou tinto, não de vinho suave. Acontece que os vinhos desses países eram mais baratos até ali por 2008, em seus países de origem. Costumava pagar por um Don Melchor, um Dom Maximiano Founders Collection e similares, algo como USD 50,00 no free shop de saída, ou USD 60,00 nos supermercados. Com a declaração do crítico Robert Parker de que os vinhos chilenos estariam subestimados, seu valor subiu para algo como USD 120,00 de um ano para o outro (pouco tempo depois chegou a USD 150,00). Enojado, passei a comprar vinhos europeus na faixa entre USD 45,00 USD 70,00. Alguns bebi relativamente rápido, e as orelhas eriçaram-se: eram bem melhores. Acontecia que então eles eram bastante caros por aqui, ao contrário de chilenos e argentinos, e como eu visitava o Chile com frequência, sempre tinha um estoque desses vinhos para beber - sentindo-me satisfeito. Faltava-me, claro, um padrão de comparação cujo gatilho foi a tal majoração. 

   Por curiosidade, passei a fazer aferições diretas entre os vinhos, e uma delas está aqui, registrada pelo Flávio: confronto às cegas envolvendo um espanhol, um italiano e um chileno. Aconteceu em 2014, e só em 2019 (aqui!) fiz a comparação do valor do Don Melchor (o chileno) em três países, notando que ele custava nos EUA a metade de seu preço no país de origem. E no Brasil, com nossa carga tributária elevada, custava o mesmo valor do Chile! As brincadeiras de avaliação foram tantas que em determinado momento decretei ser melhor deixar chilenos brilharem sozinhos, entre si. Com outros, eles não competem, e por isso não compro vinhos sul-americanos: são caros pela qualidade entregue na taça. Volto a comprar se tiverem preços compatíveis. Eu os bebo com o maior gosto, caso sirvam-me. Mas não os compro, definitivamente.

   Note ainda que em 2008 apenas os vinhos chilenos icônicos tiveram preços majorados. Com o tempo, os segundos vinhos também subiram. E depois os terceiros. Hoje, qualquer lixo engarrafado custa aqui uma exorbitância (no Chile os vinhos básicos subiram apenas pela inflação que assolou o país no último quinquênio). Eles não concorrem com vinhos europeus (bem comprados) na mesma faixa de preço. O que antes era a regra, os europeus custarem mais caro, foi invertido - e o consumidor não se deu conta porque tem a boca entortada por anos e anos consumindo porcaria e acostumada a ela. Nunca provei do Chadwick, mas pela experiência com os demais vinhos de lá, é-me impossível acreditar em uma única vinícola chilena produzindo um vinho de qualidade compatível aos europeus. Chadwick custa no Chile algo como USD 400,00! Esteja claro, não pagarei para ver uma aposta cujo resultado sei de antemão com 100% de certeza... Os vinhos argentinos sempre foram um pouco mais caros - mas são melhores, comparados aos chilenos. O problema é que eles mais ou menos seguiram a mesma curva de preços.

Reflexão 3: O preço do vinho importado no Brasil

   É preciso dizer de saída que a tributação do vinho importado no Brasil mudou ao longo da última década, década e meia. Em 2008 o então sítio Enoeventos (que virou importadora em 2015) apresentou a seus leitores uma comparação da margem média praticada pelo mercado.


   Creio que naquela época o imposto sobre bebidas estava em apenas 25% (os jornais alertavam sobre a cobrança do Quinto - imposto de 20% exercitado pela metrópole portuguesa sobre a colônia - já causar revolta entre a população!). A baliza realizada então estava ligada a outra realidade tributária. Hoje é mais do dobro. De qualquer maneira, a tabela acima ilustra a quanto chegava a margem das principais importadoras. Note como os preços variavam entre 50% e 437%!
   Leitor, estando em Portugal, imagine ver na prateleira da loja um vinho de 10 Euros e outro de 20 Euros. Qual esperamos ser o melhor? O do 20 Euros, supomos. É um mercado sério e competitivo, neguinho não consegue fazer graça. Contudo, o vinho de 10 Euros, trazido por uma importadora tubarona, chega à prateleira pelo equivalente a 40 Euros, enquanto o vinho de 20 Euros, trazido por importadora séria, chega-nos aos mesmos 40 Euros! E aí, como ficamos? Recapitulo a ideia da postagem passada, as importadoras trabalham com uma margem média em todos os seus vinhos. Portanto, a compra inteligente no Brasil é escolher o vinho pela importadora antes de escolher pelo produtor! Infelizmente escolha e inteligência raramente conciliam-se na mesma frase... veja-se os resultados dos últimos pleitos...

O preço e o valor do vinho nacional

   Antes de falar do preço do vinho nacional, levantemos alguns exemplos da concorrência em seus respectivos países de origem. Um Quinta de Chocapalha custa em Portugal 9 moedas. Um Evodia custa na Espanha 6 moedas. Um Gran Taracapá (não é o Reserva!) custa no Chile 5,5 moedas (no Chile são 4.300 Pesos). Um Nieto Senetiner Malbec custa na Argentina 6 moedas (são 1.270 Pesos). Aqui um Country Wine (suave) custa 16 moedas, um Sangue de Boi custa 15 moedas e se chegar em um Miolo básico pagaremos 49 moedas. Um vinho premiado como o Syrah Vista do Chá 2017 (a safra 2016 desse vinho da Guaspari ganhou medalha de prata na França) sai por mórbidas 378 moedas. 

   Não serei tolo a ponto de propor que os vinhos estrangeiros de 6 a 9 moedas possam ser comparados com o Miolo Seleção cujo custo é pelo menos 5 vezes maior, em moedas locais! Duvido mesmo que um Quinta de Chocapalha possa ser comparado ao Vista do Chá com seu custo 38 vezes maior quando pensamos em moeda contra moeda. Olha, se alguém quiser colocar esse na mesa, eu coloco três outros - não precisa ser Syrah, mas também posso prover dessa cepa. E aposto: não vai dar pro cheiro. Recentemente experimentei os produtos engarrafados pela Bueno (não são vinhos!). Custam 90 moedas. Escrevi com todas as letras: Vinhos de praticamente três dígitos que não merecem ultrapassar o segundo (em reais!). É fácil, compre um Bueno (o tinto custa 100 moedas) e compare com qualquer um dos vinhos internacionais mencionados nesta seção. Nesse trecho, onde analisamos o preço do vinho nacional,  ficou um pouco etéreo, afinal depende de uma comparação desapaixonada. 

    Mas estudando o valor, tudo piora... 
   O Clos de Tart é um Grand Cru da Borgonha plantado em... 1141(!), e tem 7.5 hectares. O preço do hectare na Borgonha, para um vinho Grand Cru de qualidade, é cerca de 30 milhões de Euros/moedas. Um hectare tem potencial de produzir cerca de 5.000 garrafas em boa safra (não falamos de baixo rendimento, mas há descarte de uvas nesses vinhedos). Uma garrafa custa (nos EUA) 1000 moedas. Esse é o preço de venda na loja, após o importador comprar junto ao produtor, trazer para seu país e distribuir. Uma safra arrecada então 5.000.000 de moedas. Se o produtor do vinho tiver custo zero de produção e distribuição (Como? Por mágica, ora bolas...), e ficar com todo o dinheiro envolvido no processo, serão necessários 6 anos de produção para gerar 30 milhões de moedas - o custo do hectare.

   Na Serra Gaúcha, um hectare de terreno custa 410.000 moedas, e vem com meia casa (sic) de 3 quartos e 2 banheiros. 
   Tomemos 1 hectare de vinhedos a 500.000 moedas. Um Miolo Lote 43 - vinho excepcional segundo seu produtor - custa 250 moedas (confira lá embaixo que são na verdade 273 moedas). Tomando a mesma produção de 5.000 garrafas por hectare e as mesmas condições de contorno anteriores, 1 hectare na Serra Gaúcha gera 1.250.000 moedas em uma safra, com retorno de 150% sobre o investimento!

   Conclusão: produzir vinho no Brasil - sem levar em conta a qualidade! - é 10 vezes mais rendoso do que na... Borgonha! Desprezando ainda o que possa significar 900 anos de tradição e o reconhecimento de ser um dos melhores vinhos do mundo. Maldito Rockefeller dos infernos, onde estava com a cabeça?! Se fosse minimamente inteligente, produziria vinho no Brasil! A comparação do valor dos vinhos aqui e na Borgonha foi refeita a partir desta matériaRecomendo com muita ênfase uma leitura atenta.

   Esta postagem está comprida, e ainda há muito para falar. Não comentarei vinhos, a despeito de ter participado de várias degustações nas últimas semanas, inclusive mais de uma em homenagem ao Akira - aquela com Nagibin foi apenas uma. Preciso voltar a esse assunto, é verdade, mas as questões estão alongando-se um pouco. Creio que uma pausa possa ser útil. Na próxima postagem, vinho!


















Saturday, March 4, 2023

A estória do valor do vinho I

Introito

Comprar vinhos caros é opcional.
Pagar caro por eles é tolice.
Dito d'Oenochato

   A aparente contradição do preâmbulo pode confundir os neófitos e é a ponta de lança do blog nos últimos anos; tratamos de conscientizar o comprador de vinho do quanto ele pode ser explorado ao adquirir uma garrafa até modesta de sua bebida preferida. O que faz um vinho ser caro? Obviamente (além de modismos) sua escassez. Vinhedos pequenos ou de baixa produtividade geram quantidades minúsculas de garrafas desejadas por gente dos sete mares (sic) e cinco continentes; não há como atender a todos e seu valor sobe, fazendo dele um produto caro. Sua compra justifica-se (além dos modismos... de novo!) pela curiosidade dos enófilos mais experientes em apreciar vinhos com características únicas. Quando falamos de vinhedos delimitados há 500, 600 anos pelos monges Cistercienses na França (principalmente na Borgonha), delimitações tão precisas que apenas técnicas recentes de espectroscopia poderiam melhorar, e cuja produção portanto não aumentará jamais, a exclusividade de uma garrafa torna-se compreensível pelas nuances que somente aquele vinhedo pode proporcionar, e a justificativa do valor está dada. Pode haver bolhas de consumo como a das tulipas na década de 1630 na Holanda, mas a consistência dos preços através das décadas mostra quem tem qualidade de fato. Fique claro: a compra desses vinhos mais caros faz sentido para o enófilo mais avançado e (conectivo de adição!) curioso. Um bom enófilo pode passar a vida toda bebendo vinhos dentro de certa faixa de preço e focar sua curiosidade em outro passatempo: carrinhos em miniatura, selos, joias, sapatos, livros, música, etc. O desejo e curiosidade de cada um é só seu, é personalíssimo, e não pode ser criticado.

   Por outro lado, e exclusivamente no Brasil, acontece um fenômeno raro: o vinho, mesmo nacional, é muito caro. E aqui reside a diferença entre comprar vinho caro e pagar caro por vinho (pagamos caro mesmo pelo vinho barato). Aos poucos, e construindo o panorama: reportagem recente (cheia de erros e incongruências) conta-nos que

Em relação aos vinhos nacionais, mais de 50% de seu valor final é decorrente de tributos, e no caso dos importados o percentual tributário pode ultrapassar a incrível marca dos 70% sobre o preço final de cada garrafa comercializada.

   Os erros e inconsistências estão mais na propaganda chapa branca do vinho nacional; creio que o dado sobre impostos esteja razoavelmente correto. Mas não nos esqueçamos da taxação sobre bebidas na Europa ser igualmente alto, algo como 20%; está aqui. Portanto tenhamos em mente que a diferença entre os impostos indica ser a nossa apenas 50 pontos percentuais a mais.

   Mais uma reflexão: o imposto sobre celulares e notebooks no Brasil é perto de 40%, veja aqui. Reportagens onde os articulistas colocam como escandaloso o fato de um Eufone (sic) custar por aqui o dobro (menos, na verdade) do que nos EUA abundam (veja aqui). E eles já estão escandalizados com o fato de custar o dobro. A fonte da imagem abaixo está aqui.


    Tomemos agora o caso dos vinhos, onde o imposto é um pouco maior. Um Chateau Gazin 2009, grande vinho francês da região de Pomerol, à venda nos EUA por cerca de USD 250,00 (R$ 1.300,00) é ofertado aqui a R$ 8.500,00 (6.5 vezes!), com 'promo' a R$ 4.650,00 (apenas 3.6 vezes). O mesmo pode ser constatado para vinhos baratos, e fiz um levantamento recente aqui, envolvendo seis importadoras, com resultado estarrecedor. Curiosamente não encontramos reportagens indignadas com a margem praticada na venda dos vinhos por diversas importadoras.

   Certo, o exemplo acima é um pouco extremo, mas o que vemos, vezes sem conta, são as conhecidas promoções da metade do dobro. Não porque dobrem o preço do vinho um mês antes da queima, mas porque o valor normal já é 4x ou 5x e então ele entra em promoção. Em tempo: sendo o imposto sobre vinho cerca de 70%, não é de estranhar que o seu preço final guarde proporção com o dobro em relação aos países onde ele é produzido. O consumidor, quando for comprar um vinho estrangeiro, deve valer-se do Wine Searcher, ferramenta que ajuda-o a comparar o valor da mercadoria aqui e lá fora, salvaguardando-nos de comprar vinhos a preços exorbitantes. Com o tempo perceberá que as importadoras trabalham com uma margem média em todos os seus vinhos. Se um é caro, o que estiver do lado provavelmente o será. E assim sucessivamente (claro, existem discrepâncias). A essas importadoras, chamo-as tubaronas. Veja a 'comprovação' dos preços do Chateau Gazin no final da postagem, onde são mostrados os rótulos à venda aqui e lá fora. Esse comentário, rotulado como 'A estória do valor do vinho', e que terá continuação, junta-se a outra postagem, A estória das moedas, na tentativa de apresentar ao leitor uma abordagem mais concreta sobre a questão do valor do vinho no Brasil. Como de hábito, as fotografias das páginas com valores serão apresentadas, e sugestões de leitura com hiperlinks embasarão a argumentação.

Ainda sobre o encontro com o Nagibin

   Na postagem onde relatei a visita do Nagib mencionei ter aberto o Numanthia à meia noite, para bebê-lo no almoço do dia seguinte. O que vocês acham que estivemos fazendo até aquela hora? Com Magide, Cesar e sua esposa Ana degustamos alguns vinhos, claro!

Champagne é uma predileção da Magide, então não poderia faltar. O Taittinger Brut mostrou nariz cítrico com um pouco de fermento, muito vivo, equilibrado, com acidez e permanência médias e boca também cítrica com muito frescor. Comprada da última vez que estive no Chile, lá por '17, talvez, estava bastante agradável. Lembro de ter pago bem próximo a R$ 200,00, e seria a metade do valor daqui à época. Queria surpreender os convivas com algo alegre e arrisquei duas horas de aeração sobre o Belcore 2019 da I Giusti & Zanza, produtor sediado na Toscana. Este corte  80% Sangiovese e 20% Merlot é um supertoscano vendido no sítio do produtor a € 15,50 (R$ 85,00), pelo qual paguei R$ 130,00 em promo e vale quanto pesa. O Cesar achou um pouco fechado, novo ainda, e ele ou Nagib apontou cereja - é uma das expressões da Sangiovese. Tem mais fruta, e tem algo na linha chocolate/café com acidez média, taninos um pouco pronunciados em meio aos 13,5% de álcool. Estava bem melhor no dia seguinte durante o almoço, e ainda bebi dele com muito prazer à noite. O Numanthia, na noite seguinte, também estava ótimo. Depois tivemos um Château Chantemerle 2016, Cru Bourgeois do Medoc. Os Cru Bourgeois são uma categoria promocional de vinhedos não listados na classificação de 1855 e já comentei aqui. Note ainda que ele não deve ser confundido com o Quinto Vinhedo Château Cantemerle da referida classificação de 1885. Chantemerle está pronto para beber, e com alguma aeração mostrou fruta bem viva e outros detalhes que não registrei. Aporta boca agradável, fácil de beber, acidez presente sem contudo ser tão marcante, final médio e não mais. Está um pouco caro, R$ 200,00, mas é melhor do que muito francês a preço superior e seguramente bate tudo o que produzimos na vizinhança (Chile, Argentina, Uruguai), nessa faixa de preço. Ele e o Taittinger acabaram no dia...


Valores do Château Gazin aqui e lá fora.




Friday, March 3, 2023

Vinhos de sangue 2

Introito

O recente caso do que chamei vinhos de sangue ainda ecoa em meu coração. Tranqueiras como Ali Lulá (e sequazes) ou bolsonésio (e caterva) trapacearem pela esquerda e pela direita, ou por cima e por baixo, não assusta. É o que esperamos deles. A posição dos produtores envolvidos no incidente não mudou e permanece decepcionante. Envio de amigo leitor destas páginas (de dois dias) aponta o que se sabia até então e não há uma palavra que Aurora, Salton ou Garibaldi tenham comparecido com algum suporte imediato às pessoas escravizadas. Achávamos que nada poderia piorar. Ledo engano:


   Eis que de repente aparece um idiota de mãos dadas com um discurso mais estúpido que seu passado, mais boçal que seu presente e tão obtuso quanto seu futuro. O alerta foi enviado por amiga leitora no dia seguinte à publicação da primeira postagem. Sandro Fantinel é o nome da besta, e Patriota é seu partido. Foi expulso - e nisso sua agremiação não está de parabéns; fez o esperado e não há de se agraciar o mero cumprimento do dever. Agora estou com meu fio desencapado em mãos (saiba aqui) e cada um compareça com os fundilhos, à medida do chamado: a besta em pessoa; conseguiu seus 5 segundos de fama da maneira mais miserável possível. Estou certo de não representar os sentimentos da população mais esclarecida da região, mas não deixa de ser preocupante a eleição de tamanhas antas. Certo que também as temos, mesmo aqui em S. Carlos, o que sugere melhor reflexão na escolha de nossos representantes. Os demais produtores de vinho da região, pois até poderiam passar incólumes ao evento, mas onde está sua posição sobre esse episódio lamentável? Não vamos nos esquecer (e nem tolerar) a falta de posicionamento: o silêncio aquiesce! Permanecendo calados frente a assunto dessa monta, endossam o discurso vergonhoso a manchar indelevelmente a imagem de todos os brasileiros mundo afora, e pela eternidade. Escravidão em pleno século XXI joga-nos ao nível dos piores lugares do planeta. Os vetores (Salton, Aurora, Garibaldi) do triste episódio. O lucro antes de tudo, certo? Sugiro fortemente que enfiem seus vinhos no meio de suas ideias do que seja o compromisso ético assumido - mas não respeitado! - em suas páginas eletrônicas. Nada mais posso oferecer senão minha sincera simpatia aos baianos, estado que não conheço, mas de onde vieram aqui para baixo - ou mesmo permanecem labutando por lá - muita gente boa e honesta, que se empenha e trabalha duro para mostrar o que nosso país tem de melhor. O limbo da história está aí. Aprendemos não ser necessário muito esforço para escorregar por essa ladeira. Sei bem, é clichê, mas incluam-me fora dessa.