Saturday, September 29, 2012

O dia em que a noite não foi boa (sic)

   Fiquei pensando em títulos possíveis para esta postagem. Como não sou bom eles, acabei escolhendo este, mais escrachado. Que o Senhor me ilumine para não esculhambar também com o restante do conteúdo...

Uma noite de vinhos brasileiros um pouco mais antigos

   O Flávio, do Vinhobão, sempre que pode, passa minha pequena adega em revista. E sai com aquele olhar artimanhoso, pensando que eu não notei. Eu noto, mas como bom anfitrião que tento ser, limito-me a um sorriso. Desde algum tempo ele vinha falando em alguns vinhos nacionais mais antigos que acabei esquecendo pelas prateleiras. Para me atiçar, dizia ainda que de repente poderiam acontecer gratas surpresas ao abri-los. O leitor mais esperto já ligou o título da postagem com o assunto, e talvez esteja se divertindo com minha inocência de entregar o jogo logo de cara. Por outro lado, espero que o pedido inicial por inspiração seja atendido, e que o raro leitor não fuja destas linhas antes do derradeiro final. Para registro, esta ficará conhecida como "a noite em que os tolinhos foram espertos, e os espertos, tolinhos".
   Eu havia chamado a turma toda para o evento: Akira, Marcão, Ghidelli, Vânia, Endrigo, Flávio, Raquel e eu mesmo. O primeiro disse "não" (simples assim), o segundo roeu a corda no último minuto, o terceiro "não podia", a quarta "estava ocupada" e a penúltima viajara - ou assim nos disse. Ou seja: todos os tolinhos que eu acreditava poder ajudar-nos na tarefa de degustar alguns vinhos nacionais não vieram por algum motivo, enquanto três bravos heróis reuniram-se para dar conta de quantas garrafas viessem. E começamos abrindo quatro:
  • Rio Sol 2004
  • Dom Laurindo Tannat Reserva 2004
  • Marco Luigi Tributo 2005
  • Marco Luigi Conceito 2005

Vamos pela ordem de abertura.
Marco Luigi Conceito 2005. Tempranillo produzido no Vale dos Vinhedos, 12,5% de álcool. No contra-rótulo, lê-se: "Prazo de validade: indeterminado. O produto é garantido até o seu consumo, desde que conservado em sua vedação original, em local fresco, seco, ao abrigo da luz e preferencialmente na posição horizontal". Tudo o que minha adega pode proporcional a qualquer vinho que estagie por lá. Visualmente, quase poderia passar por um rosê. O buquê já evidenciou o vencimento do prazo de validade, e na boca estava um tanto azedo. Comentário do Flávio: "A garantia valia até a abertura; quando abrimos, deixou de valer...".

Marco Luigi Tributo 2005. Corte de Cabernet Sauvignon, Merlot e Touriga (não menciona qual), produzido na Serra Gaúcha, 12% de álcool. O mesmo texto anterior constava no contra-rótulo deste. Pela menor graduação alcoólica, temi mais pela integridade deste do que por daquele. Visualmente, tendia para o atijolado. Levamos ao nariz, e nada. Na boca, a sensação era de não estar estragado. Demorou algum tempo para começar a aparecer uma frutinha muito no fundo, e um pouco de álcool. O vinho não estragou, mas o passar do tempo não fez-lhe bem. Agora, 10:10 do dia seguinte, enquanto escrevo, experimentei um dedalzinho. Curiosamente não desandou, continua muito leve e em nada lembra os similares Cabernet/Merlot de nossos vizinhos. Não ter potência não deve ser encarado com um defeito, mas como a expressão dessas uvas em nosso solo - com as chuvas torrenciais características do Sul e tudo mais. Eu gostaria de tê-lo experimentado uns três anos antes. Foi bem consumido durante ao conversa, e o fundo de garrafa que restou será suficiente para o almoço, prova de que, não sendo um grande vinho, deu para o gasto, dentro da proposta.


   Dom Laurindo Tannat Reserva 2004. Tannat produzido no Vale dos Vinhedos, 13,6% de álcool. No contra-rótulo, a recomendação: "Aconselha-se consumir em até oito anos". Indica-se também ser a garrafa de número 00561, de um lote de 40.000. Assim, neste 2012 estamos no limite para seu consumo. Eu já havia provado de outras quatro garrafas desde a compra, lá por 2006 ou 2007. Sempre tive como um vinho potente, mais pela uva do que pelas condições climáticas, mas com a degustação de Tannats uruguaios de melhor qualidade, mais recentemente, percebi que esta cepa não é necessariamente encorpada e rascante. Mas voltemos ao Dom Laurindo. São 10:23, e despejo um pouco mais do que um dedalzinho na taça. Visualmente, nota-se um ligeiro atijolado nas bordas, mais escuro ao centro. No nariz, faz-se presente a fruta vermelha. Na noite anterior ela estava lá, também. Na boca, o rascante de outrora apresentou-se mais amaciado, a madeira aparecendo mais. Algo tânico, embora muito leve. Pode? Pois é, pode. Nesse aspecto, o vinho ficou um pouco exótico, se é que me faço compreender pelo leitor. E fica uma pergunta, ou melhor, um enigma: lá por 2006, quando experimentei os primeiros exemplares, tinha relativamente pouco caminho trilhado na estrada de Baco. Comecei mais seriamente lá por 2000, 2001, com os León de Tarapacá. Será que meu paladar em 2006 ainda não estava apurado, e o Dom Laurindo, naquele momento, soou mais encorpado do que nos dias de hoje, quando minha "litragem" já pode incutir algum respeito nos iniciantes?

Rio Sol 2004. Produzido com "uvas viníferas" (sic), no Vale do São Francisco, 12,5% de álcool. No contra-rótulo, "Primeiro vinho internacional produzido na latitute 8° sul". Junto ao rótulo, um selo "O único vinho brasileiro pontuado pela Wine Spectator: 83 pontos". 83. São 10:50, e mais um fundinho de taça. Também atijolado nas bordas, mas com a fruta mais presente de todos. Tal como na noite anterior, na boca mostrou-se bem leve, sem amargor, mas também sem impressionar. Bem menos tânico que o D. Laurindo, pode agradar ao bebedor de vinho nacional, mas não àquele acostumado - veja lá - ao já citado León de Tarapacá, que é um vinho bastante básico.


   Um ponto em comum permeou a abertura de todas as garrafas: as rolhas, todas bastante curtas e de qualidade inferior, saíram "na unha". É a maneira escrachada de dizer que não ofereceram qualquer resistência ao saca-rolhas de dois estágios que foi usado. Essa vedação "meia boca" certamente contribuiu para que os vinhos não aguentassem tanto tempo guardados. E a rolha não pode ser considerada um item dispendioso nesses produtos que custaram, à época da aquisição, cinco ou seis anos atrás, valores superiores a trinta ou trinta e cinco reais. Parece claro que, no caminho de produzir bons vinhos, o cuidado com a rola precisa entrar na pauta dos nossos pequenos e médios produtores, visto que as rolhas de outros nacionais que experimentei recentemente também não apresentaram a mesma qualidade de vinhos sul-americanos da mesma faixa de preço.

Para terminar, registro um novo seguidor, o senhor Alexandre Sousa, que anteriormente comentou sobre uma postagem de vinhos espanhóis. Espero que ele possa divertir-se lendo estas divagações do mesmo tanto que eu divirto-me escrevendo-as.

Sunday, September 23, 2012

Duas safras do Novas Winemaker's Selection, da Emiliana

O início

   A Bodegas y Viñedos Santa Emiliana S/A "nasceu" em 21 de Novembro de 1986, tornando-se Viñedos Emiliana S.A. em 20 de abril de 2004, quando foi incorporada como uma divisão da potência chilena Concha y Toro. Desde cedo, seus proprietários notaram que os consumidores estavam tornando-se mais e mais alertas aos produtos que compravam, não apenas sob o aspecto de saúde, mas também quando aos impactos sociais e ambientais causados pela produção desses produtos. Eles comeraçam a trabalhar, então, os conceitos de produção orgânica e biodinâmica. Enquanto boa parte desse esforço pareça séria para este comentarista, como a utilização de compostagem (técnica para controlar a decomposição de materiais orgânicos), entorno de vegetação nativa, eliminação de pesticidas e fertilizantes, de repente esbarramos em conceitos como "calendário biodinâmico" e outros que, a princípio (e a menos de deslavada ignorância) não encontram amparo na ciência tradicional. E, no final, fica a impressão de um discurso bonitinho para se cobrar mais pelo produto. Essa introdução dá pano pra manga, mas eu prefiro mesmo é que dê taça o vinho.

A linha de produtos

   Com seus vinhedos espalhados pelos principais vales produtores de uvas do Chile, a linha Emiliana começa com varietais das principais cepas plantadas no Chile: Cabernet Sauvignon, Carmenère, Syrah e Merlot. São vinhos fáceis de beber, simples, que agradam aos iniciantes e consumidores menos exigentes. Em seguida, a linha reserva conta com varietais Cabernet Sauvignon, Carmenère e Pinot Noir, embora no passado tivesse alguns cortes onde o de Cabernet-Syrah era disparado o melhor. Conheci esses vinhos entre final de 2007 e início de 2008, quando os comprava a R$ 17,00 e R$ 23,00, respectivamente. Pelo preço, eram bons produtos. A linha de orgânicos começava com os Adobe, passando pela Novas e chegando ao mais recente, Signos de Origen. Cabe dizer que, em um primeiro momento, o Novas não era apresentado como um Gran Reserva, como o é hoje. Completavam o catálogo a linha biodinâmica: Coyam e (gê... raldo?).

Histórico de um descalabro

   Na crise de 2008 os vinhos básicos passaram a cerca de R$ 25,00 e R$ 32,00, respectivamente. Todos devem lembrar-se que naquele momento o dólar disparou de aproximadamente R$ 1,80 para R$ 2,50. Tenho cer-te-za absoluta: com o dólar nas alturas, nossos importadores compraram tudo o que podiam de vinhos, ignorando a crise e deixando de lado o fato de, justamente por causa dela, a tendência dos preços é cair, pela falta de consumidores. Mas qual, nossos importadores garantiram a estabilização dos preços dos vinhos mundo afora, comprando com afoiteza tudo o que viesse pela frente, além de fechar antecipadamente a compra das próximas safras... não há outra explicação para o fato dos vinhos terem subido naquele momento, e nunca mais terem caído. Bem, alguns caíram. Claro, nada perto do que haviam subido anteriormente. E essa estória maluca é a única explicação plausível (sic!) para esse aumento de preços.
   Nesse contexto, foi lá por 2008 que conheci a linha Novas. Naquele momento um dos Novas Winemaker's Selection apresentava um peculiar e diferente corte, o Syrah/Mourvedre, mais comum no Rhône, e que hoje parece não existir mais na linha da vinícola. Um bom vinho, mas não pelos R$ 80,00 em média que se pedia por ele à época. Acabei comprando uma garrafa do 2005, em uma degustação promovida pelo importador e pela Mercearia 3M pelo único motivo de minha esposa ter gostado muito do produto. Pelo mesmo preço, veio com autógrafo do enólogo da Emiliana, o simpático César Morales. O Coyam, cujo valor no Chile ombreava com o Etiqueta Negra, da Tarapacá, e com o Max Reserva, da Errazuriz, algo como 10 mil pesos (R$ 40,00), chegava aqui a R$ 160,00, enquanto os primeiros não passavam de R$ 120,00. O Geraldo (rs) atingia as raias do pornográfico. Leviandade nos preços, leviandade nos textos, digo que Nelson Rodrigues ficaria ruborizado.
Novas Winemaker's Selection 2005 e 2006: muita mudança de uma safra para outra ou o 2006 merece envelher mais?

Um final feliz

   Aconteceu do importador da Emiliana falir e desovar parte do estoque. O Nova Winemaker's Selection chegou a preços mais palatáveis (R$ 50,00), quando comprei algumas garrafas. A safra mudara, era a 2006, mas estava interessante. E nas sombras da minha adega as garrafas permaneceram até estes dias... quando resolvi ser um bom momento para prová-las. Não foram abertas juntas, mas com um intervalo de alguns dias. Infelizmente não encontrei melhores dados sobre o corte, apenas a informação Syrah/Mourvedre. As graduações alcoólicas variam um pouco, 15% para a 2005 e 14,5% para a 2006. O 2006 apresentou-se como um típico sul-americano: intenso, encorpado, taninos potentes que os anos não amaciaram tão bem quanto esperaríamos, madeira e fruta vermelha. Bom volume, nada amargo. Já o 2005 foi o contrário, ou quase. A potência estava presente mas miraculosamente domada; havia mais fruta, o conjunto todo muito melhor. Na boca, muito redondo, sem muito do toque de especiaria presente no 2006. Não sei se um ano a mais guardado fez toda essa diferença ou se a produção deste 2005 foi mais feliz que a da safra posterior. Infelizmente esses vinhos sumiram do mercado, mas se o leitor encontrar alguma garrafa perdida n'alguma prateleira, que não perca tempo. E comprar com as versões mais novas de hoje - chamadas de Gran Reserva - pode ser garantia de muita diversão, se regado a bons papos e uma boa carne. Aliás, o novo importador (não sei quem é) exerce uma política que permite ao produto chegar às prateleiras por preços entre R$ 45,00 e R$ 50,00. Como comentado, é mais palatável, embora aqui no Brasil situe-se na margem de preço de vinhos mais caros no Chile. Por exemplo, um Tarapacá Gran Reserva custá lá  $7.500,00 pesos e aqui, na média, R$ 55,00. O Novas, lá, $ 5.400,00 pesos e aqui, na média, R$ 48,00. E olha que a importadora da Tarapacá não é conhecida pelos margens apertadas...

Monday, September 10, 2012

De bicão em outra confraria

  O João Paulo, da Confraria do Ciao - de onde participa, dentre outros, o Flávio do vinhobão - convidou-me para uma degustação em sua casa, onde outros bicões também se encontrariam. A promessa era de abrir "um bom Barolo", o que deixou-me duplamente preocupado: esse tipo de vinho, para mim, ainda precisa ser devidamente desvendado, e, oh dúvida, o que eu levaria para acompanhar algo nesse quilate? Procurei, pensei, pensei, fui conversar com o Flávio. Mencionei uma opção que nem ele nem o João haviam bebido. Com ela debaixo do braço, fui embora.
Este enochato com os vinhos da degustação: 
Marques de Murrieta Capellanía, Decima, Vibo, Paulo Scavino, 
Fulvia e para finalizar um Bacalhôa Moscatel de Setubal.

   É claro que o início dos trabalhos deu-se com o branco Marqués de Murrieta Capellanía 2006, de Rioja, 13,5% de álcool, da variedade Viura, até então desconhecida para mim, e que uma rápida pesquisa ajudou a desvendar: também conhecida por Macabeo, é ainda cultivada na França e na Itália. Rioja tem uma classe de vinhos brancos que dá para mastigar; o Tondônia é um deles, e este Marquês mostrou-se seguir na mesma linha - embora, parece-me o Tondônia permita uma mastigação mais completa (rs). Esse tipo de vinho, ao contrário dos brancos comuns, tem meia vida bastante grande, estendendo-se por uma década ou mais. É alegremente floral, mas não consegui pegar muito mais detalhes nele; falta de conhecimento típica de bebedores de tintos.
   Pulando para o tipo de vinho que conheço mais, prenunciou-se o primeiro papelão. O danado chegou "encapado" por aquele nos brindou com a experiência, o sommelier Mario Mucheroni. Após a devida apreciação, ele jogou a pergunta: qual seria a cepa? Passei de cara, embora os experts chutassem Tempranillo ou Cabernet Sauvignon. Redondo, frutado, 13,9% de álcool bem integrado, mas não notei tanta complexidade. Descortinado, revelou-se o Decima Gemina, Gran Reserva 2005 de um Tannat que em nada lembra a potência (e algumas vezes a baixa qualidade) dos vizinhos uruguaios. Este vinho nacional, produzido pela Piagentini - aquela mesma que produz, ou produzia, vinhos suaves de garrafão de 5 litros dos quais lembro-me muito bem da minha infância - estagia 24 meses em barricas de carvalho. Procurei o preço internet afora, sem sucesso. O próprio sítio não funciona adequadamente, o que é uma pena, para não dizer uma incompetência. A confirmar, mas o Flávio mencionou que fica na faixa de R$ 100,00. Aí não! Ok, qualitativamente está na faixa de um Gran Tarapacá (que é apenas reserva), mas este custa uns R$ 35,00. Parece que produzir vinho no Brasil é assim: 5% de transpiração e 95% de marketing, acreditando que o consumidor é idiota. Na verdade, a grande maioria o é. Só não venham me pedir para participar desse grupo. Como dizem, por favor, incluam-me fora dessa (rs).
   O outro lado desta cerca (se existe cerca nesta conversa) é que, se você admite pagar mais de cem reais por um vinho, sem abrir mão (rs) de complexidade e elegância, então o seu vinho é aquele que eu levei para o embate: o Vibo 2007. Produzido na Argentina pela chilena Viu Manent, este 100% Malbec estagia 18 meses em carvalho francês de primeiro uso e, é claro, está acima de qualquer linha Gran Reserva sul-americana. Seu preço, a comparar com o Decima, é compatível com o de um vinho uma escadaria acima: entre R$ 190,00 e R$ 210,00. É claro, ainda muito caro (paguei exatos R$ 62,00 no Chile, o que dá uma razão "pior que" 3 x 1). Já havia provado junto do Viu One, e realmente o Vibo é a "expressão feminina" deste; enquanto o anterior mostra a potência característica do Chile, Vibo tem mais elegância, nariz complexo, boca aveludada e bom final.
   Mais ou menos em paralelo chegamos ao Paulo Scavino 1997, o barolo que o anfitrião João Paulo prometera e honrou. É feito de Nebbiolo (claro), com 14,5% de álcool que não aparece no conjunto da obra. Mesmo para este novato nas lides barolistas (sic) a maciez deste exemplar de 15 anos não deixa dúvida quanto a de tratar-se de um bom vinho. O tempo amaciou seus taninos; a fruta estava menos intensa do que nos barolos mais jovens que experimentei, e acho que os especialistas poderão falar mais e melhor deste vinho. Certo, Flávio? Não há dúvida quanto ao final: tão redondo quanto a entrada na boca, agradável, longo.
   O problema (para o anfitrião, apenas), foi que, chegado ao final, os convivas olharam-se entre si, na expectativa (rs). Valente e generoso, o João ainda brindou-nos com o Fulvia Pinot Noir 2011, do Atelier Tormentas. Marco Danielle, o vinhateiro, é "de tudo um pouco": além de cuidar da produção, é também fotógrafo e artista plástico, à medida de cria os próprios rótulos, muitas vezes usando recursos fotográficos. Este Fulvia foi de fato um caso à parte na minha pouca experiência em vinhos exóticos. Talvez não tão exóticos, porque lembra os autênticos borgonhas, segundo alguns dos presentes, mas vinhos como esses ainda são exóticos para este dublê de colunista com pouca experiência em vinhos europeus. O que conta é que gostei muito. Muito superior aos nacionais recém-comentados nesta postagem e na anterior, é uma iguaria para causar espanto e surpresa; se eu tivesse de levar um vinho brasileiro para a mesa de eventuais amigos de outros países (principalmente sul-americanos), esta seria minha escolha. Ótimo buquê, agradável na boca, com final. É um pouco caro R$ 120,00 (na data desta publicação ainda conta com 30% de desconto para compra antecipada da próxima safra, com entrega em 2013), mas é algo justificável pela produção reduzidíssima (1.800 garrafas) e pela qualidade que oferece. Uma produção séria, que vem ganhando reconhecimento a cada safra. Parabéns ao produtor, parabéns ao João pela generosidade.
   E, para completar (ainda tem mais?!), apareceu tímido, cabisbaixo (rs), um Moscatel de Setúbal 1999, do vinícola Bacalhôa. A casta deste vinho de sobremesa é ela mesma, a Moscatel de Setúbal, e este vinho produzido no Azeitão estagia 8 anos em meias pipas de carvalho. Meia pipa é como chamam em portugal a popular barrica de 220 litros... Bem, este vinho não tinha porque apresentar-se tão timidamente, porque também é bastante interessante. Seus 18,5% de álcool, típico de vinhos de sobremesa, estão bem integrados, o vinho tem ótimo buquê, bastante cítrico, e sabor muito agradável. Bom final; fiquei com a garrafa e enquanto escrevo esta postagem com ela ao lado, notei um fundinho na garrafa. Retirei a rolha e o buquê ainda estava lá. Muito bom.

Wednesday, September 5, 2012

Reunião da Confraria em Agosto

   Apesar da reunião ter acontecido na segunda semana de agosto e já estarmos em setembro, apenas agora vou postar as impressões desse encontro. O motivo é simples: como alguns vinhos, certas postagens precisam decantar... principalmente esta, e até porque esperei para ouvir o "depois" na boca dos próprios bacantes.
   Não foi uma reunião temática, com vinhos de uma determinada uva, ou de um único país. Foi um encontro às cegas, onde cada um levou algo que pensou poder agradar aos parceiros de taça. Talvez isso não seja exatamente a verdade, mas deixemos a conclusão para o leitor mais atento...
   A comida ficou a cargo do Terence, um cozinheiro de mão cheia que nos foi apresentado, há algum tempo, pela Raquel. E o filé estava ótimo, além de harmonizar muito bem com a maioria dos vinhos.
   Por motivo de mudança, a Raquel está detonando sua adega. Que vá logo - e volte mais logo ainda (sic!, rs!) - e por conta disso brindou-nos um Barbaresco Vigne Erte 2006. Como o vinho ficou no decantador até prá lá da metade do encontro, deixarei para comentá-lo no final.

Seis vinhos, nove bebedores. Uma boa conta.


   Estava por lá o Vernus Pinot Noir, mas não guardei a safra nem quem levou. Chuto que tenha sido obra do Endrigo. Seguramente é recente, 2010 ou 2011, dada a mudança de rótulo, que antes era branco. Segundo o sítio do produtor (que infelizmente apresenta sempre o mesmo rótulo - novo - para todas as fichas dos Pinots), é um corte de 90% Pinot Noir, 5% Cabernet Sauvignon e 5% Syrah, com aproximadamente 14,5% de álcool (depende da safra) bem integrados ao conjunto e produzido em barricas francesas de segundo uso, onde descansa por 10 meses. Hum... o Parras Viejas também é produzo 100% em barricas francesas de segundo uso, e está uma categoria acima da linha Vernus.  Da mesma hierarquia, o Notas de Guarda é produzido 100% em barricas francesas de primeiro e segundo uso (sic). E na hierarquia máxima, o DON é produzido (ainda segundo o sítio) 70% em barricas francesas novas e 30% em barricas de segundo uso. Isso gera uma pergunta: de onde vem tanta barrica de segundo uso? O normal é que os vinhos icônicos sejam produzidos em barricas de primeiro uso, enquanto os vinhos "premium" sejam envelhecidos nas barricas de segundo uso e os mais comuns depois disso. Alguém deve estar jogando barricas de segundo uso fora, já que a Santa Helena usa poucas barricas novas e sua terceira linha - Vernus - chega a ser produzido nessas barricas... mas é claro, posso estar errado e apenas passando por chato - senão, como justificar o nome deste blog? - em atentar para... detalhes tão pequenos... Sem mais divagações, continuo à procura da "cara" do Pinot. É um vinho, ok. Não me lembrou nenhum outro Pinot que eu já tivesse bebido anteriormente. Não é falar mal da cepa, é apenas registrar minhas impressões sobre ela. É o dito vinho alegre, e não pelo jeitão (rs): leve, frutado, agrada todo mundo. Final "médio": não marca mas não compromete.
  O Casa Silva Reserva Malbec 2010 foi, se não me engano, levado pelo Léo. Quem se lembrar de postagens anteriores sabe da minha reclamação quanto à baunilha que vem temperando e descaracterizando os vinhos pelo mundo afora. Assim, eu me perguntava qual seria meu primeiro encontro com um vinho chileno mais temperado. E foi este. A Casa Silva é uma das maiores e melhores produtoras do Chile, e, pasmem, o vinho não é descrito em sua página. Faz parte da extensa linha Reserva, que conta com Cabernet Sauvignon, Merlot, Syrah e Carmenère, além deste Malbec, toda ela muito boa e pronta para consumo. E, dentro dessa linha, para o meu gosto este Malbec fica por último. O demérito vai para a bandida baunilha, que apenas descaracteriza um pouco esse vinho em particular. Não deixa de ser redondo na boca, de ter boa persistência e bom final, mas a sua qualidade de "frutado" acaba comprometida. Fruta pela fruta, fico com a fruta, e não com a baunilha, se é que me entendem... É um bom vinho, para beber "sem compromisso", mas ainda acho que a Casa Silva poderia manter o terroir que caracteriza seus vinhos.

      Surgiu também um Lote 43 safra 2005, da famigerada Miolo, levado pelo Ghidelli. Faltam dados mais específicos na página do produtor (onde, aliás, foi um pouco difícil encontrar esse vinho em particular). É considerado também pelo produtor um vinho icônico (acima de premium, super-premium, ultra-premium, "giga-premium", "tera-premium", "peta-premium" e "yotta-premium" - sic!), e, justamente por isso, com produção "limitada" de apenas 80.000 garrafas. É um corte meio a meio de Merlot e Cabernet Sauvignon, envelhecidos separadamente em carvalho americano por aproximadamente 12 meses. Um vinho elegante, cujos 14% de álcool não aparecem na boca. Bom conjunto nariz-boca, bom final, mas não é largo, como pretende um vinho premium, digo, icônico. Tem seus amantes, o que não surpreende. Surpreendente é o preço, excessivamente alto, cerca de R$ 100,00. Some-se a isso o papelão desempenhado pelo produtor no recente episódio das salvaguardas e está explicada a má estima desde escriba para com o poderoso grupo empresarial.

   Da Ravanal, este que vos escreve levou duas garrafas, o Limited Edition 2008 e, just in case, o Mario Ravanal 2008. É claro que, chegando à casa do Endrigo, o MR foi o primeiro a ir para o pau, digo, para o saca-rolhas. Mas o LE também acompanhou o primeiro de perto, ao menos nesse quesito (ir para o pau - rs). Bem, a Ravanal é uma pequena vinícola familar do Chile, localizada no Vale de Colchagua. Mas línguas contam que em seu início, na década de 1930, até o década de 1970, Ranaval produzia o equivalente aos nossos Sangue de Boi e similares, além de vender parte da produção de uvas para outras casas. Com a formação da atual enóloga, Pia Ravanal, durante os anos 90 a casa mudou seu foco e passou a produzir vinhos de melhor qualidade, tornando-se uma das melhores produtoras de Carmenère do país, em sua faixa de preço. Os vinhos são bons pelo que custam no Chile, mas às vezes isso pode não ser verdade por aqui. O LE 2008 é um corte de Syrah, Carmenère e Cabernet Sauvignon vindas de um parreiral centenário, com colheita manual, e estagia 14 meses em barricas francesa e americana. É elegante, sedoso, embora a Carmenère pique um pouco. A fruta está viva, e seus 14% de álcool estão bem harmonizados ao conjunto da obra. O MR 2008 é um corte de Carmenère e Syrah não especificado, também de parreiras centenárias, que estagia 18 meses em barricas francesas. A Carmenère está mais evidente, mais ainda sobressai a fruta e um tanto de chocolate (café? - rs). Seu final não é muito longo, mas agradável. Se não tem a elegância de um Von Siebenthal, também está notas acima de um Reserva de Família da Santa Carolina, que tem seus adoradores por aqui. Infelizmente Ravanal não tem encontrado um importador à altura no Brasil, e seu preço tem oscilado bastante. Já vi MR à venda por R$ 150,00, o que é um assalto à mão armada. Apoiam-se na sua bela garrafa para cobrar uma exorbitância. No Chile, é um vinho na faixa de preço do Tarapacá Etiqueta Negra ou do Max Reserva, da Errazuriz, que por aqui custam uns R$ 100,00. Encontrei por R$ 70,00 e, antes de comprar, entrou em uma promoção por R$ 50,00. Pelos US$ 9,00 que é seu custo FOB, podemos dizer que estava uma verdadeira pechincha. Deveria ter comprado todas as garrafas, mas a grana estava muito mais curta que o desejo. Ainda sobre o MR, devo dizer que bebi várias garrafas. Em uma das vezes, a pimenta estava sobressalente; cheirava a tabasco. Mas isso não se repetiu em nenhuma nas outras oportunidades... não sei explicar, mas fica o registro.
  
 E, finalmente, mas não o menos importante, o Barbaresco Vigne Erte 2006. Este 100% Nebiollo (como todo Barbaresco) é produzido em Serraboella, uma das áreas mais nobres dessa DOC. Não é um "top", e tem produção limitada a 6.000 garrafas - alô, produtores de vinhos "premium" de 80.000 garrafas. Mas voltando... Hum... uma das áreas mais nobres da DOC? Coisa boa vem por aí... Ficou no decantador por pelo menos umas duas horas antes de levantarmos a bandeira que permitia o ataque. Cada um despejou apenas um tantinho inicial na taça. Alguns olhares se cruzaram. Acabado o "tantinho", os convivas centraram suas atenções no restante do MR e do LE, já que boa parte dos vinhos mais simples tinham sido consumidos como entrada. Estranhei, mas aguardei alguns comentários, que não tardaram. O Barbaresco estava decepcionante. "Tudo meu?", perguntei-me, um tanto exultante. Puxei conversa (rs) para despistar os colegas - até que ponto desce a alma humana quando o que está em jogo é garantir uns mililitros a mais de vinho... - e perguntei a opinião das pessoas sobre quais haviam sido os vinhos da noite. O galera foi quase unânime ao colocar em primeiro o MR, depois o Lote 43 e depois o LE. Houve alternâncias entre alguém preferir o LE na frente do Lote, e talvez um único tenha preferido o Lote a todos os demais. Acho que depois reformou a opinião, para então voltar a escolher o Lote. Essas coisas são explicáveis em um grupo heterogêneo (gargalhadas). O Barbaresco estava em quarto, na maioria das opiniões. "Tudo meu?", perguntei-me novamente... Disse que o vinho da noite era o Barbaresco. Fitaram-me quase todos com aquele olhar benevolente, aquele olhar de... "tolinho"...
   Caro leitor, mamei. Mamei como ninguém jamais mamou de uma teta - ou de uma taça. Mamei até não poder mais. Mamei até olhar para minha taça e achar que o próximo gole me levaria para o pronto-socorro, ou para o inferno, que é para onde vão todos aqueles que deixam de beber um vinhaço como esse até o final, independente do estado etílico em que se encontrem. E até hoje arrependo-me de levantar acampamento tão cedo. Deveria ter dado trabalho para a turma. Deveria ter sido canalha em quinto grau. Tudo isso para enfatizar quanto o vinho estava divino. Especiado, gracioso, redondo, já naquele momento evidenciava um nariz excelente, mas sutil. Final não muito largo, mas agradabilíssimo, e isso depois de eu ter passado por toda a sorte de variedades como as descritas acima, o que certamente compromete um pouco o paladar. Fui embora, e a Raquel me contou depois: acabados todos os outros vinhos, ela foi para o Barbaresco. Olhou para a taça, não acreditou e ficou quieta. O Endrigo tomou-lhe da taça, olhou e perguntou, atônito: - Mas que vinho é esse?! Não acreditou quando ouviu a resposta. A turma precisou se contentar com o que tinha; eu já havia mamado boa parte. Para finalizar esta postagem, fui procurar a pontuação sobre este vinho. Wine Spectator: 93/100; Wine Enthusiast: 92/100. O tolinho agradeceu... (gargalhadas finais!)
Nesta evidente fotomontagem, meu lugar estava vazio quando bati a foto. Depois, com outra foto tirada pela Raquel, cloquei-me entre e Márcia, esposa do Ghidelli, e o anfitrião Endrigo. Na esquerda, em direção ao fundo, a anfitriã Vânia, seguida pela Ariane, Léo, Tamara e Raquel. À direita, Ghidelli, Endrigo, eu e Márcia.