Saturday, July 27, 2019

Sassicaia destroçado por Borgonha de um terço do seu preço

Introito: bebemorando nos 50 anos da conquista da Lua

   Contam que o primeiro ser vivo a ganhar a órbita terrestre seria um macaco. Ele chegou, olhou para o módulo, coçou o queixo de leve, baixou uma das mãos e fez um sinal de "não" bem claro com o indicador direito. Na cena seguinte os técnicos tentavam empurrá-lo para dentro, enquanto ele se segurava com mãos e pés na borda exterior da cápsula. Nisso chega a senhora Khrushchev com uma linda cadelinha, que pula de seus braços e entra toda feliz no módulo do Sputnik 2. Quase todos disseram, em uníssono:
   - Mas que gracinha...!
   Só a sra. Khrushchev não estava contente:
   - Laika, sai já daí!
   O sr. Khrushchev apenas acendeu mais um charuto. Corria a data de 2 de novembro de 1957, e no dia seguinte Laika, apesar de morta, entrava para a história.
   Quase cinco anos depois, em 12 de setembro de 1962, o então presidente norte-americano John Kennedy realizava o famoso discurso na Rice University:

...We choose to go to the Moon in this decade and do the other things, not because they are easy, but because they are hard; because that goal will serve to organize and measure the best of our energies and skills, because that challenge is one that we are willing to accept, one we are unwilling to postpone, and one we intend to win, and the others, too.
 
   Como sabemos, a corrida espacial foi um período onde os americanos estiveram, na maior parte do tempo, correndo atrás do prejuízo, tentando ultrapassar os russos em uma competição onde o segundo colocado nada levaria. Infelizmente naquele tempo a Rússia era um país muito fechado, e por isso os grandes feitos e conquistas realizados pela empreitada acabaram ficando a crédito dos americanos. Mas eles também não chegariam lá não fosse a concorrência de Khrushchev e sua turma. Finalmente, em 20 de junho de 1969, Neil Armstrong proclamava:

That's one small step for a man, one giant leap for mankind.

   Cinquenta anos depois, relembrando tamanho esforço, toda a combinação de habilidades conjugadas e a extrema coragem de seus principais protagonistas, pagamos a todos a justa homenagem da lembrança e reverência. Termino dizendo que alguns brasileiros tiveram participação no projeto, integrando as numerosas equipes que realizaram manualmente complicados cálculos em todas as etapas do vôo.

Começando da esquerda, em "U" invertido: Romeu, Jacimon, Akira,
Neusa (a senhora N), Wilson e este enochato.
Fotógrafo: Plácido "Portuga".

Os vinhos

   Logo na manhã do sábado, após uma breve olhada no Cellar Tracker, achei que umas 10 horas de brisa fariam bem ao Sassicaia. Desci para a adega com o primeiro aerador. Peguei as garrafas que havia selecionado e abri o italianinho.

Aerador com o Sassicaia, depois que ele... despingou* (rs!)

   Lá pelas 14:00 desci com dois outros aeradores e foi a vez do Borgonha. Somente às 19:00 descorchei o argentino. Vamos a eles.

   Tenuta San Guido Sassicaia, Bolgheri, 2009.

   O Sassicaia é tido por alguns como "o melhor vinho da Itália". Eu, que praticamente não entendo muito, recomendo de saída: Calma... Falar em "o melhor vinho da Itália" para uma região que começou a plantar em 1944 (veja aqui) e cujo primeiro rótulo apareceu em 1958... contra toda a história da própria Toscana e do Piemonte... parece um pouco demais, não? Bem, Bolgheri fica em Maremma, na área costeira da Toscana, e é lar de muitas vinícolas boutique. Uma boa descrição da região está aqui. Logo na abertura, quando finalmente consegui* vertê-lo no aerador, mostrou boa fruta. Corte das Cabernets Sauvignon e Franc, não é o que podemos chamar "vinho de terroir": a produção em 2009 foi de 10.000... garrafas? Não, caixas! (veja aqui) Em 2015 foram feitas 17.200 caixas. Os avaliadores deram-lhe "notões", em peso, na safra 2009. É um bom vinho: equilibrado, acidez média, bons taninos. Aberto com 10 anos (recomenda-se pelo menos 7 anos de guarda), e bem aerado, mostrou-se bom acompanhamento ao filé a Rossini. Mas é um vinho... sem terroir. Para alguns, poderíamos dizer, então, "sem alma". Impressionou pela qualidade, porque é bom, e decepcinou pelo preço (USD 210,00, lá fora). Não vale USD 100,00. Pela quantidade produzida, então... (é discutível querer comparar isso, eu sei, mas vou pular essa parte). Mas que não vale, não vale, não vale. A quantidade de opções pelos mesmos USD 100,00 é quase... "infinita". Talvez consiga falar sobre isso depois.

   Pommard 1er Cru Clos des Epeneaux Monopole, Domaine du Comte Armand, 2005

    Pommard está localizada na comuna de Beaune Côte et Sud, que é uma subprefeitura de Beaune, por sua vez um departamento da Côte-d'Or, que está na região da Borgonha... entendeu? Eu ainda não... Les Epenots e Les Rugiens são os dois melhores vinhedos dessa minúscula região - tudo na Borgonha é minúscula, exceto, claro, a qualidade de seus vinhos. Les Epenots pertence exclusivamente ao Domaine Comte Armand, e é o vinho mais sofisticado do produtor. Para entender um pouco mais da Borgonha, veja aqui. Claro, é um 100% Pinot Noir, também abriu com boa fruta. Sua produção atinge 22.000 garrafas, e os avaliadores não deram-lhe "notões". Dois asiáticos deram... Com umas 5 horas de areação,  foi excelente acompanhamento para o filé a Rossini. Tem de tudo, é pura felicidade engarrafada: boa fruta, chocolate (café? - risos!), bons taninos, acidez integrada ao conjunto da obra. Qualquer adorador de Borgonha pode (deve!) bebê-lo de terno. E de joelhos, claro. Esperava que uma ligeira competição entre Epeneaux e Sassicaia gerasse alguma discussão sobre qual seria melhor. Ledo engano: Epeneaux des-tro-çou Sassicaia, em opinião unânime da mesa. O preço médio, nessa safra, é de USD 165,00. Dá uns 50 "Dóla" mais barato que o Sassicaia. E vale muito, mas muito mais...

   Achaval Ferrer Finca Bella Vista Malbec, Perdriel, 2013

    Achaval Ferrer é uma conceituada bodega Argentina, e seu Finca Bella Vista é produzido na zona de Perdriel, em Luján de Cuyo, uma sub-região bem próxima a Mendoza. É um dos melhores produtores da Argentina, e mesmo seus vinhos mais simples chamam atenção: não são aqueles "Malbecões" pesados e doces, "engoiabados", mas sempre bem estruturados, acidez acima da média dos sul-americanos e bom buquê. Também abriu com boa fruta, e ao vertê-lo no aerador tive uma lembrança do Estiba Reservada, da Catena. Mais numa certa "profundidade" do buquê, se o leitor me entende. Não é uma característica comum aos sul-americanos. Sua produção também está em cerca de 22.000 garrafas, segundo o sítio do produtor. Os avaliadores ocidentais deram-lhe "notões", o que só confirma minha má estima para com essa turma. Não é um vinho ruim, não! É bastante bom. Entre os sul-americanos, ele Reina (observou o "R"? Pois é). Mas não competiu tão bem com os outros dois. Boa fruta, couro, boca equilibrada, só poderia ter um pouco mais de acidez. Note que tem, para um sul-americano. Só não acompanha os bons europeus. Sendo franco, também não vale o preço (USD 100,00). Pelo menos não custa na Argentina a metade do que custa no resto do mundo...

   Já comentei algo como... "os melhores vinhos sempre encontram as taças primeiro", no sentido de que, colocados ao dispor dos comensais, os melhores vinhos sempre são consumidos antes. Às cegas ou não. Faça o teste! O Sassicaia, servi às cegas, mas abrimos depois da primeira rodada. O resultado foi: Epeneaux "secou". Sassicaia e Bella Vista sobraram. Este último, sobrou mais... Vide:

Preços

   O leitor mais atento notou os preços no mercado externo (civilizado). Aqui, as coisas são desbalanceadas, como sempre. Achava que o representante do Sassicaia por aqui fosse a Via Vini. Fazendo uma busca para esta postagem, notei que não. Está por R$ 1.900,00 no Vinhos de Qualidade (vines.com.br). Mas também por R$ 2.900,00 na Via Vini. Na verdade, não. Está em "promoção" por esse preço. Fora da promoção, seria R$ 3.600,00:
   Agora... está em "promoção" há... um ano?(!). Sabe aquela estória das Black-Fraidi? Promoção de metade do dobro? Ou então "preço lá em cima, com promoção infinita"? Assim. Posso estar errado, mas entendo por "promoção", ou "preço promocional", a uma oferta limitada no tempo e na quantidade. Claro, os espertos que até apreciam uma ironia - mas ironizam de maneira tão estúpida quanto deselegante - dirão que "é uma promoção, que se estende por um ano". Sim... como sou tolinho... Só vejo maldade em tudo que é ação (sic) dos nossos honestos importadores que fazem das tripas coração para que cheguem a nós vinhos nas melhores condições de preço. Aliás, deve ser mesmo uma boa condição: veja lá, dá pra pagar em 3x...

   O Achaval Ferrer Finca Bella Vista em preços oscilando entre R$ 725,00 (Adega Almeida) a R$ 1.200,00 (Bebida Online).

   O Clos de Epeneaux é representado pela De La Croix. Seu proprietário vive dizendo não acreditar como brasileiro aceita pagar tão caro por vinhos. Quem me contou isso foi o gerente da loja por 12 anos, o Daniel Toledo. Pois então, fazendo sua parte quanto a respeitar a carteira do consumidor brasileiro, o senhor Geoffroy De La Croix, nos presenteia o Clos de Epeneaux em sua safra 2011 pela bagatela de R$ 850,00. Tá certo, não é efetivamente uma bagatela, dada a quantidade de reais necessária para sua aquisição. Mas comparando qualidade com a dos vinhos acima, e seus preços... é sim!

*Comentário final

   Um detalhe digno de nota: logo no começo da manhã, ao abrir o Sassicaia, fiz como orientam os manuais: comecei a verter vagarosamente o líquido para dentro da peça. E... nada! Que diabos! O líquido se recusava a despejar-se no aerador... Só quando a garrafa estava quase na vertical a primeira gotinha despingou (rs!) pela borda e... ping... caiu lá no fundo. Relutante, um fiozinho de vinho seguiu o mesmo caminho. Tive calma, mantive a garrafa na posição e alcancei o resultado esperado. Fiquei intrigado, o que estaria acontecendo? Alguma anomalia gravitacional momentânea? Um efeito quântico desconhecido fornecia impulso negativo ao líquido? Acho que, assim como o macaco do começo da estória não queria entrar na cápsula, o Sassicaia também não queria ir para o aerador... já sabia o destino inglório que o esperava, com o Borgonha ao lado...

Monday, July 22, 2019

Comparando o preço do Dom Melchor em três países

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Introito

   Eu preciso voltar a escrever... É chato (eu acho, e ao menos para mim) só colocar o nome e a foto do vinho e as impressões sobre ele. Precisa contar alguma estória (nem que seja de mentira - risos!)... ou do vinho, ou do rótulo, ou do produtor. Ou de qualquer combinação não-linear (rs) de cada um, somando eventualmente alguma informação sobre a uva, ou sobre o terreno, etc.
   Enquanto a inspiração não vem (rs), vou destilando meu veneninho aqui e ali (gargalhadas!). Não externei para o leitor meu completo desapontamento com o que fizeram do sistema de avaliação por notas nos últimos tempos (década, ou mais 😞): tolos de metralhadora em punho, disparando notas 100 com cadência maior do que metralhadoras Talibans disparam balas reais quando desejam comemorar alguma notícia ou boato bom para eles. O exemplo maior dessa prática é um certo senhor... James Sucks, eu acho, embora outros avaliadores também não escapem de certo pernosticismo.
   Note o leitor que minha má estima não está dirigida ao sistemade notas em si: o desapontamento é "...com o que fizeram do sistema de avaliação...". Para mim, o sistema tem muitos méritos. Assim como a energia nuclear. O problema é o que pessoas sem escrúpulos fazem de um e de outro...

O preço dos vinhos chilenos em geral

   Há algum tempo comentei sobre o Parker ter dito que os vinhos chilenos estavam subprecificados (aqui). Ele disse isso em 2008, e bastou para que o preço deles dobrasse em 2009 (Don Melchor pulou de USD 60,00 para USD 120,00, naquela época), chegando atualmente a USD 150,00, no Chile. Vários outros rótulos/produtores seguiram essa toada. Algum tempo depois, os segundos vinhos também aumentaram bastante, e na sequência até os terceiros vinhos de muitos produtores tiveram seus preços majorados no mercado chileno.
   A escalada de preços vem se espalhando para garrafas cada vez mais simples, e atualmente vários vinhos chilenos estão caros quando comparados com diversos europeus de importadoras que praticam margens de lucro que favoreçam um pouco mais o consumidor final. Digo que "estão caros" porque os chilenos, face aos europeus do mesmo preço, entregam um produto visivelmente de menor qualidade. Já discuti isso na mesma postagem do parágrafo acima. Fazendo rápido uso do Wine-searcher, o leitor pode comparar o preço dos vinhos de sua preferência no país onde é produzido, no Brazil e em qualquer outro lugar (civilizado) do mundo.

O preço do Dom Melchor

   Resolvi comparar o preço do Dom Melchor depois de receber mensagem com preço promocional dele: USD 75.00 na loja Benchmark.com. Tinha de cabeça que na média ele custaria um pouco mais nos EUA, mas, curioso, fui procurar. Vejamos:
   Abaixo, tela com a propaganda oferendo o DM a 75 dólares, e seu preço em algumas lojas chilenas. Podemos arredondar o preço dele por lá a 150 dólares? Então tá, obrigado.


   Não satisfeito, procurei pelo custo do DM nos EUA, atualmente:
    Olhaí (risos): nem está tão bom assim... duas ofertas melhores do que a recebida. Um pouco mais, poderia até chamar de propaganda enganosa (😂😂😂).

   Vamos agora observar o preço dele no Brasil. Lembremos que o imposto do vinho por aqui é de uns 160% (na cabeça de alguns importadores, de alguns lojistas e de idiotas em geral), e de 65% segundo a legislação em vigor. Os preços abaixo também estão em dólares, claro. Está mais barato por aqui do que no próprio país produtor! Pagando 65% de impostos! Os impostos no Chile somam algo como 20% (para bebidas, para o restante dos produtos é cerca de 14%).


   E, novamente, a pergunta que não quer calar: para custar 75 dólares nos Estados Unidos... por quanto o vinho foi vendido?(!). Foi vendido por algum valor, pegou o navio (rs; ou será que foi de avião?), foi descarregado, distribuído e chegou na loja a USD 75.00. E aí, saiu por quanto?(!)

   A conclusão é que o Chile já tornou-se um destino sem grande atração para os enófilos mais esclarecidos. E, por que não dizer, para o turista mais esclarecido de maneira geral. Olhe só mais esta: procure jornais chilenos quando estiver em Santiago. Veja a quantidade de restaurantes oferendo descontos de até 40% para portadores de Cartão Isto, ou Cartão Aquilo (Clube de Leitores Mercúrio, Banco Falabella, etc). Duvida, né? Olhaí...

   Ou seja: o habitante local recebe o desconto, enquanto o turista fica com o preço cheio. O Chile já foi um destino mais atraente...
   Preciso ainda dizer que nada tenho contra o Chile ou os chilenos, nem contra a exploração do turismo, que é uma atividade econômica como outra qualquer. Mas explorar o turista é bem outra coisa...