Tuesday, February 26, 2013

Dá-lhe, Borgonha!

   Dona Lilian, minha amada esposa, tem lá sua quedinha por brancos. Daí que, por ocasião de seu aniversário, resolvemos tentar uma combinação bem usual: peixe e vinho branco. O peixe foi o da cozinha japonesa do restaurante Zettai, e o vinho - por coincidência, na onda das últimas postagens deste blog - mais um Borgonha. O Akira compareceu com outro branco que eu já conhecia - e compareceu bem. Aos fatos:
R. López de Heredia Viña Tondonia, Vinha Gravonia 2007, 100% Viura, 12% de álcool.
Domaine Bernard Moreau & Fils, Chassagne-Montrachet 2007, 100% Chardonnay, 13,5% de álcool. Seu nome do meio é exuberante.

   O Chassagne-Montrachet havia sido muito bem recomendado pelo Flávio Vinhobão. Ficou por mais de um ano descansando na adega antes de ir para o abate. Resfriado a uns 12-14 °C, mostrou-se balanceado, mineral e boa acidez, mas pouco mais além disso. O Akira sugeriu deixar esquentar um pouco mais, e enquanto isso apreciamos o Gravonia, que, por já conhecermos, não resfriamos tanto. Então vamos ao Gravonia antes. É um Crianza, envelhecido 4 anos em barricas de carvalho americano e recomendado servir entre 14-16 °C. Nossa experiência mostra que a faixa 16-18 °C é mais adequada; no limite inferior proposto (14 °C), o vinho perde suas principais características. É um vinho que impressiona, em primeiro, pela longevidade. Esse 2000, assim como outra garrafa já experimentada, estava inteiro. E o pior (melhor?), continuou inteiro no dia seguinte, porque sobrou meia garrafa, por maior que tenham sido os esforços. No nariz, o Akira apontou amêndoas - e prestando atenção, estavam lá, mesmo. Para mim, o cítrico estava muito mais evidente (infelizmente sou um degustador de "primeira camada", apenas; as demais, só com ajuda- rs). Bem mineral, boa acidez, corpo médio, bom final. Seu preço é um tanto proibitivo, mas foi comprado com um desconto próximo a 50%. Na faixa de R$ 100,00, é imbatível. Voltando ao Chassagne-Montrachet a uma temperatura mais adequada, mostrou ótima mineralidade, boa acidez e muito integrada a notas cítricas, com bom corpo e final longo. Final longo em vinho branco eu nunca havia encontrado... e este, além de longo, muito, muito rico. A mineralidade foi o que mais chamou atenção; para quem não conhece muito os brancos, foi uma experiência singular. Em uma palavra: exuberante. O duro é que, custando 50 euros "lá", vai saber o custo por aqui. Como última análise, a frase do Akira diz tudo: "eu não gostava de vinho branco". Percebeu o tempo do verbo, né?

Saturday, February 23, 2013

O Château Latour que não latiu

Grandes vinhos e grandes enganos

   A atual fase francesa do nosso amigo Akira acabará por nos levar à bancarrota. Por enquanto, felizmente - e para êxtase dos leitores - apenas a pequenos e deliciosos enganos. Estava o Akira conversando com um lojista de onde ele tem garimpado boas oportunidades em S. Paulo. Entre uma queima e outra, apareceu o Borgonha-Valisére da postagem recente. Da vez seguinte ele estava conversando sobre vinhos de Bordeaux. O lojista disse ter a magnum de um "bastante bom" em promoção, e apontou para prateleira:
   - Te faço 250... não vou trabalhar mais com a marca e estou queimando esta última garrafa.
   O Akira deixou escorrer uma lágrima do olho enquanto murmurava:
   - Você vai me vender um Château Latour por 250?
Grandes vinhos e grandes enganos...

   O lojista aproximou-se da garrafa e virou-a, posicionando-a de frente, e antes que pudesse falar qualquer coisa o Akira enxugou a lágrima e, curto (apenas curto): - Vou levar... (terminou abaixando a cabeça, talvez para esconder a vergonha...).

   Eu não deixo passar a chance de perder um bom amigo. Desfeito o engano, marcamos a degustação. A parte boa de uma magnum, dividida em quatro - outros vinhos acompanharam o momento, mas falarei apenas deste - é que podemos ir devagar, começar a degustação sem decantação prévia e deixar o tempo fazer seu trabalho enquanto a conversa flui. Demos sorte, também: a safra 2001 indicava que provavelmente estávamos em um bom momento para degustar o danado. Por outro lado a graduação alcoólica (13%) provocou-me um ligeiro calafrio. Costumo vincular longevidade diretamente (dentre outras coisas, claro) à graduação alcoólica. Como veremos, apenas mais um engano a somar-se ao folclórico evento. Com  um ano em barrica e outros 11 de garrafa, este corte 60% Cabernet Sauvignon, Merlot 35% e 5% Petit Verdot pareceu não ter envelhecido. Sequer a sugestão de estar atijolado, pelo contrário. Na boca, inicialmente bem fechado, muito diferente dos chilenos e argentinos aos quais sou mais acostumado. Contudo, já de cara, uma característica chamou atenção: acidez presente. Com a devida evolução, a acidez foi integrando-se aos bons taninos e à madeira. Apareceram couro e chocolate à medida que as taças oscilaram entre vazias e cheias, além de ótima fruta. É um vinho de corpo médio, e surpreendeu pelo final entre médio e longo e retrogosto bem presente.
   O que precisa ficar registrado para bebedores de sul-americanos (como eu) e ex-bebedores de sul-americanos e iniciantes em vinhos europeus (como eu), é que não trata-se se um vinho "fácil". Seu conjunto acidez-taninos-madeira tem boa pegada mas a "caída", se me entendem, é muito diferente dos vinhos deste continente. A boca menos acostumada tenderá a não apreciar devidamente esse tipo de vinho; ele pode passar por ruim. Não é. O tempo fez diferença e, embora ao final ele continuasse diferente do vinho mais fácil, sua estrutura atestou a qualidade. Este parágrafo pode ter fica um tanto confuso. Não faz mal; eu também, quando o degustei. Como último argumento, devo dizer que experimentarei outros vinhos do Médoc, com a devida atenção; não adianta abri-lo em uma festa e dar atenção a 30 colegas, largando o vinho na taça. Se servir de consolo, o Flávio Vinhobão seguramente fará uma apreciação mais precisa deste vinhos. Não é, Flávio?...
Château La Tour de By 2001, 13° de álcool, 60% Cabernet Sauvignon, Merlot 35% e 5% Petit Verdot.
Bom vinho, mas não para todas as bocas.

PS: após o comentário do Vitor, fui checar com o Akira o quanto ele havia pago na garrafona. Na verdade pagou R$ 200,00, e não R$ 250,00 como eu pensei inicialmente (blefe do amigo-bebedor, para valorizar o vinho dele? - rs!). Parece que esse assunto de vinho tem mais variáveis do que podemos sonhar conhecer algum dia.

Wednesday, February 20, 2013

Mais um "teste" Folha

   O jornal A Folha de São Paulo brinda-nos com mais um "teste" Folha. Poucos se lembrarão da "avaliação" produzida pelo jornal nos anos 90, analisando o desempenho acadêmico dos professores da Universidade de São Paulo e taxando alguns de improdutivos. Começou assim: acreditando ser suficiente para que todos os interessados tomassem conhecimento do evento, ela... publicou em suas páginas que faria o levantamento...
   Note o leitor que estou puxando fatos de vinte anos pela memória, dispensando qualquer outra consulta. Algo aqui pode estar impreciso. O que eu tenho certeza é que entrou nessa lista um professor meu que... no período acadêmico analisado - quando verificou-se o número de publicações de cada docente - fazia seu doutorado na Inglaterra... (ele não poderia publicar dados de sua tese naquele momento). É por situações como essa que o indivíduo começa a perder a fé na humanidade.
   Agora a Folha traveste-se de "analista" de Rosés e produz uma série de matérias em sua coluna "comida" de hoje, quarta-feira, 20 de fevereiro. Está bem, a Folha contratou uma banca para fazer o teste às cegas, e ela foi composta por Jorge Lucki (dispensa apresentações), Gabriela Monteleone (sommelière do restaurante paulistano D.O.M.), Gianni Tartari, sommelier do restaurante Emiliano, Mário Telles Jr., presidente da Associação Brasileira de Sommeliers, e Suzana Barelli, diretora de Redação da revista Menu. O que decepciona, e motivou esta postagem, são os pontos que descrevo a seguir:

   * Uma das chamadas da matéria diz "Testamos os vinhos rosés mais consumidos em São Paulo, e o resultado decepciona: só 2 das 8 marcas foram bem avaliadas pelos especialistas". Lendo todo o texto, encontramos as sugestões de Alexandra Corvo (colunista da Folha e coordenadora do teste):

  • Janeil Rosé De Syrah 2011
  • Clos La Neuve Cuvée Passion 2011
  • Modello Venezie Rosé 2010
  • Quinta Do Vallado Touriga Nacional Rosé 2010
   Os textos citam o rosé da Villa Francioni, "o único vinho que não sofreu nenhuma crítica no teste promovido pela Folha, com média de 4,2 pontos, num total de 5" e, ainda, os seguintes:
  • Lancers
  • Quinta da Romaneira 2011
  • Club des Sommeliers
  • Los Vascos 2012
Ei, isso dá nove vinhos! A menos que algum dos oito tenha sido veiculado na matéria como o produto do Club des Sommeliers, marca do Pão de Açúcar. Mas não fica claro no texto qual deles é o vinho do Club des Sommeliers (aliás, a variação da escrita, sommelier/sommelière consta na série de reportagens).

Outros pontos surpreendem (negativamente) na "reportagem"

   Uma das matérias traz como título "O melhor vem de Santa Catarina". Fala sobre o Villa Francioni, produto que não está entre os escolhidos da Colunista da Folha. Então tem algo errado, ou com os jurados ou com a colunista. Como o melhor vinho segundo os jurados não merece figurar entre as sugestões da colunista - sugestões que, afinal, possuem o valor de "chancela" aos produtos?

   Ademais, do Villa Francioni, com média 4,2 de 5,0 (lembrem-se, "O melhor vem de Santa Catarina"), 
"Não chega a empolgar", sugerem os jurados durante o teste. "É um vinho que eu tomaria em uma festa", diz Jorge Lucki."
   Mas os próprios jurados deram 4,2 de média... E para piorar lemos, nessa matéria, sobre o Villa Francioni, que ele é "o único vinho que não sofreu nenhuma crítica no teste" - a despeito dos comentários acima...
   Eu entenderia se o vinho tivesse por média algo como 3,0: ficaria acima da média, mas não empolgaria. Estaria justificada a nota. Mas obter 4,2 e ainda assim ser um fiasco (afinal, não empolga)... alguém faz um desenho para me explicar? Depois sobra a pecha de que "de cabeça de sommelière e de bundinha de bebê pode sair qualquer coisa" - não exatamente "qualquer coisa" - e aí os sommelières vão querer o direito de ficar "bravos". Algum dia eu entendo tudo isso.

Wednesday, February 6, 2013

Meu primeiro Valisére

   Quando meus detratores julgavam o blog morto, acabado e enterrado, ele ressurge das cinzas! (risos). Esta é para os que vão adentrados nos 40 relembrarem a adolescência: http://www.youtube.com/watch?v=gvk6LeLYEz4. Acho que é a propaganda mais criativa do Washington Olivetto, que tratou do tema ainda nos anos 80. Uma demonstração de como um assunto que poderia ser constrangedor foi tratado com engenho e arte, colocando a delicadeza acima de tudo. Assim, o título desta postagem bem que poderia ser O primeiro Borgonha, a gente nunca esquece.

   Do começo: domingo (3 de fevereiro), por conta do pré-aniversário do Akira abrimos um Evodia 2010, vinho eu eu comprei no dia da inauguração da Casa Deliza em S. Carlos, ainda em 2012. Vinho espanhol, 100% Garnacha, de vinhedos centenários da região de Calatayud, uma DO na província de Zaragoza, na comunidade autônoma de Aragón. Lá perto da França, portanto. É produzido pela Bodega San Alejandro, uma cooperativa fundada em 1962 e que conta atualmente com cerca de 350 membros, o que torna praticamente impossível encontrar o produtor original se quisermos enviá-lo ao cadafalso. Evodia tem sido bem recebido pela crítica: um vinho de US$ 8,99 que, em sua safra 2011 recebeu notas como 90ST, 89WA e 89RAS. Para este apreciador, muita fruta (negra), o que descaracteriza o vinho. Conforme comentou o Akira, tem-se a impressão de algo que eu mesmo costumo dizer que é "posto com a mão", não sendo característica típica do vinho ou da produção. Ainda na opinião dele, muito doce, daquele tipo "melaço de cana". Eu não percebi, e para meu (no momento) desespero, ele levantou-se e disse que iria à sua casa (mora próximo) pegar um vinho. Voltou em 5 mim, com um  Borgonha, o Cuvée Numero 1 safra 2008, produzido por Dominique Laurent.
Evodia (2010): Garnacha (Grenache), 15% de álcool, bom para iniciantes.
Cuvée Número 1 (2008): Pinot Noir, 13% de álcool, para quem sabe o que quer (eu não sabia que queria!).

   Pelo que me contou o Akira, Dominique é um dos mais conceituados produtores da França, e seus vinhedos ficam na região de Bordeaux. Mas parece que quando Dominique Laurent quer, Dominique Laurent faz, de modo que ele compra uvas em Borgonha na condição de négociant (quando não se tem o vinhedo na região) e produz seus Pinot Noirs em Côte d'Or. Acontece que Dominique compra as uvas em Gevrey-Chambertin, uma pequena comuna que tem o status de Grand Cru. Vale dizer que comuna é o mais baixo nível administrativo da França; deve ser o equivalente a um distrito aqui no Brasil. E, ali perto (Côte d'Or é o department à qual percente Gevrey-Chambertin), Dominique Laurent opera sua magia para produzir um vinho de entrada, o mais básico dos seus Borgonhas, o Cuvée Número 1. Em outras palavras, parece que estamos falando do lixo do luxo...
   Ainda segundo o Akira, a instrução do vendedor foi clara: não decantar (!). Esse tipo de vinho (não sei se todos os Borgonhas) deve ser aberto e consumido ao longo de algumas horas, para que seu potencial de evolução possa ser devidamente apreciado. E, convenhamos, isso não pode ser levado a cabo com meia dúzia de ávidos consumidores ao redor de uma única garrafa. Assim, por volta das 20:30, e até à 1:30, levamos a cabo a tarefa de provar até a última gota desse maravilho exemplar.
   Vou recobrar o parágrafo em que falava do Evodia: o Akira considerou de buquê adocicado, o que não consegui perceber. Essa tarefa é-me difícil sem um vinho "de apoio", que permita a comparação. E o vinho de apoio chegou logo depois. O Evodia expressou toda sua melíflua característica, transmutando-se mesmo em algo enjoativo. Maldita pedra filosofal, esse Borgonha (risos). Após o desmascaramento, comecei a reparar melhor no danado: um rubi translúcido, mesmo com a taça adequadamente preenchida. Apenas 13 graus, o que sugere ótimo potencial para "suquinho". No primeiro momento da abertura, muito fechado no nariz. Com um ou dois minutos, as primeiras notas: fruta agradável, que vai-se pronunciando com o tempo. Aliás, em algum momento pareceu-me ter notas de caramelo. Também apareceu baunilha, mas de leve. Acidez presente, fazendo bom par com taninos leves. Não sou bom nem conheço tanto para fazer um leitor salivar com minha impressão de um vinho, então vai no português livre e tosco: um supra-sumo. Elegante, ótima complexidade de nariz e boca, com final médio e bom retrogosto.
   A minha avaliação dos Pinots sul-americanos sempre foi a de que essa uva não em "cara" na nossa região. Cada vinho que já experimentei não guarda qualquer similaridade com seus irmãos, primos, sobrinhos, etc. O que já ouvira dizer é que isso não se aplica aos Pinots da Borgonha. Como primeira experiência, fico evidentemente prejudicado para opinar. A certeza é de querer mais. São vinhos caros no Brasil. Diz-se que um bom Borgonha começa (co-me-ça) a custar R$ 200,00, como é caso desde 90 Parker Cuvée Número 1. É muito caro, mas encontrei exemplares 95 pontos na faixa de US$ 100,00 no estrangeiro. Levando-se em conta que um "top" chileno custa mais caro em seu país de origem, está bem definida quais serão minhas compras na primeira oportunidade de bem-gastar (sic) meus suados cruzeiros (rs). Você, bebedor de Don Maximiano (já foi meu vinho preferido), Don Melchor, Dons Isso, Dons Aquilo e Dons Docas, preste mais atenção ao redor. Conheço muitos bebedores de vinhos chilenos e argentinos, e mais nada. Não sabem o que estão perdendo. Eu não sabia, também. Mas comecei a descobrir...