Tuesday, October 31, 2023

Vinho sem nota ou nota-sem?

Introito

   Na postagem passada abordei um pouco do sistema de avaliação de vinhos. Resumindo antes de retomar: é possível valer-nos de uma maneira sistemática, honesta e independente para estimar a qualidade de vinhos. Se em algum momento o juízo dos avaliadores deixou de guiar-se pela métrica inicial, isso é apenas e tão somente a comprovação de como o dedo podre da humanidade pode estragar o que toca - estragamos o Paraíso, confere? Não vimos ao longo de uma década certo cinéfilo dourar a pílula para filmes de quinta categoria em canais menores, após deixar a emissora de maior audiência do país? Sua linguagem era tão refinada quanto a de sommerdiers (sic! rs!) conhecidos no meio como defensores dos frascos e comprimidos, bem como das importadoras tubaronas; palhacinhos da justiça, como digo. Voltando: o bebedor precisa estar com a boca e o nariz armados para julgar por si e concordar ou discordar das avaliações. Deve beber bons vinhos, de vez em quando (risos) e avaliar vinhos mais simples, segundo as regras e tendo por base o que conhece e concorda, como aqueles que mais aprecia, ou mais o marcaram. Lembre-se: se atribuímos notas a filmes e livros - na escola ninguém estranha o professor classificar redações dos alunos - qual o problema em aquilatar um vinho?
   De acordo com Parker, os vinhos são classificados, pela pontuação já comentada, assim:
   50 - 59 pontos: inaceitável.
   60 - 69 pontos: abaixo da média com deficiências visíveis, como acidez e/ou tanino excessivos, ausência de sabor ou possivelmente aromas ou sabores desbalanceados.
   70 - 79 pontos: médio com pouca distinção, exceto que é bem feito. Em essência, um vinho simples.
   80 - 89 pontos: ligeiramente acima da média a muito bom, apresentando vários graus de delicadeza e sabor, bem como caráter, sem falhas perceptíveis.
   90 - 95 pontos: vinho de excepcional complexidade e carácter, rico em buquês e sabores.
   96 - 100 pontos: extraordinário, de carácter profundo e complexo, apresentando todos os atributos esperados de um vinho clássico.

   Tente fazer suas comparações - inicialmente sem falar em notas. Tente lembrar-se das características de vinhos similares ao degustar sua próxima garrafa. Vá recordando-se das experiências vividas - como nos recordamos dos grandes momentos das férias, das boas poesias, dos nossos amores. Quando já bebia de vez em quando um Crasto Vinhas Velhas, um Esporão Reserva, depois de ter bebido alguns italianos melhores, discutido e treinado com Akira e Don Flavitxo, comecei a atrever-me no julgamento de vinhos mais simples, e um depoimento de 2012 está aqui. Você também consegue, basta começar. O benefício direto e imediato será desconfiar daqueles sábios de óculos dizendo que devemos beber Vinhos de Procedência (assim mesmo, com V e P, perceptíveis pela solenidade na pronúncia das palavras) que os espertalhões sommerdiers e defensores das importadoras tubaronas tentarão empurrar-lhe em troca de seus suados cruzeiros. 

   É bem possível que nos primeiros momentos os avaliadores - em sua maioria - fossem absolutamente honestos na proposta inicial: um posicionamento pró-consumidor, não pró-indústria. Mas é inegável que as avaliações geraram uma corrida pelos vinhos melhor avaliados e o aumento de preço desses vinhos aconteceu tão rápido quanto espalhou-se a notícia de suas notas. Logicamente esse efeito - talvez inesperado - despertou olhares de cobiça tanto do lado de produtores quanto de avaliadores de vida fácil. O resultado, hoje, é vermos avaliadores portando-se como autênticas metralhadoras de notas 100, disparando para todos os lados suas benevolências a ponto de muitas e muitas notas não guardarem qualquer similaridade com o cânone da crítica. Segundo os comentários mundo afora, o primeiro a entregar-se nos braços de Belial foi um certo James Suckling, a quem refiro-me normalmente como James Sucks. Outros - Parker inclusive - não demoraram a juntar-se a essa procissão macabra. Por outro lado, na internet, there were some who resisted 1:15 (risos!), as forças do bem juntaram-se aqui e ali. O mais célebre espaço é o Cellar Tracker, onde os amadores podem escrever resenhas sobre os vinhos, atribuir notas, criticar as avaliações profissionais e, sobretudo, passar muitas dicas sobre o serviço do vinho, como sua necessária aeração, em muitos casos. As notas de lá divergem em muito daquelas dos profissionais - invariavelmente, para baixo. Em minha opinião, são quase sempre melhor abalizadas. Essas ideias não esgotam o assunto, mas espero ajudar o leitor a ter uma abordagem mais realista acerca de nota e pontuação de vinhos.

Início

P
ulando muitos vinhos degustados ultimamente, ofereço o relatório sobre um nota-sem (sic! rs!) degustado neste final de semana. O Edu Turismo levou a turma (eu não...) para um passeio na Argentina. Visitariam a Catena e a Enemigo, dentre outras, então sugeri para a Liu trazer um Gran Enemigo Gualtallary Cabernet Franc para fazermos uma brincadeira. O leitor atento lembra-se do quanto fiquei desconcertado com a experiência advinda desse mesmo vinho por mãos do Renê e queria tirar a prova - recomendo a releitura da postagem acima até antes de continuar desta, inclusive dos extensos comentários na discussão. Renê trouxera seu exemplar da Argentina - não da bodega -, e sentamos-lhe a pua. Um leitor suspeitou tratar-se de falsificação, e a estória foi longe. Nosso encontro - em U, da esquerda para a direita, Débora, Mário, Edu, Liu e o Enochato - aconteceu no Restaurante Barone e reuniu confrades do grupo Vinho e Turismo, patrocinado pelo Shot Café. Espero ver outras pessoas animarem-se e saírem em grupos para encontros similares. Hulk smash... vinho une... Enochato desune... Eduardo usa cola e reúne tudo novamente... assim vamos.

Vinho nota-sem

Tivemos uma cava de entrada, um tintinho nojento de abertura - não comentarei - e os três atores principais. Artimanhosamente (sic! rs!), fiz para mim a seguinte proposta: levar um tintinho para pegar o Gran Enemigo Gualtallary por baixo, no sentido de ter qualidade mínima para arrancar-lhe um empate honroso em degustação às cegas, e depois chegar com um tintão para passar-lhe um pneu. Quem joga tênis sabe: pneu é vencer o set por 6 x 0. Atingido o intento, teria como argumentar em bases mais sólidas além da simples apreciação de um único vinho. Inicialmente apreciamos o Gran Enemigo, depois meu tinto mais simples, e então o mais complexo. Débora, Liu e Mário gostaram mais do meu tinto simples do que do Gran Enemigo. Meu segundo vinho não atingiu o pretendido 6 x 0. Na opinião geral ficou em meros 6 x 2. Para o Edu, Gran Enemigo fez 6 x 4 no meu melhor vinho. Sempre digo: o Edu é um ótimo agente de viagens... 🤣😅

El Gran Enemigo 2019 mostrou bastante fruta e alguma baunilha, mas pouco além. Algum traço de chocolate/fumo estava sufocado, eclipsado pela fruta. A boca também, muita fruta, madeira discreta, acidez baixa, rápido e rasteiro. Escrevo no segundo dia, e degustando a última taça. Não melhorou muito: tem final um pouco melhor um pouco mais de persistência, e é isso. Seu ataque - a entrada na boca - como disse o Eduardo, é sim bem macio, aveludado, e talvez seja sua melhor qualidade. Equilibrado, sem dúvida, sem arestas no sentido de nada exaltado, mas sem grandes surpresas. Era sim o mais aveludado dos três - não sei de onde vem essa característica, mas está bem trabalhada. Apenas é muito pouco para um vinho pretender chegar a 100 pontos. De onde tiraram isso? Pode ter aí uma legião de defensores ávidos por poderem dizer terem bebido um vinho 100 pontos de dois avaliadores distintos. Bem, não brigarei com essa turma de dissonantes cognitivos. Apenas ficarei com os 97 pontos de um Emílio Moro Malleolus de Sanchomartin 2004 (Flavitxo postou), com os 95 pontos de um Torbreck Descendant 2005, ou mesmo do Oracle 2005 (mesma degustação, também pelo Flavitxo), com o La Janasse Chaupin 2009 qualquer que seja sua pontuação (98 - risos), com o Domaine du Pégau Châteauneuf-du-Pape Cuvée Réservée 2001, ou qualquer outro de dezenas de vinhos melhores do que El Gran Enemigo degustados ao longo da vida. E olhem, estou claramente pegando muito por cima: tais vinhos estão anos-luz à frente de Gran Enemigo...

   O segundo vinho degustado foi o Quinta do Noval Syrah 2017, duriense do conceituado produtor Quinta do Noval. Nariz rico, com frutas, especiaria e mais notas; boca com acidez algo melhor, concentrado à base de bons taninos e melhor persistência. Débora, Liu e Mário apreciaram-no mais. Depois fizemos uma prova repetindo Gran Enemigo em uma taça e na outra ofereci um Quinta da Romaneira Syrah Apontador 2016. Claramente um degrau acima do Noval, nariz mais complexo à frutas, chocolate/café, especiaria e mais. Boca abundante de notas entre frutas, chocolate ao leite, com o dulçor típico dos portugueses - Noval também tem, menos intenso -, ótimos taninos, final longo, permanece na língua quando o engolimos e salivamos depois. Para a maioria, se não foi um 6 x 0, ficou num ótimo 6 x 2: sobrou. Apenas o Eduardo considerou Gran Enemigo melhor.

   Então vem a pergunta: como um vinho 90 pontos, e outro 91 pontos, tratam um double cem (sic) na ponta da bota, sem respeitá-lo nem dar-lhe moral? Repetindo: na melhor das hipóteses, El Gran Enemigo precisou suar muito para suplantar um ótimo Novalzinho de 30 Euros em seu país de origem - Enemigo custa USD 40,00, na bodega. Ele tomou vareio forte de outro de 45 Euros...

   Enemigo nada acrescentou ao exemplar anterior degustado com o Renê, a menos da certeza: aquele vinho dele não era falsificado; El Gran Enemigo é mesmo um vinho fraco em comparação com europeus de valor similar e está muito aquém desses cem pontos conferidos por avaliadores que aparentemente encontraram seus narizes no lixo. 
  

Sherlockianas

   Voltando ao ponto: como um vinho assim consegue pontuação tão expressiva? Para tentar salvar a honra dos avaliadores - veja lá o aparentemente... - convido o leitor a ativarmos nossos sentidos Sherlockianos e especularmos sem medo. Claro, desentortando de um lado, entortamos do outro, na mesma proporção. As possibilidades para explicar o sucedido são:
    * Os exemplares enviados para avaliação não continham Gran Enemigo, mas outro vinho - continham um Vinho, com 'V". Pode-se argumentar: os avaliadores compram os vinhos no mercado formal. Antigamente sim; não sei se continua dessa maneira. Mas é certo: em concursos e degustações mundo afora, o produtor leva o vinho.
   * Aventou-se nos comentários da postagem passada o fato dos vinhos da Catena sofrerem falsificações. Bem, descobrimos a fonte dela. Os consumidores - mesmo visitando a bodega - estão levando gato por lebre; El Gran Enemigo pode ser muito bom, mas não é o que estamos bebendo.
   * Este Enochato (e todos seus confrades) não souberam avaliar o que tinham em mãos. Admito, admirei-me com certa simplicidade do Château Montrose 2003 e do Quilceda Creek 2004 quando fiz minha comparação particular do Julgamento de Paris. Está aqui. Mesmo Don Flavitxo ou Akira deixaram passar tratar-se de cortes bordaleses - sequer identificaram a Cabernet Sauvignon, que nesse nível de vinho é de fato muito diferente das expressões às quais estamos acostumados. Mas péra lá (sic), tinham ótima acidez e eram marcantes em boca. Você engole vinhos como esses e não os esquece tão fácil...eles permanecem consigo por um bom tempo, e olha, é um bom tempo mesmo... Não há como: um grande vinho o bebedor conhece por um lado ou por outro.  Portanto a hipótese precisa ser descartada.

   Bem, é isso. Arrepiem-se detratores, mas quem é independente pode dar sua opinião sem medo. Dado o longo histórico de alta pontuação dos Gran Enemigo, parece-me clara a desconfiança sobre os avaliadores ou sobre o produtor - e acho difícil haver apenas um culpado na estória. Reputo a contribuição do sistema de avaliação por notas. O problema é o que está sendo feito dele.

Preço Apontador 'lá'.





Preço Quinta do Noval lá.


Tuesday, October 24, 2023

A degustação da Mercearia 3M

Introito

   Aristóteles escreveu a Poética há 2.300 anos; seu pensamento continua atual e influenciou significativamente a análise literária, mostrando como podemos identificar qualidades ou defeitos em textos poéticos ou teatrais. Uma abordagem mais significativa do tema aconteceu apenas no início do século XX, com os formalistas russos. Hoje a crítica está estabelecida e é reconhecida como importante nas artes de maneira geral. 
 
Uma foto não precisa retratar um animalzinho fofo para ser artística. O fotógrafo deve ter sensibilidade para encontrar o ângulo, a luminosidade e o instante oportunos para seu clique perfeito, não importa qual seja o alvo de sua lente. E nem o observador está obrigado a apreciar o que é clicado, mas ele deve conhecer os conceitos de fotografia para poder avaliar se está mirando uma obra de valor ou um simples retrato. Da mesma maneira, um filme ou uma poesia não necessitam abordar temas belos para serem considerados arte; pode-se expressar até o macabro com toques de sofisticação e produzir-se uma obra-prima. Pensando assim, Robert Parker - até onde sei o primeiro a debruçar-se com olhar crítico sobre nossa bebida preferida - lançou as bases da avaliação para os vinhos em um momento onde as  análises praticamente só vinham de pessoas ligadas diretamente ao produto - um claro conflito de interesses. A proposta é relativamente simples, levando em conta a base na cor e aparência do vinho, aroma e bouquet, sabor e final, e nível geral de qualidade ou potencial. A escala começa com 50 pontos 'dados', e o avaliador pontua os aspectos do vinho segundo a regra onde cor e aparência recebem o máximo de 5 pontos; aroma e buquê, até 15 pontos (cuja análise se limita à intensidade e alcance da bebida); o sabor recebe até 20 pontos (estendendo-se ao equilíbrio, profundidade e persistência) e a qualidade global e potencial de evolução vale até 10 pontos. Essa regra está aqui, embora aqui esteja melhor comentada. Portanto falamos de um pouco de atenção, boa memória olfativa e gustativa, critério e perseverança para poder começar a avaliar vinhos - e é onde o chão afunda... pois... qual é o critério a ser usado? Como um bebedor iniciante, conhecedor, vamos escolher, apenas de vinhos chilenos, ou mesmo nacionais, pode considerar-se apto a avaliar vinhos? Ele claramente não o é. Da mesma maneira, um bebedor de vinhos do mundo todo, mas na faixa de 5,00 a 25,00 'moedas' também não é. Então o avaliador precisa beber dos grandes vinhos do mundo? Bem, pretende que seja diferente? Esses avaliadores terão tudo para serem os melhores, se deixarem de lado os conflitos de interesses. Quem já bebeu somente alguns grandes vinhos (quantos?...) pode ser um bom avaliador também. Quem bebeu muitos vinhos de certa qualidade pode avaliar bem vinhos daquele patamar para baixo - e pode até funcionar se ele souber calibrar sua avaliação a partir de outras notas conhecidas por ele. Complexo? Seguramente. Mas funciona, e é fácil comprovar: este Enochato - sem qualquer vaidade - está longe de ser qualquer sumidade mas oferece em várias confrarias das quais participa vinhos melhores do que a média dos demais membros, na faixa de preço em questão. Tá, aqui tem também o ponto de saber fugir das tubaronas, mas o assunto é outro. Como isso acontece? Simples: o Enochato aprendeu a calibração proposta acima com gente que sabia muito mais do que ele, notadamente Don Flavitxo e Akira. Nessa confraria, conversávamos de tudo: futebol, política, samba, suor, ouriço - principalmente ouriço - mas tínhamos nossos momentos de avaliar e estudar os vinhos. Vai por mim, funciona; basta prestar atenção, ponderar e ter vontade de aprender.
   Volto ao assunto na próxima postagem. Por enquanto, sugiro uma leitura sobre o Parker aqui, e outra sobre uma abordagem pragmática da pontuação de vinhos, aqui.

Impressões da Segunda Degustação Mercearia 3M-Damha Golf

 No sábado, dia 7, a Mercearia 3M realizou no restaurante do clube de Golfe no residencial Damha a segunda edição da parceria. O lugar é espaçoso e acomodou bem os 400 participantes ávidos por degustar parte dos 200 rótulos disponíveis. Meu propósito foi o de sempre, nas degustações regionais: experimentar sul-americanos em geral e nacionais em particular, para constatar como andam. Afinal, é necessário acompanhar o mercado para poder falar mal dele com alguma propriedade (risos!). Sejamos francos: das degustações passadas, aqui e ali, não sinto-me confortável para pagar R$ 70,00 em um tinto nacional. Por R$ 80,00, bem comprado - na 'promo' - pego um 5 Forais. Não tem para nacionais, podem perfilá-los prontos para o abate. Bom, dos nacionais de até R$ 150,00 nenhum ganha, por que vou arriscar pagar, digamos, R$ 250,00 numa tranqueira em potencial? OK, aos vinhos...

Amitié é um produtor tão novo quanto objetivo: procurei seu sítio de internet, mas só encontrei mesmo a loja eletrônica da empresa... na conversa com o sr. Ednar, fiquei sabendo da sede - Vale dos Vinhedos - e da fundação da vinícola em 2018. Seus espumantes têm sim alguma graça, são vivos, acidez discreta, leves, ótimos para beber na piscina: esquentou, você deixa cair dentro dela e tudo se resolve. Eles quase conseguem competir com um espumante italiano como o Bacio Della Luna, já degustado aqui inúmeras vezes. Falta apenas competir no preço: seu espumante mais barato custa R$ 65,00, muito caro em comparação com o italiano a módicos 5 moedas em seu país de origem. Fazendo o câmbio, dá R$ 25,00. Reclame-se dos impostos aqui. São os mesmos que incidem sobre o Bacio, e eu o comprava na 'promo' a R$ 45,00. Não reclamem, produtores nacionais... O Amitié Colheita de Verão Cabernet Franc tem uma picância muito leve e um ultra-especialista poderia conectá-lo a uma Cabernet. Sendo apenas um super-especialista, passei longe da sugestão. Tem sim alguma fruta no nariz, mas a boca é ligeira, baixa acidez - discreta, mas tem. É um ponto favorável sim, mas seu preço sugerido, R$ 100,00, não convence. O Pinot Noir saiu-se algo melhor, pois mostrou nariz mais rico e a boca surpreendeu, em comparação com o CF. Por R$ 85,00, é melhor compra. Até poderia pegar uma garrafa para brincar com amigos, mas pergunto: para que repetir, depois? Dois brancos, e foi assim: ou anotei errado os preços, ou o sr. Ednar se confundiu. O Viognier, anoitei como R$ 160,00, mas no sítio da empresa consta R$ 100,00. Tem buquê melhor do que a boca, onde a acidez é discreta e o final é ligeiro. Pelo preço anotado, e comparando com o sítio, por R$ 160,00 vem o Chardonnay, que é o 'Oak Barrel'. Mas aí pergunto: para que carvalho em um vinho com acidez praticamente zero? Tem lá um cítrico muito básico, mas na boca nem a madeira faz volume. R$ 160,00? Fala sério...

Na Casa Perini, famosa pelo aclamado quinto melhor espumante do mundo - experimentei, quando ganhou o galardão; achei que deveria ser o quinto pior do mundo, dentre os que já provei na vida - conheci a coleção Fração Única nas versões Cabernet Franc 2021, Tannat 2021 e Merlot 2020.  Sobre o Merlot, a página do sítio do produtor diz que... Este Merlot representa estrutura equilibrada entre taninos e acidez. A passagem por barrica de carvalho oferece a este vinho notas complexas. Lembra do começo da conversa? Quando citei a exasperação do Parker ao constatar que as críticas de vinho estavam ligadas a profundos conflitos de interesses da parte dos produtores? Por aqui, nada mudou. O equilíbrio aqui é entre taninos muito discretos e acidez pouco notável - o tanino ganha pela simples existência! São vinhos ligeiros, sem muito diferencial. Não são ruins nem mal feitos, apenas falta-lhes complexidade - complexidade de verdade. Complexidade é isso, ou isso. O resto é conversa mole. E o detalhe: ambos os vinhos referenciados valem - porque valem! - por volta de 100 moedas nas Európias. Aqui, Fração Única custa... custa... 100 moedas! E olha, com desconto!


   Tentei argumentar com o sommelier da empresa: o próximo passo seria tentar derrubar o preço. Ele reclamou dos impostos - mas todos os vinhos pagam... - e do preço da garrafa. Segundo ele, há apenas uma empresa a fornecer garrafas para todo o mercado. E, se entendi bem, o valor da garrafa seria algo como R$ 9,00 a unidade. Perguntei por qual motivo não produziam o vinho em caixinha. Não há demérito. Eu compraria Fração Única por R$ 20,00, para mostrar para as pessoas. Em casa, fui procurar. R$ 9,00, né?

  Vinte garrafas, sem rolha, R$ 60,00. Dá R$ 3,00 por garrafa. 🙄 já sei... a rolha custa R$ 6,00.

  Tentemos novamente. Doze garrafas, com rolha, R$ 25,00. Dá R$ 2,09 por unidade. 🙄 já sei... o rótulo custa R$ 6,91.

   Se servir de consolação, pelo menos a elite dos vinhos nacionais parece ter passado aquela fase onde as uvas eram esmagadas com prensa hidráulica a ponto de arrebentar as sementes e passar para o vinho seus taninos mais amargos. Não, isso não acontece - não com os vinhos de elite. Esse cuidado óbvio deve ser a explicação real para os preços altos do produto - além, claro, do Roberto Carlos ser chamado para cantar para o parreiral nas podas de inverno.

   Com o grande número de rótulos, não é de estranhar a repetição de alguns já presentes em eventos passados. Apenas evitei-os, ou experimentei um pouco dos melhores exemplares, para dar uma acompanhada. Dentre chilenos e argentinos, principalmente, nada de surpreendente. Continuo falando mal com propriedade. O uruguaio Garzán estava representado por um rótulo básico, creio. Assim como a qualidade: básica. Não lembro o preço, mas refleti na hora preferir os portugueses do Crasto e Esporão, parceiros da Mercearia em praticamente todos os eventos de maior envergadura da loja, não comparecendo apenas em degustações específicas. Não há muito o que falar deles, a qualidade é sempre boa. O preço parece-me andar um pouco fora, mas não fiz as contas direito. Já bebi muito deles em outros tempos, até mantenho alguma derradeira garrafa e sinto que já deu. Não me recuso a beber deles caso sejam servidos, apenas tento outros rótulos. É a tal da escolha do consumidor.

Mas nem tudo foi sofrimento e desgraça pelos stands do evento. Encontrei os alentejanos Rapariga da Quinta Colheita Seleccionada 2021 e seu irmão maior, o Rapariga da Quinta Reserva 2020. O primeiro, corte Aragonez, Trincadeira e Cabernet Sauvignon, mostrou fruta básica, boca ligeira, acidez baixa a média, meio ligeirinho mas bastante bom para seus cerca de R$ 90,00, principalmente se comparado aos nacionais. Dá uma surra em tudo o que experimentei e nos comentados em particular. O Reserva é um corte lusitano mais típico, Alicante Bouschet, Aragonez e Touriga Nacional, madeira presente, fruta marcada, acidez tendendo a média, melhor permanência. Claro, por R$ 170,00, precisa entregar mais. Seus preços aqui não estão tão fora, e o Reserva compete bem, por exemplo, com o Herdade dos Grous, pelo mesmo preço 'cheio' aqui - prefiro o Herdade, e este já comprei a R$ 110,00, recentemente; aí fica difícil para os Rapariga... Lá em Portugal seus preços não discrepam tanto... bendita concorrência... 

Sunday, October 8, 2023

Jantar com as meninas

Introito

Sempre prefira o vinho reba de um produtor top
ao vinho top de um produtor reba.
Dito d'Oenochato


Teria o inexistente leitor acompanhado - se foi noticiado pela grande mídia - a estória da agressão racial perpetrada por uma assessora de ministra contra os paulistas? Claro, os PTlhos terão alguma explicação satisfatória para isso - pelo menos para conversar entre si, bebendo sua cervejinha. É a pessoas assim às quais refiro-me quando digo sintir vergonha dessa gente (sic). Vejam aí ao lado: Torcida branca... descendente de europeu safade (sic! - analfabetismo grassa). Pior de tudo pauliste (sic again de novo). Não bastasse, a fulana trabalhava no... Ministério da Igualdade Racial!? É isso mesmo? A falta de ação do governador Tarcizo (sic) é ato menor, mas confirma a certeza: ele não merecia meu voto antes, e muito menos agora - não só por isso, mas pelo conjunto da obra. Bem, a pergunta agora é: onde está a lei para ato tão explícito de racismo? Apontando o dedo: Legalistas, apresentem-se! Agora cai a máscara, não é? Legalistas de araque! Se o leitor não está entendendo direito, recomendo a postagem curta do sr. Renan Santos do MBL, aqui. Uma explicação mais longa (8 min) esta aqui. Outro comentário igualmente estarrecedor está aqui (9 min), onde ele demonstra - apoiado por matérias jornalísticas - a destinação de metade das verbas do Ministérios da Igualdade Racial sendo gastas em viagens para a Europa - o lugar onde vivem os europeus safades (sic). Algumas fotos abaixo são de perfil das redes sociais das distintas funcionárias públicas; não podem ser negades, portante... (sic).

      

   Lembra-se de Que país é esse? Nunca este tão atual... 

Jantar com as meninas

Por conta de comemorar um simples reencontro após certo tempo, a compra de um pacote de viagens para o Nordeste com o Edu Viagens (rs), a singela alegria da vida e ainda desfrutar de um espumante deixado pelo Akira, pagando-lhe mais uma vez a imortalidade através da lembrança, as meninas - confraria antiga - reuniu-se há alguns dias em jantar. Convidado: o próprio Eduardo; participações especiais da Silvinha e da Faby. O local foi o apê da Carol - o novo. Em 2014 registrei nosso primeiro encontro no antigo, quando assinalei minha mudança de percepção acerca de vinhos chilenos na degustação de um  Finis Terrae, da Cousino Macul, bem como sua escalada de preços. Portanto, para os novatos, as reclamações não são recentes...

Sei mesmo que tivemos um Freixenet Cordon Negro, Cava Brut, corte Macabeo, Xarel-lo e Parellada, produto sempre bom para meu padrão de espumante do dia a dia. Ela fornece o básico: bom buquê calcado em notas cítricas e fermento, boca com muito frescor, acidez e corpo médios, boa permanência e bem balanceado: tem algum dulçor sem exagero - é para ser um Brut, certo? Mas a pontinha doce está lá - o que às vezes me decepciona em outros exemplares do estilo exibindo dulçor mais exagerado. Tal adocicado torna-o agradável para iniciantes sem decepcionar quem tem um pouco mais de experiência. Na faixa de R$ 66,00-R$ 80,00, é boa compra; acima disso começamos a flertar com a tubaronice pura e simples. Por ter produção muito grande, acaba sendo facilmente encontrada no Brasil, gerando competição e preços razoavelmente honestos. No final, e em comparação, uma aula de como se faz espumante; deveria ser assimilada pelos produtores nacionais. Pensar em Valduga 130 a R$ 145,00 - parece ter caído assustadoramente, mas posso estar confundindo o preço com o Blanc de Blanc ou o Blanc de Noirs - e outros acima de 100zão é um acinte. Aliás, interessante a postagem sair agora; estes dias saiu reportagem de vinhos brazucas recebendo medalhas Grande Ouro e Ouro Destaque(!) mundo afora. Nossos espumantes, dizem, competem com os melhores do mundo. Tá. Já experimentou os do Vale do Loire? Tente guardar um espumante nacional por 10 anos. Veja um Loire 2007 degustado neste ano aqui. Conhece da região portuguesa Trás-os-Montes? Esta tem coisa boa por 10,00 Euros (exemplares simples a partir de 5,00 Euros...). Seria interessante os produtores abaixarem a cabeça e começarem a trabalhar a questão do preço.

Cometi (sic! rs!) um Mirabeau Pure 2020, rosé provençal corte Grenache, Syrah e Cinsault com nariz discreto mas rico em frutas vermelhas, acidez baixa, bem leve, ligeirinho que só ele (risos!), mas ainda assim equilibrado e agradável; acompanhou bem as entradas; as meninas deliraram com ele, e evaporou rapidamente. Chegou o salomão por prato principal e para acompanhamento levei um Zind-Humbrecht Riesling Turckheim 2020; arrancou alguns suspiros e acompanhou bem o pescado - estava uma delícia! A Riesling da Alsácia tem uma pegada à óleo Singer, como muito observou o Akira certa vez. Advertidas após experimentarem, houve alguma concordância. É mais complexo, com notas cítricas e outras - não lembro-me dos palpites - boca com ótima acidez, mineralidade e frutas brancas cítricas, com ótimo final. Não muito acostumadas ao estilo, achando-o diferente, ouviram a frase que cunhei meio sem querer ao tentar contextualizar o vinho e o produtor: melhor o vinho reba de um produtor top ao vinho top de um produtor reba. Para fechar a noite, o Eduardo cometeu um D.V. Catena Cabernet-Malbec 2022, comprovando o quanto estou certo em abominar esses vinhos: doce desequilibrado (para mim, somente), com goiaba pesada na frente de tudo. Tem mais notas na direção de outras frutas e chocolate/fumo ou algo assim, madeira e mais, mas a goiaba soa enjoativa. O doce repete-se na boca, com mais fruta, acidez baixa e média, bom tanino - seu ponto alto - e final médio, porque o doce (ele de novo!) fica na boca. As pessoas enganam-se facilmente, pois esse doce o torna muito - mas muito mesmo! - palatável para bocas bem adaptadas a esse paladar que o Akira creditava infantil - dos primeiros anos, quando o doce torna-se uma sensação facilmente marcada em nossos paladares. É um vinho bem feito - apesar do desequilíbrio - no estilo para agradar as multidões. Ainda bem; se estas gostassem de Borgonhas, não sobraria para mim...