Sunday, March 28, 2021

Por um céu mais azul, uma grama mais verde

Introito

   Nesta semana ultrapassamos 300.000 mortos por Covid. Não há estatísticas, mas possivelmente boa parte seja de seguidores do General bolsonésio. Seja pela falta de exemplo, seja pelas más orientações, os mais ignorantes dos meus irmãos, que financiaram meus estudos em uma universidade estadual com os 95% de impostos sobre suas pinguinhas, estão caindo como moscas frente a uma rajada do inseticida Raid. bolsonésio parece o vilão dos filmes de Roliúdi: governa pela burrice, não pela tirania ou vilanice, à medida que queima seus próprios comandados sem o menor escrúpulo. Comanda, mas não lidera; assim, interessa-lhe mais o caos do que o combate, justamente em uma época em que a liderança, mais do qualquer vacina ou remédio, seria a mola-mestra do bom combate à pandemia. Ao contrário dele, que chegou a comemorar uma morte no estágio de teste de alguma vacina, eu lamento a morte de cada pessoa, seja ela bolsonésia desavisada ou não. Escola bolsonésia, nós nos encontraremos nas urnas. E a batalha não terminará lá. Continuará até que o último bolsonésio esteja no cadafalso da História.

Fattoria Petrolo

   Petrolo é um produtor da Toscana que rotula seus vinhos como IGT, pois usa Merlot e Cabernet Sauvignon em seus principais produtos. Claro, também usa a Sangiovese, mas é nas cepas bordalesas que Petrolo causa um alvoroço entre os concorrentes locais. Já tive o imenso prazer de experimentar algumas garrafas do soberbo Galatrona, um 100% Merlot já comparado ao Château Pétrus, produtor do mais icônico vinho de Pomerol. Para registro, Galatrona também foi comparado ao Château Le Pin, apenas e simplesmente o segundo vinho dessa mesma região... e custa uma fração do preço de seus concorrentes. E quando digo fração, é fração mesmo: enquanto os bordaleses começam em... USD 2000.00+, Galatrona custa (a partir de)... USD 75.00! Como disse, já bebi alguns Galatronas. Até no dia seguinte o céu nascia mais azul, e a grama parecia mais verde. Espero que você ainda beba um. O sítio de Petrolo, ao contrário da qualidade de seus vinhos, é muito frutinha: deve ter sido feito por um gênio da computação (sic), mas com senso de estética similar à noção de qualidade dos produtores de vinho nacional, uma calamidade. Petrolo também produz o valoroso Torrione. Infelizmente as informações sobre safras passadas desse vinho são bastantes incompletas. Felizmente o vinho é muito bom, o que nos permite sugerir que o produtor enfie a falta de informações sobre ele no meio da sua ideia do que é um sítio organizado e com informações sobre o produto, e apenas sejamos felizes degustando-o.

Torrione 2012

   Eu no telefone: 
   - Akira, Torrione a R$ 140,00...
   - Pega uma caixa - sequer deixou-me terminar a frase. Fã do Galatrona, do qual trouxera várias garrafas de 'lá', o Akira já bebera o bem mais simples Torrione. Ao ouvir o preço não vacilou, decretou. Foi assim que rachamos uma caixa (meia dúzia) com a jura de bebê-las juntos. Como compramos outras coisas na queima da Cellar, em junho de 2017 (dóla médio a R$ 3,12), achei que meia dúzia estava bom.
Torrione parece ser um corte constante ao longo dos anos, composto de 80% Sangiovese, 15% Merlot e 5% Cabernet Sauvignon. Nessa proporção a Cabernet é difícil de pegar, embora tenha sim um pouco daquele ataque à ponta da língua. Lembremos ainda que a expressão da cepa muda de país para país, ou, mais precisamente (😑), quando mudamos bastante a região. Cepas não conhecem fronteiras, conhecem terroirs... Mas o toque está lá pra sem sabe perceber o presta muita atenção. Tem nariz com abundante fruta vermelha, especiaria e algum couro. Na boca, corpo médio a encorpado (mais para encorpado...), bela acidez, bons taninos. Álcool (14%!) não aparece, madeira discreta. Não sei (sabia) se a safra foi boa (foi!, chequei), mas mostrou-se, nessa idade, o melhor momento em que bebi esse vinho. Torrione tem um preço médio de USD 30,00 para a safra '12 (lá), e pagamos os R$ 140,00 aqui. Safras novas custam por volta de USD 25,00, e há uma oferta aqui por R$ 432,00. Tire suas conclusões. Esta é a quinta garrafa, as outras bebemos um pouco jovens, boa parte ali por 2017, começo de 2018. É decididamente a melhor garrafa que bebi. Paradas por muito tempo, em parte devido à pandemia, elas chegaram à plenitude, e é tempo de bebê-las. O Akira por motivos outros não bebe mais, e herdei os últimos exemplares por sua generosa oferta. É portanto com extremo agradecimento que desfruto desta garrafa em meio à pandemia. Não é um Galatrona, mas amanhã o céu me estará mais azul, a grama mais verde, minha existência um pouco menos triste.

Saturday, March 27, 2021

Para onde ele aponta

Introito

   Sextou, dia de vinho. Desci para a adega escolher alguma coisa. No caminho, em meio a outros pensamentos, lembrei-me de uma cena de Excalibur: Perceval, ainda o cavalariço de Lancelot, esbarra em Merlin com uma pergunta. Follow your nose, é a resposta do mago. Sem compreender bem, o inocente rapaz vai seguindo seu próprio nariz e chega ao destino, a cozinha do Castelo de Camelot. Assim, ao pé da escada, resolvi seguir meu nariz. Lembrando-me, claro, que havia comprado quatro garrafas de um bom português em excelente 'promo' logo na hora do almoço. Foi assim, seguindo a rota apontada pelo nariz, que cheguei em frente a um vinho do Douro. Se já tinha comprado mais portugas, bem que poderia 'sacrificar' um agora. Talvez o leitor mais ligado já tenha decifrado a estória. Os demais, farei sofrer um pouco mais...

Resenha de filme: Excalibur (1981)

Normalmente deixo as resenhas para o final da postagem; é um plus a mais (sic! rs!) que ofereço ao leitor que se arrastou até as últimas linhas dos comentários sobre o que degustei. E oras, como vou esticar a conversa e torturar um pouco mais meu nobre leitor antes de comentar sobre o vinho de hoje? Ninguém o impede de pular a resenha, mas sei que meu fiel leitor não fará isso... Lembro-me de assistir a Excalibur no cinema. Saí da sessão impressionado, a ponto de voltar um ou dois dias depois para uma reprise. Algum tempo depois fiz uma gravação de fita de vídeo para vídeo, depois comprei o DVD, e reassisti regularmente ao longo dos anos. Recentemente assisti mais uma vez, em alta definição. Para mim é um filme que aposentou tudo o que se filmou antes sobre o tema, e jogou pesada sombra sobre tudo o que se filmou depois. Parece que sim, refilmaram algo. Duvido - du-vi-do - que tenha sido bom. Porque? Excalibur é essencialmente um filme com fortes imagens, às vezes belas, outras vezes de crua violência e outras, ainda, de grande simbolismo. A trilha realça todos os momentos do filme, e os mais marcantes tornam-se simplesmente espetaculares. Destaco duas: a abertura do filme seguida da batalha da abertura, ambas ao som de A Marcha Fúnebre para Siegfried, de Wagner, e o momento quando, depois que está posta para o espectador a ligação entre o Rei e a terra e Arthur alcança a redenção ao beber do Graal trazido pelo já Cavaleiro Perceval, a marcha para a batalha final, ao som de O Fortuna, de Orff, que é arrebatadora. Pode assistir às cenas, principlamente a última, não há antecipação de qualquer fato importante para a narrativa. Se já assistiu, sabe que revisitar essa obra é muito melhor do que a maior parte das produções dos últimos tempos. Se não assistiu, largue tudo, inclusive esta leitura, e corra assistir. Depois me confirma que valeu a pena trocar estas mal traçadas linhas por aquelas bem transadas cenas.

Quinta da Romaneira Syrah Apontador 2016

Já falei um pouco da Quinta da Romaneira. Está aqui. Este Apontador é um vinho de 'alto padrão' da vinícola. Escrevo em sua terceira hora de aberto. A combinação, claro, foi o tradicionalíssimo deste cozinheiro de um prato só, o medalhão de filé ao molho gorgo. Gorgo é um monstro do cinema. Meu molho gorgo é monstruoso, mesmo 😝. Combinaram muito bem, porque o vinho é realmente gastronômico. Mas nem tudo foi festa ou felicidade... Apontador, desde o início, tem um nariz explosivo em fruta e especiaria. O álcool, sobrando um pouco no começo, acertou-se. Mas sente-se que o nariz, apesar de marcado, tem um quê de fechado. A boca é potente - daí que pede comida - a especiaria repete-se de forma muito marcada. A acidez, essa sim, está viva, vivíssima, o que não compromete, pelo contrário. Tem aquele travo de doce que associo mais facilmente com portugueses, que não é enjoativo. Os taninos estão um pouco pegados. Mais ou menos redondos, mas mais pegados, se o leitor me entende. A madeira aparece um pouco. Ou seja: está fechado também na boca. Mesmo com três horas de aeração. Sobrou um pouco na garrafa, e posso apostar que amanhã não estará melhor. Aeração aqui não é a questão. A aeração produz um envelhecimento diferente daquele produzido pelo tempo. Então nem tudo foi felicidade porque Apontador está fragrantemente novo; precisa de uns cinco anos para se desenvolver. Se abrir agora, ele vai impressionar mas deixará as arestas bem evidentes. Quando tudo se arredondar, será um vinhaço. Ainda bem que comprei três garrafas...
Apontador tem ainda uma cor escura, para mim mais identificável com a Syrah, seja em vinhos chilenos, do norte do Rhône ou australianos. A combinação tanino e acidez tornam-no em um 'potente' do tipo que eu gosto, quando a potência precisa tomar o lugar da sutileza. Paguei, durante o ano passado, cerca de R$ 180,00, em 'promo'. Hoje está R$ 400,00. Vejamos: é um vinho de USD 50,00, preço 'lá'. Se fizermos um dóla amistoso (sic) de R$ 4,00, então USD 50 x R$ 4,00 = R$ 200,00, e seu preço cá, R$ 400,00, é o dobro. Como o dóla não está R$ 4,00, seu preço deve ser considerado uma pechincha, já que 'o dobro' é a marca registrada das casas que praticam margens honestas por aqui. Afinal, temos uma taxação algo como 45% superior (aqui deve ser uns 65%, enquanto na Europa é de 20%). Às vezes o vinho entra em 'promo' na Lovino, o importador, mas não mais a esse preço. Não custa ficar de olho, e se entrar em 'promo' por qualquer valor abaixo de R$ 400,00, lembre-se de que é um vinho para guardar. Para onde ele aponta? Ora, o leitor mais atento percebeu faz tempo: felicidade engarrafada no mais amplo sentido, para quem tiver tempo e paciência, escapando da tentação do consumo rápido. Compre, se couber no bolso, que vale a pena. E, comprando, guarde, que valerá a pena bem mais.

Post scriptum/Rata! 🙈

   Experimentado no dia seguinte, Apontador arredondou um pouco no nariz. A boca também cedeu um pouco, mas a impressão de estar fechado persistiu. Mais na boca. Pondero que, aberto esse vinho, a tendência é não sobrar. A galera vai mamar dele até o final, sem direito a dia seguinte. Na abertura, estará fechado (sic! rs!). Se o bebedor desejar abrir com 12 ou 14 horas de antecedência está bem, mas não vai desfrutar de todo seu potencial. Apontador '16 está com seu destino traçado, ele será uma estrela. Não o é, mas será. Agora, se você bebe como se não houvesse amanhã, então tá bom, é. A errata é relativa ao preço. Paguei R$ 197,00 em 29 de julho de 2020. Se pegar uma promo a uns R$ 250,00 e tiver bala, não vacile; avance nele.

Friday, March 19, 2021

O desencontro do bacalhau com a Bacalhôa

Introito

   Corriam os últimos anos da primeira década do século. Éramos felizes e não sabíamos. Éramos ricos, e não sabíamos! Achava-me o embaixador do vinho chileno no brazio (seus ícones custavam USD 50,00, no frixópi de saída de Santiago); Lula, o Ladro, ensaiava passar o bastão para aquela desentendida cujo nome recuso-me a pronunciar. Um dóla valia, vai, R$ 1,80. O IOF era 0,40% (agora, 6,38%, e agradeça a 'ela'). Na Mercearia 3M, o fundo da loja, outrora um amontoado de brinquedinhos a R$ 1,99, florescia em vinhos. Eram tempos de efervescência: sextas-feiras animadas em happy hour das 18:00 às 20: e pouco invariavelmente terminavam com vários alegres consumidores levando um vinho melhor para beber com um filé à Don Corleone no Chiao Bello. O Idinir trazia, dentre outros quitutes, um excelente bolinho de bacalhau. E ainda os primeiros exemplares - Meia Pipa, Tinto da Ânfora, Má Partilha - de Bacalhôa. Já havia apreciado os bolinhos de bacalhau com o bom Vinha da Defesa Branco, da Esporão. Era uma harmonização maravilhosa; lembro-me do dia em que cheguei em casa num sábado com um pacote de bolinhos e uma garrafa de Defesa; enquanto preparava o vinho e passava uma água nas taças, minha ex-esposa acendia o fogão e ficamos ali por algum tempo entre fritar os bolinhos dois a dois, consumi-los ao tilintar das taças apreciando a harmonização e conversando sobre... coisas... 
   Um dia o Idinir trouxe um Quinta da Bacalhôa branco. Era um tanto caro, precisava (era $melhor$...) ser consumido em confraria. Para mim, soou como piada pronta. Cheguei no pé do ouvido para o Idinir e comentei: 
   - Rapá (sic), faça um mini-evento de sexta-feira sob o título de "Encontro do Bacalhau com a Bacalhôa", e sirva o Bacalhôa branco com o bacalhau... 
   Ele ficou de pensar na ideia, e eu aguardei o evento até quando, em viagens para o Chile, comecei a encontrar alguns Bacalhôas no frixópi brasileiro a bom preço. Não tinha o Quinta da Bacalhôa branco, mas tinham o tinto e o Palácio da Bacalhôa, seu ícone, dos quais comprei várias garrafas ao longo de alguns anos. Assim como meus exemplares de Crasto e Esporão vão chegando ao final, finda-se minha última garrafa de Bacalhôa. São bons vinhos e recomendo, mas acho que alguns ficaram muito caros em nosso mercado. Boas opções para trazer de fora. Na linha de 'não repetir vinhos', provavelmente não os comprarei mais. Mas beberei com muito prazer se alguém servir algum! Observe o leitor mais desatento que é apenas uma opção de consumo. Já experimentei diversos, e ao longo do tempo. A minha fidelidade, devo-a a quem possa amar, e ao vinho. Não ao produtor, ou ao lojista. O lojista ainda pode adequar-se ao meu gosto. O produtor, reconheço, e mais difícil. Mas Bacalhôa tem meu completo aval para os novos bebedores. Continuo amigo deles, produtor e lojista, mas 'fidelidade' não é uma palavra posta nessa mesa...

Palácio da Bacalhôa 2007

   Estou ficando relapso. Tendo escrito sobre o produtor, o leitor pode procurar na barrinha aí ao lado algumas das entradas e encontrar informações sobre seus vinhos e sobre ele próprio. Palácio da Bacalhôa é um vinho que, para minha sorte e felicidade, bebi diversas garrafas ao longo do tempo. Teve um fato engraçado. O orientador do Akira vinha do exterior, e este mandou-lhe uma lista de vinhos para comprar no frixópi, já que ele nada pensava em trazer de lá. Da lista cuidadosamente escolhida pelo Akira só tinha um vinho, e o Glauco não teve a menor dúvida: trouxe-lhe uma caixa completa. Certo que a felicidade de ter uma caixa de Palácio foi completa, mas durante certo tempo, sentados em um restaurante, Don Flavitxo e eu víamos de longe Akira chegar com uma garrafa de Palácio debaixo de braço. Acho que bebemos meia dúzia em um ano. Claro, ninguém reclamou, mas depois da quarta já comentávamos entre nós: - Quer apostar que vinho o Akira vai trazer? O outro não pagava a aposta...
   A safra 2007 em Portugal foi uma das melhores deste século que ainda engatinha, superada apenas pela 2011. Um bom motivo para apostar na longevidade de alguns de seus vinhos, e, chegada a hora, beber aquelas garrafas estrategicamente guardadas por uma década em nossas adegas. Já comentei: guardei muitos dos meus vinhos por mais de 10 anos. É chegada a hora de ir desfrutando de um aqui e outro ali; soltar a mão com tranquilidade, sem confundir paciência com avareza, porque nasci para Cronópio, não para Scrooge... 

Poderia fizer que Palácio da Bacalhôa 'é o meu vinho'. No sentido de que é estilo que vinho que aprecio mais. Deficiente nasal que sou - a deficiência começou em eu menino, brindando-me um final de infância, adolescência e vida adulta sem muitos odores, o que definitivamente prejudicou-me como apreciador de vinhos e tornou-me o enochato de hoje - gosto de um vinho com mais extração, mais marcado no nariz, e isso 'chama' um bom corpo para acompanhar o nariz. Não que eu não aprecie um vinho mais sútil, mas fico na loteria: se o nariz 'funciona', posso apreciá-lo melhor. Se falha... perda total... Mas voltando ao estilo mais pegado, Palácio da Bacalhôa está pronto para o consumo, mas aguenta mais tempo em garrafa. Prova é o nariz com fruta vermelha intensa, tabaco/couro e chocolate. É um nariz com boa complexidade, e ela é bem evidente: não dá pra confundir só o café/chocolate que adoro misturar sem saber qual. Está além. Boca com o agradável traço doce dos vinhos portugueses, apesar dos 14% de arco (e mais não sei quantos % de frexa (🙈)) muito bem harmonizados - o álcool está muito contido. Os taninos amadureceram, integram-se ao conjunto bom elegância. A acidez está bem presente, e ninguém - álcool, tanino, acidez e açúcar - briga pelo estrelato. É um vinho que, nessa idade, enche a boca: encorpado, elegante, deixa um travo de chocolate e permanece por bom tempo, enquanto salivamos e lembramo-nos do quanto a vida pode ser bela. Um excelente exemplo de felicidade engarrafada. Não costumo dar nota, mas este seria um 93 Pontos Enocháticos, fácil fácil... Se ainda tivesse uma garrafa, seria 0,0001% mais feliz. O que é bastante, já que o homem não nasceu para alcançar essa graça. Era um vinho de USD 50,00 no frixópi nos idos de '10, o que dava uns R$ 90,00. Atualmente está em nosso mercado algo entre R$ 480,00 e R$ 680,00. O leitor atento notou que o dóla apenas triplicou, R$ 90 x 3 = R$ 270,00. Certo, comprado em frixópi - que nunca teve lá bons preços - daria uns R$ 400,00 com impostos. Na melhor oferta, ainda está 20% mais caro. Na melhor oferta... Se quase 500tão parece-lhe uma fortuna - para mim não parece, para mim, é!, isso é só mais uma confirmação do quanto empobrecemos de uns tempos para cá. oPTou e Ficou PuTo? Eu também. Tentou mudar e deu com os burros na água? Eu também. Não persista no erro, assim como não insisto no vinho. Deixe essa vaga para os burros. E, claro, para os energúmenos. Estes tentarão te vender um vinho a preço muito além do que vale. É tudo tranqueira do mesmo balaio. Deixe-o vazio na beira do rio.

Post scriptum

   No final, acabei não 'matando' o vinho no almoço seguinte; ficou para a noite. Sobrou uma boa medida para minha taça padrão (não ISO...), e mais um tanto para a segunda rodada. O vinho não evoluiu, e também não decaiu significativamente. Continuou com bom nariz, boca equilibrada e marcada. A permanência recordou-me da noite anterior. Nada a reclamar, pelo contrário: tudo a exaltar. Um bom vinho sobrevive bem de um dia para o outro.

Saturday, March 13, 2021

O tempo não pára... nem eu...

Introito

   Tá certo que pela nova grafia o acento caiu, é 'para'. Mas como refiro-me à música do Cazuza de mesmo nome, permito-me alguma transgressão poética e insisto em grafar à minha maneira. Certo que a música é do longínquo '88, enquanto os fatos que vou recobrar são bem mais recentes. É dali por 2010, quando a energuminice (sic) grassava pelos vastos campos e descampados do interior; os representantes das importadoras que visitavam estas plagas seguramente banhavam-se em soda tão logo retornavam à capital, para aliviar-se do ranço local. Alguns lojistas, no afã de tentar oferecer a seus clientes algo diferente, caíram nas estórias e propostas indecorosas dos representantes regionais como verdadeiros patinhos. 
   - Estou trazendo para a degustaçao um espanhol que parece interessante - disse-me certa feita um lojista - mas exigiram que eu comprasse uma caixa antecipadamente. Vai custar 300tão.
   Era 2011, algo assim. Dola = R$ 2,20, aprox... Tá, uns 120 dóla.
   Resumindo, a toada era a seguinte: os energúmenos vinham, serviam o vinho de qualquer maneira, depois do evento saiam para encher a cara de cerveja - não é pra desconfiar?! - E 'servir o vinho de qualquer maneira' era, literalmente, desarrolhar e virar na taça dos sequiosos bebuns...  - depois a bucha ficava nas mãos do lojista. Isso era, principalmente, falta de experiência. Dou meu testemunho - se vale alguma coisa - desse fato. Ah, se eu fosse lojista e um desavisado chegasse com essa conversa para mim, ainda mais nos dias hoje. Ia dar um 'via il culo' tão sonoro e fenomenal que o sujeito jamais voltaria à região. Não sou lojista, mas também não me furto a usar do 'via il culo', ainda que em modo silencioso (sic! rs!). Pratiquei hoje mesmo, quando fui atrás de um suposto Noval a R$ 110,00, aqui em São Carlos. Péssimo atendimento. Moral da estória: compro na internet. Acima de R$ 500,00, não cobram frete... Se estiverem cobrando, ligo lá e negocio. Tem pouco tonto no mercado - do lado dos importadores. O frete, se tiver, fica por conta do vendedor.
   Mas sabe o que aconteceu com o vinho de 300tão? Algum tempo depois a importadora faliu, e desovou a... R$ 120,00, acho. Talvez menos. Foi quando comprei esse, um Porto 10 anos a uns R$ 90,00 e alguma coisa mais. Paciência é sentar-se à margem de um rio e esperar os corpos de seus inimigos passarem boiando. Importadores energúmenos são meus inimigos 😂.

Vingança maligrina...

   Havia dito que me vingaria sobre o Marqués de Requena, e que a vingança não precisaria ser maligrina. Bebi um portuga na hora do almoço, enquanto terminava a postagem dele, e ainda embarquei na avaliação do próprio Aguaneiras. Estava tão 'de boas' com o vinho que acreditei poder emendar outra garrafa no jantar. Foi quando lembre-me de uma postagem de Don Flavitxo sobre o vinho comentado acima, e que, segundo ele, estava prestes a começar a descida da ladeira. O vinho em questão era um espanhol. Pensei comigo: - "Na dúvida, mate-o". Essa frase é atribuída ao brilhante cientista Isaac Newton, que também ocupava o carga de diretor da Casa da Moeda britânica. Face à suspeita de que um funcionário estava aprontando alguma com o Tesouro, ele proferiu a sombria frase ao seu auxiliar da polícia federal, ou equivalente inglês. Ao fim e ao cabo, após uma ligeira dor de cabeça com menos de uma garrafa de Requena, queria saber se eu tinha de fato me tornado fraco para consumir vinho ou se - apesar da parcimônia da última década - ainda conseguia empunhar a taça como empunhavam a espada os cavaleiros do Rei Arthur. Paguei pra ver! 😠

Jiménez Landi Méntrida Pielago 2008

Sabe o espanhol de 120 dóla do começo da estória? Pois é... 20tão (dóla) lá fora, preço de hoje. Uma pesquisa via Wine-Seacher mostra que sim, em outras safras o preço pode flertar com até USD 30.00. Ah, tááááá... agora sim... o preço caiu de 6x para apenas 4x. Aí tá certo... dentro do normal, honesto e razoável, não é mesmo? Ara, via il culo! Falar em falência (como invoquei acima) sempre é - e será! - algo muito, muito triste. Mas por que esses what-a-f#ck-guys insistem em ficar ao lado dos boçais quando poderiam jogar no time dos bons?

De novo, Jiménez Landi Méntrida Pielago 2008 😆

Sendo um vinho de, vai, USD 25.00, seu preço aqui, via boa importadora, seria... 25 x 5 x 1.7 = R$ 215,00. Um pouco mais se 1 USD = R$ 5,50. Pow, precisa esperar o dóla chegar no topo histórico pra comprar 25 containers?! Via il culo de novo! Repudio meu próprio argumento, energúmeno é quem está comprando a USD 5,50. Espere. Não compre. Já se f#deu; não vá se f#der mais! Não queira o importador dividir essa pica comigo, porque vai ficar com a pica (de outro) nas próprias mãos, sozinho. Nas mãos, não... sabe onde, né? Tá, Pielago 2008 abriu com um quê de oxidado. Cor bem atijolada, aromas um pouco na direção de frutas secas e couro. Com bastante sedimento - não decantei -, deve ser entendido como característica, e não como defeito. Já experimentou a borra do vinho que às vezes fica no fundo da taça com pão (italiano, casca grossa)? Experimenta, depois me conta... A boca ainda é um pouco 'pegada',  com personalidade. O álcool aparece, e compromete um pouco a boa persistência. Realmente me pergunto se está descendo a ladeira ou se poderia envelhecer e oxidar mais. É claramente um vinho com arestas, mas péraí: por 20 dóla, não está ruim não. Se o que mais desejamos no vinho são as surpresas, esse é um estilo diferente dos que já provei até hoje.
Vamos lá: a bodega Jiménez Landi está localizada na obscura DOP de Méntrida (nunca tinha ouvido falar, o que, claramente, indica absolutamente coisa alguma!), na região de Castila-La Mancha. Se fizer um X no mapa da Espanha tomando os pontos extremos, fica mais ou menos no cruzamento das retas. É relativamente nova, tem 50 anos, e Piélago, 100% Garnacha (Grenache) nem é seu ícone. Se pretendesse uma vendetta contra Marqués de Requena, não poderia ter acertado mais: dois vinhos de regiões obscuras. Certo, um deve custar o dobro (um pouco mais?) do que o outro, mas um (ao preço atual) é dinheiro jogado fora, enquanto o outro, importado em margens honestas custaria o dobro (um pouco mais) e valeria muito mais a pena. Assim é o universo do vinho: cheio de armadilhas, complexidades e surpresas. Destrinchá-lo é um exercício intelectual que sempre me satisfaz... além do vinho em si, claro...

Outro Quinta da Costa das Aguaneiras 2011

Introito

   - Faça assim: coloca na porta na geladeira, pra não ter a sensação de perda agora. Amanhã você joga fora... 
   Dessa maneira Don Flavitxo me aconselhou no final da noite de ontem, quando comentei que ainda tinha um tanto de Marqués de Requena na garrafa. Fui dormir passava da 1:00. Sentia um incômodo na cabeça como não experimentava há muito... "Vai dar PT", pensei... Até sonhei com alguém que queimava nos quintos dos infernos, mas no final não deu ("PT"). Escrevi no meu caderninho de cabeceira que deveria vingar-me de acordo, no dia seguinte. Nem seria difícil de esquecer... e também não precisava ser maligrina,  a vingança... mas teria de vir alguma...

Repetindo vinho

   Já abordei aqui a estória de repetir (ou não) vinho. Sinto que não dei um tratamento adequado à questão, não soube me expressar bem. E não sei se me darei melhor agora... 😖. Nada como insistir no erro, às vezes... 😜.
   Não existem regras absolutas no mundo do vinho. Bem, talvez as legislações... Convenhamos que desfrutar de um bom vinho, mesmo já conhecido, é sempre um prazer gratificante. Algumas vezes - quando a degustação é bem espaçada no tempo - temos o benefício adicional de acompanhar sua evolução. Assim, aquele vinho que você gosta, e você se crê com alguma experiência para escolher, e (é muito conectivo de adição!) tem bala para comprar uma caixa, seja de uma vez ou no curto/médio prazo, compre. Para um vinho relativamente jovem, e com potencial de guarda, será um prazer experimentar uma garrafa a cada seis meses, durante cinco ou seis anos. Na hora em que você fechar o ciclo, e tiver outras cinco caixas de cinco diferentes vinhos, será possível beber uma garrafa por mês de um bom vinho, repetindo cada rótulo a cada seis meses, durante anos! Essa é (não a única!) uma receita básica para ter acesso a um vinho 'legal' uma vez por mês durante um bom tempo. O resto, você preenche com vinhos do cotidiano. São esses que você varia sem dó nem piedade! 😂 E naquele momento especial, onde nada pode falhar, onde tudo saindo 'perfeito' será a coroação de uma noite maravilhosa, bom, para esses momentos você terá o seu 'vinho de confiança'. Pode ser um bom espumante, também!
   Seu gosto vai mudar com o tempo. Espero que sua condição financeira idem! Mas se o vinho for bom o suficiente - em outras palavras, se você estiver maduro(a) para fazer uma boa escolha - verá que o investimento valeu a pena. É preciso ter cuidado para não pagar 'os tubos' pelo vinho...
   Sempre compro vinhos e guardo-os por um tempo, antes de experimentar a primeira garrafa do lote. O transporte não faz bem a vinho. Ele precisa descansar após chegar a você. Dê-lhe tempo. Simples ou com pedigree, vinho é feito para ser respeitado, assim como eleitor vota para não ser enganado. E vinho não gosta de ser sacodido, empurrado, puxado, esquentado, esticado (sic!), e muito menos de 'mal olhado' (cuidado com o vizinho!). Ele se recupera de tudo isso, se não for sacrificado demais no transporte. Repito: dê-lhe tempo, ele precisa. A menos que seja um legítimo Vin de Merde, aí você recebe e bebe - e pow, esse você não precisa comprar na internet e pagar frete, eventalmente... esse você pode comprar na mercearia mais próxima da sua casa... Por isso é bom você comprar vinhos também na sua cidade: o vinho já foi transportado, eventualmente já descansou, e está esperando por você na loja. Pergunte sempre ao lojista quando o vinho chegou. Um mês de descanso é um bom prazo. Eu aguardo por seis meses. Cada louco com sua mania... 😵

Quinta da Costa das Aguaneiras 2011

   Aguaneiras foi um desses vinhos que comprei uma garrafa e guardei. E guardei bem mais de seis meses até experimentar. Hum... comprei mais uma. Foi na época em que o blog estava quase finando (sic). Depois comprei mais umas duas... e de repente o estoque acabou 😖. A postagem da penúltima está aqui. Sem pesar - se fosse para pesar (sic!), não abria - mandei ver a última como vingança sobre o malfadado Marqués de Requena. E que vingança...

Aguaneiras 2011 continua bom. Tá, passaram-se apenas sete ou oito meses desde a última. Mas é assim: continua felicidade engarrafada. Acompanhou bem o bifão ao molho gorgo. Nariz com fruta vermelha bem evidente, couro e alguma complexidade que escapa a este deficiente nasal. Mas a profundidade é evidente. A boca acompanha. Bom equilíbrio entre acidez, taninos e álcool. Nessa safra, é algo assim: se fosse 10% melhor, valeria o dobro! Melhor persistência do que vários concorrentes na faixa de preço; você engole, saliva e ele está lá, bem presente na boca; saliva mais, e lá está ele, acenando de volta, com um sorriso para você. Diga-me que não é a melhor definição de felicidade engarrafada... A safra '11 foi emblemática em Portugal, e esse exemplar demonstra isso de maneira espetacular. Preciso fazer notar que o vinho é tudo isso em sua faixa de preço. Por exemplo, Vallado Reserva Field Blend dá-lhe uma surra de paulada. Mas vejamos: Vallado '17 custa USD 38,00. Aguaneiras '17 custa USD 20,00... Não preciso desenhar, certo?

Uma palavra sobre o importador e outra palavra sobre 'repetição'

   Aguaneiras '11 foi importado sob auspícios do 'representante oficial' da marca no país, disse-me o sr. Oscar, da Enoeventos, de onde comprei minhas garrafas. Isso é comum no mercado. Enoeventos começou como um sítio sobre vinhos, e a algum momento - após anos dedicando-se à divulgação e discussão do mercado nacional - o sr. Oscar achou que era hora de abrir sua importadora. Eu seguia o sítio, e após comparar os preços cá e lá, tornei-me cliente de primeira hora. As compras que fiz - algumas até registradas aqui com 'preço ridículo' - sempre deixaram-me a forte sensação de estar a fazer boas aquisições. 
   Minha percepção de que a capacidade financeira de Enoeventos é algo limitada está bem expressa na variação de seu portfólio, conforme tenho percebido no correr dos anos. Já esteve bem forte em franceses, logo na inauguração, capitaneado pelos Ferratons. Manteve algo em espanhóis e italianos, desviou para uma boa força nos portugueses, de onde vieram os Chedda, Lavradores da Feitoria, Cabeças do Reguengo e outros, oscilou novamente para franceses, tem sempre um pé na Itália, atualmente com a Donatella Cinelli, e atualmente está forte nos espanhóis. Don Flavitxo espantou-se com o bom preço de seus Capellanes, desde o 'simples' Joven até seu ícone El Nogal. Não bebi qualquer um deles, mas a palavra de Don Flavitxo é - de longe, muito de longe - mais do que suficiente para que eu aposte em algumas garrafas desse produtor. Com o Korem, consegui amealhar umas 12 garrafas ao longo do ano passado e deste. Agora Korem está on demand, a cada seis meses vou desfrutar de uma. Estou 'trabalhando' atualmente os Capellanes. Recebi há pouco, vou demorar para postar. Bem, capaiz (sic) que arrisque queimar uma garrafa em curto prazo. Se o leitor duvida de que esse é o vinho que estou acumulando no momento com vista a oscilar com o Korem (outro rótulo que tenho são os portugueses da Romaneira, comprados em 'promos' da Lovino), então #ficadica:

Tem um easter egg na foto. Quem conhece, vai identificar. Capaiz (sic! rs!) que apareça nos comentários...

Marqués de Requena Gran Selección 2014

Introito: a guerra continua

   O energúmeno presidente já não compete mais com nossos importadores. É um hors concours da 'energumenice' (sic). O grande e grave problema é a guerra que ele leva a cabo, tendo como bucha de canhão o povo brasileiro em diversas instâncias. Na primeira linha do sacrifício, os que ainda creem em sua cantilena seja por mera tolice ou pela mais pura ignorância. Na segunda linha, aqueles que contraíram a Covid por qualquer outro motivo, porque o vírus não tem filtro ideológico, intelectual ou social. Na terceira linha todo o restante da população, que pagará caro pelo caos para onde a economia e até a sociedade se encaminham, dado a atual grau de polarização entre PeTelhos e Bolsonésios de um lado e os cidadãos de bem do outro. Não há outra interpretação ou abordagem cabível a essa pauta. Existem bem poucas formas de tentar demostrar a atrocidade da qual nos aproximamos; a visão desse apocalipse foi muito bem proposta Bruegel, em 1562 em sua emblemática obra "O Triunfo da Morte". Acompanhar seus inúmeros detalhes na imagem aumentada é um deleite para o senso estético, mas ainda um triste prenúncio do nosso destino. Cidadãos brasilerios, meus irmãos: cuidado e reflexão. Não é pedir demais.

   Bolsonaro vai queimar o povo brasileiro com a mesma frieza já vista no descarte de seus aliados de primeira hora, cuja lista é sabida e cresce sem a menor perspectiva de ganhar sentido inverso. Como as vítimas da pandemia, diga-se.

Utiel-Requena


   Utiel-Requena é, grosso modo, uma obscura Denominación de Origen Protegida (DOP) dentro da igualmente obscura província de Valência. A região é a casa do Toro Doido, digo, Loco, aquele vinho que protagonizou uma das mais engraçadas e desgraçadas jogadas de pseudo-marketing de todos os tempos, quanto tentaram elegê-lo como um vinho que batia 'concorrentes de dez vezes seu preço'.  Tá aqui... Vendeu bem, naquele ano. Alguém lembra-se dele hoje, ou alguém que não ouviu a estória à época sabe disso? Pronto, nada como o melhor filtro já inventado, incorruptível e absolutamente justo para reposicionar devidamente as iniquidades do ser humano: o tempo...
   Precisamos deixar claro que nem tudo é tragédia e desgosto. Você tem 'bala' para beber vinhos de primeira o tempo todo? Parabéns! Eu não tenho. Então regiões obscuras que produzam vinho razoável a bom preço são mais que bem vindas. E vamos experimentar vinhos de todas elas, sejam da Espanha, de Portugal, da França... lembram do Le Vin de Merde? Pois é, conta-se que esse era bom, numa época em que outros vinhos da região eram uma desgraça. Aliás, uma das experiências que mais me animam como degustador meia-pataca que sou, é provar de um vinho e notar que vale muito mais do que se pede por ele. Isso nem sempre é possível, infelizmente... 😣

Marqués de Requena Gran Selección 2014

   - Isso é coisa de escolinha merda! - disse um amigo certa vez, ao notar a obrigatoriedade de smoking no convite do baile de formatura da uma faculdade particular. Não quero dizer que faculdades que exijam smoking - ou mesmo as particulares - sejam 'de merda'. Aliás não quero dizer coisa alguma, foi o amigo quem teve a explosão de indignação... eu já não ia na formatura mesmo, nem que fosse terno a vestimenta obrigatória... tampouco tinha um... 🙄

Bem, aí chega o vinho com rótulo de 'Gran Selección' e, não bastasse, 'Old wines'. Escolado, sei que 'Gran Selección' não diz muita coisa. Na verdade, diz 'absolutamente nada'. É diferente de 'Gran Reserva', o que por si também não representa garantia de um excelente vinho. Junte a essas 'chamadas' outras mais, como 'Since 1897', 'Oak barrel aged' e, não menos importante, 'Tribute' (a quem, capiau? Está explicado no contra-rótulo...) e temos um rótulo perfeitamente kitsch na melhor acepção da palavra. Don Flavitxo via uatizáppi (sic) lembrou bem e acabou com a viadagem, digo com o assunto: - Aí vem um sujeito e chama seu vinho simplesmente de Aalto... Pois é... sou obrigadérrimo (sic! rs!) a concordar... onde está o meu, mesmo? (fuçando na prateleira) Ah, encontrei!


Voltemos ao assunto... Marquês de Requena tem preço de vinhão. R$ 109,00, na Vinho e Ponto. O Reserva custa R$ 95,00, e o Crianza, R$ 85,00, e Reserva e Crianza são vinificações reconhecidas de acordo com a legislação. Pelo menos dentro do produtor, indicam sim diferença de qualidade. O preço faz supor (sic) que Gran Selección (que não é Gran Reserva; precisaria talvez envelhecer bem mais tempo para ser denominado como tal) seja o melhor da linha. Este exemplar de 2014 é um corte de Bobal e Cabernet Sauvignon, com 13% de álcool um pouco aparente. Comento na segunda hora de sua abertura. Nariz com fruta discreta, e algo que às vezes 'bate' de maneira estranha. É o que costumo chamar 'cheiro de laboratório', dá-me a impressão de ser um vinho com alguma correção. Acidez média a baixa, com corpo médio e a picância da Cabernet reconhecível na entrada da boca. Tem um dulçor presente mas equilibrado, não enjoativo, superior à goiaba de muitos sul-americanos de uns tempos atrás. O final é ligeiro, sem marcar muito. É um bom vinho para abrir em uma turma, com outros exemplares do mesmo naipe. Agora... por 100zão faz muito feio face a concorrentes do mercado. Não há motivo, nem precisa-se conhecer muito de vinho para notar. Basta ter um mínimo de memória olfativa...

Procurando 'por aí', a 50tinha (R$ 47,50) no 'Sitemercado', é um bom preço. É um vinho que dá o 'prazer da descoberta pelo preço'? No 😔. É um simples 'ator do mercado', tipo um... um... um... um figurante! Você leva um desses (por 50tinha) e ao lado de outros figurantes ele fica na cena. No segundo plano, claro: não faz feio, mas também ninguém nota. Aí chega o carinha que leva aquele vinho 'matador' por 50tão, e acaba com todos os outros da mesa. É o que pode se esperar de Marqués de Requena: na falta de um 'matador', ele se mistura bem. Um pouco mais de modéstia do produtor e muita parcimônia do importador, e pronto: tem um produto adequado para o mercado. A concorrência mostra que não estou sendo injusto... Aliás, não consegui notar que Gran Selección fosse significativamente melhor do que a linha Leyenda de Torre Oria, do mesmo produtor.
   Aliás, mais uma palavra: Vinho e Ponto pretende vender seu portfólio como 'exclusivo' (vide imagem abaixo, destacado em amarelo à direita).  Exclusivo em quê, cara-pálida? Não é o primeiro vinho que notamos não ser exclusivo da marca. Vai querer dizer que é 'exclusivo naquela safra'? Tá brincando, né? Faiz (sic) assim, ó:
* Para de forçar a barra com 'exclusivo'; não sendo, pega mal prac@r@lho!
* Melhora o preço, que tá pegando... A concorrência vai moer... e bebedor um pouco mais avisado vai provar e saberá comparar. 
* Já escrevi que a franquia deve muito a seus clientes inicias. Sempre fui um cliente de oportunidades, e de algum tempo venho experimentando algumas opções da loja em 'confiança' a uma política de preços que em vista das promoções parecia mais realista. Ela não está fazendo jus à minha boa fé. Em tempos tão difíceis, em tempos até de guerra, a persistência dessa posição vai desagradar o consumidor mais atento. Cansei de ver lojas de S. Carlos perderem seus consumidores para a internet, e isso vem acontecendo de pelo menos oito anos para cá. O consumidor está acordando. Pessoas que conheci recentemente já estão nessa transição, com relativamente pouco tempo de 'beberagem'! Cego quem não vê. Existe uma criação de 'gado' que é contínua no mundo vinho.  Resta saber por quanto tempo essas pessoas permanecerão 'gado' na Era da Informação.

Saturday, March 6, 2021

Queimas, queimas...


Introito

   A pandemia, além da clara e óbvia tragédia que se abate sobre a nação, tem causado nas classes abastadas - aqueles cuja renda mensal é superior a R$ 5,000,00(!), 900 dóla(!!) - os problemas ditos comezinhos. Durante mais de uma década planejei ter uma adega razoável. Implementei um programa (rs) de compras em oportunidades, fosse aqui, fosse , onde a constância era beber na semana a semana (não bebo no dia a dia...) os vinhos mais simples, enquanto comprava vinhos um, dois ou três degraus melhores. Claro que com a confraria eventualmente lançava mão de algumas 'reservas estratégicas' e fazíamos um bom rega-bofe. A cada dois meses alguém colocava um vinho melhor - tipo USD 50tão - e intercaladamente duas ou três vezes por ano fazíamos um verdadeiro pega-pa-capá (sic) com ticket. Usualmente o ticket era uns 100 dóla por garrafa. Saudades do dola a R$ 2,20-R$ 2,50... 😰
   A adega cresceu, maturou... e veio a pandemia! Vai que estou tendo (sic!, 😱) de literalmente queimar algumas coisas que vinha guardando há tempos para tentar degustar com confrades. Tudo bem que eles também poderiam ser menos medrosos, mocinhas (😂) ou prudentes. Navegar é preciso, viver não é preciso. A frase quer dizer que navegar é um ato de precisão (de acuidade, não de necessidade), enquanto viver não é um ato de precisão. Simplesmente porque de repente chega  a Roda Viva, e carrega o destino prá lá... entendeu, eu preciso desenhar? 😳
   Sei mesmo que resolvi espantar essa tal de roda viva e comecei a queimar meu estoque um pouco mais amiúde. Até porque os vinhos reba praticamente acabaram - outra jornada de uma década, consumi-los todos... Então vamos lá, queimas, queimas... sem dó nem piedade, porque Thanatos já é visível no horizonte. Tudo bem que caminha a passos lentos, e a cada passo dele eu também recuo um. Mas é quase certo que um dia ele me alcança... Saibam que ainda tenho uma última cartada na manga! Não conto porque senão podem tentar na minha frente, e quando chegar a minha vez ele estará... estará... estará... vacinado. Aliás, alguém sabe da vacina? 😆

Principal Reserva 2007

Já falei da Quinta Colinas de São Lourenço quando bebi seu vinho mais icônico, o Principal Grande Reserva 2008. Principal Reserva é um vinho da Bairrada, corte indicado de Touriga Nacional, Cabernet Sauvignon e Merlot, sem indicar as proporções. Sua sugestão de guarda é de até 20 anos, e faz jus. Analisado com duas horas de abertura, mostrou ótima fruta, um tostado e especiaria. Na boca a especiaria se repete, mas não tem a picância de ponta de língua que para mim caracteriza os exemplares mais facilmente reconhecíveis da Cabernet Sauvignon. Os taninos amaciaram, a acidez está harmonizada, tem boa persistência a retrogosto bem presente. Pode beber, e não é 'sem susto'; é com muito prazer mesmo. Paguei cento e algo, tá, há uma década, dóla de R$ 2,20. Não sei na mão de que importadora esse vinho foi parar, mas taí um vácuo que também pode ser uma oportunidade. Olho para minha Prateleira Celestial - modesto espaço onde cabem cinco ou seis garrafas do que tenho de melhor - e noto que ainda tenho outra garrafa dessa mesma safra. O Humberto, simpático representante da importadora à época, vez mesmo um belo trabalho de divulgação do produto, porque acabei comprando um Grande Reserva e dois Reservas... e talvez devesse ter comprado três...

Chileno sobrevivendo ao tempo

Introito

   Sempre 'largo o pau' em vinhos sul-americanos. Nenhuma novidade. A proposta é fazer 'crítica'. Como tal, devemos levar em conta todos os aspectos que circundam o objeto em análise. Um deles, em tratando-se de produto comercial, é o preço. Essa estória de preço/valor é algo bem confuso. Atribuímos um valor a algo de maneira mais ou menos aleatória. Fulano (Ronaldinho/dão, Neymar, Brad Pitt, Tom Cruise) usa(m). Ah, então deve ser bom. Cicrano (todos esses aí) bebe(m)? Ah, então deve ser bom. Beltrano (idem) dirige(m), escolhe(m), enfia(m)? É bom!, não resta dúvida! Voltando ao vinho: os chilenos conseguiram, pelo menos aqui - aliados ou não (mas acho que sim) aos energúmenos de sempre - promover seu produto a níveis extremamente distorcidos. Estão conseguindo isso em outras partes do mundo - Oriente Médio, até onde ouvi falar, e Ásia. Sob certo aspecto, não posso recriminar qualquer besta honorável consumidor que compre vinhos chilenos, principalmente os ícones. Tais bestas honoráveis consumidores seguramente possuem situação pecuniária melhores que a minha - gasto com vinhos algo além da minha capacidade financeira, só explicável pelo fato de não ter compromissos que a maior parte das pessoas tem, seja(m) filho(s), pais idosos e outros. Sorte(?) a minha. E se essas essas pessoas tomassem noção do que é vinho, e passassem a consumir os mesmos produtos que eu? 😖 Oferta e demanda, o preço subiria, possivelmente a patamares que eu não conseguiria acompanhar. Bem, já não consigo mais, com o atual dóla. E ficaria ainda pior... Portanto, primeira providência, vou parar de meter o pau em bestas honoráveis consumidores que consomem ícones sul-americanos. 

Terrunyo 2009 Cabernet Sauvignon

Uma das minhas últimas compras de segundos-vinhos no Chile foi quase uma mala de Terrunyo. Era um dos poucos vinhos premium a preço razoável quando fui para lá ali por 2012, 2013. Peguei uma 'promo' que valia a pena (paguei uns R$ 75,00, à época). Trouxe até o branco. Em viagens posteriores, encontrei franceses... Então fui bebendo Terrunyo ao longo dos anos, aqui e ali. Cheguei à penúltima garrafa, e ainda é da safra 2009.  Enquanto comia um bifão e degustava o final de Antiyal e Ampodium para a postagem passada, Terrunyo respirava. É uma agradável surpresa ver que ele sobreviveu em ao tempo. No nariz, tem madeira discreta e boa fruta vermelha. Ainda, algo na direção de tabaco, talvez couro. A boca apresenta-se equilibrada, chocolate e/ou couro, misturados a um dulçor bem comportado. Os taninos arredondaram muito bem, a Cabernet marca presença discreta na língua, e a especiaria do carvalho pica mais do que a cepa. Se tiver algo nessa safra ou próxima, beba. A acidez apareceu tímida, mas não inespressiva; marcou discretamente o fundo da língua, com final ligeiro. Sobreviveu muito bem ao tempo. Custa aqui, atualmente, uns R$ 300,00; clara obscenidade. Don Flavitxo reportou-me ter comprado, em queima, a R$ 170,00. Então... de R$ 300,00 por R$ 170,00? Tenho dito e repito: por que não vendem sempre a preço razóavel, e sempre? A R$ 120,00 até seria competitivo, embora caro. Mas pelo menas (sic) a imagem dos sul-americanos não ficaria tão arranhada perante a crítica séria - que praticamente inexiste, diga-se...

Chile e França

Introito

Há muito, muito tempo, em uma galáxia distante... não! Nos dias atuais, aqui mesmo nesta galáxia, Sistema Solar, planeta Terra: um presidente mais energúmeno do que importadores de vinho mantém uma guerra civil invisível. Seus soldados, mandados para o sacrifício como o foram os combatentes da Batalha de Somme - aos milhares! -, são seus pobres concidadãos desavisados e crentes de que seu presidente governa para o bem da pátria, e não pela conveniência de livrar da Lei seus filhos criminosos - além de si mesmo. O pior dia dessa batalha contabilizou quase 20.000 mortos. Aqui estamos perdendo quase 10% disso todo dia, e nem estamos em guerra. Enquanto isso, nossa elite intelectual continua dormindo em berço esplêndido. Por que continua acovardada? E, sendo covarde, para que serve, então? E não, a História não vai cobrar-lhes isso, o que é uma pena!

A Sra. N, Côte-Rôtie e o Antiyal

Já comentei que Dona Neusa, a sra. N., debutou no blog em 2016 com uma missiva pedindo socorro a este enochato. Chegamos em 2021 com uma sólida amizade carinhosamente alimentada durante esse tempo. Por ocasião de uma viagem ao Chile, ela e o Wilson me trouxeram de presente um... um... um Antiyal! É um ícone chileno desde... sempre! Quer dizer, desde quando o Alvaro Espinoza começou a plantar suas vinhas, em 1996. Don Flavitxo o conhece bem. Arregalei os olhos porque sabia o preço desse vinho no Chile, à época (lá por '17). Era caro 😱... Jamais julguei-me merecedor de tamanha consideração por parte do casal... De outra feita, indo para 'lá', justo na capital do mundo, Noviorki, e dispondo de mão-de-obra escrava para trazer uma caixa de vinho - colocaram o genro para carregar as malas -, mandaram que eu coordenasse a compra, a ser rateada entre eles, o Akira e eu. Orgulhoso e satisfeito com mais essa prova de confiança, lá fui procurar as melhores opções que pudessem ser concentradas em uma ou duas lojas. Veio o Côte-Rôtie Ampodium. Não é barato não, mas afinal... é um Côte-Rôtie... Eis que chegou o dia de uma reunião, apenas a segunda em um ano, e ponderei que seria um evento regado a vinhobão. Ôpa, isso é nome de blog! 

O USD 80,00 Antiyal vs. o USD 79,99 Ampodium

Pois é, revelei os preços logo de cara. Acho - quase certeza - que os preços variaram de quando D. Neusa comprou essa garrafa. Para mim era um vinho de uns USD 130,00. O Chile viveu uma crise cambial - muito menor do que a nossa - e creio que Antiyal manteve seu preço em Pesos, sendo 'reposicionado' em termos de 'mercado'. Atualmente custa 80tinha. Ampodium custa um pouco mais, mas consegui uma oferta em 'promo' lá em Noviorki, a 79,99.  Assim, em termos de preço atual, temos uma comparação 'justa'. Servi duas taças para a sra. Neusa às cegas. Antiyal primeiro. Ela cafungou... - Tempranillo. Não sei porque, é um insight. - disse-me. Logo chegou a segunda taça. Ela cafungou. Cafungou e cafungou. Olhou para mim: - Tem aquele toque animal... Syrah? 
Fomos conversando mais um pouco, enquanto os vinhos abriam mais um tanto (aeração prévia de uma hora em garrafa. Tirei um dedinho logo que abri). Provoquei: - A senhora não sente um ligeiro tabasco no primeiro? Ela voltou a cafungar. Cafungou e cafungou. Olhou-me entre rindo e surpresa: - Não pode ser um Carménère... você não compra mais vinho chileno... 
Sorri e decidi passar à tortura. Perguntei qual parecia-lhe o melhor. O segundo, foi a resposta. - Mas o primeiro vale a dobro do segundo?, perguntei. Ela não vacilou para dizer: - Não, o dobro não vale. Foi quando passei ao último grau da tortura: - E se o primeiro custar a metade do segundo? Ela riu: - Aí não dá... 

Bem, Antiyal não custou o dobro de Ampodium, nem em seus dias de glória (sic! rs!). Mas custou bem mais caro, no Chile. No mercado mundial, pode ter mantido o valor. Só é desesperador que um produto chileno custe (ou tenha custado) USD 130,00 no Chile - ou mesmo os USD 80,00 atuais -, e tenha um preço médio worldwide de USD 52,00! E aí, saiu do Chile por quanto?! Tá parecendo um certo presidente de república bananeira que não respeita sua própria população!
Ampodium 2014, 100%  Syrah, bem notado pela Neusa, apresentou toque 'animal' e violetas. Para mim, muita fruta, esse mesmo toque animal, couro, café? Boca em boa composição de madeira, tanino e álcool muito bem integrados, acidez média, boa persistência. Antiyal 2012, 49% Carménère, 35% Cabernet Sauvignon, 16 Syrah, é um vinho onde a Carménère, embora quase majoritária, não fede à Carménère. Pelo contrário: ante vinhos com menos de 15% dessa cepa (varietais onde abaixo de 15% o corte não precisa ser mencionado) que ficam completamente impregnados por ela, em Antiyal a Carménère quase não aparece. Tá, depois que você percebe fica difícil cafungá-lo sem notar a presença - palavras da Neusa, que endosso. Mas se não estiver atento, quase passa desapercebido. Isso proporciona um nariz rico com frutas e toques do tabasco típico da Carménère também presentes. Portanto, muita especiaria bem 'camuflada'. Está em ótimo momento para ser consumido: boca com tudo muito equilibrado, a menos da tal da acidez. Ela falta. Torna o final um pouco ligeiro, a persistência deixa um pouco a desejar. Se tivesse esses componentes, poderia competir em melhores condições. De qualquer maneira, é preciso registrar que Antiyal não fez feio onde muitos ícones chilenos cairiam de joelhos. A pergunta que não quer calar é: custando em torno de 50 dóla worldwide, por que pedem tanto por ele no Chile? Mas por 50 dóla ele come o mercado pelas bordas. Cuidado com ele! (sic! risos!).

Monday, March 1, 2021

Um Saint Joseph

Introito

   O assunto vinho é complexo, permite várias interpretações (desde que honestas; contando as desonestas, as possibilidades chegam à miríade). Não existem certezas, mas tendências. Não existem regras (além daquelas específicas das regiões demarcadas), mas consensos. Não existem convicções, mas crenças. Exemplificando a última proposição: tenho uma garrafa de Biondi Santi. Um excelente vinho, dirá quem conhece a história do produtor. Creio que o vinho esteja bom. Estará bom de fato, só porque é um excelente vinho? A garrafa pode estar miada... justo aquela, em todo o lote... Acredito que esteja em boas condições... saberei quando abrir. Exemplificando a penúltima proposição: não é regra o serviço de brancos antes e tintos depois. Um branco barricado pode ser deixado para depois de um tinto leve. O assunto é amplo... 

Saint Joseph

   Saint Joseph é uma região demarcada pertencente ao norte do Rhône, produtora principalmente de tintos baseados em Syrah, com alguma produção de brancos de Marsanne e Roussanne. Outras regiões demarcadas são Hermitage e Crozes-Hermitage Hermitage, mais famosas, Côte-Rôtie, talvez conhecida dos iniciados porque seus vinhos são invariavelmente mais caros, e Cornas, além da própria Saint Joseph, conhecidas dos iniciados porque são de fato menos famosas. Existe, no sul do Rhône, terra do Xatenêfi (também conhecido marginalmente como Châteauneuf-du-Pape) - a denominação Côtes du Rhône. Acontece que... - nada é absoluto! -, além de ser uma AOC, o termo Côtes du Rhône também pode ser usado em outras localidades. Se o leitor acha que que isso explica algo, saiba que explica nada! Só põe mais lenha na fogueira que vem a seguir. Quem souber que me conte... 😝

La Sarriette Saint Joseph 2012

   Havia comprado uma garrafa La Sarriette a R$ 133,00, por conta da 'promo' da Vinho e Ponto. Quando da último encontro Vinho & Tur, resolvemos continuar a degustação no amplo escritório de Edu. A Dayane, adoradora de Syrahzes (sic), procurava algo para levar e apontei o vinho para ela, que não vacilou. Entre alguma-coisa-com-pizza, e pizza-com-alguma-coisa, (alguma coisa = muita conversa), vai vinho, entra vinho, o dela chegou às nossas taças. Alguma surpresa, resmungos e buchicos. Precisei intervir: - É bréti... - e expliquei um pouco sobre. O verbete em inglêsda Wiki é bem mais completo do que aquele em português, pelo que aconselho sua leitura. Use o 'translator', que nunca dá resultados muito fora do compreensível. Trago parte do comentário sobre a bréti (sic):
When Brettanomyces grows in wine it produces several compounds that can alter the palate and bouquet. At low levels some winemakers agree that the presence of these compounds has a positive effect on wine, contributing to complexity, and giving an aged character to some young red wines. Many wines even rely on Brettanomyces to give their distinctive character, such as Château Musar. However, when the levels of the sensory compounds greatly exceed the sensory threshold, their perception is almost always negative.

   Na maldade 😂: quando a bréti transborda, é percepção é a mesma de quando alguém.. joga no ventilador. Foi assim que o pessoal ficou, a despeito do meu comentário - Mas com um tempo, isso sai... (😜 - sai de onde para onde, cara-pálida?!).
   Agora, as confusões: a garrafa que abri hoje não apresentou bréti. E até onde procurei 'por aí', o que existe de La Sarriette do produtor é o  Côtes du Rhône, e não o Saint Joseph... É estranho um vinho com o mesmo nome e duas procedências diferentes. Às vezes o 'La Sarriette' poderia indicar o vinhedo, ou mesmo a comuna, mas para indicar vinhedo precisaria ser de melhor procedência ($$$), enquanto para indicar comuna, o mais comum seria indicar sê-lo da região de Saint Joseph ou Côtes du Rhône AOC, não? Alguém sabe explicar?  Bem, pelo já comentado, La Sarriete, mesmo produzido em Saint Joseph, poderia ser rotulado como um Côtes du Rhône. Mas S. Joseph supostamente produz vinhos menos genéricos, o que poderia denotar mais importância... não entendi por que não apresentá-lo 'por aí' como Saint Joseph. Não bastasse, o sítio do produtor nada fala da produção do Rhône. Uma confusão só...


La Sarriette Saint Joseph 2012 - minha garrafa - não apresentou bréti. Poderia ser da rolha? E não contaminou as outras? Fruta vermelha em primeiro plano, seguido por algo à couro e álcool integrado, não aparece. Boca com alguma especiaria, acidez e corpo médios, final ligeiro mas com alguma persistência. Digo, não é um sul-americano, cujos traços no final da boca logo vão-se embora. Para quem transcendeu a baixa acidez sul-americana e sabe do que falo, é um vinho acima da média (dos sul-americanos). Estes estão tão caros por aqui, que até em seu preço cheio (R$ 266,00),  La Sarriette pode bater concorrentes locais com alguma folga - duas cabeças, o que no turfe pode ser considerado uma vantagem beeeeeemmmm folgada. O problema é que, comparado a outras ofertas daqui mesmo, independente da nacionalidade (desde que européia!), La Sarriette pode ficar em desvantagem de dois corpos. No mesmo turfe, dá um espaço vago quase como a distância entre a Terra e a Lua... Surpreso? Vamos trocar em números - sempre eles... pode reclamar, mas veja como fica fácil de entender...
  La Sarriette Côtes du Rhône (se for mesmo teste), custa lá fora 10 dóla. Esgotado, é uma estimativa do Wine-Searcher. Tomemos USD 10 + impostos (o WS não fala se com ou sem, consideremos sem impostos e vamos acrescentá-lo à conta): USD 12,00. Dóla de 2013, 2,35, em 30/12 (afinal o vinho de 2012 foi lançado em 2013)... dá... R$ 28,20. Sim, esse era o preço que o consumidor lá fora poderia pagar em 2013 por um Côtes du Rhône La Sarriette. Certo, não sei quanto Vinho e Ponto poderia pedir por ele à época. Mas muitos de seus vinhos - e já comentei isso! - ficaram com seus preços estacionados ao longo dos anos. Não sejamos tão sádicos, tão peçonhentos... (veja a partir de 1min14s). Façamos a conta nos dias de hoje USD 12,00 x 6,00 = 72,00 x 2 = R$ 144,00. Nesse preço, está até bom, porque a margem é menor que 2x. Mas sem o desconto dá mais de 3x a preço 'regular'. Mais de 3x é o que chamamos de margem pornográfica. E digo isso sem medo de ser preso pelo Supremo - nem eles cometeriam tal iniquidade... Ademais, a preço regular, toma uma sova de arreio com salmoura de várias opções do mercado. Conclusão: a preço de hoje, se você precisa comprar, pode ser uma boa aquisição, a preço de 'promo'. Sem promo, é absolutamente fora dos padrões. Perde feio de Arínzano ‘Hacienda’  (R$ 250,00), que por sua vez toma outra sova do R$ 245,00 (preço regular de Eno-Clube) Korem da Enoeventos. E olha, com o Korem é sova mesmo...