Sunday, September 25, 2016

Um vinho improvável

Introito

   O Romeu convidou-me para uma pizza e vinho em sua casa. Cheguei ganhando atenção das meninas, duas Akitas, senhoras de certa idade, cujo único inconveniente - se o é, de fato - está em receber-me ao portão com pulos de alegria. A uns 45 kg cada uma, o único cuidado necessário é não ser literalmente atropelado por tanta demonstração de felicidade.
   A Sonia recebeu-me com o bom humor de sempre e contou-me da saúde da Hani (mel, em japonês) e da Panda, enquanto a adrenalina delas baixava a níveis aceitáveis. Então pudemos nos sentar. O Romeu apareceu com uma garrafa lisa - tirara o rótulo para fazer um ensaio às cegas. Abriu a garrafa, serviu um tantinho, conversamos um pouco e chegou a pizza. Fomos recebê-la ao portão e em um tantinho estávamos instalados à frente de um prato bem servido e uma taça.

A degustação

   - Vamos lá, diga-me de onde é esse vinho - convidou o Romeu.
   Gosto dessas brincadeiras, embora saiba o quanto é difícil dar palpite na hora h. Ao nariz, buquê de fruta (vermelha ou  negra, não me pergunte - rs), sem carvalho. Simpático. Pensei que poderia ser algo na linha do León de Tarapacá, que, na infância de meu aprendizado sobre vinhos, fora o meu favorito.
   No primeiro gole, ainda sob efeito da percepção olfativa, o ataque mascarou as fases posteriores da avaliação. Sem saber o que esperar, fui "meio que" surpreendido pelo primeiro contato do vinho com a boca. Não tinha amargor. Olhei para a taça, uma cor "normal" para vinhos jovens.
   - Quero dizer que parece um chileninho bem básico - arrisquei - mas não é isso...
   Provei novamente, então prestando mais atenção no conjunto. De fato quase não tinha amargor, mas também passava praticamente sem marcar a garganta - retrogosto e persistência mínimas. Como costumo dizer, é quando a garganta vira um escorregador (rs).
   - Poderia passar por um Bordeaux bem simples - atalhei. Mas também não é...
   O anfitrião estava se divertindo:
   - Chile... França... o que vem agora?
   Experimentei mais um gole.
   - É nacional, não é mesmo?  - estava morta a charada.

O vinho

   O senhor Paulo Rocha plantou cepas Cabernet Sauvignon e Merlot em 2009, na cidade de Lages, região serrana de Santa Catarina. O vinhedo ocupa 0,7 hectares e está a 940 metros - o que o caracteriza como vinho de altitude da serra catarinense - e, em 2014 produziu as primeiras 100 garrafas desse corte, para um primeiro teste. A meta é produzir 3000 garrafas por safra. O nome Seu Romeu vem da homenagem ao patriarca da família.

   A vinificação ficou a cargo do Centro de Ciências Agroveterinárias de Lages, da Universidade do Estado de Santa Catarina. O que mais chamou atenção foi o vinho não ter em destaque aquele amargor tão típico dos vinhos nacionais. Este é um amargor que, na minha opinião, desbalanceia o vinho. Não sei exatamente de onde ele vem, se do esmagamento das sementes ou do engaço não removido no processo. Mas esse amargor tão estranho e sem graça não estava presente em Seu Romeu.
   O vinho não tem acidez - acho que é o que contribui para transformar a garganta num escorregador (rs). Os taninos leves também não contribuem para dar-lhe maior estrutura. É um vinho simples, mas não é um vinho ruim. O pessoal do CAV sabe o que está fazendo.
   A incógnita que gostaria de registrar será a dificuldade de vencer a produção artesanal e partir para a produção industrial. Será que os mesmos cuidados serão preservados na escala? Nada como apostar em uma nova prova quando isso acontecer...

Conclusão

   Quem acompanha o assunto vinho, principalmente o que acontece no Brasil, está nauseado com tanto marketing que só pretende enaltecer qualidades que nosso vinho não tem. Merlots nacionais ganhando concursos na França - para descobrirmos depois que o "concurso" foi promovido pelo importador local do produto, e destina-se a vinhos de até 5 ou 10 Euros, enquanto esses mesmos vinhos custam aqui o equivalente a 30 Euros! - dentre outros, apenas jogam um véu de má estima para com o produtor nacional. Não deixa de ser uma injustiça, uma vez que "meia dúzia" de produtores acabam concentrando "dezenas de porcento" (sic) da produção nacional e absolutamente 100% de todos os "acontecimentos estranhos" que são noticiados ou descobertos acerca do tema.
   O vinho nacional é estremamente caro - pelo que oferece. Poderia ser uma forma de entrada para o consumidor mais informal, que está galgando seus primeiros passos nas descobertas desse quase infinito universo do vinho. E Seu Romeu poderá ter seu espaço nesse cenário. Um ponto central, a meu ver, poderá ser o excesso ou a falta de ambição de seu proprietário. Volto ao tema quando puder experimentar outra garrafa.


Imagens do vinhedo em Lages.