Sunday, March 31, 2024

Vaticínios de Don Flavitxo, ou O Dilema do Enochato

Introito

Melhor um ano antes
do que um dia depois.
Don Flavitxo

Com essa máxima, Don Flavitxo explica: é preferível beber o vinho um pouco mais jovem a correr o risco de perdê-lo para um maior envelhecimento na tentativa de encontrá-lo em seu pico. Não discordo totalmente, mas também não é justificativa para ele beber (bons) Barolos e Brunellos 2017, 2018 😣...  tá, ele também bebe uns 2012, 2014, às vezes 🤣😂😅... Apenas - palavras dele! - um dos melhores e mais poderosos Chiantis que já bebi foi um Felsina (produtor) Berardenga (região de Chianti Classico) 1999, oferta minha, degustado em janeiro de 2021... minha postagem está aqui, e a dele, aqui - espero que esse link funcione depois... 🙄. Claro, segurando vinhos corremos alguns riscos. De repente - não sei se estou correto - algum problema de rolha - e não do vinho em si - pode ser potencializado pela guarda. Tá, faz parte do risco... eu o corro. Até uns poucos anos atrás minha adega era muito nova: barolinhos e brunelinhos '04 a '06, xatenefinhos '09, 10, borgoinhas '05, '09, e o pior, bordozinhos '09, 10... bordozinhos são vinhos para durar 50 anos, especialmente nessas safronas... como eu iria bebê-los na mais tenra idade? Sim, o leitor atento presenciou algum xatenefinho '01, o Berardenga, um Montrose com 17 anos e uma ou outra degustação de vinhos algo melhores devidamente envelhecidos. Mas sou somente um pobretãozinho, e não pobretãozão completo, certo?!

Recentemente, Don Flavitxo me cutucou no Zapi: estou guardando meus vinhos por muito tempo. Ele mesmo relatou experiências desastrosas com vinhos mais antigos, e tem muitos envelhecendo ao mesmo tempo. De fato, é uma infelicidade aquele vinho tão carinhosamente guardado estar passado... Mas faz tempo que não me chama, o canalha!, enquanto isso os vinhos dele envelhecem! Prá reclamá (rs), ele está aí presente, né?! Lavação de roupa à parte 😆, fiquei realmente apreensivo: o vaticínio de Don Flavitxo tem base sua própria adega, muito melhor do que a minha. 😱 Deus do Céu, colocou-me em um dilema sério - seríssimo!: E se meus vinhos estiverem mesmo indo?! Com que cara vou servi-los a meus ilustres convidados, abrir alguma garrafa com toda a pompa e notar que o vinho foi embora?! Penso, penso, penso, e só encontro uma possibilidade: urge poupar meus confrades de tamanho dissabor - e a mim de enorme desgraça, tornando-me alvo de seus comentários resgatando as sábias palavras de D. Flavitxo! Começarei a tocar fogo (sic) nas garrafas, sozinho! Assim, guardarei para mim a vergonha dos que não estiverem bons! E olha, é pra já!

Bruno Clair Aloxe-Corton 2008

O Bruno Clair - dizem por aí - não está na parte de baixo da tabela (sic) dos bons produtores da Borgonha. Nem no meio. Proprietário de vários vinhedos Grand Cru, seus principais rótulos alcançam USD 500,00 em boas safras. Sobram para pobretões os exemplares mais simples e intermediários, pacote do qual este Corton é bom exemplo. Custa entre USD 60,00 e USD 80,00 e, junto de Pommard, é outra região da Borgonha onde os vinhos são os mais pegados, com taninos poderosos e ótima estrutura. Notas terrosas e compota denotaram seu envelhecimento. A cor também revelou seu estágio terciário indo para um pouco atijolado, mas a boca estava como eu gosto: tânico, pegado, ótima acidez, álcool (13%) bem integrado, toques de carne e herbáceo, com persistência longa de verdade, daquele tipo que quando mastigamos com a boca vazia, notamos quanto do vinho continua lá. Tinha pensado em beber dessa garrafa com alguém, mas não lembro-me agora quem seria... o próprio Don Flavitxo? Talvez fosse... já foi - uma pena para ele - e esteve bão, mas bão mesmo... a rolha desta vez não foi a vilã, pelo contrário: como podemos ver, cumpriu seu papel conforme o esperado.


O segundo dia

   Concluo a postagem no segundo dia, vinho aberto há praticamente 24 horas. O buquê a carne acentuou-se um pouco, e os toques terrosos também estavam lá. A acidez estava vibrante, e a persistência bem perceptível. Cortons em geral apresentam essa cara, e boa longevidade. Bebe um Grand Cru '99 do Bertrand Ambroise há alguns anos - beirava 20 anos - e, mesmo aerando por seis horas, notava-se claramente como ele estava fechado. Teria ficado ótimo com 24 horas... Não combinou com o bifim ao molho gorgo, mas foi o que eu tinha comprado para o final de semana com feriado. Sei, sei... Borgonha combina com pato. Preciso apender a cozinhar de verdade...

Resenha: O Problema dos Três Corpos (livro!)

O Problema dos Três Corpos
é o primeiro volume da trilogia de Cixin Liu, escritor chinês e primeiro autor não anglófono a ganhar o Prêmio Hugo de ficção científica na categoria Best Novel, em 2015. Saiba mais sobre o prêmio aqui. Antes de comentar sobre a obra, uma palavra acerca das resenhas, nos dias de hoje. Impressiona o quanto pseudo-resenhistas não conseguem escrever um parágrafo sem adiantar temas ou passagens importantes das obras, sejam elas cinematográficas ou literárias. Esses estragos não limitam-se a colunas, e atualmente invadem até mesmo a contracapa ou orelhas das próprias obras que deveriam ser enaltecidas, mas jamais desnudadas às vezes até a seus clímaces! A edição brasileira tem ainda alguns erros graves de tradução - mas há crédito a duas revisoras... Não bastasse, o comentário da contracapa é grosseiro: Uma novela clássica de ficção científica no melhor estilo de Arthur C. Clarke (para quem não pegou, ele foi o autor de 2001 - escrito depois da produção do filme - O Fim da Infância, A cidade e as Estrelas e Encontro com Rama, obras seminais da ficção científica escritas entre os anos 1950 e 1970). Completamente errado. É preciso ler o livro direito para resenhá-lo! Escrito com delicadeza literária raras vezes visto no gênero - sua preservação para o português é seguramente mérito da versão em inglês, utilizada na versão brasileira - a estória está muito mais para a poesia de Ray Bradbury do que para o cientificismo de Clarke - mesmo sendo O Problema dos Corpos um exemplo de Ultra-Hard Science Fiction por excelência (para saber o que é Hard-Science Fiction, aqui; entenda esse Ultra-Hard como um passo além da definição de Hard). Tá entendendo (sic) porque a obra papou o Hugo?

Durante a Revolução Cultura chinesa, a astrofísica Ye Wenjie, presencia o assassinato de seu pai, cientista da Universidade de Tsinghua. Enviada como membro de uma brigada de trabalhos na Mongólia, acaba presa sob acusação de atividades subversivas mas é resgatada para trabalhar em um laboratório secreto próximo. Acreditando tratar-se de uma arma chinesa para danificar satélites inimigos em órbita, ela passa a conhecer cada vez mais o equipamento. Ao deparar-se com informações de outras pesquisas que levam-na a acreditar poder utilizar-se do nosso Sol como amplificador de mensagens para as estrelas, ela tem a ideia de fazer um teste escondido de seus superiores. Com o relaxamento das dissenções sociais, ela volta a ser professora em Tsinghua e conhece um ambientalista ocidental vivendo como eremita na China, alguém com quem ela descobre ideais em comum e um profundo desejo de mudar a humanidade. Após partilhar com ele seu experimento inicial, eles embarcam em uma jornada cujos acontecimentos arrastarão o leitor para questões filosóficas e morais acerca de nossa espécie, e muito mais além. Com a estreia da série homônima na Netflix, o leitor talvez saiba mais do que se trata, mas assumirei que não saiba. Como o autor só revela suas intenções ao redor da página 200 - o romance tem 320 - deixo o convite para o leitor desta resenha descobrir por si o caminho seguido pelos protagonistas e suas implicações. A estória é super tecnológica - mas didática na maior parte do tempo - sem complexidade exagerada, embora profunda, e trata do futuro da humanidade com seriedade e muita imaginação, mantendo o leitor cada vez mais interessado, até a última página. Não tenho acompanhado muito da ficção científica mais recente, mas O Problema dos Três Corpos seguramente se encaixa entre os melhores romances que já li no gênero. Para quem contabiliza a leitura de uns 1.000 livros dentro dessa categoria, foi um prazer encontrar uma estória dessa qualidade. Já estou na metade do segundo volume.

Friday, March 29, 2024

As trapaças do Ghidelli

Direto na postagem...

Depois de muita combinação, saiu um encontro na casa do Ghidelli. Ele me liga falando em promover uma noite de espanhóis - principalmente - e menciona o Beronia Gran Reserva 2009. Tá bom... teve um... rosé da Provença, que não deixou lembrança nem saudades; Domaine La Rouillere (não guardei a safra) é bastante leve, nem tão pouco álcool (13%), baixa acidez e desembestado como se fosse a ligeireza em pessoa. Só reforçou minha má estima para com rosés em geral. Para acompanhar camarão com mascarpone veio o J de Villebois Sancerre 2021, um Sauvignon Blanc, como é típico da região do Vale do Loire. Nota herbácea evidente - alguém deu outro palpite - mais corpo, mesmo com menos álcool (12,5%), mineralidade presente, como igualmente característico, melhor acidez e fresco, não combinou como outras provas movidas a exemplares de Chablis - principalmente Premier Crus -, mas fez bom par. O Mas La Plana 2017 veio às claras. É um vinho conhecido dos bebedores mais avançados, Cabernet Sauvignon produzido em Penedès, onde a Família Torres está estabelecida desde o século 16. Penedès fica próximo a Barcelona, à beira do Mediterrâneo, embora tenha 'operações' em Ribeira del Duero e no Priotato. Discutimos sobre a leve picada típica da CS, presente em Mas la Plana de maneira bem discreta, e interpretamos como a expressão da cepa na Espanha. Fruta generosa no nariz, boca equilibrada, corpo médio, acidez chegando a média, com boa persistência. Um toque de madeira deixa o palato marcado, e não enjoa. Para uma garrafa aberta logo na chegada dos convivas, antes do início dos trabalhos, lembrou um pouco o próprio nome: plano, pois não mudou muito durante o percurso. Não sei se foi a garrafa ou se precisa de mais tempo em adega. Pelo preço lá fora, USD 80,00, achei um tanto caro pelo benefício. Fiquei pensando se ele encararia, p. ex., um Fattoria di Felsina Berardenga Chianti Clássico, ou um Fontodi Chianti Classico Riserva/Gran Selezione Vigna Del Sorbo, por exemplo, vinhos de valor similar em safras igualmente jovens, e acho que ele não lhes faria frente. Conversa de Enochato...

A grande trapaça

Um dos vinhos estava às cegas, e o Ghidelli desafiou quem descobriria a procedência - encarou-me com um olhar especialmente artimanhoso (risos). Que canalha... havia-me cantado a bola do Beronia. Cafunguei, comentei sobre ter um toque de ponta de língua mais forte do que Mas la Plana, o que poderia sugerir uma Cabernet Sauvignon. A Elvira concordou de imediato, era um toque mais pronunciado mesmo. Declarei não conseguir identificá-lo, não tinha cara de português, italiano ou francês, e também recusei-me reconhecê-lo como espanhol - a despeito da cantada de bola em particular. No nariz estava maduro, notas na direção de couro e chocolate, e frutas escuras. Boca muito equilibrada, madeira presente mas muito bem integrada, álcool discreto - eram 14%  conforme conferi depois - corpo tocado a bons taninos e acidez bem presente. Ganhou do Mas La Plana com folga, e para minha completa surpresa era um vinho chileno: O Conde de Superunda 2011. Com um sorriso maroto, o Ghidelli passou ao novo desafio: se eu falaria bem dele na postagem. Produzido em Curicó - vale onde, confesso, nunca prestei muita atenção - é uma mistura de cepas chilenas (CS e Carmenère) e espanholas (Tempranillo e Monastrell) elegante, pegado como eu gosto e de muita personalidade. Esta aí, um vinho do qual posso falar bem, sem o menor problema - e falar bem do que é bom, independente da procedência, nunca foi problema neste blog. Veja aqui, quando falei bem de outro chileno. Don Flavitxo há havia comentado sobre ele, há muito tempo. Mas foi numa fase posterior ao meu descontentamento com com os vinhos chilenos, momento em que seu valor já estava alto demais e não passava-me mais pela cabeça comprá-los. Como Mas la Plana, ele custa no Chile cerca de USD 80,00. Acho que ele pegaria Chiantis numa luta com melhores chances, mas também perderia. O Wine Searcher avisa-me: um Domaine du Pegau Chateauneuf-du-Pape Cuvee Reservee (2019) também custa esse preço. Leia sobre ele aqui, e garanto, fica desigual. Conde de Superunda é um bom vinho, mas confirma minha máxima: vinhos sulamericanos estão muito caros.

Por sobremesa, tivemos um... ler rótulos alemães é complicado... bem, um Domdechant Werner 2011, Riesling auslese. Esse último termo indica de alguma maneira o quanto  o vinho é doce, ou algo assim.  Sei mesmo que estava bom, e combinou com uma sobremesa recheada de frutas vermelhas. Mas àquelas alturas não estava mais prestando atenção para notas ou detalhes fosse dele ou do Moscatel Roxo 5 anos da Bacalhôa... lamento...

Friday, March 22, 2024

Paduca (n)on the rocks

Introito

Os paduquentos são - todos eles - pingaiados do primeira. E ninguém jamais tentou esconder isso... portanto minha ideia, no final do ano passado, de começar a comprar uma garrafa de uísque por mês junto dos vinhos e degustá-las em algumas ocasiões, não foi prontamente aceita; foi imediatamente implementada! Com quatro garrafas estocadas, marcamos nosso primeiro encontro. O dilema inicial foi programar a ordem de serviço. Cada bebedor apresentou sua ficha corrida, digo, suas credenciais: Fernandinho conhecia todos - pingaiado-mor. Duílio conhecia dois - pingaiado-experiente. Paulão nada conhecia: pingaiado-neófito. 🙄 precisei render-me, estava na mesma condição. Tenho vivido os últimos anos à base de algum Chivas ou Buchanan's, com escorregadelas para um Singleton - os dois primeiros blends, o último, single malt, todos 12 anos. Já fui de Joãozinho Andador também, e provei aqui e ali uns Chivas 17 e 21, algum Macallan e outras tranqueiras similares (rs). De uns tempos para cá, noto como beber uísque está ficando mais barato do que beber vinho... (batendo palmas): Alô, alô, importadores de uma figa! Se for embora, não volto nunca mais, heim!

Os atores

Começamos pelo The Chita Distillers's Reserve, um single grain da Suntory Whisky. Se entendi bem - meu japonês está bem enferrujado - a Suntory começou suas atividades há um século, e à destilaria principal foram-se juntando outras; The Chita é uma delas. Seus 43% de álcool estão bem presentes (risos), com nariz diferente, mas sem deixar de lembrar nossa boa e velha cachaça. A boca também é pegada, guardando a mesma similaridade com nossa campeã nacional. É um pouco mais fino - um pouco - e fiquei pensando se vale os quase 400tão pagos por ela. Tem envelhecimento em barricas de Sherry e Bourbon durante (dizem, internet) 3 anos. Na sequência veio o Glenmorange The Original 10 anos. Single malt envelhecido em barricas de Bourbon de primeiro e segundo uso, seus 40% de álcool pareceram mais equilibrados em nariz e boca, e para um 10 anos não fez feio - nem um pouco. No meio das conversas o Duílio comentou - piscando para os colegas - sobre fazer gelo usando água de coco e misturar com a bebida, para dar uma 'quebrada'. Eu já mantivera as garrafas na geladeira para resfriá-las, e as servi duas a duas. Meu comentário democraticamente acabou com a questão:
   - Aqui se bebe uísque non the rocks...
   A primeira rodada ainda suscitou comentários bem favoráveis do Duílio para o Glenmorange, e no geral mais gélidos para The Chita; fá declareado da linha Joãozinho Andador, sua boca babava pela chegada do Johnnie Walker Green Label, para os conhecedores sabidamente um 15 anos. Um blend de 12 single malts, dentre eles Caol Ila, Linkwood, Cragganmore e Talisker, peguei nele o mesmo defumado que às vezes pego nos Chivas. Seus 43% de álcool também são equilibrados, e dentre os três primeiros mostrou um final mais robusto - embora um tanto áspero depois de engolirmos e salivarmos. Mas era um final mais vigoroso, presente. Em quarto chegou um Chivas Regal 18 anos, 40% de álcool, como mencionado um travo de defumado no nariz, boca redonda mas pegando um pouco, como o Green. A boca é mais complexa do que os primeiros exemplares, e o final também é aportou boa permanência. Com preço na faixa do Green (400tão), competem muito bem entre si, e talvez Chivas ganhe por meia cabeça. Não foi a percepção do Duílio; ele propôs darmos mais atenção ao Glenmorange  e ao Green no próximo encontro, fazendo um par entre eles, para comparação direta. Ao final, os Paduquentos estavam quase bêbados - quase -, e seguramente felizes...


...mas tinha um outro 12 anos no meio do caminho...

The Macallan 

Como se faz com os melhores vinhos, ofereci por último a degustação de um The Macallan Sherry Oak Cask 12 anos, um, single malt de minhas reservas estratégicas. Esse, ninguém jamais bebera... Servi os confrades e tirei meu momento para apreciá-lo. Não consegui tirar suas notas, mas é... fino... quando olhei para os colegas, notei o Fernando mirando fixo para o infinito e o Duílio mantendo os olhos vidrados em seu copo. Paulão apenas chorava. A exemplo dos demais uísques da noite, fiz um bico com a boca e sorvi um pouco de ar. Ensinei diversos confrades a fazer isso com vinho, mas é preciso ser muito mais parcimonioso com uísques: a quantidade de álcool é muito maior, e sua vaporização em boca fica bem mais vigorosa. Com Macallan, soou muito mais redondo em comparação com os outros; ainda, a boca, muito macia, tinha um toque com o qual fiquei maravilhado e tentando descobrir o que era. Envelhecido em barricas de Xerez do tipo Oloroso, segundo a ficha técnica seu final tem frutas cristalizadas. Talvez fosse isso, mas não fiz a conexão naquele momento. Sei que enquanto Macallan  tocava o terror nos corações e mentes dos Paduquentos, eu apreciava o quanto ele permanecia em boca: após engolir e salivar, ele estava lá. Engolindo a saliva e salivando mais, ele continuava lá... O Paulão tentou subir na mesa - o teto da adega é baixo - e, não conseguindo, ficou de joelhos em cima dela. Olhos vermelhos de fúria, tentou apontar para meu nariz, mas pela proximidade comigo a posição da mão ficou estranha... então ele pousou ambos os braços na cintura e num ligeiro rebolado disparou: 
   - Você sempre chega no final e quer colocar algo melhor, não é mesmo?! 
   Baixei os olhos por um instante, mas depois voltei-me com tranquilidade: 
   - E diga que não está bom... 
   Todos beberam quietos e felizes até o fim da reunião. Despedimo-nos com abraços afetuosos, calados.

Monday, March 18, 2024

Uma semana triste

Introito

No dia 13 passado tivemos mais um encontro no Shot Café/Vinho, com apresentação de uma viagem ao Egito pelo viajor Eduardo, da Caminhos do Turismo. Não bastasse, era aniversário dele. A surpresa para todos chegou quando o Edu começou a tentar nos dizer, com olhos embargados, parando de tanto em tanto para tentar conter a emoção, que preferia nenhuma manifestação mais efusiva pela data; ela estava eclipsada de maneira indelével pelo estado de saúde crítico da mãe de uma de nossas queridas confrades. Ela veio a falecer na sexta-feira, e infelizmente a distância a separou de nós todos. Ficam nossos melhores sentimentos - não apenas os meus, mas de todos os participantes do encontro, que manifestaram sua solidariedade sem mesmo conhecer a confrade.

A degustação das Arábias

Bem, a degustação não foi das Arábias, mas do Egito, embora o Edu tenha passado ali por perto também. Mas tinha camelo, o que por algum motivo dá-me um quê de Arábias... Os vinhos não foram de lá, apenas o assunto rondou esses lugares. Começamos com dois brancos, mas lembro-me de somente um: o Corte del Golfo Coda di Volpe Irpinia 2020. As coisas complicam, aqui. Coda di Volpe - Rabo da Raposa - é o nome da invulgar cepa branca da região da Campania, na 'canela' da bota. Infelizmente foi servido em uma taça desajeitada, e meu nariz estava algo ruim no dia. A mulherada estava afiada: alguém disse ter mel - segundo a ficha técnica, tinha mesmo. Ainda cravou-se outra expressão corretamente, não lembro-me qual. Sem acidez, não chamou-me a atenção. Tivemos um Brumes de Gascogne Merlot e Tannat 2021, localizada no sudoeste da França - mais ou menos fica abaixo de Bordeaux, em direção à Espanha. Pega um pouco mais das terras à direita também - lembre-se: Bordeaux fica próximo ao Atlântico; o sudoeste vitivinícola desce em direção da Espanha espalhando-se para o interior, a leste. Essa região é caracterizada, dentre outros detalhes, por ser o lar da Tannat e da Malbec na França, em comunas distintas. Brumes de Gascogne é um pouco ligeiro, leve, e novamente a mulherada notou (e acertou) cereja. Alguém ainda mencionou a cepa. Os homens ficaram como avestruzes. Achei que casou com pizza, mas aprecio mais vinhos de maior corpo; pode ter seu público e apenas este Enochato não faz parte dele. O Castello Di Querceto Rosso Toscana 2020, com melhor corpo, agradou. Se não me engano o corte Sangiovese, Syrah e Merlot é produzido em Chianti, e Querceto acaba rotulado como IGT pela presença da Syrah - até onde sei a Merlot foi permitida na DOCG, mas não a Syrah. Tinha fruta evidente, e outras notas; boca um pouco mais pegada mas faltou um teco de acidez para dar graça à composição. Tinha outras expressões, mas acabaram passando.

Esticando na adega do Enochato: erros que foram acertos

Apesar do infortúnio anunciado, a data ainda era comemorativa. Convidei os presentes para esticarem a noite. Fui à pizzaria, duas quadras dali, encomendar uma única peça, e quando retornei o número de pessoas dispostas a degustar mais algum vinho tinha dobrado 😣. Uma turma heterogênea, pensei rápido: mais um ótimo grupo para experiências deste Enochato. Servi dois vinhos às cegas enquanto o terceiro respirava um pouco à vista de todos. Como mencionado, o grupo continha desde neófitos até gente mais experiente, que curte viajar para vinícolas e conhece vinho há até mais tempo do que este escriba. Após ouvir algumas opiniões rápidas "gostei/não gostei/gostei mais", pedi ao Waldomiro uma análise mais técnica. Confrade eventual de quase duas décadas, ele tem bastante experiência com vinhos do velho e novo mundo. Achou o primeiro vinho 'até bom' embora ligeiro; podia ser bebido sozinho e agradar; avaliou em uns R$ 80,00. O segundo, bem mais estruturado, mereceria um acompanhamento, e estaria na faixa dos R$ 120,00-R$ 150,00. O primeiro era o Tarapacá Etiqueta Negra Cabernet Sauvignon (preço: R$ 170,00 em 'promo' a até R$ 320,00), e o segundo era nosso valente e valoroso Quinta de Chocapalha 2016, que comprei a cerca de R$ 90,00. Em termos de preço de mercado, as avaliações do Waldomiro soaram um fora excepcional. Mas... como é mesmo a estória repetida ad nauseam por aqui?, vinho sul-americano está caro demais.... Pois é! O Waldomiro avaliou corretamente - comparando pelo preço de mercado - o quanto deveria valer (posto aqui!) um Tarapacá Etiqueta Negra e acertou o preço 'normal' (tubaronesco) do Quinta de Chocapalha. O preço baixo (na verdade, honesto) de Chocapalha (abaixo de R$ 100,00) deve-se possivelmente, à crise não comentada pela qual passam as tubaronas - e talvez todas as importadoras do país. O pessoal está queimando 'lucro excessivo' e desovando com margens mais condizentes. Se prestar atenção tem muita oferta interessante por aí. E voltando ao Waldomiro, sua avaliação correta do 'preço brasio' para o Chocapalha mostra (risos!) quanto ele precisa usar mais o Wine Searcher e preservar suas compras. Fora isso, walew, Waldomiro!

   A segunda parte foi um fora deste pobre-coitado: o Edu falou em beber um Rioja; imerso na soberba, puxei um Ribeira del Duero... 😣. Era o Pago de Los Capellanes Joven 2019, já comentado outras vezes. Pelo menos, após aerar por uma boa hora antes de ir para o balde, ele mostrou ótima fruta e estrutura, deixando para trás os dois primeiros. É mesmo outro padrão de vinho, e esta safra pode ser guardada por mais alguns anos. Tenho comentado isso com a Paduca: eles ficaram entusiasmados após experimentar o Gran Reserva do Bilbao - está aqui - contra um Muga Reserva novo e não pronto para ser degustado, e exultaram-se com o primeiro, sem notar bem o potencial do segundo. Observemos tratar-se de um Reserva versus um Gran Reserva. A estória repete-se: um produtor melhor faz diferença. Não que os vinhos da bodega Ramón Bilbao sejam ruins, mas para mim afigurou-se uma boa fronteira para futuras experiências, principalmente com iniciantes: comparar o quanto um Gran Reserva de certo produtor pode ficar abaixo de um Reserva - ou mesmo Crianza - de outros produtores. Um tema a ser explorado em futuras brincadeiras.

Outro falecimento

Nesta segunda-feira, amiga querida e confrade faleceu, levada pelo câncer, na flor dos 82 anos. A Margarida M.M. Tavares, terceira da esquerda, entre a Márcia (segunda) e Elvira (cabeceira) sempre compareceu às reuniões munida de bom humor, graça e leveza, insistindo que não entendia nada de vinho; ela apenas gostava ou não gostava do que ia provando. Não entendendo, do que gostava mais, ao final repetia uma taça. Convençam-me dessa verdade sob minha afirmação: ela sempre escolhia, para repetir, o melhor vinho da noite... 😏 safadinha, enganava todo mundo e jamais percebemos. Tão logo escureceu nesta noite, busquei meu telescópio e apontei para a saída do nosso sistema solar. Não vi, mas senti: ela já passara por lá, em direção ao Grande Tudo. Fique onde ficar, esse lugar está mais divertido agora.

Sunday, March 10, 2024

Um vinho grego na parada

Introito

Mais uma divertida reunião no Restaurante Barone com a Ariane, a Simone e o Cláudio, e chego com um branquinho nojento grego, o Cuvee Speciale 2019 produzido pela vinícola Theotoky nos confins de Corfu, ilha jônica citada por Homero em A Odisseia, segundo o importador. Mal servi, o Cláudio tocou a lapa lá dentro (risos) e olhou-me com aquela satisfação de quem diz, sem precisar de palavras, esse é o meu vinho... estava interessante mesmo: soaram notas cítricas, mas a Ariane tomou-as diferentes, florais, creio. Tem sua complexidade sim, e agradou a todos. Acidez nem tão marcante, mas integrada, ponta mineral, com um ligeiro salgadinho (rs), apresenta volume em boca, elegante e agradável. Não é um primor de final, mas convence. Harmonização possível? Difícil, mas como abertura cumpriu a função. Está pronto para ser consumido, e não guarde muito mais. Fomos aos tintinhos enquanto pedíamos um bifim básico, e o próximo foi o Domaine des Remizières 2017, um Crozes-Hemitage já degustado anteriormente. Essa garrafa pareceu um pouco abaixo de outras já degustadas; tem boa fruta no nariz - creio que a Ariane pegou ameixa bem pronunciada e acidez, principalmente, não tão marcante quanto esperava. Certo, estava com a boca um tanto zoada (rs) por uma comida mais quente no dia anterior ter queimado o palato, mas des Remizières pareceu estar um pouco aquém do desejado. É o momento para seu consumo; não guarde mais, se tiver dessa safra. Com uma daquelas garrafonas imponentes, o Collezione Cinquanta da Cantine San Marzano - cooperativa estabelecida na região de Primitivo di Manduria - chegou com nariz bem doce - apontei de cara - e boca acompanhando. Tem muita fruta, apenas para mim, e por definição (risos), vinhos tão doces pegam algo estranho. Procurei no rótulo, e desvendei o mistério: é um meio doce, mas bem equilibrado; o dulçor está lá, não tão enjoativo. Mesmo não gostando do estilo, como já comentei em outras postagens, esses vinhos europeus têm bom potencial de harmonizar com comida, e este não fugiu à regra. Mostra bons taninos, preenche a boca e o pecado - se podemos dizer assim - reside em sua acidez bem presente não 'combater' o dulçor de maneira mais contundente. Que ficou bom com uma carne, ficou, também é inegável. Não encontrei a safra; a Ariane comentou ter comprado na Grand Cru, e no sítio consta como 2017. Contudo, em outro importador - onde está esgotado - consta como N/V; o sítio do produtor também não indica safra.

Preços

Cuvee Speciale foi lançado a algo como R$ 180,00, há algum tempo - anos -, pela Chez France. Em seu momento tubarona, subiu a R$ 280,00, mas volta e meia promovendo uma 'promo'. No momento, se comprar meia dúzia, sai a R$ 150,00+. Cuidado, ele está bom, mas não pense em comprar seis exemplares para beber de vez em quando. Estão desovando um vinho ainda pronto para beber mas com pouco potencial de guarda. No site diz 'até 5 anos', mas só posso acreditar que é uma informação antiga, do lançamento. Não está pela hora da morte - como acredito vários exemplares da queima da Mistral, ainda em vigor até este final de semana, estendendo-se de maneira anômala - mas não pense em guardá-lo mais. Pelo seu preço lá fora - encontrei apenas em um lugar - 18,00€, o valor aqui não está ruim. Apenas cuidado. Domaine des Remizières já foi comentado, estava a bom preço - e comprei ainda melhor, em 'promo' de desova do Savegnago de Araraquara. Collezione Cinquanta pode ser comprado, no sítio do produtor, a 22,00€, R$ 120,00, e seu preço aqui, R$ 320,00, flerta com o tubaronesco. Atualmente em promo, R$ 240,00 (R$ 204,00 para o assinante), está dentro do 2x e abaixo disso para o cliente-confrade.

Cuvee Speciale






Collezione Cinquanta 






Wednesday, March 6, 2024

Paduca em noite de acertos

Introito

A reunião da Paduca nesta terça foi animada e divertida, repleta de acertos e alguns enganos engraçados. O duro, analisado friamente, foi constatar o quanto tais erros pouco tinham a ver com a interpretação dada aos vinhos - um deles estava mesmo muito diferente do esperado. Começou com a proposta de dois vinhos às cegas capitaneados por este Enochato, mas como os ânimos estavam animados acabamos consumindo três garrafas. O acompanhamento foi providenciado pelo Duílio, com seu já popular (rs) quibe assado. Desta vez o Paulão trouxe um mato estranho e ainda tentou fazer-me crer ser ele bem popular entre os naturebas. Rúcula, acho que era isso. Não é nem um pouco popular aqui em casa... 

Com Paulão e Duílio, servi o primeiro vinho fora da temperatura adequada - mas pelo menos tínhamos algo nas taças... 😣 O primeiro cafungou e lançou um já bebi desse vinho... ele está ficando viciado nisso (rs). Samba, suor e ouriço nas conversas - principalmente ouriço - sirvo o segundo, em temperatura já adequada. No rastro, servi novamente do primeiro. O Paulão não se fez de rogado: O primeiro parece português. O segundo, sulamericano. O Duílio viu Cabernet Sauvignon no primeiro, e alguma espanholidade (sic, rs) no segundo. Chega o Fernando esbaforido, vindo de viagem, e mal cafunga já manda, de cara: Este segundo é sulamericano sem dúvida, o outro parece.... italiano. Dizemos mais uma rodada, as opiniões mantiveram-se. Saia o quibe e voltou a conversa inicial, samba, suor e ouriço - principalmente ouriço - e observamos a harmonização. Chocapalha casou bem com o quibe, os convivas ficaram satisfeitos. Já mostrara e comentara os dois primeiros vinhos aos confrades quando percebi os apetites insaciáveis, e convoquei a terceira garrafa. Essa todos viram logo de saída qual era...


O primeiro vinho foi o Quinta de Chocapalha 2017, um corte 65% Touriga Nacional, 10% Tinta Roriz, 10% Alicante Bouschet, 10% Touriga Franca e 5% Castelão, produzido na região de Lisboa. Com 14% de álcool, fruta bem evidente e mais notas - achei café, Paulão disse toques de terra, herbáceo - com boa permanência, acidez quase média, taninos macios e bem integrados ao conjunto, realmente casou com o quibe ao azeite. Final algo curto, mas razoável para seu preço. O segundo foi o Tarapacá Gran Reserva Etiqueta Negra 2020, um Cabernet Sauvignon que nada guarda com as edições mais antigas de quando eu era fã da marca. Seu doce de entrada no nariz - goiaba - surpreendeu negativamente e sequer lembrou o exemplar de mesma safra degustado no Chile ano passado, por ocasião do aniversário do Nagibim. As versões mais antigas apoiavam-se bastante na madeira, enquanto nas novas safras essa característica ficou em segundo plano. Verdade seja dita, a fruta enjoativa cedeu um pouco com a temperatura mais baixa - ou teria sido a aeração? -, mas deixou um quê de decepção. Tem sim outras notas de frutas, todavia seu dulçor ainda competiu muito com os taninos. Acidez? Baixa... nada como ter a comparação de taça ao lado... final? Oh, Lord... para ter final precisa ter início... Servi a terceira garrafa sob os olhares atentos do Lemão.

Cafungávamos da terceira garrafa quando comentei meu propósito na reunião:
- O que eu queria era um vinho europeu para comparar com o Tarapacá, e que o batesse no menor custo possível, dentre o que tenho aqui na adega.
- E conseguiu justinho! De fato o Chocapalha bateu o Taracapá! - apoiou o Duílio, enquanto abria um sorriso largo ao dar-se conta da proposta e do objetivo. Os demais confrades concordaram com a avaliação, unânimes. O Fernando disse que o terceiro talvez fosse o vinho mais fraco, opinião não compartilhada. E ao final ficou claro: este acabou, enquanto o Etiqueta Negra sobrava em pouco menos de meia garrafa. Já escrevi algo como os melhores vinhos encontram as taças antes dos demais. É isso aí... La Garnacha Salvaje Del Moncayo é um dos exemplares do Proyecto Garnachas, baseado em La Rioja e com o intuito de resgatar essa cepa - conhecida como Grenache na França e Cannonau em algumas regiões da Itália - em diversas regiões do norte da Espanha, apresenta expressões do Priorato, dos Pirineus, de Aragão e da Serra da Cantábria - próxima a Rioja. Tem nariz com fruta bem vermelha, boca redonda com 14% de álcool, madeira discreta, acidez presente - não tão alta, mas não desaponta - e final condizente. Agrada, e não deixou por menos: conforme já relatado, evaporou na frente do Etiqueta Negra. 

Os preços

Quinta de Chocapalha está por volta dos 10,00€ em Portugal, o que dá lá seus R$ 54,00. Tarapacá custa no Chile entre 15.000 e 20.000 Pesos, o que dá entre R$ 75,00 e R$ 100,00. La Garnacha Salvaje custa 9,00€, ou R$ 49,00, na página do produtor. O preço de 20.000 Pesos é o normal, e temos a promo com desconto. Verdade, seu valor lá oscila bastante - bem como de outros vinhos mais premium, o que só reforça a tensão para cima do valor pedido por eles. Grosso modo vemos um chileno a 2x do português e do espanhol, levando couro de ambos! E note: Tarapacá é rotulado como Gran Reserva, enquanto os outros são apenas vinhos simples, sem qualquer 'ostentação'. Chocapalha pode se encontrado aqui por até R$ 100,00- (menos de cem reais!), enquanto La Granacha estava uns R$ 110,00, para pagar no pix, o limite da compra; em seu preço normal, é tubaronesco. Já Taracapá pode, com muita sorte, ser encontrado a R$ 170,00. Seu preço normal antes das 'promos' pelas quais anda passando é uns R$ 230,00, embora possa esticar a até R$ 320,00(!). Vinho sul-americano está caro... mas onde você já leu isso, mesmo?

Preço do Chocapalha, lá e cá.



Preço do Tarapacá, lá e cá:




La Garnacha, lá e cá


Monday, March 4, 2024

O segundo dia do Jonata

Sem introito

   Esta vai curta mesmo, para relatar o segundo dia do La Sangre de Jonata 2007. Mas antes uma reflexão. 

   Os vinhos mais simples realmente decaem após abertos, de um dia para o outro. Grandes vinhos podem beneficiar-se da aeração de 12 ou 24 horas, e subir. Outros grandes vinhos podem simplesmente manter-se, dentro da abordagem de um Enochato deficiente nasal como este. Exemplo típico de vinho cujo serviço requer 24 horas de aeração é o Numanthia, espanhol de Toro, para safras com 10 ou 20 anos - veja aqui para uma safra com 20 anos. Don Flavitxo já confirmava essa estória bem antes da minha experiência, veja aqui, abrindo um mesmo Numanthia com 11 anos. E como ele mesmo enfatiza nessa postagem, grandes Barolos e Brunellos também precisam de muita aeração para se revelarem. Até brincamos, abrir Barolo (principalmente novo) e beber chama-se... Barolicídio! E não, não existem taças super poderosas (risos!) que possam aerar o vinho em segundos (sic). Grandes Barolos abertos com 15 anos apresentam taninos muito duros, e a aeração não vai ajeitar esse meio de campo. Digo com alguma (uma única) experiência: não foi postada, mas pegamos certa vez um Domenico Clerico Ciabot Mentin Ginestra 2001, para abrir em algo como 2018. Aerou por umas seis horas, e o Akira levou-o ao nariz. Olhou para todos, com a taça ainda encostada aos lábios e mandou, impassível: - Está verde...

Aquele tom de melaço em La Sangre preservou-se. É uma característica que o Akira associava a muitos Rhônes de corte GSM, típicos do sul da denominação. Certa vez abri um, às cegas, com o próprio Akira e o Romeu. O primeiro identificou a característica e falou brevemente sobre ela, sob o olhar atento do segundo - e meu próprio - e matou a procedência só no nariz. Coisa que o Akira fazia regularmente, tirando certas procedências como que do bolso - do nariz, na verdade... O Romeu só fez olhar para mim, surpreso, e jurou: tentaria aprender... Voltando da digressão: o melaço preservou-se, e a baunilha também. Discretos. Eram mesmo frutas escuras, couro e tabaco, não tinha chocolate. Brincar com La Sangre em boca, sorvendo um pouquinho de ar e movimentando-o a gosto pelo palato e abaixo da língua continuou igualmente prazeroso. O final sempre vinha largo, não aquela estória de largo dos chilenos ou mesmo europeus de baixa acidez conforme lemos em resenhas mãos e bocas tortas por aí. Engula, movimente a boca como se mastigando o nada e sinta como fica algo lá, quase que energia se criando do vácuo (risos), que é um fenômeno bem conhecido da ciência. Há muito tempo um amigo perguntava se um vinho de R$ 100,00 valeria mesmo a pena. Era início dos 2000, bebíamos vinhos de R$ 25,00. Até ele comprar um - o Tarapacá Etiqueta Negra, a R$ 120,00/USD 50,00, 'preço cá' à época - e conferirmos que sim, valia a pena investir mais em vinhos melhores. Bebíamos mal, heim? Mas evoluímos, tejem certos (sic! rs!). Voltando novamente (rs): se alguém ainda tem dúvida da longevidade dos Napa, basta olhar a foto e procurar algum atijolado nesse vinho de 16 anos. Vemos apenas um negro profundo, bem característico da Syrah, aliás. Muito pouca borra no final...

Aberta a temporada de caça aos Napa Valley

Introito

   Retornando à postagem de ontem acerca do Conn Valley Cuveé Right Bank 2005, fui pesquisar sua compra. Aconteceu por indicação do meu amigo (rs) Nick Pagoria, em 2015. Eu iria para lá no ano seguinte, e já preparava meu pacote, antecipando eventual alta do dóla - realmente aconteceu. Comprei minha caixa convertendo a moeda a R$ 2,80, e quando cheguei lá estava R$ 4,00.


Já escrevi sobre a qualidade das indicações e a seriedade do pessoal de lá, ao contrário das indicações sul-americanas em geral e brasileiras em particular. Uma postagem está aqui, encontro que deixou saudades pela qualidade dos vinhos e pelas pessoas presentes, e coincidentemente aborda quão longevos os vinhos americanos podem ser: na ocasião (2020) bebemos um Cain Five... 1998!, também trazido por indicação gringa, e ele estava ótimo. Bem, Conn Valley custou-me USD 60,00. Possivelmente estava pronto para beber, ou talvez a garrafa já estivesse 'premiada', e sua longevidade comprometida. Ao final, tinha algum depósito de borra. Não tanto quanto o Château Meylet - bem mais novo - mas estava lá. Pena mesmo ter faltado vinho.

Aberta a temporada de caça aos Napa Valley

Em vista do fracasso inesperado, resolvi escolher outro vinho para tentar abrir bem o mês. Por que não mais um Napa? Há tempos não bebia um (em bom estado...); até onde lembrava-me, o último fora com a Carol. Um Jonata, aliás. E Jonata é um vinho que repito, se puder. É relativamente difícil de encontrar até nos EUA, e atualmente anda meio caro, quanto mais em safras maduras. Não, não estava pondo em desconfiança os vinhos do Napa, desejava mesmo provar um... então abri a temporada de caça aos Napa Valley!

Jonata 'La Sangre de Jonata' 2007 estava como esperava... aberto, 5 minutos de respiro e taça. Gosta de baunilha? Não a ponto de escorrer pela borda da taça, algo comum em muitos e muitos exemplares da terra do Tio Sam. Bem, a baunilha estava lá, discreta. Melaço - até repetia-se contidamente na boca, e quase nunca consigo notá-lo em vinhos - nem de longe como doce enjoativo, não. Fruta escura madura, couro, tabaco, seguramente outras notas, tudo lá, as principais bem reconhecíveis. Sempre digo: em vinhos simples, é-me difícil discernir os toques. A tarefa fica tão mais fácil quanto melhor é vinho. Narizes melhores, desempenho melhor. Narizes como o meu, só com vinho bão mesmo... e La Sangre o é... Boca: hum, a boca... o melaço, mas discreto, aportando uma pontadinha de doce. Taninos discretos, macios, acidez média - mas média mesmo, nem tentando chegar e ela, nem a mais. Pedindo comida, e meu filé ao molho gorgo fez ótimo par. Ponha um Jonata assim na boca, chupe um pouco de ar e brinque com ele, rodando-o debaixo de língua, no palato, enquanto engole aos poucos... um café no retrogosto, a persistência que realmente dá sentido à palavra: movimentos de mastigação aportam mais café e um doce discreto mesmo depois de todo o vinho já ter ido. É um corte 98% Syrah, 2% Viognier (uma cepa branca!) muito redondo e compensou com larga margem a decepção do dia anterior. Felicidade engarrafada? Sem a menor dúvida! Pelo que custava (USD 100,00+), tem mesmo a obrigação de sê-lo. Mas cumpre, com folga, e faz o dinheiro ter valido a pena. Atualmente ele está muito caro: a safra 2019 custa USD 200,00 (com taxas). A 2020, USD 220,00... Deveria ter verificado antes de abrir... quiçá ficasse melhor! (risos!). Aproveitei o Wine Searcher para olhar suas notas. Oito(!) pontuações entre 90 e 94 - aliás, as quatro disponíveis para não assinantes eram todas 94 - não surpreenderam... a menos dos 94 do CellarTracker, site amador conhecido por reposicionar adequadamente as notas estratosféricas de alguns avaliadores de vida fácil. Aí você me pergunta: Enochato, qual sua nota para La Sangre de Jonata? Ora... 94... quem sou eu para discordar!
   Fechada a temporada de caça aos Napa Valley. Guardarei meu último Jonata - um El Alma 2008 para os próximos meses.

   De propósito - e feliz da vida - deixarei metade da garrafa para o dia seguinte. Se alguém estiver por aí e trouxer um cachorro quente, mando conversar com o Lemão em primeiro. Depois, divido o vinho.

Sunday, March 3, 2024

Confrarias dispersas

Introito

Vai Passar
Chico Buarque


   Aê, Chicão! Parabéns (dispensáveis, claro) pela brilhante música. Poderia chamar o Caitano (sic) para discutir a declaração dele ao som das suas palavras. Talvez você mesmo pudesse dar uma palhinha sobre seu recente posicionamento político em função de suas antigas pregações. Mas afinal, o que são alguns bilhões, de qualquer maneira, quando se pensa em um projeto de país? Nada, absolutamente nada! Sisqueçamos dos bilhões, então, e foquemos a discussão. A aspiração heroica que certo dia gerou o ideário de um Movimento dos Sem Terra corrompeu-se, sem perceber que era subtraída / em tenebrosas transações, e sua mera existência depois de 12 anos de governo PTlho mostra o quão falida foi essa época, da qual apenas otários completos lembram-se com algum sentimento de nostalgia.

   Tergiverso. O assunto é projeto de país. Passei no Shot, para um café. Estava o Paulo, conhecido de lá mesmo, e entabulamos vários assuntos. Lá pelas tantas, perguntei-lhe qual ele acreditava ser o QI dos brasileiros. Oitenta e sete, ou algo assim, foi a resposta, certa, aliás. Mas vejamos... joguei-lhe sobre minha consideração apoiar-se primeiro nos animais - cachorros - onde a mistura de raças é benéfica. Etnias puras acumulam diversos problemas genéticos, sabemos bem: um vento derruba doente a maioria das espécies mais castiças; já os vira-latas sobrevivem a picadas de cobras, escorpiões, explosões nucleares e epidemias de Ebola. Nós somos, geneticamente, uns 90% parecidos com os dogs (nem tão resistentes ao Ebola ou explosões nucleares, e verdade...). Mas aqui misturamos chinês com japonês, sírio com africano, malaio com europeu, preto com branco, preto com índio, índio com branco - uma suruba geral! - e justo o QI deu pra trás! É um caso singular em 1.000.000 de anos de evolução! Como nos cachorros a mistura opera tão bem e em humanos disfunciona (sic) tanto?! Aí o Paulo mostrou a que veio, certeiro: em algum seminário do qual participou, a questão em voga era a fluoretação da água causando, dentre outros malefícios, a redução de QI. Os estudos são controversos? Concedamos que sim, sem problema algum. Só falta a explicação derradeira: por que a fluoretação é proibida na Europa e Estados Unidos? - para falar apenas neles. Quero dizer - atenção, teoria de conspiração agora! - bastou o imperialismo do Norte fazer propor-se em terras canarinhas a fluoretação da água para comprometer nossas gerações a ponto de já não almejarmos qualquer futuro senão a da mediocridade completa. Exemplo mais ilustrativo não poderia vir senão do próprio governo - não importa qual - ao permitir um... bate cu(!) na sede de algum ministério:


   É assim: a grand trip de hoje, para boa parte das mulheres, é ser a bunda perfeita - não ouso imaginar o equivalente para os homens. Nem Kafka desconstruiu tanto! Voltando, para fechamento: falar em projeto de país quando não nos atentamos para obviedades como essa? - mais pelo fato da proibição da fluoretação em outras terras do que qualquer estudo científico contra ou a favor! Enquanto isso, ficamos perdidos discutindo se sim ou se não impeachment. Isso (o impeachment) é na verdade água passada, isso é um claro que não (vai ocorrer). Podemos tentar mudar a bazófia? Chega de governos vagabundos - desde a redemocratização. Nossa geração falhou. Desocupemos, em reconhecimento à incompetência. Venha, Pedro Bó(uolos). E passe logo, longe de onde almeja - o posto também não é para si. Aliás, como estamos/ficaremos em SancarlCity?

😲 Onde estão as confrarias?

Nessa estória de QI baixo, invoco aquela piada: três tipos de pessoas no mundo. Aquelas que são boas em matemática, e aquelas que não são. Assim que (sic) metade das confrarias que participo estão viajando; metade está emburrada, e ainda há outra metade simplesmente sumida. A Paduca representa alguma porcentagem suplementar, e não está incluída em nenhum dos grupos anteriores; é até difícil segurar a disposição da moçada - então está desculpada. Fato: sobrei para beber sozinho este final de semana, então resolvi descontar (rs). Conn Valley Cuveé Right Bank 2005 é um Napa Valley 70% Merlot e 30% Cabernet Franc com a proposta de homenagear os vinhos da margem direita de Bordeaux, principalmente Saint-Émilion, cujo corte clássico é algo próximo a 70% Merlot, 15% Cabernet Franc e 15% Cabernet Sauvignon. Vinhos americanos normalmente envelhecem bem, mas não foi tanto o caso desse exemplar: nariz com pouca fruta, sugestão de chocolate ou café e madeira; talvez um nariz melhor pudesse descortinar outras essências... #sóquenão... Seus 14,6% de álcool não aparecem mas... oras, se a fruta já não, qual valia tem esse comentário? 😮 A boca veio herbácea, algum amargor - pouco ou nenhum doce, amargor apenas - e acidez baixa a média - com maior destaque para a permanência em boca. Seria ela mediada pelos generosos 14,6% de álcool? Porque ao final não havia muito além dos toques herbáceos. Será que meu 'desconto' saiu como tiro n'água? 🙄 Parece que sim... 😣 Abri a garrafa às 20:00 e estas trêmulas linhas saem às 23:30. Não, a aeração não vai melhorar o vinho. Dizem que 5% do conteúdo de qualquer adega faia (sic); este parece ter sido o caso... mas pelo menos o conteúdo esteve algo bebível. Se acabar com Conn Valley ainda hoje, vingo-me amanhã. Só espero não precisar perpetrar nova vingança na segunda-feira...😓

   Ainda, a rolha estava com ótima aparência. Sinal de que o vinho foi projetado para uma dada longevidade - o Wine Searcher aponta como janela de beberagem (sic) 2008-2028 - mas o resultado final ficou aquém da expectativa.