Tuesday, December 23, 2014

De como Flavitxo Gambero saiu-se no duelo de final de ano

Horário e local marcados, Carlitos Bicchiere seguiu para o encontro. Dados os últimos acontecimentos, era de esperar uma recepção calorosa. Talvez calorosa demais. Don Flavitxo Gambero estaria com os canhões carregados e apontados para a pequena subida que levava ao topo da colina onde ficava sua mansão. Por um momento, Carlitos vacilou. Olhou para o embrulho da garrafa, respirou fundo e prosseguiu mais resoluto. Não perderia a batalha antes de travar o bom combate.

A recepção

   Don Akira, o Impiedoso, recebeu Carlitos à porta. Disse que Flavitxo estava na cozinha, com os últimos retoques nas iguarias. Anticlimático... Indo à cozinha, Flavitxo estava com o sorriso aberto, como se fosse saborear uma presa fácil. Terminava o tempero em seu já famoso e inigualável carré de cordeiro. A churrasqueira estava acesa. Flavitxo olhou para a garrafa de Carlitos, devidamente embrulhada em papel alumínio.
   - Então vamos começar o combate - proclamou.
   - Trouxe esta venda, para que você não possa saber qual a idade do vinho - anunciou Carlitos.
   - Não por isso. É para já! - Flavitxo sentou em uma cadeira e deixou-se vendar. Carlitos tirou a rolha, colocou dois dedos na taça e serviu-a, colocando a base da taça nas mãos de Flavitxo, que levou-a ao nariz e arrepiou-se nos cabelos. Cheirou. Cheirou novamente e proclamou: - Borgonha branco. - daí cafungou, mesmo, e mandou: - Borgonha branco de alto quilate.
   "Canalha" - pensou Carlitos. Malditos importadores dos infernos. Sempre dizem que, em uma degustação às cegas, mesmo especialistas não conseguem diferenciar um branco de um tinto. A única esperança de Carlitos era não entrar no campo de guerra para batalhar no terreno do general adversário. E para evitrar o lodaçal, escolhera justamente um branco, o que tornaria a comparação com um tinto mais difícil. Mas o começo não tinha sido exatamente bom...
   - RG da garrafa! - pediu Carlitos, antes que alguém pudesse desabonar sua escolha. Todos riram, Flavitxo retirou a venda e deu uma bebericada:
   - Muito jovem. Estaria bom dentro de mais uns 4 ou 5 anos. Mas está bastante bom dentro da minha taça, também. Parabéns, meu jovem.
   Don Akira serviu sua peça.
   - Fechado, bastante fechado. Terroso - disse Carlitos. Flavitxo concordou, destacando ainda o álcool aparente. E disparou:
   - Italiano. - Carlitos concordou.
   Mais algumas farejadas e Flavitxo levantou-se perturbado, indo para a cozinha, enquanto deixava escapar um "Canalhas". Voltou trazendo o carré e passou reto pelos convidados ao mesmo tempo que dizia quase como uma reza: - Plano B, plano B.
   Flavitxo depositou o carré no fogo, olhou para para a mesa, para as taças, para os comensais. Respirou fundo e entrou na adega. Saiu 5 segundos depois:
   - Não tem embrulho, vai na seca mesmo - e apresentou seu candidato. Carlitos olhou para Don Akira e ambos descascaram seus embrulhos enquanto Flavitxo ainda anunciava: - E de sobremesa, será este.

Os protagonistas

Estavam lá as garrafas, perfiladas.
Corton-Charlemagne Gran Cru 2010, 13,5% de álcool
Brunello di Montalcino Biondi-Santi 1998, 13,5% de álcool
Vega-Sicília "Unico" 1999: 14% de álcool
Taylor's 20 anos: alguém sabe? (rs)

   Carlitos Bicchiere trouxera um Corton-Charlemagne Gran Cru 2010, do viticultor Vincent Girardin. Don Akira apresentou seu Brunello di Montalcino Biondi-Santi 1998, e Flavitxo aportou um Vega-Sicília "Unico", 1999. A sobremesa seria regada a Taylor's Tawny 20 anos. Dando-se conta do que tinham em mãos, Akira, Flavitxo e Carlitos ajoelharam-se e, na posição de humildes coadjuvantes, reverenciaram as garrafas, encostando as palmas das mãos em sinal de oração. Depois encheram as taças e partiram para o abraço.

As impressões

   O Corton-Charlemagne apresentou-se com notas de mexerica e algo adocicado no nariz; excelente acidez, bom corpo. Grande persistência, final largo, muito largo. Com temperatura um pouco mais alta, apareceram notas de manteiga. Flavitxo levava as mãos à face e sorria: - Uvaia, tem uvaia... O que mais impressou a Carlitos foi, ao final da degustação, passadas quase cinco horas, o buquê a mexerica continuava nas taças. Isso não acontece com qualquer branco...
   O Biondi-Santi abriu fechado (sic! risos!), exigindo decantador. Início terroso, ainda assim com ótimos taninos. Ao longo das horas foi mostrando suas qualidades, aportando especiarias e depois chocolate. Final longo com algum amargor (muito leve) no retrogosto. Persistente, grudento até: não queria largar as bocas por onde entrava.
   O Vega abriu bem e só melhorou, ainda mais com auxílio de decantação. A Carlitos pareceu um tempranilho muito marcado. Complexo no nariz e na boca, permanência tão longa quanto o Biondi, final muito longo. Notas de alcaçuz foi uma percepção do Akira. Carlitos nunca havia experimentado nada da famosa bodega, e pouco teve a acrescentar aos comentários dos amigos, além da constatação de que o vinho faz juz à fama - e ao preço. Don Flavitxo ficou de fazer uma postagem a altura do viticultor, e certamente o fará. O inexistente leitor destas mal-traçadas linhas se deliciará muito mais com suas análises.

   No conjunto, os três vinhos combinaram muito bem com as carnes - além do carré, Flavitxo assou uma picanha muito suculenta. Mesmo o branco combinou, e bem. Akira comentou com um suspiro, um pouco triste:
   - O dia em que um Biondi-Santi foi o pior vinho da mesa...
   Ninguém estava preocupado com isso. O figo com chantilly (este último preparado pelo próprio Flavitxo) casou com o Porto à perfeição, sem margem para resmungos ou desabonos. Somente suspiros.
   Carlitos saiu satisfeito. Seu escolhido não foi atropelado pelo de Flavitxo. Um empate técnico agradou a todos. Para o início do ano, a providência urgente é zerar o contagiros, e voltar a vinhos mais modestos. Boas festas a todos.

Sunday, December 21, 2014

De como Flavitxo Gambero desafiou Carlitos Bicchiere - Prelúdio ao duelo de final de ano

Cenário

   Uma praça em Vinci, comuna da Toscana, província de Florença, um dos marcos do Renascimento. A população de aproximadamente 14 mil habitantes vive pacificamente ao redor da Praça Central, ornada com belas árvores, uma fonte onde a tocadora de alaúde poderia estar posando para Caravaggio e um relógio de sol bem ao centro.

Emboscada

   Chegando à praça, vindo da caminhada matinal, Carlitos Bicchiere distribui mesuras aos passantes. De repente, não mais que de repente, Flavitxo Gambero, mascarado do mal, nem tão do mal, mas certamente mascarado, salta de uma moitinha - o que ele estaria fazendo ali? - e aproxima-se com seu andar, gestos e olhar de pinguim.

Declaração de guerra

   - Carlitos, en garde! - e quase encosta o florete perigosamente ponteagudo do pacífico transeunte. - Em breve nos encontraremos em uma mesa com taças e copos para nossa degustação anual, e devo dizer que meu vinho será muito melhor que o seu. Mas não estou aqui por isso. Você andou dizendo por aí que no encontro do ano passado meu vinho fez um papelão. Estou aqui para tirar satisfações. Quero ver você repetir isso, ou se desculpar imediatamente!
  - Don Flavitxo, ora vamos. Cuidado para não ferir as outras pessoas... eu apenas interpretei seus escritos quando de seu comentário a respeito dos vinhos degustados naquela ocasião.
   - Interpretou mal, e errado. Eu não disse isso.
   - Bem, para meu vinho você disse "notas de amoras e cerejas pretas, em meio a notas florais, chocolate, aniz, alcaçuz e grafite. Com o tempo, foram surgindo muitas notas de especiarias, um apimentado gostoso e sálvia", enquanto para o seu, apenas "frutas vermelhas maduras, sous-bois e o tabaco leve, com um fundo de alcaçuz muito gostoso". São 10 notas de um, contra 4 do outro, fora o show. Para qualquer observador a diferença de riqueza descreve a expressão acabada de um papelão, sim senhor.
   - Ora, Carlitos, você me paga! - Flavitxo avançou mais um pouco enquanto Carlitos recuava estrategicamente para sacar a espada. Flavitxo estocou, e Carlitos ripostou. Depois contra-atacou, salvando para a posteridade uma lasca de bigode.
   - Ai! Carlitos, agora não vou perdoar. Meu vinho vai massacrar o seu no nosso encontro. Não deixarei barato! - e foi para a frente, esgrimando com maestria, infelizmente para si menor que a do adversário. Uma multidão cercou os contendedores, tirando-lhes espaço de manobra e forçando-os a caminhar para o centro da praça, enquanto trocaram golpes.
   - Se o vinho for como sua habilidade no florete, Don Flavitxo, acho que vamos conhecer mais um papelão na noite de segunda-feira.
   - Ora, seu insolente de uma figa - e novamente o florete de Flavitxo encontrou o caminho bloqueado pelo de Carlitos. Mas desta vez Carlitos realizou um movimento helicoidal com sua espada, e acabou por desarmar o adversário. A posição final era Flavitxo Gambero com o florete de Carlitos Bicchiere na garganta.
   - Pois bem, Don Flavitxo, ouça com atenção. Volte lá para sua adega e escolha direitinho algo que possa derrotar meu eleito. Você pode até conseguir, mas não será com um samba de uma nota só, nem com um vinho de quatro notinhas. Não repita o carão como daquela vez em que em um duelo de Pinots você apareceu com um vinho argentino e ficou a noite toda dizendo ser a melhor safra daquele vinho que desapareceu contra um Borgonha e um Russian River
   Flavitxo virou-se e correu, abandonando seu florete enquanto recebia uma devida assinatura do lado de trás das calças. Levou a mão ao local, voltou-se enquanto corria a disparou:
   - Eu me vingarei...
   Carlitos Bicchiere ficou parado por um momento e olhou para o relógio de sol. Era metade da tarde de domingo. Ele sabia que teria trabalho para escolher algo em sua modesta adega que fizesse frente a Flavitxo Gambero. Flavitxo tinha mais experiência, uma adega melhor, e seria o anfitrião naquele encontro. Que escolha poderia fazer Carlitos Bicchiere para equilibrar a disputa? Ele olhou para as colinas ao longe. Sabia que com um pouco de engenho e arte, poderia gerar a roda da fortuna a seu favor. Pegou um capim, começou a mastigá-lo, e caminhou para sua casa.

Friday, December 19, 2014

As marvadezas do Renê

- Estou indo armaaado. - Assim anunciou o Renê que me faria uma visita. Esticou um pouco a sílaba do meio, como ele gosta de fazer, e atalhou: - E ele é marvaaado.
Claro, "ele" era uma referência ao vinho que traria. O Renê foi uma das primeiras pessoas do círculo que detectou a chegada de vinhos espanhóis a preço e qualidade competitivos com os sul-americanos, importados pela Grand Cru. Sua apresentação do Casajus Splendore e do Embocadero chamaram-me atenção para o Xabec, o Señorío del Tallar  e o Sabor Real Viñas Centenárias, dentre outros. Sem imaginar o quanto de má intenção ele traria debaixo do braço, desci na adega e fiquei olhando. De repente, encontrei uma opção que poderia contrapor a algo "marvaaado" que o Renê pudesse trazer. Estava avisado de que o Marcelo também viria; o gosto dele cai para os chilenos, ele havia dito explicitamente no último encontro, então eu pensei que com minha escolha eu estaria bem. Acabei depenado. Sem mais rodeios, vamos a eles:

Os fatos

   Fato 1: não duvide do Renê quando ele diz que está armaaado.
   Fato 2: não confie em alguém que diz gostar de chilenos e apresenta um espanhol; dizer que gosta de chilenos, estou aprendendo, é uma boa desculpa para que se cometam hechos traicioneros. Foi o que o Marcelo perpetrou.

Os vinhos per se

   Lá chegaram o Renê e seu Catena Zapata Estiba Reservada 2003, o Marcelo e seu Mencía LB (Luna Beberide) 2009, enquanto eu apresentei um Errazuriz Max Reserva CS 2008.
   Olhei para o vinho do Renê e só pude comentar um "não vale..." meio sufocado. É claro, desse produtor são-me bem conhecidos as já boas linhas D.V. Catena e Angélica Zapata (preços de R$ 90,00 a R$ 200,00), então eu sabia estar em frente a algo de maior quilate.
   - Trouxe de Dubai - comentou o Renê, passando por cima do meu protesto. - Não deve ter saído mais do que 60 Dólares; é o máximo que pago por um vinho sul-americano.

Falando dos vinhos

  • A Catena tem um sítio muito bem organizado, e sobre a safra 2003 a opinião dos enologos da bodega é:
A safra 2003 é a primeira em que outros varietais alternativos têm alcançado uma magnífica qualidade. O Cabernet Franc e o Petit Verdot do vinhedo Uxmal serão interessantes componentes em nossos vinhos finais. O Malbec também se colheu com níveis ideais de madurez.Sem duvida, a estrela da colheita 2003 foi o Cabernet Sauvignon.
  • O sítio da Errazuriz também é bem organizado, e a ficha técnica do Max Reserva pode ser encontrada aqui.
  • A Luna Beberide é uma bodega estabelecida em Bierzo, no noroeste espanhol, e tem na Mencía sua uva autóctone. O sítio é simpático, e a ficha técnica está aqui.

Como resumo da ópera, temos, para comparação de vinhos e preços:
  • Catena Zapata Estiba Reservada: 14% de álcool, estagia em barris de carvalho francês novas por 24 meses, tem sugestão de guarda de 10 anos. Cabernet Sauvignon, Cabernet Franc, Petit Verdot e Malbec. Preço: R$ 533,00 - R$ 715,00 - USD 60,00 (maisonbertin.com.br/Mistral/Freeshop Dubai).
  • Errazuriz Max Reserva: 14.5% de álcool, estagia em barris de carvalho por 12 meses, 88% de CS + 12% de Cabernet Franc. Preço: R$ 105,00 (Vinci).
  • Mencía LB: 13,5% de álcool, fermentado em tanques de aço inóx, 100% Mencía. Preço: R$ 65,00 (Via Vini).
Já em qualidade...

  • Mencía LB: vivo, pronto para beber. Boa fruta, sem excessos. É um vinho de corpo médio onde a acidez não se sobressai; pelo contrário, combina bem com os taninos e produz um efeito de boa persistência e retrogosto agradável. Apareceu algo como couro, ou chocolate, depois de aberto. Por comparação, a R$ 65,00, é um bom concorrente de mercado. Lá fora custa a bagatela de 4 euros(!), o que o coloca como caríssimo mesmo dentro do padrão médio dos vinhos vendidos ao nosso desavisado consumidor.
  • Errazuriz Max Reserva: Errazuriz é um dos produtores que mais gosto do Chile. Não provei safras mais novas, mas este 2008 ainda é bem "das antigas": fruta viva, boa acidez e intenso na boca, cujo equilíbrio proporcionou-me as sensações agradáveis de sempre. Com a evolução, apareceu café (chocolate? - rs!), garantindo mais alguns goles de puro prazer. O final é bom, persistente e o conjunto faz juz à fama do produtor. Na faixa de R$ 100,00, é comparativamente uma melhor escolha do que Mencía LB.
  • Catena Zapata Estiba Reservada: depois de falar bem dos outros dois vinhos, fica difícil adjetivar este. Combine e multiplique aquelas qualidades para ter uma ligeira ideia desta. Boa complexidade no nariz, taninos muito redondos, boa acidez, excelente integração álcool-acidez-madeira-fruta. O que mais posso dizer? Claro, final verdadeiramente looooooongo. E se não bastasse, excelente persistência. Eu tenho dito (não é nenhuma grande descoberta, apenas uma constatação) que a Argentina faz o melhor vinho da América do Sul. Alguns ainda dizem que faz o único. Sem polemizar, Catena Zapata Estiba Reservada faz jus à tradição do produtor. O preço é alto aqui e lá fora. Por USD 60,00, ele bate de chinelo em vários espanhóis de classe. Por esse preço, em sua eventual viagem, é compra certa e dificilmente poderá ser batido. Momentos de puro êxtase para os bacantes presentes, e perdeu quem não compareceu. Um Vinhaço, com "V", vê de vitória. Vê de valeu, Renê!

Tuesday, December 16, 2014

Machado de Assis e o apê da Carol

Por ocasião da inauguração do apê da Carol, resolvemos fazer uma noite de pizza e vinho. O Akira sugeriu lançar mão de nossas reservas estratégicas, algumas garrafas que compramos em conjunto e mantemos justamente para essas ocasiões. Deixou a escolha por minha conta. Separei três:
Cartuxa Reserva 2006;
Xabec 2008;
Finis Terrae 2008.

O Cartuxa Reserva, segundo o sítio, é produzido com cepas comuns do Alentejo: Trincadeira, Aragonez, Alfrocheiro, Periquita, Moreto e Tinta Caiada. É lavra da Fundação Eugênio de Almeida, que tem por ícone o Pera Manca. Dizem os conhecedores, este último já teve seus dias de glória e preços compatíveis. Atualmente mantém o preço compatíviel com o passado, sem manter os méritos de antanho. O Cartuxa Reserva 2006 apresentou boa coloração, praticamente novo. Boa fruta e pouca madeira: a receita simples e sem mistérios para um vinho agradar o grande público. Algo como café (chocolate? - rs!) dá um toque elegante. Retrogosto agradável, boa persistência. É um bom vinho, mas não para a faixa de R$ 200,00. Não custa muito menos lá fora (encontrei a safra 2011 por 26,00 euros no Garrafeira Nacional), o que só faz aumentar (estender?) o receio de que o produtor já tenha deixado para trás seus melhores dias, e embarcado no famoso conto do "faz a fama e deita na cama".

Já o Xabec 2008 foi extensamente comentado antes; veja aqui. Para um vinho simples, estes seis anos não lhe fizeram mal. Duraria mais tempo; se não outros seis, mais três ou quatro com certeza. O tempo massacrou diversos vinhos brasileiros, sinal de que, se no marketing já estamos craques (os produtores estão craques...); na competência técnica ainda tempos muito a aprender. O Xabec 2008 ainda pode ser encontrado na Grand Cru e o preço atual (R$ 62,00) não alterou muito com relação ao de 2012.

O Finis Terrae custa por volta de R$ 58,00 nos EUA, R$ 67,00 (!) no Chile e R$ 115,00 no Brasil. No Chile, o preço varia entre 15.000 e 16.000 pesos, e minhas garrafas não peguei mais de 10.000 pesos, o que reflete um aumento de 50% a 60% do produto no mercado chileno. Cada vez mais tenho certeza de que nossos vizinhos estão perdendo a noção. Começo a gostar de termos a Bolívia e a Argentina entre nós e eles... vai que a "sem noçãozice" pega...

Bem, o Finis Terrae é um vinho premium da Cousino Macul, que tem por ícone o Lota. Já bebi diversas garrafas e em sua versão 2010 é um corte de Cabernet Sauvignon, Merlot, Syrah. Infelizmente a garrafa ficou no apê da Carol, e o sítio do produtor menciona apenas essa safra em sua ficha técnica. Mas sempre é majoritariamente Cabernet. A safra 2008 ainda mantinha boa fruta bem balanceada com madeira, diferente de alguns vinhos premium chilenos que tornaram-se depósito de goiaba. Não sei das safras mais novas. Eu tinha boa recordações do Finis Terrae: sedoso, redondo, um veludo mesmo. Bebi a primeira taça e estranhei um tanto. Nem tão redondo, nem tão aveludado. Experimentei novamente, e olhei para o Akira. Ele retribuiu o olhar e foi direto ao ponto:
- Não parece mais aquele vinho que estávamos acostumados, não é mesmo?
- Então... mudou o vinho ou mudamos nós? - comentei, sorrindo. A clara menção ao Soneto de Natal, de Machado de Assis, arrastou-nos por assuntos mais agradáveis do que ver um antigo ícone solapado por um concorrente da metade do preço.

Conclusão

Independente do meu gosto, a atuação dos bacantes em qualquer evento sempre diz tudo: o  vinho melhor acaba primeiro. O Cartuxa e o Xabec foram abertos quase ao mesmo tempo, e o segundo acabou em primeiro (sic).

Para o meu gosto (e bolso), ficou assim:  em primeiro, o Xabec. Seguindo de perto, o Cartuxa. Por R$ 115,00, o Finis de longe fica em terceiro. Se  for gastar R$ 200,00 e só puder escolher entre esses três, não hesite: leve 3 Xabec pelo preço de um Cartuxa. Ou leve um Cartuxa, e tente ser feliz pensando em 3 Xabec (rs). Com o Finis, não dá...
Desta vez não temos um redentor cercado pelos vendilhões. O vendilhão ficou de fora, já que a garrafa do Finis Terrae foi deixada na casa da Carol, com um tantinho no fundo.


Thursday, December 4, 2014

Reflexão sobre as Análises Comparativas de Preços do Sítio Enoeventos

Enoeventos

   Enoeventos (como se todos já não soubessem) é um sítio organizado pelo sr. Oscar Daudt que conta com uma gama de colaboradores opinando e discutindo diversas questões e aspectos ligados ao vinho. A que mais agitou a comunidade, na minha opinão, foram as comparações, ao longo dos anos, dos preços de venda de diversas importadoras com relação ao mercado norte-americano. A proposta foi simples, embora o trabalho tenha sido insano: comparar o custo de diversos vinhos de uma importadora brasileira com o custo desses produtos no mercado norte-americano. Com um número mínimo de cotações do catálogo de uma determinada importadora, pode-se estabelecer uma média de quanto os preços praticados por ela estão acima dos preços do mesmo vinho vendido lá fora. É insano porque, imaginando 12 vinhos pesquisas por importadora, a 12 importadoras, chegamos a uma grosa de pesquisas, e o trabalho não acaba aí. Depois são necessárias todas as "contas" para estabelecer as médias e fazer a comparação final. Só por tal iniciativa o sr. Oscar já merece nossos parabéns; quanto ao restante das informações, o leitor novato poderá avaliar por si mesmo.

A última análise do Enoeventos

   Em sua sétima edição, a versão de setembro de 2014 traz a seguinte comparação:
Isso quer dizer que, teoricamente, se um vinho custasse US$100 nos Estados Unidos, seria vendido pelo equivalente a US$161,90 na Cellar, enquanto que custaria, provavelmente, o equivalente a assustadores US$373,80 na Ravin!

Comentando a margem dos americanos

Preços mundo afora

   Quem costuma comparar preços - como eu - já deve ter notado uma coisa "engraçada": é comum encontrar nos Estados Unidos, por "x" Dólares, um vinho que custe "x" Euros em seu país de origem (França, Itália, Espanha, Portugal). Ou seja: o vinho custa 10 Euros na Europa e é vendido por 10 Dólares nos EUA.
   Como pode?
   Os impostos - sempre eles! - explicam uma parte. Enquanto sua média é de 20% (vinte!) na Europa, não chegam a 10% nos EUA. O mercado americano é disputado por todos, dado seu tamanho. Finalmente, é um mercado competitivo; as lojas brigam forte para apresentar preços razoáveis.

A rota do vinho

   O vinho sai do produtor e vai até o porto (frete 1). Do porto, vai até a costa americana (frete 2). Depois, vai do porto americano ao importador (frete 3). Finalmente, do importador aos lojistas (frete 4). Não é de estranhar que seja assim na maioria das vezes, quando falamos da importação do produto de fora das Américas até sua entrada no continente, seja América do Sul ou do América do Norte.
   Com todo esse movimento, o vinho chega aos EUA pelo preço "x". Bem, claramente esse não é o preço pago pelo importador norte-americano. Temos os custos de frete, e custo de venda do produtor e o "lucro" do vendedor. Precisamos de um parâmetro para estimar o preço original de uma garrafa que entra na cadeia descrita acima. Esse custo eu vou tirar da cartola. Nem tanto da cartola, porque conversei com pessoas que precificam esse tipo de negócio. O que podemos dizer é que, aproximadamente,
O preço pago pelo produto é a metade do preço pelo qual ele é vendido no mercado norte-americano, pelo menos para esse segmento.

Uma atroz conclusão

   Pensemos no custo apenas em Dólar, para facilitar as contas. Um vinho de 10 Dólares no mercado americano deve ter custado, no máximo, 5 Dólares quando comprado junto ao produtor. Sobre esses 5 Dólares incide o custo da "cadeia" (fretes, lucro repartido entre importador e distribuidores) e o vinho chega ao consumidor por 10 Dólares. Pergunta: isso é "apertado" ou é apenas o "mercado"? A pergunta é acadêmica. O pior está por vir.
   Se o comprador americano paga 5 Dólares por um vinho "x", responda-me o leitor incauto: quanto paga o comprador (importador) brasileiro? À resposta de que de repente paga mais porque compra menos, posso retrucar que, quase invariavelmente, as melhores safras (ou as mais pontuadas) são encontradas no mercado americano, e não no brasileiro. Então os compradores brasileiros passam por autênticas bestas, porque pagam mais por safras piores. Não acho que nossos importadores sejam bestas, muito pelo contrário (embora isso não seja lá um elogio). Sem melhor argumento, estou dizendo que o importador brasileiro paga a metade do preço que vemos nas lojas eletrônicas americanas. Vai daí que que devemos multiplicar o Índice de Divergência de cada importadora por dois para saber quanto ela tem de "lucro bruto", se podemos chamar assim. Multiplicando o índice da Cellar, aprox. 62 x 2 = 134%. Não está fora, visto que, desse valor, pouco menos da metade são impostos (e os preços que vemos na Internet são apresentados sem impostos). Dá para perceber que, mesmo com a margem praticada pela Cellar, ser importador de vinho no Brasil é melhor negócio do que nos Estado Unidos.  O que dizer da posição dos últimos colocados dessa lista?!

A tabela ilustra por quanto, em média, a importadora vende o vinho mais caro do que no mercado norte-americano. Fonte: sítio Enoeventos.

   É necessário enfatizar que o trabalho do senhor Oscar não está errado. Ele está corretíssimo, dentro da premissa proposta: comparar o preço do produto no mercado americano com o mercado brasileiro. O olhar que ofereço aqui é dentro do bolso do importador brasileiro. É claro que eles são livres para praticar as margens que acham razoáveis. Da mesma maneira que eu sou livre para escolher qual vinho comprar, e de quem.

Peroba neles!

   Para mostrar como se faz (rs), o sr. Oscar ainda cometeu (sic) a abertura de uma importadora no próprio sítio do Enoeventos. Para quem ainda não passou por lá, a loja está aqui. Fui analisar o preço de dois dos vinhos dele (querem um  trabalho melhor? o link lá de cima!). Pasmem.

Ferraton Cornas Les Grands Mûriers 2009
Preço Enoeventos: R$ 212,10
Preço nos EUA   : R$ 145,10

Ferraton Crozes-Ermitage Le Grand Courtil 2009
Preço Enoeventos: R$ 197,10
Preço nos EUA   : R$ 107,01

Está certo, encontrei o vinho em poucas lojas nos EUA para fazer uma média (na verdade, encontrei cada vinho em uma só, e lojas diferentes). Quem conseguir resultado melhor, por favor, comente.

Ah, como se diz por aí, mato a cobra o mostro o pau:





   Aí eu me lembro de que quem escolhe meus vinhos sou eu - e não quem os importa. Ainda não passei na loja do sr. Oscar, e vejo nisso uma certa sensação de urgência. Bem, o Natal está chegando.