Wednesday, September 5, 2012

Reunião da Confraria em Agosto

   Apesar da reunião ter acontecido na segunda semana de agosto e já estarmos em setembro, apenas agora vou postar as impressões desse encontro. O motivo é simples: como alguns vinhos, certas postagens precisam decantar... principalmente esta, e até porque esperei para ouvir o "depois" na boca dos próprios bacantes.
   Não foi uma reunião temática, com vinhos de uma determinada uva, ou de um único país. Foi um encontro às cegas, onde cada um levou algo que pensou poder agradar aos parceiros de taça. Talvez isso não seja exatamente a verdade, mas deixemos a conclusão para o leitor mais atento...
   A comida ficou a cargo do Terence, um cozinheiro de mão cheia que nos foi apresentado, há algum tempo, pela Raquel. E o filé estava ótimo, além de harmonizar muito bem com a maioria dos vinhos.
   Por motivo de mudança, a Raquel está detonando sua adega. Que vá logo - e volte mais logo ainda (sic!, rs!) - e por conta disso brindou-nos um Barbaresco Vigne Erte 2006. Como o vinho ficou no decantador até prá lá da metade do encontro, deixarei para comentá-lo no final.

Seis vinhos, nove bebedores. Uma boa conta.


   Estava por lá o Vernus Pinot Noir, mas não guardei a safra nem quem levou. Chuto que tenha sido obra do Endrigo. Seguramente é recente, 2010 ou 2011, dada a mudança de rótulo, que antes era branco. Segundo o sítio do produtor (que infelizmente apresenta sempre o mesmo rótulo - novo - para todas as fichas dos Pinots), é um corte de 90% Pinot Noir, 5% Cabernet Sauvignon e 5% Syrah, com aproximadamente 14,5% de álcool (depende da safra) bem integrados ao conjunto e produzido em barricas francesas de segundo uso, onde descansa por 10 meses. Hum... o Parras Viejas também é produzo 100% em barricas francesas de segundo uso, e está uma categoria acima da linha Vernus.  Da mesma hierarquia, o Notas de Guarda é produzido 100% em barricas francesas de primeiro e segundo uso (sic). E na hierarquia máxima, o DON é produzido (ainda segundo o sítio) 70% em barricas francesas novas e 30% em barricas de segundo uso. Isso gera uma pergunta: de onde vem tanta barrica de segundo uso? O normal é que os vinhos icônicos sejam produzidos em barricas de primeiro uso, enquanto os vinhos "premium" sejam envelhecidos nas barricas de segundo uso e os mais comuns depois disso. Alguém deve estar jogando barricas de segundo uso fora, já que a Santa Helena usa poucas barricas novas e sua terceira linha - Vernus - chega a ser produzido nessas barricas... mas é claro, posso estar errado e apenas passando por chato - senão, como justificar o nome deste blog? - em atentar para... detalhes tão pequenos... Sem mais divagações, continuo à procura da "cara" do Pinot. É um vinho, ok. Não me lembrou nenhum outro Pinot que eu já tivesse bebido anteriormente. Não é falar mal da cepa, é apenas registrar minhas impressões sobre ela. É o dito vinho alegre, e não pelo jeitão (rs): leve, frutado, agrada todo mundo. Final "médio": não marca mas não compromete.
  O Casa Silva Reserva Malbec 2010 foi, se não me engano, levado pelo Léo. Quem se lembrar de postagens anteriores sabe da minha reclamação quanto à baunilha que vem temperando e descaracterizando os vinhos pelo mundo afora. Assim, eu me perguntava qual seria meu primeiro encontro com um vinho chileno mais temperado. E foi este. A Casa Silva é uma das maiores e melhores produtoras do Chile, e, pasmem, o vinho não é descrito em sua página. Faz parte da extensa linha Reserva, que conta com Cabernet Sauvignon, Merlot, Syrah e Carmenère, além deste Malbec, toda ela muito boa e pronta para consumo. E, dentro dessa linha, para o meu gosto este Malbec fica por último. O demérito vai para a bandida baunilha, que apenas descaracteriza um pouco esse vinho em particular. Não deixa de ser redondo na boca, de ter boa persistência e bom final, mas a sua qualidade de "frutado" acaba comprometida. Fruta pela fruta, fico com a fruta, e não com a baunilha, se é que me entendem... É um bom vinho, para beber "sem compromisso", mas ainda acho que a Casa Silva poderia manter o terroir que caracteriza seus vinhos.

      Surgiu também um Lote 43 safra 2005, da famigerada Miolo, levado pelo Ghidelli. Faltam dados mais específicos na página do produtor (onde, aliás, foi um pouco difícil encontrar esse vinho em particular). É considerado também pelo produtor um vinho icônico (acima de premium, super-premium, ultra-premium, "giga-premium", "tera-premium", "peta-premium" e "yotta-premium" - sic!), e, justamente por isso, com produção "limitada" de apenas 80.000 garrafas. É um corte meio a meio de Merlot e Cabernet Sauvignon, envelhecidos separadamente em carvalho americano por aproximadamente 12 meses. Um vinho elegante, cujos 14% de álcool não aparecem na boca. Bom conjunto nariz-boca, bom final, mas não é largo, como pretende um vinho premium, digo, icônico. Tem seus amantes, o que não surpreende. Surpreendente é o preço, excessivamente alto, cerca de R$ 100,00. Some-se a isso o papelão desempenhado pelo produtor no recente episódio das salvaguardas e está explicada a má estima desde escriba para com o poderoso grupo empresarial.

   Da Ravanal, este que vos escreve levou duas garrafas, o Limited Edition 2008 e, just in case, o Mario Ravanal 2008. É claro que, chegando à casa do Endrigo, o MR foi o primeiro a ir para o pau, digo, para o saca-rolhas. Mas o LE também acompanhou o primeiro de perto, ao menos nesse quesito (ir para o pau - rs). Bem, a Ravanal é uma pequena vinícola familar do Chile, localizada no Vale de Colchagua. Mas línguas contam que em seu início, na década de 1930, até o década de 1970, Ranaval produzia o equivalente aos nossos Sangue de Boi e similares, além de vender parte da produção de uvas para outras casas. Com a formação da atual enóloga, Pia Ravanal, durante os anos 90 a casa mudou seu foco e passou a produzir vinhos de melhor qualidade, tornando-se uma das melhores produtoras de Carmenère do país, em sua faixa de preço. Os vinhos são bons pelo que custam no Chile, mas às vezes isso pode não ser verdade por aqui. O LE 2008 é um corte de Syrah, Carmenère e Cabernet Sauvignon vindas de um parreiral centenário, com colheita manual, e estagia 14 meses em barricas francesa e americana. É elegante, sedoso, embora a Carmenère pique um pouco. A fruta está viva, e seus 14% de álcool estão bem harmonizados ao conjunto da obra. O MR 2008 é um corte de Carmenère e Syrah não especificado, também de parreiras centenárias, que estagia 18 meses em barricas francesas. A Carmenère está mais evidente, mais ainda sobressai a fruta e um tanto de chocolate (café? - rs). Seu final não é muito longo, mas agradável. Se não tem a elegância de um Von Siebenthal, também está notas acima de um Reserva de Família da Santa Carolina, que tem seus adoradores por aqui. Infelizmente Ravanal não tem encontrado um importador à altura no Brasil, e seu preço tem oscilado bastante. Já vi MR à venda por R$ 150,00, o que é um assalto à mão armada. Apoiam-se na sua bela garrafa para cobrar uma exorbitância. No Chile, é um vinho na faixa de preço do Tarapacá Etiqueta Negra ou do Max Reserva, da Errazuriz, que por aqui custam uns R$ 100,00. Encontrei por R$ 70,00 e, antes de comprar, entrou em uma promoção por R$ 50,00. Pelos US$ 9,00 que é seu custo FOB, podemos dizer que estava uma verdadeira pechincha. Deveria ter comprado todas as garrafas, mas a grana estava muito mais curta que o desejo. Ainda sobre o MR, devo dizer que bebi várias garrafas. Em uma das vezes, a pimenta estava sobressalente; cheirava a tabasco. Mas isso não se repetiu em nenhuma nas outras oportunidades... não sei explicar, mas fica o registro.
  
 E, finalmente, mas não o menos importante, o Barbaresco Vigne Erte 2006. Este 100% Nebiollo (como todo Barbaresco) é produzido em Serraboella, uma das áreas mais nobres dessa DOC. Não é um "top", e tem produção limitada a 6.000 garrafas - alô, produtores de vinhos "premium" de 80.000 garrafas. Mas voltando... Hum... uma das áreas mais nobres da DOC? Coisa boa vem por aí... Ficou no decantador por pelo menos umas duas horas antes de levantarmos a bandeira que permitia o ataque. Cada um despejou apenas um tantinho inicial na taça. Alguns olhares se cruzaram. Acabado o "tantinho", os convivas centraram suas atenções no restante do MR e do LE, já que boa parte dos vinhos mais simples tinham sido consumidos como entrada. Estranhei, mas aguardei alguns comentários, que não tardaram. O Barbaresco estava decepcionante. "Tudo meu?", perguntei-me, um tanto exultante. Puxei conversa (rs) para despistar os colegas - até que ponto desce a alma humana quando o que está em jogo é garantir uns mililitros a mais de vinho... - e perguntei a opinião das pessoas sobre quais haviam sido os vinhos da noite. O galera foi quase unânime ao colocar em primeiro o MR, depois o Lote 43 e depois o LE. Houve alternâncias entre alguém preferir o LE na frente do Lote, e talvez um único tenha preferido o Lote a todos os demais. Acho que depois reformou a opinião, para então voltar a escolher o Lote. Essas coisas são explicáveis em um grupo heterogêneo (gargalhadas). O Barbaresco estava em quarto, na maioria das opiniões. "Tudo meu?", perguntei-me novamente... Disse que o vinho da noite era o Barbaresco. Fitaram-me quase todos com aquele olhar benevolente, aquele olhar de... "tolinho"...
   Caro leitor, mamei. Mamei como ninguém jamais mamou de uma teta - ou de uma taça. Mamei até não poder mais. Mamei até olhar para minha taça e achar que o próximo gole me levaria para o pronto-socorro, ou para o inferno, que é para onde vão todos aqueles que deixam de beber um vinhaço como esse até o final, independente do estado etílico em que se encontrem. E até hoje arrependo-me de levantar acampamento tão cedo. Deveria ter dado trabalho para a turma. Deveria ter sido canalha em quinto grau. Tudo isso para enfatizar quanto o vinho estava divino. Especiado, gracioso, redondo, já naquele momento evidenciava um nariz excelente, mas sutil. Final não muito largo, mas agradabilíssimo, e isso depois de eu ter passado por toda a sorte de variedades como as descritas acima, o que certamente compromete um pouco o paladar. Fui embora, e a Raquel me contou depois: acabados todos os outros vinhos, ela foi para o Barbaresco. Olhou para a taça, não acreditou e ficou quieta. O Endrigo tomou-lhe da taça, olhou e perguntou, atônito: - Mas que vinho é esse?! Não acreditou quando ouviu a resposta. A turma precisou se contentar com o que tinha; eu já havia mamado boa parte. Para finalizar esta postagem, fui procurar a pontuação sobre este vinho. Wine Spectator: 93/100; Wine Enthusiast: 92/100. O tolinho agradeceu... (gargalhadas finais!)
Nesta evidente fotomontagem, meu lugar estava vazio quando bati a foto. Depois, com outra foto tirada pela Raquel, cloquei-me entre e Márcia, esposa do Ghidelli, e o anfitrião Endrigo. Na esquerda, em direção ao fundo, a anfitriã Vânia, seguida pela Ariane, Léo, Tamara e Raquel. À direita, Ghidelli, Endrigo, eu e Márcia.

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