Thursday, November 8, 2012

Quando os vinhos não são vinhos

   O título desta postagem tem um duplo sentido: o primeiro, e mais óbvio, é quando os vinhos não são vinhos, são vinhões; vinhobão, como diria o Flávio, ou vinhosbãos, como emendaria o Akira. O segundo sentido é quando vinhos cujas cepas o provador conhece não se comportam como o esperado para aquelas mesmas uvas. E foi um pouco o caso, desta vez. Vejamos o conjunto degustado:

   O rega-bofe aconteceu por causa da efeméride do dia último dia 31 - outros eventos precederam este, o que garantiu-me farto material para escrever; só falta desembuchar... O evento descrito abaixo deu-se no dia 3, sábado.

Um início modesto...

   Recebi a galera com o Cabernet Sauvignon Medalla Real 2007, um Gran Reserva da ótima Santa Rita. Um Cabernet chileno típico: potente (as "leves notas de madeira" do contra-rótulo são pura mentira - rs! - a madeirona está lá, não passa despercebida sequer pelos não iniciados), frutos negros evidentes, taninos bem presentes e - agora sim concordo com as informações da garrafa - final persistente. E sim, largo: depois de passar pela garganta, o vinho continua lá, na salivação. Só que essa característica persistiu nos demais vinhos da noite, o que então deixarei de citar nos próximos comentários. Seus 14% de álcool  quase não aparecem. Quase. Considerando os 12 a 14 meses que o vinho passa em madeira, podemos dizer que seu potencial de guarda deve estender-se por bons anos, ainda. Deixaria mais uns três, e os taninos deverão estar mais amaciados.

Graves ofensas

   Como o Akira ameaçara um ataque com graves ofensas, digo, grande poder ofensivo, e o Flávio avisou que não deixaria por meno, resolvi-me por uma atuação na defensiva. Abri, com cerca de 4 horas de antecedência, um Torre Muga 2005 e um Xisto Roquette e Cazes 2005. O Dom Maximiano de Errazuriz  Founder's Reserve 2005 ficou como tropa reserva, sendo aberto a uma hora do início das hostilidades. Talvez o erro tenha sido abrir os dois primeiros e não retirar um pouco de vinho de cada garrafa para aumentar a área de respiro do vinho na própria garrafa. Segundo meus detratores, o erro foi mesmo não passar o vinhos para o decantador, imediatamente. Respondo-lhes que tenho mais uma garrafa de cada, para novas tentativas (e erros - gargalhadas!). Como cada um apresentou suas tropas devidamente envoltas em papel laminado, a briga de foices no escuro estava bem estabelecida. E neste ponto gostaria de esclarecer o título da postagem: a maior parte dos vinhos, apesar de feitos com cepas bem características (ou quase), não foram reconhecidos pelos valentes combatentes que cruzaram suas taças por sobre o campo de batalha, digo, por sobre a mesa que nos amparou. Comentemos.
   Torre Muga 2005: diferente do que eu acreditava, não é 100% Tempranillo, mas um corte de Tempranillo 75%, Mazuelo 15%, Graciano 10%, 14% de álcool. Ninguém reconheceu a cepa principal, embora o Flávio e o Akira identificassem como ibérico. Muito macio - no sentido de aveludado - resultado de 24 meses em barrica, tem a potência dos chilenos casada com a graça e leveza (por contraditório que pareça) que se espera de um Rioja.
   Xisto Roquette e Cazes 2005: corte de 60% Touriga Nacional, 25% Tinta Roriz e 15% Touriga Franca (14% de álcool), também foi classificado como "ibérico" sem que a Touriga, Nacional principalmente, fosse reconhecida. Melhorou muito lá para o final; ficou muito elegante, mostrando frutas vermelhas e, pareceu-me, um pouco de chocolate. Envelhece 18 meses em barrica, e a impressão foi que ainda dura mais um bom tempo.
   Dom Maximiano de Errazuriz Founder's Reserve 2005: outro vinho a envelhecer 18 meses em barrica, esta combinação de 85% Cabernet Sauvignon, 7% Cabernet Franc, 5% Petit Verdot e 3% Shiraz (14,5% de álcool) é um clássico. Foi o único reconhecido pelos bebedores, e classificado como "um chileno, sem dúvida". Mais para o meio do encontro e o Akira acertou quem era, para gáudio de uns e desespero de outros. Redondo e macio como sempre, frutos vermelhos evidentes no nariz e especiarias na boca, agradou principalmente as madames presentes.
   Colomé 180 Años 2010: desenvolvido para comemorar em 2011 o centésimo octogésimo aniversário da tradicional vinícola argentina que possui os vinhedos de maior altitude da América do Sul, chegando a 3.111 metros. A bodega fica na região de Salta, bem ao norte do país, e muito distante de Mendoza. O 180 Años é um 100% Malbec (14,5% de álcool) que também não pareceu um Malbec. Eu chutei que fosse um vinho francês - nunca a cor de um vinho despertou-me tanta atenção - e o paladar estava muito leve. Muito redondo, frutado, especiarias evidentes, mas não aquela picada da Malbec, tão característica. Segundo o próprio Flávio, que o levou, um infanticídio. Os infanticidas agradeceram...
   Da terra dos marsupiais, chegou (via NY), o Covenant Shiraz 2004, da Kilikanoon, vinícola estabelecida em Clare Valley. Este vinho de entrada (o mais simples) da Kilikanoon obteve nada menos que 94 pontos RP, e custa (nos EUA), a bagatela de US 35,00, com impostos. Estagiou 22 meses em madeira e após decantação mostrou o porquê na nota: seus 15% de álcool não dão mostra da presença, integrados à fruta vermelha e com notável persistência na boca. Mas não, não pareceu em nada um Shiraz, e ninguém acertou que fosse australiano. A menos do Akira, é claro, mas ele era o dono da criança...

Conclusão: o "duelo escondido"

   Entre minhas escolhas, uma motivação (claro, preciso manter a posição de chato): um pequeno duelo entre o Dom Maximiano e o Torre Muga. Justificativa: minha antiga reclamação do aumento exorbitante nos preços dos vinhos chilenos. Eu pagava entre 50 e 60 dólares por um Dom Maximiano, e de repente eles saltaram para 130 dólares (no Chile), 80 ou 90 dólares nos EUA e 103 dólares no nosso free shop. Eu esperava um roundhouse kick do Muga sobre o Maximiano, o que, sejamos sinceros, não aconteceu. Foi mais um "empate técnico", já que as mulheres apreciaram o segundo, e os cavalheiros, o primeiro, embora com pouca vantagem para o Muga. Contudo, o Muga custa lá fora 70 dólares... Eu já repensei sobre minhas futuras compras de vinhos de melhor qualidade. Apesar da pouca vantagem do Muga, a diferença de preço em favor deste recomenda sua compra sem qualquer vacilo. No Brasil, o preço de ambos é similar (e pornográfico). Preço por preço...

A seguir...

   Quer um vinho para expulsar de vez a sogra da sua vida? Quer um vinho para você levar no encontro da confraria, todo mundo falar mal e o vinho sobrar, para depois você bebê-lo sozinho, em pleno deleite? Abra e sirva este:

É uma agressão aos sentidos. Irrita o nariz. Não tem gosto de vinho. Sequer de água de rio. Abri ontem às 16:00 sem tirar nada da garrafa e, às 20:30, retirei um dedinho. Na safra 2007, é o pesadelo dos vinhos. Completamente fechado; daria para trocar por um Toro Loco. Tanto que, do primeiro dedinho, restou um fundinho de taça. Levantei-me às 5:00 do dia seguinte, peguei o fundinho de taça e... apesar de ficar aberto todo esse tempo, mudou sem estragar. Às 6:00 coloquei mais um dedinho na taça, a taça na geladeira, tampada com um desses plásticos de guardar comida, para que o vinho não pegasse outros odores. Hum... começando a transformar-se em vinho. Apenas senti o buquê. Termino esta postagem às 9:26 (fiz pausas enquanto escrevia), e a taça entrou e saiu da geladeira duas vezes, para recobrar a temperatura perdida. No nariz, está se transformando em vinho. Na boca (experimentei somente agora), ainda amarra demais - ok, o Numanthia é naturalmente muito seco, mas agora ainda causa estranheza. O abate será hoje à noite. Preciso decidir se ele entra no decantador a partir das 16:00... que Baco de ilumine...



 

5 comments:

  1. Postagem perfeita, Carlão! Nem sobrou para eu colocar no Vinhobão! Mas a farei, claro, mais só para remeter à sua. Os vinhos estavam excelentes! Aliás, a comemoração de seu aniversário foi de primeiríssima! Quem sabe você não comemora duas vezes ao ano??? rsrs.
    Mas que negócio é esse do Numanthia????
    Abraços,
    Flavio

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    1. desculpe o "mais" a mais... na segunda frase... passou...rs

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  2. Que nada, vc tem muito mais a falar. O Numanthia estará no ralo, amanhã (rs). Mas tem mais de onde veio esse (da loja, claro - rs!).

    A ideia de aniversário duas vezes por ano não é de todo ruim...
    []s,
    Carlos

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  3. Bela degustação, Carlão!
    Vou aguardar o desfecho desse Numanthia, embora já tenhas adiantado algo no teu último comentário (será?).
    Abraço!

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  4. Alexandre, foi boa mesmo - rs. Sobre o Numanthia... bom, este final de semana...
    Obrigado pela visita.
    Carlão

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