Monday, February 2, 2015

Dois portugueses e um enxerido na comparação

As reclamações, como sempre

Se você é um pobre sujeito que restringe suas amizades a uns poucos canalhas que não fazem outra coisa além de limitar sua criatividade, são os seus vinhos que correm perigo. Há tempos que queria colocar estes dois exemplares em uma degustação às cegas, pelos justos motivos: mesmo país, mesma safra, mesmo preço. Por causas diversas, demorou um pouco. Continuando: como somos três, e duas garrafas podem ser apenas a justa medida, e como anfitrião não me passa pela cabeça "a justa medida", precisei escolher algum outro acompanhante. Para diversificar, o último selecionado obedeceu aos critérios de idade na adega e a mera crença desde cronista de que seu momento estava "bom".
Para evitar que Don Flavitxo fizesse a postagem antes de mim (risos), escrevi a parte de apresentação destes comentários antes, deixando para o final apenas a apreciação dos vinhos em si. Desta vez ele não me pega!

Os escolhidos

O foco da brincadeira eram dois vinhos portugueses que eu gosto e, por completa coincidência, eram minhas últimas garrafas. O terceiro foi um chileno de alguma estatura mas preço superior. Eu já venho falando pouco bem sobre os vinhos chilenos para todas as orelhas que alugo; vejamos como a presente escolha poderá justificar ou não minhas observações.
Herdade da Soberana 2005
Herdade dos Grous 2005
Coyam 2006
Procurei comparar os preços dos produtos "lá" e "cá". No caso do Soberana, não obtive resultados satisfatórios no Wine-Searcher, então realizei uma busca mais genérica na Web.

As fichas

Herdade da Soberana 2005, vinícola Soberanas,  Setúbal, Portugal.
Composição: Alincante Bouschet 33% -Trincadeira 31% - Aragonez 16% - Alfrocheiro 13% - Tinta Caiada 7%.
Vinificação em inox, 14% de álcool. 
 Vinificação: estagia em barricas de carvalho francês por 18 meses, 14% de álcool.
Importador: Hannover Vinhos, sem preço no sítio.
Preço médio Wine-Searcher (Brasil): R$ 110,00
Preço em Portugual: 8,5 Euros.

Herdade dos Grous 2005, vinícola Herdade dos Grous, Alentejo, Portugal.
Composição: Aragonês, Alicante, Touriga Nacional e Syrah é a composição básica, embora não tenha encontrado a proporção específica de 2005.
Vinificação: estagia em barricas novas de carvalho francês por 9 meses, 14% de álcool.
Importador: Épice, sem preço no sítio.
Preço médio Wine-Searcher (Brasil): R$ 110,00
Preço em Portugal: 9,2 Euros.

Coyam 2006, vinícola Emiliana, Vale do Colchagua, Chile.
Composição: genericamente, 38% Syrah, 31% Carmenere, 19% Merlot, 10% Cabernet Sauvignon, 1% Mourvedre, 1% Malbec; não encontrei a composição deste 2006.
Vinificação: estagia 13 meses em barricas de carvalho.
Importador: La Pastina, sem preço no sítio.
Preço médio Wine-Searcher (Brasil): R$ 130,00
Preço médio Wine-Searcher (USA): R$ 75,00. Preço médio Wine-Searcher (Chile): R$ 60,00.

Notas de degustação

Submetidos a mais uma torturante degustação às cegas, os confrades Akira e Flávio receberam a primeira taça e não deixaram por menos, sorrindo pela facilidade da tarefa em identificar o primeiro vinho. Buquê à goiaba, pimenta, conjunto desequilibrado na boca (principalmente na pimenta, muito evidente). Um vinho reticente, nas palavras do Flávio. Pela cor, parecia um 2009 ou 2010. Assim foi a definição do Coyam.
Com um buquê fraco, embora macio na boca, mostrou-se ligeiro, de retrogosto curto. Pela cor que identificava certa idade, a percepção foi de ter perdido a força que um dia tivera. A pergunta que ficou no ar foi se a prova do Coyam não confundiou o nariz e o paladar para os vinhos seguintes. Sem muito a acrescentar, assim foi a definição do Herdade dos Grous.
Com fruta decadente, e evidenciado por notas terciárias de café ou couro (opinião do Flávio), com buquê pouco pronunciado, mas de boa acidez e retrogosto (observações do Akira), portanto bem no limite para se beber, apareceu o Herdade da Soberana.

Conclusão

Há algum tempo eu provei o  Marquês de Casa Concha CS 2005. Com várias garrafas, fui bebendo ao longo de alguns anos e aquela última fora deixada por vários outros. A lembrança do vinho rascante e algo quadrado manteve-se no último exemplar de 2005, que bebi ao final de 2014 (não postei). Naquele exemplar, o anos não amaciaram-no; permanceu o mesmo vinho encorpado, fechado e rascante de sempre. Seguindo a mesma linha, o Coyam 2006 mostrou-se um trogolodita, embora em muito melhor estado de conservação do que os portugueses. No quesito longevidade, surrou os pobres ibéricos como se fossem espantalhos; a impressão é que duraria mais longos anos (que não alterariam suas características). Longevidade é algo importante para vinhos, mas aprendemos que não é tudo. Aliás, parece que nada, nada, não é nada mesmo... Para quem ainda está acostumado aos chilenos, é um vinho de tipicidade andina, pelo menos à la "velha escola". Chile tem produzido vinhos menos rascantes e calcados na goiaba de apresentação muito adocicada, o que parece estar apenas transferindo o problema de qualidade de um canto para o outro.
Os portugueses decepcionaram um pouco pela baixa longevidade. Para vinhos com estágio em barrica e bom teor alcoólico, a apresentação aos 9 anos deixou a desejar. Estavam bebíveis, e o Grous, claramente, parecia uma sombra do que fora em anos anteriores. Reforça a sensação de que a longevidade está mesmo mais ligada à acidez do que à gradução alcoólica ou estágio em barrica. Portanto, esteja alerta: para essa classe de vinhos, 10 anos de armazenamento é tempo demais. Apesar de tudo isso, na opinião geral o Coyam não agradou. Mudou o Natal ou mudamos nós? Ainda que quase derrubados, os portugueses mostraram-se mais finos. O Soberana resistiu melhor ao tempo, mas também havia chegado ao seu limite.
Uma noite não tão boa, mas didaticamente frutífera. Que a próxima seja melhor. Aos confrades, meus agradecimentos pela paciência.

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