Wednesday, February 16, 2022

Um vinho para comemorar a Semana de Arte Moderna de '22

Introito

Enfunando os papos,
Saem da penumbra,
Aos pulos, os sapos.
A luz os deslumbra.
Os Sapos, Manuel Bandeira

 
 Há 100 anos, entre 13 e 17 de fevereiro de 1922, a Semana de Arte Moderna catapultou o Brasil para o modernismo, e preparou São Paulo - até então uma cidade sem importância cultural - para começar a galgar o topo da vanguarda. Organizada principalmente por Mário de Andrade, contou com representantes de várias áreas das artes: poesia, literatura, pintura, escultura e música. Villa-Lobos foi um dos participantes na apresentação musical, para que o leitor não afeito ao evento tenha melhor ideia de sua dimensão. Dos escritores, Mário de Andrade, Oswald de Andrade e Menotti del Picchia, dentre vários outros e sem prejuízo a qualquer um deles, são para mim os mais familiares. Os modernistas, grosso modo, aspiravam por uma arte brasileira, com mais liberdade no sentido do uso de linguagem cotidiana, em oposição aos parnasianos cuja poética estava profundamente calcada na métrica e emprego de vocabulário mais rebuscado. Ronald de Carvalho declamou Os Sapos na quarta-feira. Crítica ácida aos parnasianos, foi recebida com uma chuva de apupos pela plateia, e parece que tudo terminou em uma grande algazarra. Se não alcançou sucesso imediato, a Semana de Arte Moderna teve o mérito de plantar a semente de uma arte mais brasileira e desapegada dos valores estrangeiros (principalmente europeus) à que estava firmemente conectada. Este ano de 2022 promete muita algazarra, mas por motivos mais mundanos. Esquerda e direita (radicais) colocarão fogo primeiro nos debates e depois nas eleições, por um e apenas um motivo: ambas nada têm a perder, mas muito a ganhar, com o caos e a desinformação. Este articulista jamais deve medo de posicionar-se sobre qualquer assunto, mas parece claro que nossa saída é tomando o caminho do meio. Até porque isso nada tem a ver com o caminho de cima do muro!

Quinta da Alorna Touriga Nacional-Cabernet Sauvignon Reserva 2016

Estabelecida na Doc do Tejo - antigo Ribatejo - a Quinta da Alorna produz uma razoável gama de vinhos. Infelizmente seu sítio de internet bem baixa navegabilidade, e não pude conferir as informações com mais acuidade. Já havia experimentado esse Quinta da Alorna Reserva há muito tempo, mas não lembro-me se era o corte referido acima. Nariz com muita fruta negra e alguma especiaria. Mas, sobretudo, um quê de fechado. Procurei uma crítica ao escolhê-lo, e ela apontou que o vinho estaria pronto em 2021. Ledo engano. Na boca a mesma impressão: uma massa de frutas não muito definida, aquele travo doce português de sempre - nunca enjoativo - alguma especiaria, madeira saliente e taninos um pouco duros indicam que o vinho não está pronto - No Sir! Ainda assim, boa acidez, final não muito longo mas marcado justamente por estar fechado. Não é um vinho caro lá fora (USD 11,00); vinhos nessa faixa, como o Cedro do Noval, 2015/16 degustados anteriormente já estão bem redondos. E não será um ano que fará diferença para este Alorna. Quatro, cinco anos, e aí sim ele estará redondo. Sobrará um pouco para amanhã (meia garrafa, na verdade), e verei que sopa podemos tirar dessa pedra (sic). Mas o leitor pode estar preparado: não será a aeração que vai consertar um vinho nesse estágio. Por mais que algumas 'contas' tentem estimar o quanto a aeração faz o vinho envelhecer, pelo menos para vinhos nesse estágio ela não vale. Por mais que respire, ele não apresentará as mesmas características propiciadas pelo seu envelhecimento natural.

Resenha de livro

   Contam que Borges - um autor de contos - tinha várias ideias para livros que, ele sabia, não levaria a frente. Assim, escolhia resenhá-los 🙄(!) na forma de contos, muitas vezes confundindo o leitor se ali lia-se uma resenha de fato ou uma estória imaginária. Li O Aleph, além de contos esparsos em oficinas literárias ministradas pelo professor Deonísio da Silva, durante os anos 1990. Fruto daquela época, alimentei por mais de 20 anos a ideia de escrever um livro sobre a Semana de Arte Moderna, ambientado inicialmente em 2022. Li alguns livros de referência sobre a Semana e algo sobre alguns de seus principais personagens, mas não consegui convencer-me de que tinha suficiente background para tocar a empreitada. Eis que 2022 chegou e tudo ficou na ideia. 
   O início dá-se com um sujeito preso em meio a uma tempestade no deserto. Mesmo em um oásis ele sabe-se sem salvação; abre seu livro de orações e murmura um encantamento em palavras baixas que o vento carrega para longe.
   Um caboclo - pensei em um punk; era uma vestimenta diferente e relativamente comum na Sampa dos anos 90. Precisaria atualizar... - atravessa a porta giratória do Teatro Municipal de 2022, recuperada para fins da comemoração do centenário (faltou a pesquisa para confirmar se em 1922 a porta era giratória mesmo), e... sai do outro lado justamente alguns dias antes do evento original. Logo na chegada, recebe uma guarda-chuvada (sic) na cabeça, por uma  senhora que estava lá a comprar ingressos para alguma outra apresentação:
   - Você deve ser um desses moderninhos que estão infestando a cidade, não é isso?
   No périplo por uma São Paulo 100 anos mais antiga do que ele estava acostumado, um livro misterioso cai-lhe nas mãos. Ele encontra-se e faz amizade com Mário de Andrade, que já sentia um clima inamistoso para com o evento que este organizava. O livro em idioma estrangeiro deixa-o intrigado por uma anotação em português, e ele leva-o a um tradutor conhecido. Ali descobre tratar-se de um livro de magia, e o Feitiço da Confusão (na falta de nome melhor, neste momento) - aliado à nota em português - leva-o a descobrir uma trama dos parnasianos para que o público de fato não compreendesse a proposta dos modernistas. Some-se a isso uma jovem cigana que o personagem punk dá uma paquerada em 2022 estar vivendo em 1922 também como cigana, e um Ronald de Carvalho que na verdade queria transformar a plateia em sapos e pega o livro de Bandeira por engano, e está armado o palco para uma trama onde os parnasianos estão sob o comando de um mentor que age sob efeitos do espírito maligno enclausurado no livro do início da estória, e travará com nosso personagem punk o duelo final da trama, onde a vida da garota cigana estará sob perigo de vida.
   O que mais posso dizer? Tears in the rain? Bem, tenho uma estória que se passaria às portas da segunda guerra mundial, onde um solitário detetive brasileiro teria papel fundamental no curso dos eventos daquele tempo. Fica outra resenha...

4 comments:

  1. Você deveria comemorar a semana de 22 com um vinho mais rebelde, menos trivial.
    []s
    Romeu

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    1. Olá, Romeu.
      Esse vinho é menos trivial à maneira dele, não? 😂
      Está no padrão que tenho bebido ultimamente (USD 10,00 lá), guardando os menos triviais para assim que estiver mais firme no pós-Covid...
      Obrigado pela leitura!

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    2. Olá Carlos,
      É um vinho trivial, típico de uma região bem conhecida em Portugal e de produtor bem conhecido. Não me refiro ao preço e sim, às características do vinho. Quando falo em rebelde, menos trivial, me refiro aos vinhos de boutique, feito por produtores pequenos, menos tecnológicos, ou com castas menos difundidas, cortes inusitados, fermentações e maturação que fogem do trivial etc. Por isso relacionei com a semana de 22. Entendeu?
      []s,
      Romeu

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    3. Ah, agora sim... 😮
      Bem... temo que não tenha vinhos com tantas qualidades quanto as recomendadas... Basta ver a lista dos degustados, poucos atenderiam a essas variáveis... Lamento...

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