Sunday, February 8, 2015

Ultreia 2009 e Tessellae 2011: surpreendentes

   A experiência de ontem foi tão boa que não sei por onde começar. Talvez, pelo começo (sic). Há algum tempo eu havia comprado os dois vinhos desta postagem e, como gosto de fazer, deixei as garrafas descansando na  adega. Nas reuniões de domingo, volta e meia olhava para as elas, passava-lhes a mão de leve, como que para tirar o pó, e sonhava com o dia de experimentá-los. Não era para menos: dois vinhos bastante pontuados, bem comentados em outros blogs, e a um preço inferior a R$ 100,00. Ontem, sábado, reunido com a amiga/leitora/seguidora deste blog, a Ariane, e a amiga Bete (Balanço), resolvi que era chegada a hora.
   Por conta de outra grata surpresa, o Mas Donis (que apesar de muito bom demorara bastante para se revelar), acabei abrindo o Ultreia com uns 40 minutos de antecedência, e o Tessellae na hora em que elas chegaram, imaginando que começaríamos pelo Ultreia e durante um tempo o segundo poderia respirar um tanto. Os fatos mostraram que acertei. Mas antes, a elas,

As estrelas

Ultreia Saint Jacques 2009. Ultreia é a forma como os peregrinos do Caminho de Santiago se saudavam durante a Idade Média, e significa "vamos além". Saint Jacques é a forma francesa de São Tiago, um dos doze apóstolos, que tem em Compostela seu principal templo. Portanto, Ultreia deve ser entendido como uma homenagem do produtor às suas raízes. É produzido na região de Bierzo (comunidade de Castilla y León) pela Bodegas y Viñedos Raúl Perez. Mas... quem é esse ilustre desconhecido, Raúl Perez? Segundo os próprios espanhóis, o jovem enólogo nascido em 1973 na região, é um dos grandes nomes da nova geração de produtores, e um dos responsáveis pelo reconhecimento que Bierzo vem obtendo nos últimos anos. Oriundo de uma família de enólogos, aprendeu os primeiros passos com o tio, Alvaro Palacios (responsável por colocar o Priotato no mapa do vinho), que por sua vez estudou vinificação em Bordaux sob a tutela de Jean Pierre Moueix, vinhateiro de nada menos do que do... Châteu Pétrus. Aí sim!; agora está explicado o sucesso do rapaz: além de pedigree ele tem escola! Começou a produzir o Ultreia em 2003 com a proposta de alcançar boa qualidade mesmo em seus vinhos mais simples.

Domaine Lafage Cotes du Roussillon 'Tessellae' Old Vines 2011. Tessellae é uma palavra latina, e significa mosaico. Daí o rótulo, que mostra, de fato, a parte de um. Este vinho é produzido em Languedoc-Roussilon, uma extensa região ao sul da França que parece ter produzido, durante muitos anos, vinhos de menor qualidade. Quem se lembra da estória de que a França produz o melhor vinho do mundo e o pior, também? E quem se lembra, de alguns anos, do Vin de Merde, lançado por um produtor local cansado de ouvir falarem mal da sua região? Foi uma jogada de marketing muito boa, porque parece que o produto não era tão ruim assim, e acabou vendendo bastante bem. Não sei se a tática poderia ser empregada por aqui... é que lá, como eu disse, o produto não era tão ruim assim... Sejamos claros: a região produz vinhos ruins, mas não apenas vinhos ruins. E não para sempre (esse parece ser um mérito só nosso, e ninguém tasca a mão. Claro, faça-se a regra e o desvio está automaticamente criado. Quando nossos vinhateiros se derem conta de que ganhar dinheiro é uma consequência de se fazer vinho bom, então teremos um ponto de virada). Bem, voltando: a região abriga ainda a Montpellier SupAgro, um estabelecimento (público!) técnico-acadêmico sob a tutela do Ministério da Agricultura, que nos final das contas é... uma das maiores escolas técnicas de enologia do mundo. (com as mãos em concha ao redor da boca): ALÔ, DILMA! Enquanto isso a Embrapa, que deveria ser a nossa NASA, continua às traças e varejeiras! Assim, acabou que uma hora a rapaziada tomou finura e aprendeu a fazer direito. O Domaine parece  ficar bem ao sul do pais, uma vez que a máxima da casa é terroir mediterrâneo temperado pelos Pireneus.

Quem é quem

Ultreia Saint Jacques 2009: 100% Mencia, variedade típica da região, envelhecido em balseiro de carvalho (balseiro = vasilha grande para pisar uvas) de 3.000 e 5.000 litros (viu? grande!), por 12 meses. As pontuações mostram um histórico impressionante:  2012: 92+WA; 2011: 91WA; 2009: 94RP; 2008: 93RP; 2006: 93RP. É importado pela Casa do Porto.
Domaine Lafage 'Tessellae' Old Vines 2011. Parece que andaram escrevendo em blogs "40% Grenache Noir - 40% Syrah - 15% Mourvédre - 5% Grenache Gris", mas não é o que consta na garrafa: 50% Grenache Noir - 40% Syrah - 10% Mourvédre, e 14,5% de álcool, envelhecido em tanque de concreto. A primeira é a composição da safra de 2012, veja, e que  também obteve avaliação similar, 93 pontos RP. É importado pela Nova Fazendinha.


Notas de cata (ou notas de degustação)


Ultreia Saint Jacques 2009: Em um primeiro momento não impressionou tanto no nariz, melhorando mais ou menos quando chegaram as convivas. É elegante, tem boa fruta (não identifiquei), bons taninos, corpo médio, sinal que a barrica não sobrepuja a fruta, e equilibrado. Mais para o final, apareceu café (chocolate?). Em alguns momentos, o álcool torna-se um pouco aparente. Procurei a ficha técnica: frutas vermelhas vibrantes, um toque de pétalas de rosas e morango esmagado. Em algum momento a Bete (Balanço) citou rosas (flores?) para algum vinho. Eu não anotei para qual, mas resolvi procurar pelo singular da percepção. É um ótimo vinho, mas peca pelo álcool. Os 94 pontos estão superestimados em função dessa aresta. Li em algum lugar que foram outorgados pelo famigerado Jay Miller, aquele sujeito que analisa vinhos espanhóis e argentinos para o Parker, e foi pego recebendo indulgências de alguns produtores dos dois lados do Atlântico. Então pese contra a Wine Advocate sua permanência no quadro de avaliadores. Por outro lado, poderia dar-lhe 92 pontos fácil. Pelo preço (cerca de R$ 90,00 à época, R$ 99,00 hoje), é melhor do que qualquer sul-americano a bate de chinelo na maioria dos portugueses. Acho que seria páreo para o Chocapalha reserva.

Domaine Lafage 'Tessellae' Old Vines 2011. Preciso confessar: não sei o quanto a abertura deste vinho junto do Ultreia atrapalhou meu julgamento sobre o primeiro. O vinho é uma explosão de frutas às quais sobrevém couro ou fumo, algo nessa direção. Achei que algum chocolate ou café, também. Quero deixar claro que é muito rico. Na boca, boa acidez e bons taninos mostram ótimo equilíbrio. Este sim é um vinho digno de 93 pontos, na minha opinião. Peguei a ficha: "morangos e cerejas-pretas mesclado com um toque de flores de primavera, uma textura aveludada e uma voluptuosa sensação bucal". Olha as flores aí de novo. Rosas, flores... qual foi mesmo a percepção da Bete? Não lembro, mas ela seguramente acertou. Walew, Bete! O problema (não, não um problema, mais uma constatação) foi que o Tessellae, com toda sua fruta, atropelou o bom Ultreia (outro motivo para discordar da nota daquele). Atropelou mesmo. Tá, não foi um atropelamento à la corrida de quadrigas em Bun-Hur (vá direto ao terceiro minuto, cravado), mas foi feio.

Os preços

   Neste quesito o colunista bate (na análise, sempre apanha). Foi um pouco difícil encontrar o custo do Tessellae 2011, e uma das fontes foi o sítio do produtor. Um preço nos EUA mostrou-se realmente bom.
Ultreia:
Preço "lá":  €  14,00, o que projetaria um custo de R$ 140,00.
Preço "cá": R$ 99,00. Não é uma barganha, mas é um preço honesto.

Tessellae:
Preço "lá":  R$ R$ 33,45 em um sítio americano, € 15,00 no sítio do produtor (R$ 47,00).
Preço "cá": R$ 93,00.
Vejamos:




Em sua safra 2012, o Tessellae é vastamente encontrado nos EUA, ao preço médio de R$ 35,00. Seu preço aqui, portanto, é quase o triplo do mercado americano. Curiosamente, a Nova Fazendinha ocupa lugar de destaque na comparação das importadoras pelo Enoeventos (quinto lugar). Neste vinho, abocanharam um lucro fabuloso. Poderiam ter sido mais generosos. Acontece que por R$ 93,00, o Tessellae não deixa pedra sobre pedra em vinhos do mesmo preço. Que sul-americano poderia competir com ele? Competir, note bem. Dos que eu já bebi, o Von Siebenthal "Montelig". Mas custa R$ 300,00. Tá, tá, uma boa safra de Almaviva bate nele, mas o preço é para lá de pornográfico (nos EUA, cerca de R$ 300,00; aqui, R$ 600,00, ou mais). Mas aí precisa chamar um Almaviva para "tratorar" um simples Tessellae de R$ 93,00... ou seja: o Tessellae realmente impressionou. Corra, ainda dá tempo.

11 comments:

  1. Mais um artigo dos bons. Acabei de encomendar uma caixa para comemorar o aniversário de minha esposa agora no final de fevereiro. Só espero que o carnaval no Rio não atrapalhe a entrega da Nova Fazendinha.
    Sds,
    LR

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  2. ¿Estás bromeando?

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  3. Não entendi o segundo comentáro (rs), mas obrigado pela visita.

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    1. Perdón. ¿Pero como poner en el mismo nivel Almaviva y un vino alrededor de U$ 13?

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  4. No! Disse que para passar sobre Tessallae como um tractor, é necessário um Almaviva (mas custa cerca de R$ 700,00 a R$ 800,00 no Brasil). Um Montelig não passa como um trator sobre Tessallae; ele "compete bem". Pode ganhar, pode perder; é questão de colocar ambos lado a lado. E custra R$ 300,00 no Brasil.
    Gracias!

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    1. Lo entiendo. Pero también Montelig és un gran vino.

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  5. Si, Montelig és un gran vino. Pero cuesta mucho dinero...
    Gracias!

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  6. Com o que o Ultreia harmoniza?

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  7. Lamento, não entendo muito de harmonização. Para mim, vinho tinto casa com um bifão mesmo... (rs)

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  8. Boa noite Carlos

    Gostei do blog. Parabéns!
    Tinha separado uns chianti aqui em casa, inclusive o clemente VII riserva. Ao ver seu blog fiquei mais animado. Valeu!
    Abraços
    Dário

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  9. Caro Dário, obrigado pela passada. Boa desgustação com o Clemente VII. Aerá-lo por algumas horas fará muito bem para que ele mostre a que veio.
    []s,
    Carlos

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