Tuesday, August 25, 2015

Clemente é um bom camarada

A região de Chianti Classico

   Genericamente falando, Chianti está situada na Toscana, que por sua vez faz parte da Itália Central. Chiani Classico (assim, sem acento) é o cerne dessa DOCG, produzindo 1/3 dos vinhos da denominação. Originalmente, era um corte de Sangiovese, Canaiolo, Mammolo e Colorino (o que quer que seja isso - rs), e remonta ao Século XIX. Uma revisão de 1990 permitiu tanto a produção de Chiantis com 100% de Sangiovese como ainda aceitou a introdução de cepas internacionais na região (Cabernet Sauvignon e Merlot). Era o começo da produção dos Supertoscanos. Isso aconteceu pela dificuldade em produzir-se vinhos mais redondos com a Sangiovese, o que foi conseguido mais facilmente pela adição de pequenas quantidades dessas uvas como corte. É claro que bons produtores não precisam desse recurso... mas eu arriscaria dizer que ele é útil quando as condições de uma dada safra não ajudam tanto. De qualquer maneira, desde então existem aqueles que reclamam da perda da regionalidade do vinho, e há aqueles que aprovam essa certa internacionalização.

Uma curiosidade sobre Chianti

   Como o leitor deve saber, a unificação italiana aconteceu já tarde, no meio do Século XIX. Pequenos reinos consideravam-se estados independentes, e escaramuças políticas eram frequentes. Uma delas aconteceu entre Florença e Siena, que disputavam terras e a primazia sobre o nome Chianti. Acordou-se que uma corrida de cavalos resolveria a delimitação das fronteiras e a primazia sobre a denominação. Ao cantar do galo, em cada cidade, um cavaleiro sairia em disparada por cada ponta de uma estrada que ligava as cidades, e o encontro de ambos demarcaria o limite entre as regiões. Imagino que emissários de cada cidade foi recebida na outra, para conferir a saída do cavaleiro.
   Assim, os líderes de Siena escolheram um galo vistoso, novo e bem alimentado, enquanto os florentinos - gosto de pensar que inspirados por Leonardo da Vinci (rs) - escolheram um galo preto, raquítico e mal alimentado. Com fome, o galo de Florença acordou mais cedo e, a seu primeiro canto, o cavaleiro florentino disparou, encontrando-se com o outro cavaleiro praticamente às portas de Siena. Assim, Florença conquistou um território muito maior e tambem o direito sobre o uso do nome Chianti. Como uma espécie de agradecimento, o galo negro estampa todas as garrafas da região.

Castelli del Greve Pesa

A Cooperativa de Castelli del Greve Pesa reune 18 vinicultores espalhados pelas colinas da zona Chianti Classico com a missão de preservar a antiga tradição da viticultura toscana produzindo vinhos de boa qualidade por meio da seleção cuidadosa das uvas e sob estrita obediência às regras do Consórcio Gallo Nero - aquele mesmo da estória pouco acima. Portanto, produzem uma extensa gama de vinhos, indo do branco ao tinto, passando pela Grappa e pelo Vin Santo. Infelizmente o sítio do produtor não traz informação do porque da escolha dos nomes de seus produtos. Foram degustados em dias diferentes, mas a postagem comentará ambos.

Clemente VII Chianti Classico Riserva 2007: 95% Sangiovese, 5% Merlot,
envelhecido por 36 meses em barricas.
Clemente VII Chianti Classico 2008: 100% Sangiovese, envelhecido por 24 meses em barricas.
Note, em ambos, o selo do galo negro.


   O Clemente VII Chianti Classico Riserva 2007 apresentou-se "reticente" no início, bem herbáceo, e a evolução depois de aberto foi melhor notada somente após a segunda hora. Boa fruta, acidez adequada, taninos presentes e harmonizados. Até o final - mais umas duas horas - continuou a evoluir. Bom final, boa persistência, mas sem assombrar. A impressão é que pode aguentar mais alguns anos, embora esteja pronto para consumo, com aeração adequada.

   O Clemente VII Chianti Classico 2008 foi aberto e decantado por duas horas antes de ser servido. Esteve reticente durante todo o tempo - mais umas três horas! - e só melhorou mais para o final. Fiquei surpreso, pois havia experimentado o Riserva antes, e julguei que este deveria estar mais pronto. Sobraram uns 4 ou 5 dedos, que eu experimentei no dia seguinte tendo conservado em geladeira sem vácuo. Explosão de fruta. Boa acidez, bons taninos, equilíbrio excelente. Surpreendente. Final e persistência igualmente bons, e igualmente sem assombrar. Mas... acho que tivéssemos de somar isso às características de ambos, eles não custariam o que custam...

   Preços: paguei por volta de R$ 115,00 (o Riserva) e R$ 90,00. Os preços em comparação com o exterior estão bastante bons. São vinhos de pontuações consistentes entre alguns avaliadores (89-91 pontos para o Riserva, em diversas safras consecutivas). O leitor pode perguntar: mas "apenas 90 pontos?". Bem, eu já devo ter comentado em outras postagens que algumas avaliações - principalmente espanhóis e argentinos - com certas pontuações 92+ não me pareceram adequadas; o correto seria "reposicioná-las" uns 3 ou 4 degraus abaixo. Ou subir estes Chiantes para 94-95 pontos. Seria o efeito Jay Miller? Esse escândalo arranhou a credibilidade do site erobertparker.com e, em cascata, jogou uma sinistra nuvem de desconfiança sobre os demais avaliadores. Claro que o leitor pode tentar outras alternativas. Por exemplo, confiar em algum produtor de procedência, mas vai precisar da indicação de algum suposto Iniciado Supremo (e pagar pelo serviço de consultoria dele, é lógico).

Diante dos fatos, podemos aclamar:
    Clemente é um bom camarada,
      Clemente é um bom camarada,
          Clemente é um bom camarada...
              Ninguém pode negar!


PS: Leitura posterior apontou que a lenda do Gallo Nero pode remontar, na verdade, ao Século XIII. Veja aqui, na caixa de texto The Black Rooster. No meu texto perdeu-se a inspiração de Leonardo, mas a imagem continua bela.

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