Monday, April 13, 2020

Dois portugas: CARM Grande Reserva 2008 e Quinta do Carmo Reserva 2007

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Introito

- E aí?
- Tô aaaaarmaaaaado. - lembrei do Renê, enquanto respondia à provocação de Don Flavitxo.
- Quão armado?
- Um Reservão...
- Safra?
- Dois mil e sete.
- @#&@%! Caramba... 2007...
- Larga de reclamar. Encara ou passa. - revidei, com ares de superioridade.
- Encaro! E levarei um Grande Reservão para atropelar com aro de magnésio seu mero Reservão!
- Oito horas. - desliguei, olhei para a câmera e soltei aquela risada à la Vincent Price, enquanto a imagem desaparece em um fade in. Explico: nestes tempos de quarentena, algum psicodrama é necessário para mantermos a sanidade...

A classificação dos vinhos portugueses

   Pois é, o inexistente leitor por acaso já ouviu falar sobre as regras que permitem a um produtor português rotular seu vinho como Reserva, Grande Reserva, Grande Escolha, Selecção do Enólogo, Garrafeira, e outras mais? Não? Está como eu. Mas se sim, conte-me, por favor! Neste final de semana dei uma olhada geral, e o resultado foi desanimador.
   Espera-se que tais menções não sejam atribuídas a esmo, e que sua presença em um rótulo de fato confira ao produto maior importância e qualidade, até justificando um preço eventualmente maior.
   Uma fonte para checar as designações de origem dos vinhos portugueses está aqui. É uma página comercial que apenas explica as denominações, DO, DOP, DOC, IG, IGP, Vinho Regional e simplesmente 'Vinho'. E essa não é uma escala hierárquica. Além, claro, de nada fala sobre a classificação em si! 😞

   O simpático sítio Wines of Portugal traz um dicionário, onde podemos encontramos algumas definições, que reproduzo do original:

  • Reserva – Uma designação de qualidade superior para os vinhos DOP, e que tem de ser certificada pela entidade certificadora (CVR ou IVDP).
  • Grande Reserva – Designação oficial para vinho DOC / DOP e vinho IGP com características organolépticas destacadas e um título alcoométrico igual ou superior a (em 1% por volume) o limiar mínimo estabelecido como avaliado pelo painel da Comissão Vitivinícola Regional. O uso desta designação requer a indicação do ano da safra.
  • Garrafeira –  Denominação oficial para vinho DOC / DOP e vinho IGP com ano de colheita e envelhecimento mínimo: para vinho tinto e envelhecimento de pelo menos 30 meses, dos quais pelo menos 12 meses em garrafa de vidro; Para vinhos brancos e rosas, envelhecimento de pelo menos 12 meses, dos quais pelo menos 6 meses em garrafa de vidro. Também significa loja de vinho ou adega em português.
  • Selecção do Enólogo – Designação não oficial para um vinho recomendado pelo enólogo.

   No caso do Grande Reserva, notamos a tentativa de estabelecer um nível de álcool acima do limiar estalecido por uma comissão. Esse limiar, claro, depende da safra. Mas no caso do Garrafeira cita-se apenas o prazo de envelhecimento, sem qualquer outra necessidade. E, pior, nenhum dos casos dita que o envelhecimento deva acontecer em barrica! Falar em descarte de uvas, então, menos ainda...

Aos órgãos reguladores, então...

   O IVDP, Vinhos do Douro e do Porto, tem por missão ...promover o controlo da qualidade e quantidade dos vinhos do Porto, regulamentando o processo produtivo, bem como a protecção e defesa das denominações de origem Douro e Porto e indicação geográfica Duriense.
   Encontrei apenas uma menção mais direta a vinhos Reserva: Tintos de guarda: Têm boa profundidade de cor e aromas complexos e intensos. Quando novos, é comum surgirem notas de frutos pretos, chocolate, balsâmicas, violeta e madeira, sendo vinhos de grande estrutura e com taninos persistentes. No seu apogeu, que pode levar quase uma década a atingir, apresentam aromas delicados e subtis mas de grande complexidade. Na boca o vinho amacia mas mantém-se equilibrado. Uma parte significativa dos vinhos de guarda produzidos no Douro apresenta no rótulo a designação Reserva ou Grande Reserva.

   A CVRA, Comissão Vitivinícola Regional Alentejana, traz as designações mencionadas, mas é tudo vago. Fala em estágio, como mencionado no Wines of Portugal, mas também não especifica se em madeira. Seria uma obviedade? Não parece, porque sabemos que antigamente os vinhos podiam ser envelhidos em recipientes cerâmicos. Aliás o Gravner faz isso até hoje...

   No IVV, Instituto da Vinha e do Vinho, também não encontrei maiores informações.

   A CVR, Comissão Vitivinícola Regional do Dão tem por missão ...garantir a sua genuinidade e qualidade, pelo que os submete a uma rigorosa coordenação e controlo. Estas actividades abarcam todo o circuito de produção e comercialização dos vinhos, com presença exclusiva dos Agentes de Verificação Técnica do Organismo em todas as operações.
  Encontrei um excerto do Diário de República - acho que o equivalente do nosso Diário Oficial - que, em seu artigo 9°, página 4287, trata de menções tradicionais... e lista as definições de Reserva, Grande Reserva, Garrafeira, etc., mais ou menos como na Wines of Portugal... Que impressão de estar andando em círculos!

   Apesar dessa aparente falta de classificação melhor definida, o leitor não deve debruçar-se na mesa e chorar... como vimos, cada região (e aqui listo só algumas) tem seu órgão regulador, e a qualidade do vinho português é muito bem assegurada por eles. Afinal, vejamos:
   * O leitor já bebeu algum vinho português e disse - Pow, isso é ruim! Difícil, heim?
   * Por coincidência, experimentei e postei há pouco um bom alentejano, o Pêra Grave. Confira lá.
   * Finalmente, a questão das nomenclaturas Reserva, Grande Reserva e outros foi questionada em função dos vinhos descritos nesta postagem. Foram consumidos antes da epidemia, de forma não estou quebrando o isolamento assim tão à larga. Vejamos como foi.

Uma batalha Douro vs. Alentejo

   Como dito, há poucas postagens (sic), comentei um pouco sobre o Alentejo. Falemos então do Douro... Produzindo vinhos há uns meros 2.000 anos, dá para desconfiar que o pessoal deva ter aprendido da arte. O vinho que leva o nome da região foi primeiramente referenciado em 1678; até 1715 sua produção havia passado de 800 pipas para 8.000 pipas (pipas são barricas de 650 litros). E em 1750 atingiu 19.000 pipas. Com a produção na crista da onda, começaram a aparecer produtos de qualidade adulterada. Como sempre, o pessoal sério chiou, e chamou-se ninguém menos que o Marquês de Pombal para resolver a situação. O cara resolvia mesmo: em 1756 foi criada a Companhia Geral da Agricultura das Vinhas do Alto Douro, e o Douro passou então a ser a primeira região demarcada a produzir vinhos com qualidade certificada. Detalhes dessa estória estão aqui e nos vínculos da mesma página.
   A região é banhada pelo rio Douro, que vem da Espanha com o nome de... Duero! Sim, a famosa região espanhola de Ribera del Duero também está na rota desse rio em sua jornada para o Atlântico.

  As cepas tintas características do Douro são a Touriga Nacional, a Tinta Roriz (na Espanha, Tempranillo), a Touriga Franca, a Tinta Amarela, a Tinta Barroca, a Tinta Cão, a Bastardo e a Mourisco. Com o passar das gerações, o registro, muitas vezes confidenciado de pai para filho, sobre a composição dos vinhedos, acabou por perder-se. Daí nasceu o conceito de Field Blend, que é um vinhedo onde as uvas crescem misturadas.

Os atores

Os atores do encontro foram este que vos escreve e posa para a foto, o CARM Grande Reserva 2008, o Quinta do Carmo Reserva 2007 e, claro, Don Flavitxo na fotografia.
O CARM Grande Reserva pertence a um ramos da produção da Casa Agricola Roboredo Madeira SA, e é um grande vinho. Tem fruta, tem chocolate (café? - risos!), tem taninos que a essa hora (12 anos) estão plenamente integrados à madeira e ao álcool, com uma acidez muito presente e igualmente harmônica. Mais um exemplo de felicidade engarrafada. Não anotei a graduação alcoólica, mas na ficha técnica da safra de 2015 - a única disponível no sítio do produtor, indica 14,1%. Com 12 meses em barricas novas, de lambugem.
Já o Quinta do Carmo Reserva 2007 tem a seu favor o fato de pertencer a uma grande safra. A Quinta foi adquirida pela Bacalhôa, cujo sítio é chato de entrar. Comprei há muito tempo, no Free Shop, quando os preços lá ainda eram razoáveis. Paguei algo como USD 50,00. É um corte composto por Aragonês, Cabernet Sauvignon, Syrah e Trincadeira. Falar de Quinta do Carmo é repetir os elogios feitos ao CARM: boa fruta, boa acidez, bons taninos, com final excelente. Fica na boca depois de ter engolido tudo e ainda está lá enquanto a contemplação vai longe... como o CARM.

   O resultado foi um empate cheio de felicidade para todos os lados, mostrando que, nesse caso, o Grande Reserva não "atropelou" o Reserva. Fica então a observação: embora tenha sim importância, termos como Reserva, Grande Reserva, etc., por si só não garantem um salto qualitativo muito grande nos vinhos portugueses. Nas mãos de bons produtores - como acompanhamos ao longo da postagem, eles já existiam em 1750! - faz sim toda a diferença. Como saber quais são os bons produtores? Pois é, tem que suar a camisa! Ler os blogs em você confia - sem dispensar o espírito crítico -, ouvir o sommelier da adega em que você compra - isso dá assunto para comentários ácidos... qualquer hora! - experimentar em degustações e anotar na sua carteirinha... tudo é válido. Só não se esqueça de comparar preços no wine-searcher: alguns importadores chegam a pedir 4x por alguns exemplares. E nesse caso e céu não é o limite, infelizmente.

2 comments:

  1. Fala, Carlão! Boas lembranças... Então, concordo com você. Essa classificação portuguesa não é lá muito rigorosa e tampouco seguida. Aliás, muitos tradicionais nem a levam a sério, como Mouchão, Meão, Ferreirinha e tantos outros. No caso específico do Quinta do Carmo, o de entrada já é um belo vinho, comparável a outros chamados de Reserva por outras vinícolas. O Reserva então, muito acima da maioria dos Reservas. Quanto aos dois vinhos, concordo com você. Ambos deliciosos. Ainda que eu tenha achado que os dois já atingiram o seu ápice, que no caso, foi em grande estilo!
    Abração,
    Flavio

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    1. Flávio, como vai?
      Veja só: acaba sendo um risco o pessoal não seguir a classificação - apesar dos problemas comentados. O consumidor fica em dúvida sobre o que lhe é ofertado. Sem maior informação, acaba levando um Reserva pelo mesmo preço de um Meão ou Mouchão, que muitas vezes nem é melhor.

      E sim, bem observado: ambos estão prontos para o consumo. Se alguém tiver outra garrafa, me chame!

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