Sunday, April 12, 2020

Jonata, o vírus e A Igreja do Diabo

File failed to load: https://cdnjs.cloudflare.com/ajax/libs/mathjax/2.7.2/extensions/MathMenu.js

Introito

- Carlão, tudo bem?
- Romeu, há quanto tempo... se resguardando do Corolla vírus, né?
- Exatamente... e aproveitei um tempo livre pra olhar seu blog. Você só está bebendo vinho ruim, heim? - bati com a mão de leve na testa, como se levando a sério a ironia.
- Pois é... quer saber, vou dar um jeito nisso...
- Ah, é?! O que vem por aí, então?
- Ainda não sei... mas vou pensar...
- E eu recluso aqui em casa...
- Depois tiramos a forra...
Conversamos mais um pouco e desliguei. Fiquei pensando por uns momentos. A amiga Carol resolvera passar para uma pizza, depois de semanas enfurnada em sua casa, fazendo consultas online. Também enfurnado na minha, achei que era mesmo um bom momento para uma trégua na solidão. Só não pude deixar de lado a conexão com A Igreja do Diabo, engraçadíssimo conto de Machado de Assis onde o Diabo resolve fundar uma religião. Depois de arrebatar milhões de seguidores, provocar a iniquidade por todos os lugares, o Diabo nota, em completo desespero, seus adeptos incorrendo em pequenas manifestações de práticas benevolentes aqui e ali. Ao final, após ouvir pacientemente as reclamações do Diabo, o Senhor apenas comenta:
    - Que queres tu, meu pobre Diabo? As capas de algodão têm agora franjas de seda, como as de veludo tiveram franjas de algodão. Que queres tu? É a eterna contradição humana.

  Enquanto isso um prefeito que abandonou o cargo em meio de mandato, traindo a confiança de seus eleitores, apresenta sinais evidentes da Síndrome do Grande Irmão. Combina com operadoras de telefonia que vai rastrear os usuários por causa disso ou daquilo, por alguma razão obscena; simplesmente não há motivo, por mais justificado, para patrulhar o que o cidadão faz ou deixa de fazer. Com ele, eu (não) me encontrarei nas urnas; igual a vinho caro, que fique com os tolos que o compram. Com os demais... seria muita malvadeza cancelar meu plano de celular? La part du colibri... que também é nome de vinho.

O Vale de Santa Ynez

   O Vale de Santa Ynez situa-se no condado de Santa Bárbara, na Califórnia. Fica a uns 500 km ao sul do famoso Vale do Napa, mas a apenas 200 km de Los Angeles.
   Constitui-se em uma AVA (American Viticultural Area), o equivalente ianque da AOC francesa ou da DOC italiana. E, ao melhor estilo americano, tem um site pronto para apresentar ao eventual visitante seus atrativos. Incluindo, claro, dezenas de vinícolas, muitas das quais classificadas como boutiques.

Jonata

   Jonata é uma dessas vinícolas-boutique. Em uma propriedade de quase 600 acres, "apenas" 84 são ocupados pelas parreiras, onde são plantadas Syrah, Cabernet Sauvignon, Petite Sirah, Petit Verdot, Sangiovese, Merlot, Cabernet Franc,  Viognier, Sauvignon Blanc e Sémillon. Produz nove vinhos, entre brancos e tintos. O estilo vai da combinação clássica de Bordeaux (ênfase em determinada "grande" uva, Cabernet Sauvignon, Cabernet Franc ou Merlot), passando pelo Rhône (Syrah) e enveredando para cortes absolutamente "não lineares", como é o caso de Todos.
   Sua primeira colheita aconteceu em 2004. Apesar de estilo direto - bebi um há alguns anos; era relativamente jovem, portanto, mas já muito agradável - parecem envelhecer muito bem: com uma década, seus exemplares podem ser considerados prontos, mas com potencial de guarda.

Jonata Todos 2010

   Todos foi lançado inicialmente com outro nome: El Corazón de Jonata. É calcado na Syrah, e sua combinação muda conforme a safra. Às vezes muda bem. Simplesmente usa todas as variedades cultivadas na propriedade, e na safra de 2010 o corte foi 78% Syrah, 8% Sangiovese, 5% Merlot, 3% Cabernet Sauvignon, 1% Viognier, 1% Grenache, 1% Cabernet Franc, 1% Petit Verdot, 1% Sauvignon Blanc, 1% Semillon... "50% em carvalho francês novo e 50% carvalho francês neutro". Imagino que carvalho "neutro" refira-se a barricas sem tostagem. Só não sei o que significa 50% de carvalho novo para essa combinação tão esdrúxula... o vinho é 'um desfile' de cepas, incluindo brancas(!), e ainda assim mantém um equilíbrio impressionante. A Carol gostou e notou um certo defumadinho. Tinha mesmo... segundo o enólogo, "Knockout nose with charcoal, black plum, graphite and black olive".
   Boa fruta desde a abertura, ficou aerando por mais de uma hora antes de chegar à taça. Buquê elegante, muito boa fruta, um tostado com especiaria. Na boca, boa acidez, bons taninos, seus 14.9% de álcool não aparecem. Ainda, um carvalho muito bem integrado ao conjunto da obra. Bastante bom para sua faixa de preço, em torno de USD 50.00.  Nesse valor, e com disponibilidade praticamente apenas nos EUA, os Jonata são vinhos para poucos, à medida em que é preciso 'ir lá' para adquirir uma garrafa. Mas se o inexistente leitor tiver a oportunidade, pode comprar sem medo: não tem aquela baunilha tão característica dos americanos. Não é enjoativo, pelo contrário: um gole chama o próximo. É "apenas" mais um exemplo de felicidade engarrafada. Com a companhia da Carol, então, foi além de maravilhoso.

No comments:

Post a Comment